E.M.I. nº 88 - MF/BACEN
Em 2 de agosto de 2006.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Temos a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência minuta de Medida Provisória propondo alterações na legislação cambial, motivadas pelo interesse em adequar a legislação em vigor às características da economia contemporânea. O principal objetivo da proposta consiste na alteração da exigência de cobertura cambial das exportações brasileiras, matéria hoje especialmente regulada pelo Decreto nº 23.258, de 19 de outubro de 1933, sem prejuízo das normas constantes na Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962.
2. A exigência de cobertura cambial das exportações tem se mantido, desde 1933, independentemente das diferentes conjunturas do mercado de câmbio, no que diz respeito à maior ou menor necessidade de recursos para o financiamento do balanço de pagamentos, a adequação quanto à oportunidade dos ingressos e os impactos gerados do ponto de vista do País e do exportador. No entanto, passou a ser possível a qualquer residente, a partir de 1989, constituir disponibilidades no exterior. Com a unificação dos mercados de câmbio de taxas livres e de taxas flutuantes, em março de 2005, a faculdade de colocação de disponibilidades no exterior foi aperfeiçoada, de modo a ser viabilizada sem a intermediação de uma instituição financeira estrangeira, assegurando-se aos residentes o acesso direto às instituições bancárias autorizadas a operar no mercado de câmbio para a realização de operações destinadas à constituição de disponibilidades no exterior.
3. É de fácil constatação a assimetria existente entre a faculdade de remessas por qualquer residente para a constituição de disponibilidade no exterior e a obrigatoriedade de ingresso no País da moeda estrangeira correspondente à exportação realizada.
4. Uma das medidas infralegais adotadas por ocasião da unificação dos mercados de câmbio, em março de 2005, consistiu no aumento do prazo para liquidação dos contratos de câmbio de exportação, de 180 para 210 dias a partir do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço. Do ponto de vista da política cambial, semelhante medida propiciou uma avaliação preliminar e parcial, mas efetiva, com relação aos possíveis impactos de uma liberalização da exigência de cobrança da cobertura cambial da exportação. O comportamento dos ingressos decorrentes de receitas de exportação no período pós-flexibilização foi de perfeita normalidade, justificado, muito provavelmente, pela existência de uma conjuntura de todo favorável, com bons indicadores econômicos internos, liquidez no mercado internacional e crescimento das exportações.
5. Na conjuntura atual, presentes os elementos já mencionados, a flexibilização da exigência de ingresso da cobertura dos valores de exportação indica que dela não decorreriam dificuldades ao carreamento desses recursos para o País. Ademais, parte relevante dessas receitas, excetuados períodos de graves desequilíbrios internos, tem ingresso espontâneo assegurado pela necessidade das empresas contarem com recursos em moeda nacional destinados ao gerenciamento dos seus negócios.
6. Esse é o contexto para a presente proposta de Medida Provisória. O art. 1º , excepcionalizando condicionalmente a regra geral – que segue mantida – da exigência de cobertura cambial nas exportações brasileiras, permite que, na forma disciplinada pelo Conselho Monetário Nacional - CMN, o s recursos em moeda estrangeira ou nacional relativos às exportações brasileiras de mercadorias e serviços sejam mantidos em instituição financeira no exterior.
7. De ser registrado que parte importante dos nossos exportadores são, na maioria das vezes, detentores de outras obrigações no exterior, além de importadores de bens e serviços, muitos deles fazendo parte do mesmo grupo econômico, e se vêem na contingência inarredável pelas regras atuais de ingressar com as receitas de exportação, por exemplo, pagas por importador que, ao mesmo tempo e oportunidade, é seu credor em maior ou menor valor, resultando em pagamentos e recebimentos simultâneos, com todos os custos que isso representa em termos de negociação da moeda estrangeira, nos pólos comprador e vendedor.
8. O art. 2º autoriza o CMN, sem prejuízo da hipótese já admitida no art. 23 da Lei nº 4.131, de 1962 – de competência do Banco Central do Brasil –, a estabelecer, para os recursos provenientes de exportações brasileiras, formas simplificadas de contratação de operações simultâneas de compra e de venda de moeda estrangeira. A medida permitirá larga desburocratização e simplificação de procedimentos neste tema, impactando, de forma muito significativa, na redução dos custos operacionais (não tributários) dos nossos exportadores.
9. Outrossim, o art. 3º sintetiza o que já seria apreensível do conjunto restante das normas agora alteradas ou introduzidas na legislação cambial nacional. Este dispositivo proclama, expressamente – de forma a evitar qualquer controvérsia, especialmente a partir da invocação de situações tradicionais ou interpretações a partir de outras fontes normativas –, que, doravante, não mais incumbe ao Banco Central do Brasil qualquer espécie de controle de natureza cambial sobre os exportadores brasileiros relativamente aos recursos que, em decorrência desta atividade empresarial, venham a ingressar, ou não (por exemplo, na forma deste artigo), no País. Todo o controle estatal nesta matéria desloca-se para a seara tributária, ao encargo da Secretaria da Receita Federal e dentro da lógica própria aos procedimentos de fiscalização especificamente tributários (como resta reforçado, por exemplo, pelos arts. 8º e 9º da Medida Provisória). Ao Banco Central do Brasil, sem prejuízo da integral manutenção de sua competência no que diz respeito às instituições financeiras que intervenham nas operações cambiais de qualquer natureza, remanescem, somente, duas atribuições: manter registro dos contratos de câmbio de exportação e informar à Secretaria da Receita Federal, na forma que vier a ser definida em ato conjunto entre ambas as instituições, sobre os elementos contidos neste mesmo registro.
10. O art. 4º , também com vistas a reduzir custos e burocracia nas transações de pequeno valor, faculta (ou seja, não mais obriga), nas operações de câmbio realizadas por pessoas físicas ou pessoas jurídicas com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, a utilização do formulário a que se refere o § 2º do art. 23 da Lei nº 4.131, de 1962, nas operações de compra ou venda de moeda estrangeira de até US$ 3,000.00 (três mil dólares dos Estados Unidos), ou do seu equivalente em outras moedas, devendo, todavia, essas instituições informar ao Banco Central do Brasil, na forma e condições por ele fixadas, o remetente, o beneficiário, o objetivo e o montante das operações realizadas com a utilização dessa prerrogativa.
11. O art. 5º refere-se ao registro em moeda nacional, no Banco Central do Brasil, dos investimentos diretos, dos créditos e dos demais ativos e direitos de qualquer natureza existentes no território nacional pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior, ainda não registrados naquela Autarquia. A matéria ficou conhecida, no jargão do mercado financeiro, como "capital contaminado", estando representada por ativos de não-residentes que, em tese, sujeitos a registro no Banco Central do Brasil, não foram registrados por diversas razões, especialmente por não haver sido satisfeitas as disposições da Lei nº 4.131, de 1962, no prazo e condições por ela estabelecidos, segundo as interpretações e critérios utilizados para admissão dos registros requeridos, citando-se como exemplos:
a) reinvestimentos realizados sem observância do critério da proporcionalidade, ou seja, sem observância do percentual da participação registrada do investidor estrangeiro no capital da empresa, aplicado sobre as parcelas a serem capitalizadas ou distribuídas pela empresa receptora do investimento, conforme estabelecido em pareceres técnicos;
b) capitalização de deságio havido em conversões de dívida externa, na forma da Resolução nº 1.460, de 1º de fevereiro de 1988, do CMN;
c) ausência, anterior à Resolução CMN nº 2.337, de 28 de novembro de 1996, de regulamentação para o registro dos investimentos externos diretos realizados em moeda nacional;
d) capital “não-registrável” por força de a atividade econômica desenvolvida pela receptora ser considerada "não-produtiva" para os efeitos da Lei nº 4.131, de 1962;
e) reinvestimento de parcelas de juros sobre capital próprio, pagos ao investidor estrangeiro, em situação de prejuízo, impedidas de remessas ao exterior, por determinação do Banco Central do Brasil ou por decisão judicial;
f) aquisição de participação em empresas no País, pelo não-residente, com ingresso de recursos fora das regras tradicionais, como, por exemplo, por meio de câmbio manual; etc.
12. Tentativas anteriores no sentido de registrar esses capitais por norma infralegal não foram concluídas, uma vez que as formas sugeridas para sua regularização esbarraram na necessidade legal de comprovação do efetivo ingresso dos recursos no País, condicionante fundamental dos critérios definidos pelo Banco Central do Brasil para a concessão dos registros em moeda estrangeira, por força da Lei nº 4.131, de 1962. Por outro lado, mesmo a admissão, por lei posterior, do registro em moeda nacional dos recursos ingressados, como não seria possível sanar o problema com relação ao capital anteriormente ingressado, a questão deixou de ser tratada.
13. Assim sendo, tendo em vista que a medida, a par de atender demandas de investidores externos que se encontram nessa situação, contribuiria de forma efetiva para o aperfeiçoamento dos dados estatísticos relativos aos capitais estrangeiros no País, que passariam a incorporar valores pertencentes a não-residentes até então desconhecidos, a proposta contempla a previsão de que esses valores venham a ser registrados, em moeda nacional, obedecidos os seguintes critérios básicos:
a) os valores correspondentes constem regularmente dos registros contábeis da empresa brasileira receptora do investimento; e
b) o Banco Central do Brasil publicará dados constantes do registro.
14. Os arts. 6º e 7º ajustam as disposições sancionadoras atualmente vigentes na matéria à nova realidade legal aqui construída. De um lado, no art. 6º , regula-se a multa prevista na Lei nº 10.755, de 3 de novembro de 2003, explicitando a sua não aplicação futura ou às situações ali definidas. Por outro lado, o art. 7º contempla regra matriz sobre as infrações às normas que regulam os registros de capital estrangeiro em moeda nacional junto ao Banco Central do Brasil (incluindo, mas não exclusivamente, a situação descrita no art. 4º da Medida Provisória).
15. As disposições contidas no art. 8º permitem o acompanhamento por parte da Secretaria da Receita Federal da destinação dos recursos mantidos pelo exportador no exterior, na forma do art. 1º da Medida Provisória, com vistas ao controle do cumprimento das obrigações tributárias. O exportador deve declarar a manutenção e a utilização dos recursos no exterior de acordo com disciplina a ser editada pela Secretaria da Receita Federal. Desta obrigação resultam três condições associadas: o franqueamento, à Secretaria da Receita Federal, das informações sobre movimentação destes mesmos recursos pelo exportador no exterior, a necessidade de que o exportador interessado no gozo desta situação diferenciada mantenha escrituração fiscal ordinária e a instituição das penalidades que venham a ser associadas ao descumprimento destas mesmas obrigações – este último tema encontra-se veiculado no art. 9º .
16. Com a possibilidade de que parcela dos recursos em moeda estrangeira relativos às exportações brasileiras de mercadorias e serviços sejam mantidos no exterior, faz-se necessário promover ajustes na legislação relativa à Contribuição para o PIS/PASEP e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, que disciplina a não-incidência destas contribuições nas operações de prestação de serviços para o exterior. É sabido que se deve evitar a oneração das exportações com tributos, com o objetivo, entre outros, de aumentar a competitividade dos produtos e serviços nacionais no exterior. Por motivos de controle, as disposições da legislação atual vinculam os benefícios da não-incidência das contribuições nas operações de exportação de serviços ao efetivo ingresso de divisas. Na hipótese de a pessoa jurídica manter no exterior recursos obtidos na prestação de serviços, esta exigência passa a impedir indevidamente a desoneração tributária pretendida nas exportações. Portanto, nestes casos, deve-se afastar a obrigatoriedade do ingresso de divisas, nos termos previstos no art. 10.
17. A proposta de Medida Provisória abriga ainda, nos arts. 11 e 12, respectivamente, modificação levada a efeito diretamente sobre o Decreto nº 23.258, de 19 de outubro de 1933, para ajustá-lo à nova realidade cambial derivada da Medida Provisória, e, no art. 12, ajustes à mesma atualidade relativamente às sanções cominadas ao descumprimento das normas daquele mesmo Decreto. Neste contexto, cabe destacar que a medida reduz o limite máximo das multas aplicáveis, estabelecidas no aludido Decreto, de duzentos para cem por cento.
18. Consta, ainda, da proposta de Medida Provisória, a possibilidade de pagamento em reais de produtos adquiridos em lojas francas autorizadas a funcionar em zona primária de portos e aeroportos no País, nos termos do art. 13. O entendimento é o de que, se a utilização dos reais for feita por um estrangeiro, este terá despendido previamente moeda estrangeira na aquisição desses reais. Do mesmo modo, se um residente pagar produtos em reais, deixa ou de acionar o mercado de câmbio preteritamente, ou de contrair uma obrigação por meio de cartão de crédito em moeda estrangeira, cuja conseqüência é, igualmente, o dispêndio em reais, apenas aumentando a quantidade de transações.
19. O art. 14 da proposta de Medida Provisória, imbuído do espírito de reduzir os custos administrativos associados à cobrança de multas pelo Banco Central do Brasil e de desonerar a máquina judiciária, dispensa a Autarquia, à maneira do que ocorre no âmbito do Ministério da Fazenda, da inscrição em dívida ativa, bem como da promoção de execução fiscal, dos débitos provenientes de multas administrativas de sua competência, considerados de pequeno valor ou de comprovada inexeqüibilidade, na forma da regulamentação que venha a ser por ele estabelecida.
20. No art. 15, propõe-se autorização legal para a novação de dívidas, de natureza contratual, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES junto à União, de modo a que possam caracterizar-se como instrumento híbrido de capital e dívida, nos termos da Resolução nº 2.837, de 30 de maio de 2001, do Conselho Monetário Nacional. A medida tem por objetivo viabilizar a elevação do patrimônio de referência daquela empresa pública, evitando-se o seu desenquadramento em relação aos limites prudenciais estabelecidos pelo CMN para as instituições financeiras, com vistas a possibilitar a concessão, pelo Banco, de novos financiamentos ao setor produtivo e empreendedor brasileiro. Dessa forma, a União poderá ser dispensada de fazer uso de aportes de capital, que trariam significativo impacto no resultado primário das contas do Governo Central.
21. Já o art. 16 estabelece a redução a zero, por prazo determinado, da alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os valores remetidos ao exterior a título de contraprestação de arrendamento mercantil de aeronaves e seus motores destinados ao transporte aéreo público regular de passageiros e cargas. Recentemente, diante da grave crise pela qual o setor aéreo passava mundialmente, a Lei nº 10.560, de 13 de novembro de 2002, suspendeu, de 5 de setembro de 2002 a 31 de dezembro de 2003, a aplicação da alíquota de 15% incidente sobre os pagamentos de contraprestação de arredamento mercantil por empresas de transporte aéreo de passageiros ou de cargas. Outra proposta, posteriormente apresentada pelo Parlamento, não continha limite temporal ao benefício, o que obrigou a rejeição da norma pelo Poder Executivo. Agora, com restrições, concede-se o benefício tributário pretendido. Outrossim, a medida visa, também, oferecer tratamento isonômico à forma de contratação ao estender o benefício de redução a zero da alíquota do imposto de renda na fonte nas remessas para pagamento de afretamento, aluguel, arrendamento de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, previsto na Lei nº 9.959, de 27 de janeiro de 2000, à modalidade de arrendamento mercantil financeiro, devendo porém ser destacado que a modalidade de arrendamento financeiro mostra-se mais adequado ao fortalecimento almejado do setor aéreo, pois possibilitará, ao final do contrato, a opção pela aquisição das aeronaves arrendadas, passando referido bem a integrar o ativo permanente das empresas aéreas.
22. Impõe-se, outrossim, a revogação do inciso IV do art. 7º da recém editada Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006. As contribuições vertidas para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço seguem regramento próprio e administração sob regime de co-gestão e, embora enverguem natureza tributária, submetem-se a regime específico quanto à destinação. Por esta razão, a vinculação referida no dispositivo cuja revogação aqui se propõe implicaria a necessidade de envolvimento da Caixa Econômica Federal, bem assim de seu Conselho Curador, os quais não foram mencionados naquela Medida Provisória nº 303/06 e observam, em seus procedimentos, mecanismos distintos àqueles ali disciplinados. Eis a disposição que se propõe veicular como art. 18 desta nova Medida Provisória.
23. Esses são os motivos, Senhor Presidente, pelos quais temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a minuta de Medida Provisória em anexo.
Respeitosamente,
Guido Mantega
Henrique de Campos Meirelles