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Presidência da República
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Aprova a Política Nacional sobre Drogas. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput , inciso VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006,
DECRETA :
Art. 1º Fica aprovada a Política Nacional sobre Drogas - Pnad, na forma do Anexo , consolidada a partir das conclusões do Grupo Técnico Interministerial instituído pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, na Resolução nº 1, de 9 de março de 2018.
Art. 2º Os órgãos e as entidades da administração pública federal considerarão, em seus planejamentos e em suas ações, os pressupostos, as definições gerais e as diretrizes fixadas no Anexo .
Art. 3º A Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública articularão e coordenarão a implementação da Pnad, no âmbito de suas competências.
Art. 4º Fica revogado o Decreto nº 4.345, de 26 de agosto de 2002.
Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília, 11 de abril de 2019; 198º da Independência e 131º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Sérgio Moro
Luiz Henrique Madetta
Osmar Terra
Damares Regina Alves
Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.4.2019 - Edição extra
Política Nacional sobre Drogas
1. INTRODUÇÃO
O uso de drogas na atualidade é uma preocupação mundial. Entre 2000 e 2015, houve um crescimento de 60% no número de mortes causadas diretamente pelo uso de drogas [1] , sendo este dado o recorte de apenas uma das consequências do problema. Tal condição extrapola as questões individuais e se constitui como um grave problema de saúde pública, com reflexos nos diversos segmentos da sociedade. Os serviços de segurança pública, educação, saúde, sistema de justiça, assistência social, dentre outros, e os espaços familiares e sociais são repetidamente afetados, direta ou indiretamente, pelos reflexos e pelas consequências do uso das drogas.
Independentemente das questões de gênero, idade, espaço geográfico ou classe social, ainda que essas especificidades tenham implicações distintas, o uso de drogas se expandiu consideravelmente nos últimos anos e exige reiteradas ações concretas do Poder Público, por meio da elaboração de estratégias efetivas para dar respostas neste contexto. Tais ações necessitam ser realizadas de forma articulada e cooperada, envolvendo o governo e a sociedade civil, alcançando as esferas de prevenção, tratamento, acolhimento, recuperação, apoio e mútua ajuda, reinserção social, ações de combate ao tráfico e ao crime organizado, e ampliação da segurança pública.
A proposta de atenção a tal problemática requer, necessariamente, o reconhecimento do contexto de que nos últimos anos, em nível nacional e internacional, é possível identificar o aumento dos mercados de drogas ilícitas [2] e é necessário considerar todas as suas implicações quanto ao monitoramento de fronteiras, à segurança pública e à repressão ao tráfico de drogas.
Dentre as drogas ilícitas, a maconha, em nível mundial, é a droga de maior consumo. No Brasil, a maconha é a substância ilícita de maior consumo entre a população. Em pesquisa nacional de levantamento domiciliar, realizada no ano de 2012, 6,8% da população adulta e 4,3% da população adolescente declararam já ter feito uso dessa substância, ao menos, uma vez na vida. Já o uso de maconha, nos últimos 12 meses, é de 2,5% na população adulta e 3,4% entre adolescentes, sendo que, 62% deste público indica a experimentação antes dos 18 anos. Ademais, o uso de maconha, especialmente no público adolescente, gera preocupação em decorrência das consequências nocivas do seu uso crônico, tais como maiores dificuldades de concentração, aprendizagem e memória, sintomas de depressão e ansiedade, diminuição da motivação, sintomas psicóticos, esquizofrenia, entre outros prejuízos.
Com relação à cocaína foi identificado o uso, ao menos uma vez na vida, por 3,8% entre adultos e 2,3% entre adolescentes, e no que tange aos últimos 12 meses, 1,7% da população adulta e 1,6% da população adolescente referem ter feito uso. Destaca-se que a experimentação da cocaína, em 62% das situações, ocorreu antes dos 18 anos. O uso de crack, na vida, foi apontado por 1,3% dos adultos e 0,8% dos adolescentes. O uso nos últimos 12 meses foi verificado em 0,7% da população adulta e 0,1% dos adolescentes. É necessário compreender a limitação de tal pesquisa, por ser uma amostra domiciliar, que não considera a população em situação de rua, sendo que tal grupo possui suas especificidades, com uma tendência de maior de consumo de tais substâncias.
No que tange ao uso de drogas lícitas, em nível mundial, o uso de tabaco é considerado um dos fatores mais determinantes na carga global de doenças. Com seu uso muito vinculado às questões culturais, além dos prejuízos ao usuário, o tabaco acarreta complicações àqueles expostos à sua fumaça, denominados fumantes passivos. No Brasil, do ano de 2006 para 2012, houve uma redução de 3,9% na prevalência de fumantes. A diminuição do uso do tabaco nos últimos anos é representativa e pode se vincular à implementação de ações direcionadas à prevenção, tais como as limitações nas veiculações de ações publicitárias. Entretanto, a experimentação e o uso regular iniciam-se ainda na adolescência, o que indica maior necessidade de ações voltadas para esse público, bem como ampliação no controle sobre a comercialização do tabaco entre adolescentes. Ao mesmo tempo que se registra uma diminuição no uso de cigarro, observa-se o uso crescente de seus similares, como o narguilé, especialmente entre adolescentes e jovens. Entidades atuantes na área da prevenção do uso de drogas relatam o crescente uso dos derivados do tabaco entre os adolescentes e jovens, fato que ainda carece de estatísticas oficiais em nível nacional, bem como ampliação de estudos científicos. Ações de marketing , que promovem produtos como narguilé, e induzem a conceitos errôneos acerca deste produto, podem vir a induzir o aumento do uso dessas substâncias vendidas sem qualquer descrição dos seus efeitos maléficos à saúde [3][4] , visto que ações de regulação de sua comercialização ainda são incipientes. Neste sentido, dados os prejuízos à saúde, sociais e econômicos, decorrentes do tabaco e de seus derivados, estes produtos [5] , em sua comercialização, devem ter as mesmas diretrizes de advertência que o cigarro já tem.
Com relação a outra droga lícita, a experimentação do álcool, tem iniciado cada vez mais cedo. No ano de 2006, 13% dos entrevistados tinham experimentado bebidas alcoólicas com idade inferior a 15 anos. Esse percentual subiu para 22% em 2012. Esses dados são ainda mais preocupantes no público feminino, visto o aumento do uso de maneira mais precoce entre as mulheres [6] . Desenvolver estratégias voltadas para o público mais jovem é de fundamental relevância, considerando que os efeitos negativos do uso sobre este grupo etário são maiores quando comparados a grupos mais velhos, sendo a adolescência um período crítico e de risco para o início do uso [7] . De forma associada a esse quadro é necessário também refletir sobre o fato de que há comorbidades associadas como, por exemplo, a depressão, que se apresenta com maior prevalência entre abusadores de álcool. Identificou-se que 5% da população brasileira já realizou alguma tentativa de suicídio, destas 24% associadas ao consumo de álcool, o que remete à necessidade de atuar diretamente sobre tal realidade [8] .
Entretanto, ainda se faz necessário o olhar atento para outros grupos etários. As mortes causadas em decorrência direta do uso de drogas entre a população com mais de 50 anos, nos anos 2000, representava 27% e aumentou para 39% [9] em 2015, o que indica a necessidade do olhar e de ações estratégias para os distintos grupos.
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (2018) [10] , o álcool foi o 7º fator de risco no mundo para anos de vida perdidos e o 1º para o indicador chamado DALY ( Disability-Adjusted Life Year ), que seria a soma dos anos potenciais de vida perdidos, devido à mortalidade prematura e os anos de vida produtiva perdidos devido à deficiência.
Dar respostas efetivas e concretas a estes contextos é de fundamental relevância visto que a população brasileira, em quase sua totalidade, posiciona-se favorável à oferta de propostas de tratamentos gratuitos para o uso de álcool e outras drogas, além da ampliação das já existentes, bem como ao aumento da fiscalização sobre o comércio, tanto de drogas lícitas como ilícitas [11] .
É evidente com as informações trazidas em relação ao consumo de drogas, lícitas e ilícitas e seu contexto social, que há necessidade de atualizar a legislação da política pública sobre drogas, considerada a dinamicidade deste problema de ordem social, econômica e principalmente de saúde pública.
2. PRESSUPOSTOS DA POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS
2.1. Buscar incessantemente atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida do uso de drogas lícitas e ilícitas e da dependência de tais drogas.
2.2. A orientação central da Política Nacional sobre Drogas considera aspectos legais, culturais e científicos, especialmente, a posição majoritariamente contrária da população brasileira quanto às iniciativas de legalização de drogas.
2.3. Reconhecer as diferenças entre o usuário, o dependente e o traficante de drogas e tratá-los de forma diferenciada, considerada a natureza, a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação de apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais e a conduta e os antecedentes do agente, considerados obrigatoriamente em conjunto pelos agentes públicos incumbidos dessa tarefa, de acordo com a legislação.
2.4. O plantio, o cultivo, a importação e a exportação, não autorizados pela União, de plantas de drogas ilícitas, tais como a cannabis , não serão admitidos no território nacional.
2.5. Tratar sem discriminação as pessoas usuárias ou dependentes de drogas lícitas ou ilícitas.
2.6. Conscientizar o usuário e a sociedade de que o uso de drogas ilícitas financia atividades e organizações criminosas, cuja principal fonte de recursos financeiros é o narcotráfico.
2.7. Garantir o direito à assistência intersetorial, interdisciplinar e transversal, a partir da visão holística do ser humano, com tratamento, acolhimento, acompanhamento e outros serviços, às pessoas com problemas decorrentes do uso, do uso indevido ou da dependência do álcool e de outras drogas.
2.8. As ações, os programas, os projetos, as atividades de atenção, o cuidado, a assistência, a prevenção, o tratamento, o acolhimento, o apoio, a mútua ajuda, a reinserção social, os estudos, a pesquisa, a avaliação, as formações e as capacitações objetivarão que as pessoas mantenham-se abstinentes em relação ao uso de drogas.
2.9. Buscar o equilíbrio entre as diversas diretrizes, que compõem de forma intersistêmica a Política Nacional sobre Drogas e a Política Nacional sobre o Álcool, nas diversas esferas da federação, classificadas, de forma não exaustiva, em:
a) ações de redução da demanda, incluídas as ações de prevenção, promoção à saúde, cuidado, tratamento, acolhimento, apoio, mútua ajuda e reinserção social;
b) ações de gestão da política, incluídas as ações de estudo, pesquisa, avaliação, formação e capacitação; e
c) ações de redução da oferta, incluídas as ações de segurança pública, defesa, inteligência, regulação de substâncias precursoras, de substâncias controladas e de drogas lícitas, repressão da produção não autorizada, de combate ao tráfico de drogas, à lavagem de dinheiro e crimes conexos, inclusive por meio da recuperação de ativos que financiem ou sejam resultados dessas atividades criminosas.
2.10. Buscar, de forma ampla, a cooperação nacional e internacional, pública e privada, por meio da participação de fóruns sobre o tabaco e seus derivados, álcool e outras drogas e do estreitamento das relações de colaboração técnica, científica, tecnológica e financeira multilateral, respeitada a soberania nacional.
2.11. Reconhecer a corrupção, a lavagem de dinheiro e o crime organizado vinculado ao narcotráfico como as principais vulnerabilidades a serem alvo das ações de redução da oferta de drogas.
2.12. Reconhecer a necessidade de elaboração de planos que permitam a realização de ações coordenadas dos órgãos vinculados à redução da oferta de drogas ilícitas, a fim de impedir a utilização do território nacional para o cultivo, a produção, a armazenagem, o trânsito e o tráfico de tais drogas.
2.13. Reconhecer a necessidade de elaboração de planos que permitam a realização de ações coordenadas dos órgãos públicos e das organizações da sociedade civil vinculados à redução da demanda por drogas.
2.14. Reconhecer a necessidade de promoção e fomento dos fatores de proteção ao uso, ao uso indevido e à dependência do álcool e de outras drogas.
2.15. Reconhecer o vínculo familiar, a espiritualidade, os esportes, entre outros, como fatores de proteção ao uso, ao uso indevido e à dependência do tabaco, do álcool e de outras drogas, observada a laicidade do Estado.
2.16. Reconhecer a necessidade de desenvolvimento de habilidades para a vida, como forma de proteção ao uso, ao uso indevido e à dependência do álcool e outras drogas.
2.17. Reconhecer a necessidade de conscientização do indivíduo e da sociedade em relação aos fatores de risco, com ações efetivas de mitigação desses riscos, em nível individual e coletivo.
2.18. Reconhecer que a assistência, a prevenção, o cuidado, o tratamento, o acolhimento, o apoio, a mútua ajuda, a reinserção social e outros serviços e ações na área do uso, do uso indevido e da dependência de drogas lícitas e ilícitas precisam alcançar a população brasileira, especialmente sua parcela mais vulnerável.
2.19. Reconhecer que é necessário tratar as causas e os fatores do uso, do uso indevido e da dependência do álcool e de outras drogas, além de promover assistência aos afetados pelos problemas deles decorrentes.
2.20. Reconhecer a necessidade de tratar o tabagismo, o uso de álcool e de outras drogas também como um problema concernente à infância, à adolescência e à juventude, de modo a evitar o início do uso, além da assistência àqueles em uso dessas substâncias.
2.21. Reconhecer a necessidade de novas formas de abordagem e cuidados e do uso de tecnologias, ferramentas, serviços e ações digitais inovadoras.
2.22. Reconhecer a necessidade de alcançar o indivíduo e a sociedade, inclusive em formas e locais hoje inalcançados e buscar novos meios de lhes proporcionar informação, cuidado e assistência.
2.23. Reconhecer a importância do desenvolvimento, do fomento e do apoio a serviços e ações à distância, de modo a tornar a política sobre drogas lícitas e ilícitas alcançável a todos, inclusive com possibilidade de menor custo para o Poder Público.
2.24. Reconhecer a necessidade de se fazer cumprir as leis e as normas sobre drogas lícitas e ilícitas, desenvolver novas ações e regulamentações, especialmente aquelas relacionadas à proteção da vida, da saúde, da criança, do adolescente e do jovem, inclusive quanto à publicidade de drogas lícitas e à fiscalização da sua venda, publicidade e consumo.
2.25. Reconhecer a necessidade de políticas tributárias que disciplinem o consumo, o contrabando e o descaminho de drogas lícitas.
2.26. Reconhecer a necessidade de impor restrições de disponibilidade de drogas lícitas e ilícitas.
2.27. Reconhecer a necessidade de capacitação e formação da rede relacionada à Política Nacional sobre Drogas e da Política Nacional sobre o Álcool, nos âmbitos público e privado.
2.28. Reconhecer a necessidade de estudos, pesquisas e avaliações das ações, dos serviços, dos programas e das atividades no âmbito da Política Nacional sobre Drogas e da Política Nacional sobre o Álcool, nos âmbitos público e privado.
2.29. Reconhecer a necessidade de manter programas de monitoramento para detecção e avaliação de novas drogas, sintéticas ou não, sua composição, efeitos, danos e populações-alvo, a fim de delinear ações de prevenção, tratamento e repressão da oferta.
2.30. Buscar garantir, por meio do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o desenvolvimento de estratégias de planejamento e avaliação das políticas de educação, assistência social, saúde, trabalho, esportes, habitação, cultura, trânsito e segurança pública nos campos relacionados ao tabaco e seus derivados, álcool e outras drogas, com uso de estudos técnicos e outros conhecimentos produzidos pela comunidade científica.
2.31. Fundamentar, no princípio da responsabilidade compartilhada, a coordenação de esforços entre os diversos segmentos do governo e da sociedade e buscar a efetividade e a sinergia no resultado das ações, no sentido de obter redução da oferta e do consumo de drogas, do custo social a eles relacionados e das consequências adversas do uso e do tráfico de drogas ilícitas e do uso de drogas lícitas.
2.32. Buscar constantemente o aperfeiçoamento, a eficiência, a eficácia, a efetividade e a transparência para os programas, os projetos, as ações e as iniciativas da Política Nacional sobre Drogas, em especial pela mensuração científica e administrativa de seus processos, resultados e impactos na sociedade.
2.33. Incentivar, orientar e propor o aperfeiçoamento da legislação para garantir a implementação e a fiscalização das ações decorrentes desta política.
2.34. Reconhecer o uso das drogas lícitas como fator importante na indução da dependência, e que por esse motivo, deve ser objeto de um adequado controle social, especialmente nos aspectos relacionados à propaganda, à comercialização e à acessibilidade de populações vulneráveis, tais como crianças, adolescentes e jovens.
2.35. Assegurar, por meio de medidas administrativas, legislativas e jurídicas, o cumprimento do disposto nos
art. 3º , art. 6º , art. 79 , art. 81 e art. 243 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção sobre os Direitos da Criança, da Assembleia Geral das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990 , especialmente no art. 17, quanto ao direito de proteção da criança e do adolescente, inclusive nos meios de comunicação, zelando para que a criança, o adolescente e o jovem tenham acesso a informações e materiais que visem promover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental, promovendo a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança, o adolescente e o jovem contra informação e material prejudiciais ao seu bem-estar, especialmente sobre drogas lícitas ou ilícitas.