Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Parecer nº LA 01, de 19 de agosto de 2010. Aprovo. Em: 19 - VIII - 2010

PROCESSO Nº 00400.000695/2007-00

INTERESSADA: SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS DA CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

ASSUNTO: AQUISIÇÃO DE TERRAS POR ESTRANGEIROS

PARECER Nº LA- 01

Adoto, para os fins e efeitos dos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER CGU/AGU nº 01/2008-RVJ, de 03 de setembro de 2008, da lavra do Consultor-Geral da União, Dr. RONALDO JORGE ARAUJO VIEIRA JUNIOR, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

Brasília, 19 de agosto de 2010.
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS
Advogado-Geral da União

DESPACHO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

REFERÊNCIA: Processo nº 00400.000695/2007-00

INTERESSADA: Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República

ASSUNTO: Aquisição de terras por estrangeiros

Aprovo o Parecer CGU/AGU nº 01/2008-RVJ, datado de 03 de setembro de 2008, do Excelentíssimo Consultor-Geral da União.

Submeta-se o referido Parecer ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins do disposto nos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Caso aprovado por Sua Excelência e após publicação em Diário Oficial da União, encaminhe-se cópia do parecer, respectivos aprovos e publicação aos Excelentíssimos Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Contas da União, aos Excelentíssimos Procurador-Geral da República, Ministros de Estados Chefe da Casa Civil e Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ambos da Presidência da República, Ministros de Estado da Justiça, do Desenvolvimento Agrário e da Defesa, e aos Ilustríssimos Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e Diretor da Polícia Federal, bem como ao Excelentíssimo Presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal e ao Ilustríssimo Presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel.

Em 19 de agosto de 2010.

LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS

PARECER CGU/AGU Nº 01/2008 - RVJ

PROCESSO N.º 00400.000695/2007-00

APENSOS: 00400.006530/2008-14; 00400.006556/2008-62; 00400.006895/2008-49 e 00400.007307/2008-94

INTERESSADO: SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS DA CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - SAJ/PR

ASSUNTO: Aquisição de terras por estrangeiros. Revisão do Parecer GQ-181, de 1998, publicado no Diário Oficial em 22.01.99, e GQ-22, de 1994. Recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, à luz da Constituição Federal de 1988. Equiparação de empresa brasileira cuja maioria do capital social esteja nas mãos de estrangeiros não-residentes ou de pessoas jurídicas estrangeiras não autorizadas a funcionar no Brasil a empresas estrangeiras.

Senhor Advogado Geral da União,

I

Antecedentes

1. Foi realizada reunião na Casa Civil da Presidência da República, em 15.06.2007, que tinha como tema a aquisição de terras por estrangeiros e o objetivo de aperfeiçoar a legislação nacional sobre o assunto.

2. A crise de alimentos no mundo e a possibilidade de adoção, em larga escala, do biocombustível como importante fonte alternativa de energia, apta a diversificar, com grande vantagem, a matriz energética nacional, são os principais vetores dessa nova abordagem da questão da propriedade da terra no Brasil, especialmente dos imóveis rurais.

3. Nessa reunião, aventou-se a possibilidade de uma eventual revisão do PARECER Nº GQ -181 da Advocacia-Geral da União, de 1998, conduzir ao estabelecimento de limites e restrições à aquisição de terras - imóveis rurais - por empresas brasileiras, cuja maioria de seu capital social estivesse em mãos de estrangeiros não residentes no Brasil ou de empresas estrangeiras não sediadas no território nacional.

4. É importante, então, delimitar a questão em análise. Não havia e não há dúvidas quanto à aplicação das restrições e limites previstos na Lei nº 5.709, de 1971, aos estrangeiros residentes no país e às pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil.

5. A questão restringia-se à equiparação das empresas brasileiras às empresas estrangeiras por força do § 1º do art. 1º da lei nº 5.709, de 1971, e a conseqüente extensão àquelas das restrições impostas a essas.

6. Segundo os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, desde 1994, data da primeira manifestação da Advocacia-Geral da União sobre o tema (Parecer GQ-22), ratificada em 1998 (Parecer GQ 181), conforme demonstrar-se-á a seguir, o Estado brasileiro perdera as condições objetivas de proceder a controle efetivo sobre a aquisição e o arrendamento de terras realizadas por empresas brasileiras cujo controle acionário e controle de gestão estivessem nas mãos de estrangeiros não-residentes no território nacional.

7. Tal situação revestia-se, então, em junho de 2007, e reveste-se, ainda, de caráter estratégico, pois, a ausência de controle dessas aquisições gera, entre outros, os seguintes efeitos:

a) expansão da fronteira agrícola com o avanço do cultivo em áreas de proteção ambiental e em unidades de conservação;

b) valorização desarrazoada do preço da terra e incidência da especulação imobiliária gerando aumento do custo do processo desapropriação voltada para a reforma agrária, bem como a redução do estoque de terras disponíveis para esse fim;

c) crescimento da venda ilegal de terras públicas;

d) utilização de recursos oriundos da lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e da prostituição na aquisição dessas terras;

e) aumento da grilagem de terras;

f) proliferação de "laranjas" na aquisição dessas terras;

g) incremento dos números referentes à biopirataria na Região Amazônica;

h) ampliação, sem a devida regulação, da produção de etanol e biodiesel;

i) aquisição de terras em faixa de fronteira pondo em risco a segurança nacional.

8. Passados quatorze anos, o novo contexto econômico mundial, rapidamente descrito anteriormente, impunha um reposicionamento do Governo Federal sobre o tema, valendo-se dos instrumentos disponíveis, dentre os quais a eventual revisão do Parecer AGU/GQ-181 e do Parecer AGU/GQ-22.

9. Ainda que restrita e limitada, essa medida, acaso constitucional e legalmente possível, teria o condão de, juntamente a outras iniciativas, possibilitar a retomada de importantes mecanismos de controle, indispensáveis à conformação de política fundiária adequada ao Estado brasileiro.

10. A Consultora da União, Drª Grasiela Moura, designada para participar da reunião na Casa Civil, apresentou, em 06.07.2007, a NOTA Nº AGU/GM - 24/2007, às fls. , em que expressava sua concordância com o entendimento fixado no Parecer nº GQ-181, no sentido de não ter havido a repristinação do §1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971.

11. A Consultora da União concordava, também, com o entendimento de que lei ordinária futura poderia fixar limitações ao capital estrangeiro de acordo com o interesse nacional, por força do disposto nos arts. 172 e 190 da CF, inclusive no que concerne à aquisição de terras por empresas brasileiras controladas, ainda que indiretamente, por estrangeiros.

12. Para ela, a melhor alternativa seria a construção de proposição legislativa disciplinando a limitação de aquisição de terras por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.

13. Registro, por oportuno, que participei, em 05.03.2008, por designação de V. Exª e representando a Advocacia-Geral da União, de audiência conjunta da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização do Senado Federal em que antecipei, com autorização de V. Exª, as linhas do estudo que vinha sendo desenvolvido sobre a questão - expostas com detalhe no presente Parecer - que impunham a conclusão pela necessidade de revisão dos citados pareceres da AGU.

14. O Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Dr. Rolf Hackbart, participou desta mesma audiência. Em sua exposição sustentou que o Parecer GQ-181 da AGU, de 1998,

        (...) permite a ocupação desenfreada de terras em nível nacional por estrangeiros, mascaradas legalmente, com a justificativa de serem adquiridas por empresas brasileiras. Além disso, os serviços registrais entendem não ser necessário a comunicação à Corregedoria da Justiça dos Estados e ao INCRA da relação dessas aquisições. (...) Desta forma, caso haja real interesse no controle de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, no entendimento da Divisão de Fiscalização e Controle de Aquisições por estrangeiros, o parecer da AGU deve ser revisto, uma vez que a redação vigente não permite um controle mais efetivo das aquisições efetuadas por pessoas jurídicas brasileiras com capital estrangeiro.

15. Nessa mesma apresentação, de março de 2008, o Presidente do INCRA alegou que os dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural referentes à distribuição do número de imóveis e da área por detentores estrangeiros, por unidade da federação, "não refletem a realidade fática, no tocante à forma de detenção por estrangeiros", pelo fato de aquela autarquia não dispor dos mecanismos de controle adequado.

16. Menciono, também, que nos autos do processo nº 00400.001476/2008-11, em março de 2008, foram prestadas as informações solicitadas pelo Deputado Federal Iran Barbosa (PT/SE) e encaminhadas pela Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados acerca da revisão do Parecer GQ-181.

17. Nessas informações foi reproduzido o roteiro da apresentação feita na audiência conjunta no Senado Federal em que esta Consultoria-Geral da União concluía pela possibilidade e necessidade de revisão do Parecer GQ-181.

18. Assim, em face de o debate e o estudo sobre tão complexa questão terem se estendido no âmbito do Governo até a data de hoje, diversas manifestações foram formalizadas e protocoladas na Advocacia-Geral da União, dando ensejo à constituição de outros processos que, em face de sua conexão com a matéria tratada, encareço sua juntada aos autos principais.

19. Inicio pelos processos de nº 00400.006530/2008-14 e 00400.006556/2008-62, que tiveram origem no Grupo de Trabalho instituído por V. Exª pela Portaria nº 1.282, de 27.09.2007, com o objetivo de examinar os pareceres vinculantes existentes e de aferir se eles, à luz da evolução legislativa ou jurisprudencial, mereciam ser revistos, a fim de atualizar e uniformizar as orientações da AGU.

20. Após a análise de cerca de 200 (duzentos) pareceres vinculantes, o GT opinou, consoante seu Relatório Final de 24.03.3008, pela necessidade de revisão de 24 (vinte e quatro) pareceres dentre os quais, o Parecer nº GQ-22 (que mesmo não sendo vinculante é a base do Parecer GQ-181, este, sim, vinculante), objeto do primeiro processo citado no item anterior, e o Parecer GQ-181, tratado no segundo processo listado.

21. Em ambos os casos, o Grupo de Trabalho concluiu pela necessidade de revisão dos pareceres de modo a dotar o Estado brasileiro de melhores condições de fiscalização sobre a compra de terras realizada por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.

22. Além desses dois processos, solicito, também, a juntada dos autos do processo nº 00400.006895/2008-49, em que a Associação Brasileira de Celulose e Papel - BRACELPA, por sua Presidente, encaminha ao Sr. Advogado-Geral da União cópia de carta da Associação endereçada à Exmª Ministra de Estado Chefe da Casa Civil, Srª Dilma Roussef, em que externa sua preocupação com a eventual revisão do Parecer GQ nº 181, por parte da Advocacia-Geral da União, pelo que tal fato poderia trazer de insegurança jurídica aos investidores estrangeiros, especialmente aqueles que atuam no setor de celulose e papel.

23. Por fim, requeiro sejam juntados os autos de processo nº 00400.007307/2008-94, em que a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, por intermédio do Ofício nº 117/2008- CRA, de 03.07.2008, de seu Presidente, solicita, em face da gravidade do tema e da exposição feita por esta Consultoria-Geral da União em nome da Advocacia-Geral da União, em março de 2008, "a gentileza de acelerar a conclusão da revisão do Parecer GQ - 181 que trata da recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71".

II

O papel da AGU na análise da questão da aquisição de terras por estrangeiros ou por empresas brasileiras legalmente equiparadas a estrangeiros desde 1994: breve retrospecto.

24. A Advocacia-Geral da União - AGU, à luz do art. 131 da Constituição Federal, é responsável pela representação judicial e extrajudicial da União e pelo assessoramento jurídico ao Poder Executivo.

25. No que concerne ao papel de assessoramento jurídico ao Sr. Presidente da República, compete ao Advogado-Geral da União, com a colaboração da Consultoria-Geral da União, a fixação da interpretação das leis e da Constituição quando há dúvidas e controvérsias jurídicas, consoante o disposto no art. 4º, inciso X c/c o art.10 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

26. Nessa condição institucional, a AGU foi consultada, em 1994, pelo Ministério da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária sobre a recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971 , que cuida da extensão das restrições impostas às empresas estrangeiras, quanto à aquisição de terras no Brasil, às empresas nacionais, cujo controle acionário estivesse em mãos de estrangeiros não-residentes ou empresas estrangeiras não-sediadas, pela Constituição de 1988.

27. Mas quais são os limites e restrições em questão?

28. As respostas estão na Lei nº 5.709, de 1971 , das quais se destacam as restrições quanto:

a) ao tamanho da propriedade (art. 3º);

b) ao percentual em loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização (art. 4º);

c) à necessária vinculação dos imóveis rurais adquiridos aos objetivos estatutários das pessoas jurídicas estrangeiras ou brasileiras a elas equiparadas (art. 5º);

d) ao indispensável assentimento prévio da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional na aquisição de imóveis em área considerada indispensável à segurança nacional (art. 7º);

e) à necessidade de a aquisição ser feita somente mediante escritura pública (art. 8º);

f) à previsão de elementos especiais que na escritura pública (art. 9º);

g) à previsão de cadastro especial nos Cartórios de Registro de Imóveis (art. 10);

h) ao controle das aquisições, com informações periódicas ao Ministério da Agricultura e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional (art. 11);

i) à extensão do total de terras pertencentes a estrangeiros limitada à ¼ da superfície do Município (art.12);

j) à vedação de doação de terras da União e dos Estados a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras (art. 14).

29. Manifestou-se a AGU por intermédio do Parecer nº GQ - 22, de 1994, do então Advogado-Geral da União, Dr. Geraldo Quintão, que acolheu o Parecer Nº AGU/LA -04/94.

30. Por essa manifestação, o dispositivo em questão - § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971 - não havia sido recepcionado em face da redação do art. 171, I da CF que constitucionalizara o conceito de empresa brasileira e não admitia restrições à atuação de empresa brasileira, somente aquelas expressas no texto constitucional.

31. Essa situação, segundo o Parecer, era diversa da vivenciada no ordenamento constitucional anterior, em que não havia a constitucionalização do conceito de empresa brasileira e que admitia restrições à sua atuação com base na lei ordinária.

32. Não se tratava, de acordo com o citado Parecer GQ-22, de cotejar o conceito de empresa brasileira com empresa brasileira de capital nacional, pois, a sistemática constitucional era não de restringir genericamente a empresa brasileira, mas, sim, criar benefícios à empresa brasileira de capital nacional.

33. Lembro que antes, em 1993, tinha sido publicada a Lei nº 8.629, que em seu art. 23, § 1º determinava a aplicação ao arrendamento das mesmas restrições à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros previstas na Lei nº 5.709, de 1971.

34. Logo, segundo a AGU, em 1994, não havia que se estender às empresas brasileiras, ainda que com controle acionário de estrangeiros, quaisquer restrições à aquisição e ao arrendamento de imóveis rurais no Brasil.

35. Em 1995, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 6 que eliminou do texto constitucional a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional.

36. Em face da revogação do art. 171 da CF, e pelo fato desse dispositivo ter sido decisivo na construção da tese da AGU em 1994, o Dr. Geraldo Quintão, Advogado-Geral da União determinou, em 1997, o reexame do Parecer GQ-22.

37. O raciocínio que teria levado à nova análise da questão pode ser resumido da seguinte forma: se o art. 171 que constitucionalizava o conceito de empresa brasileira e fixava sua distinção do de empresa brasileira de capital nacional havia sido revogado, estaria eliminada a barreira que impedia a fixação, por lei, de restrições à atuação das empresas brasileiras.

38. Contudo, o Parecer GQ-22, de 1994, havia considerado revogado, não recepcionado, o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971. Cuidava-se de saber, então, se era possível a repristinação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971.

39. A resposta veio com o Parecer AGU nº GQ-181, de 1998, no sentido de ser impossível a repristinação. Mantinha-se a orientação anterior, de 1994, mas admitia-se a possibilidade de lei futura dispor sobre restrições ao capital estrangeiro.

40. Esse segundo Parecer, de 1998, é vinculante para toda a administração pública federal por força do disposto no art.40 da Lei Complementar nº 73, de 1993, eis que aprovado pelo Sr. Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União.

41. Em face da nova conjuntura econômica, anteriormente citada, a questão voltou a ser debatida ao no Governo, no Parlamento e na mídia ao longo de 2007 e durante o ano em curso.

III

Aquisição de terras por empresas brasileiras "controladas" por estrangeiros:

o Parecer nº GQ-22, de 1994, da Advocacia-Geral da União. Necessidade e possibilidade de revisão: compatibilidade entre o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, e a Constituição Federal de 1988, em sua redação original.

42. Importa detalhar, nesta etapa do Parecer, a análise empreendida pela Advocacia-Geral da União sobre o tema, por intermédio do Parecer nº GQ-22, de 1994.

III.1. Os fundamentos e as conclusões do Parecer nº GQ-22, de 1994.

43. Como dito, a Advocacia-Geral da União foi consultada, em 1994, pelo Ministério da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária sobre a recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, pela Constituição Federal de 1988.

44. Pretendia o consulente saber se a equiparação entre empresa estrangeira e empresa brasileira com maioria do capital social nas mãos de estrangeiros não residentes ou com sede no exterior e as restrições daí decorrentes sustentavam-se, à luz do inciso I do art. 171 da Constituição Federal em sua redação original.

45. Tratava-se, Sr. Advogado-Geral da União, de aferir a compatibilidade vertical entre norma infraconstitucional anterior à ordem constitucional inaugurada com a Carta de 1988 e esta.

46. Compatível e adequado aos princípios e normas constitucionais posteriores, o texto legal anterior seria considerado recepcionado, mantendo intocadas sua eficácia e vigência.

47. Incompatível, posto que contrário aos novos ditames constitucionais, o texto infraconstitucional anterior haveria de ser considerado revogado.

48. No que concerne ao fenômeno da recepção, importa trazer ao debate a decisão do Supremo Tribunal Federal, no âmbito da ADI nº 415, Relator Ministro Paulo Brossard, julgada em 07.02.92, DJ 29.05.92, p. 07833, assim ementada:

        Ementa: CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel a Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-se. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do voto proferido na ADIn n. 2-1/600.

49. Definida a recepção ou não do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, pela nova ordem constitucional de 1988, estaria selado o destino da norma contida no o art. 23 da Lei nº 8.629, de 1993, já que adota o dispositivo da Lei, de 1971, como paradigma, no caso de arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros ou por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.

50. A consulta para dirimir a dúvida mencionada fora formulada à Advocacia Geral da União, em 1994, e o Parecer nº GQ-22 do Advogado-Geral da União - que acolheu o Parecer nº AGU/LA-04/94 - aprovado pelo Exmº Sr. Presidente da República, fixou o entendimento de que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, não havia sido recepcionado pelo art. 171, I da Constituição Federal, à época, ainda em sua versão original, tendo sido, portanto revogado.

51. Registre-se que, a despeito de ter sido aprovado pelo Exmº Sr. Presidente da República, à época, o texto do Parecer nº GQ-22 não foi publicado no Diário Oficial da União, logo, não possuía, à luz do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 1993, efeito vinculante para toda a administração pública federal, vinculando com seu entendimento os órgãos jurídicos do Poder Executivo Federal e as repartições interessadas, no caso, o Ministério da Agricultura e da Reforma Agrária - MARA.

52. A questão central suscitada no parecer da AGU, de 1994, cingia-se ao fato de que, diferentemente da ordem constitucional pretérita, sob a égide da qual foi publicada a Lei nº 5.709, de 1971, a ordem constitucional inaugurada com o texto de 1988, constitucionalizava o conceito de empresa brasileira e a ela não estabelecia qualquer restrição genérica.

53. A distinção constitucional existente entre o conceito de empresa brasileira, constante do inciso I do art. 171, e o conceito de empresa brasileira de capital nacional, previsto no art. 171, II, justificava-se na medida em que eram criados benefícios e estímulos a essa, sem, contudo, ser estabelecida qualquer restrição genérica àquela.

54. Eis o inteiro teor dos dispositivos constitucionais mencionados:

        Art. 171 São consideradas:

        I -  empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País;

        II -  empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.

55. Somente as restrições expressamente consignadas no texto constitucional - referentes à composição acionária de empresas brasileiras, com vistas à preservação da soberania e do interesse nacional e de setores estratégicos para o país - poderiam ser admitidas, como era o caso das comunicações (art. 222, § 1º, na redação original), da saúde (art. 199, § 3º), da pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais hidráulicos (art. 176, § 1º, em sua redação original).

56. Em outras palavras, para o Parecer em comento, onde a Constituição Federal não restringia expressamente, no que concernia à atuação das empresas brasileiras, a legislação infraconstitucional não poderia restringir.

57. Sustentava o Parecer GQ -22 de 1994, que a restrição contida na Lei nº 5.709, de 1971, era compatível com o ordenamento constitucional anterior pelo fato de a Carta de 1967, com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, não trazer em seu corpo o conceito de empresa brasileira, que se extraía da legislação infraconstitucional, e, portanto, poderia sofrer restrições impostas por diploma de mesma estatura normativa.

58. Alinhavava, também, como argumento contrário à recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, pela Constituição de 1988, a circunstância de o art. 190 da Constituição Federal dispor sobre a possibilidade de limitação da aquisição de propriedade rural por estrangeiros, e não por empresas brasileiras equiparadas às estrangeiras, como pretendia o dispositivo da Lei de 1971.

III.2. Aspectos lógicos e metodológicos a serem utilizados na análise da questão.

59. Postos os argumentos do Parecer GQ-22, de 1994, que sustentavam a revogação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, passo a tecer considerações sobre a necessidade de sua revisão.

60. Algumas palavras sobre a estrutura lógica do presente Parecer são necessárias.

61. Em primeiro lugar, tentar-se-á demonstrar ser possível extrair da Constituição de 1988 o entendimento sobre a recepção do dispositivo da Lei de 1971. Esse debate constitucional travou-se, essencialmente, no bojo do Parecer GQ-22, de 1994.

62. Ainda que esse Parecer de 1994 não seja vinculante, ele é a base do Parecer GQ-181, esse sim vinculante.

63. No Parecer GQ-181, como será visto adiante, a discussão é de natureza formal, acessória. Nele indaga-se se houve ou não repristinação de dispositivo considerado revogado em face da Constituição pelo Parecer GQ-22.

64. Não há como enfrentar adequadamente a questão se não se demonstrar a possibilidade de obtenção de conclusões diversas daquelas extraídas do Parecer GQ-22, de 1994.

65. Decorre daí, então, a estrutura do presente Parecer. Primeiro enfrenta-se o exposto no GQ-22, que traz o debate constitucional visceral, de natureza material. Após, cuida-se do Parecer GQ-181, e suas formulações de natureza formal.

66. Para tal empreitada, serão utilizados, neste Parecer, métodos clássicos de hermenêutica aplicados à interpretação constitucional aliados a recursos específicos de hermenêutica constitucional, tais como o princípio da unidade da Constituição, o princípio da máxima efetividade das normas e os princípios constantes da Constituição Federal de 1988, aplicáveis à matéria.

67. Luis Roberto Barroso , ao citar Canotilho e afirmar que a despeito de expressar um consenso fundamental, a Constituição é palco, como sói acontecer nos processos democráticos de elaboração constitucional, de pluralismos e antagonismos, sugere a adoção do princípio da unidade da Constituição, nos seguintes termos:

        É precisamente por existir pluralidade de concepções que se torna imprescindível a unidade na interpretação. Afinal, a Constituição não é um conjunto de normas justapostas, mas sim um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. Deverá fazê-lo guiado pela grande bússola da interpretação constitucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou decorrentes da Lei Maior.

68. Quanto ao princípio da máxima efetividade das normas, Barroso sustenta que "Os grandes autores da atualidade referem-se à necessidade de dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima efetividade ante as circunstâncias de cada caso".

69. Esses recursos hermenêuticos serão adotados em seguida com o intuito de lastrear a revisão do citado Parecer da AGU e de demonstrar que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, que cuida da equiparação de pessoa jurídica brasileira controlada por estrangeira à empresa estrangeira, para fim de imposição das restrições quanto à aquisição de imóveis rurais, foi recepcionado.

III.3. A compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com o inciso II do § 1º do art. 171 da Constituição Federal de 1988, em sua redação original: as restrições genéricas às empresas brasileiras no texto constitucional.

70. Há, inicialmente, que se fazer uma importante ressalva ao argumento expendido pelo douto Consultor da União à época, Dr. Luiz Alberto, responsável pela elaboração do Parecer que, acolhido pelo Advogado-Geral da União, Dr. Geraldo Quintão deu ensejo ao Parecer nº GQ-22.

71. Na verdade, diferentemente do alegado, a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional não buscava apenas criar estímulos e incentivos às empresas brasileiras de capital nacional, como visto no inciso IX do art. 170, no inciso I do § 1º e no § 2º, ambos do art. 171 da CF.

72. A regra contida no inciso II do § 1º do art. 171, na redação original da Constituição de 1988, tinha evidente conotação restritiva genérica às empresas brasileiras, definidas no inciso I do art. 171.

73. Eis, em destaque, o teor do inciso II do § 1º do art. 171 da CF em sua redação original:

        Art. 171. São consideradas:

        I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País;

        I - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades. Revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 15/08/95

        § 1º - A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:  I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País; II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos: a) a exigência de que o controle referido no inciso II do "caput" se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia; b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno. § 2º - Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional.

74. A despeito de o texto literal do § 1º, caput e inciso II do art. 171 da Constituição Federal fazerem menção expressa à empresa brasileira de capital nacional, há que se extrair do comando da norma a restrição, a contrario sensu, imposta de forma genérica à empresa brasileira.

75. E qual é o comando da norma?

76. Em primeiro lugar, no caso de a lei ordinária considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico do país, somente estará autorizada a nele atuar a empresa brasileira de capital nacional.

77. Essa norma já encerra evidente restrição genérica às empresas brasileiras (art. 171, I da CF). Nesses setores estratégicos do país, definidos em lei ordinária, somente empresas brasileiras de capital nacional poderiam atuar.

78. Além das exigências postas no inciso II do caput do art. 171 quanto ao controle efetivo da empresa, por força do § 1º, inciso II, alínea "a" do art. 171, as empresas brasileiras de capital nacional que atuassem nos setores estratégicos definidos em lei ordinária teriam ainda que adimplir a exigência de estender o controle efetivo de que trata o inciso II do caput às atividades tecnológicas da empresa.

79. A parte final do dispositivo explicita o que seja o controle efetivo aplicado às atividades tecnológicas: "assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia".

80. Assim, além de afastar, peremptoriamente, as empresas brasileiras desses setores considerados estratégicos, exigia-se que as empresas brasileiras de capital nacional estendessem o rigor do controle efetivo, genérico, da empresa às atividades tecnológicas.

81. E mais, previa a possibilidade de a lei ordinária que estabelecesse os setores estratégicos ao desenvolvimento tecnológico nacional fixar percentuais de participação no capital de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou entidades de direito público interno.

82. Em outras palavras, a redação original do art. 171 da Constituição Federal afirmava que em setores imprescindíveis ao desenvolvimento tecnológico nacional as empresas brasileiras não poderiam atuar. Somente as empresas brasileiras de capital nacional e, ainda assim, se cumprissem requisitos adicionais aos necessários à sua conceituação como tal.

83. Trata-se, Sr. Advogado-Geral da União, de clara restrição genérica - na medida em que não se pode saber de antemão quais serão os setores imprescindíveis ao desenvolvimento tecnológico nacional a serem fixados em lei.

84. Extrai-se da análise de Ives Gandra Martins, citado por Celso Ribeiro Bastos - apesar de a ênfase da análise do ilustre tributarista ser exatamente oposta à desenvolvida neste parecer - a conotação restritiva genérica do § 1º do art. 171, especialmente, de seu inciso II, de que se cuidou anteriormente, verbis:

        Desta forma, não se pode interpretar um princípio constitucional que impõe restrição de direitos, contrariamente à sua finalidade. Sob o fundamento de promover o desenvolvimento do país não se admite que a lei frustre ou reduza esse desenvolvimento, retirando de empresas capazes de consegui-lo o direito de concorrer para isso. (...) Por esta razão, o § 1º do art. 171 apenas poderá, em termos de restrição futura a ser definida em lei, dar tratamento preferencial a empresas nacionais, se as empresas de capital estrangeiro não tiverem condições de atender ao tríplice objetivo, ao lado das empresas nacionais, ou se forem nocivas à nacionalidade. Caso contrário, a lei ordinária não poderá prevalecer sobre os princípios maiores da Constituição, razão pela qual, se as empresas estrangeiras preencherem plenamente o que dispõe o comando superior, poderão atuar sempre, sem tratamento diferencial ou restritivo.

85. Tampouco o legislador constituinte originário impôs qualquer restrição ao legislador ordinário na definição desses setores, devendo, contudo, estar balizado pelos parâmetros da razoabilidade.

86. Disse apenas que, estabelecidos os setores, tais e quais requisitos adicionais serão obrigatoriamente adotados, mas deixou ao poder discricionário do legislador ordinário definir os setores.

87. Outro importante argumento desenvolvido por Celso Ribeiro Bastos demonstra a carga restritiva genérica do § 1º do art. 171 da Constituição Federal em sua redação originária, neste caso, da alínea "b" de seu inciso II. Veja-se:

        A letra "b" refere-se certamente às empresas brasileiras e não às brasileiras de capital nacional. A sua inclusão debaixo do § 1º deste artigo é uma enorme impropriedade legislativa. Dito parágrafo refere-se à empresa brasileira de capital nacional, e não à empresa brasileira pura e simples como é o caso desta letra "b".

88. Patente a preocupação do legislador constituinte originário de impedir a atuação das empresas brasileiras, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país em setores, indeterminados no texto constitucional, a serem considerados, pela lei, imprescindíveis ao desenvolvimento tecnológico nacional.

89. Quando José Afonso da Silva defendia a distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira na redação originária do art. 171 da Constituição Federal,  ao lado dos itens que elencava como benefícios legitimamente criados pelo legislador constituinte originário à empresa brasileira de capital nacional, relacionou, de forma implícita, aspectos restritivos à empresa brasileira.

90. Trata-se da parte em que afirma que serão reservados mercados sobre atividades definidas em lei às empresas brasileiras de capital nacional. A contrario sensu, com a lei, seria vedada às empresas brasileiras a atuação naquele dado segmento econômico.

91. Logo, sendo norma constitucional restritiva e sem identificação expressa dos setores em que se aplicava a restrição, há que se concluir tratar-se de restrições genéricas às empresas brasileiras.

92. Essas empresas, a despeito de constituídas sob as leis brasileiras e com sede e administração no país, não possuíam o controle efetivo em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou de entidades de direito público interno .

93. Lembre-se que o controle efetivo da empresa, consoante a parte final do inciso II do art. 171, em sua redação original, era "a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades".

94. Assim, diferentemente do sustentado pelo Parecer nº GQ-22 de 1994, havia, sim, no texto constitucional, de 1988, restrições genéricas às empresas brasileiras com sede e administração no país.

95. E o que dizer então das empresas brasileiras controladas por empresas estrangeiras que não possuíam sede e administração no país ou que seus controladores, pessoas físicas, residiam no exterior?

96. Com muito mais razão, a uns e outras, estendiam-se às restrições. Veja-se que a Lei de 1971, em seu art. 1º e §1º, referia-se às empresas brasileiras controladas por estrangeiros não residentes, quando pessoas físicas, e às pessoas jurídicas não sediadas.

97. Em síntese, esse argumento, que teve importância central na construção da interpretação fixada pelo Parecer nº GQ-22, deve ser contrastado com a evidência de que o texto constitucional, de 1988, admitia, sim, restrições genéricas às empresas brasileiras com sede e administração no país, alem das restrições setoriais específicas e expressas, na saúde, nas comunicações, na pesquisa e lavra de recursos minerais.

98. As restrições, como visto, objetivavam proteger setores imprescindíveis ao desenvolvimento tecnológico nacional.

99. A interpretação teleológica do texto constitucional leva à necessária conclusão que, se o objetivo era restringir a atuação das empresas brasileiras não controladas por pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou por entidades de direito público interno em setores estratégicos não determinados, com muito mais razão há de se entender como válidas restrições postas na legislação infraconstitucional às empresas brasileiras controladas por estrangeiros não-residentes ou por pessoas jurídicas sediadas no exterior.

100. Logo, presentes restrições genéricas no seio da Carta Magna à atuação das empresas brasileiras, leis posteriores ou anteriores, compatíveis com tal orientação constitucional, haverão de ser consideradas, respectivamente, constitucionais ou recepcionadas. É o caso da Lei nº 5.709, de 1971, e mais especificamente do § 1º de seu art. 1º.

III.4. A compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com o art. 190 da Constituição Federal de 1988, em sua redação original: limitações à aquisição de terras por estrangeiros e por empresas brasileiras controladas por estrangeiros.

101. Analisa-se, neste momento, o argumento adotado no Parecer nº GQ-22, que diz respeito à interpretação a ser emprestada ao art. 190 da CF.

102. Importante reproduzir o teor do dispositivo constitucional em comento:

Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.

103. Sustenta o citado Parecer que o art. 190 da Constituição Federal dispõe sobre a possibilidade de limitação da aquisição de propriedade rural por estrangeiros, e não por empresas brasileiras equiparadas às estrangeiras, como pretendia o dispositivo da Lei de 1971.

104. Claro é o objetivo do texto constitucional de sinalizar limitações e restrições à aquisição e ao arrendamento de propriedade rural por estrangeiros.

105. Mas será a interpretação literal que possibilitará a extração de sua verdadeira ratio, ou o hermeneuta terá que se esforçar um pouco mais a fim de encontrar o telos da norma?

106. Luís Roberto Barroso , ao apreciar os métodos clássicos de interpretação, em que presta justa reverência a um dos precursores da hermenêutica, Ministro Carlos Maximiliano, e aplicá-los à hermenêutica constitucional, reserva posição de destaque ao método teleológico, verbis:

        As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua finalidade. Chama-se teleológico o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito. (...) A ratio legis é uma "força vivente móvel" que anima a disposição e a acompanha em toda sua vida e desenvolvimento. A finalidade de uma norma, portanto, não é perene, e pode evoluir sem modificação de seu texto. Carlos Maximiliano não hesita em proclamar o método teleológico como o que merece preponderância na interpretação constitucional. (...) Nem sempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a finalidade da norma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para as finalidades mais elevadas do Estado, que são, na boa passagem de Marcelo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social.

107. Terá o constituinte originário objetivado limitar apenas a pessoa jurídica estrangeira, ou todas aquelas pessoas jurídicas cujo controle efetivo dos seus destinos esteja nas mãos de estrangeiros, especialmente dos estrangeiros não-residentes ou, no caso de pessoas jurídicas, aquelas não-sediadas?

108. O comando da norma tem o claro intuito de dotar o Estado brasileiro de mecanismos de controle sobre a apropriação por estrangeiros, diretamente, ou indiretamente, como na hipótese de pessoas jurídica cujo controle de fato e de direito, cujo poder de escolha dos dirigentes e fixação dos rumos esteja nas mãos de estrangeiros.

109. Assim se posicionaram Nelson Nery Costa e Geraldo Magela Alves , sobre o art. 190 da CF, verbis:

110. Prevê o art. 190, do texto constitucional, que lei deve regular e limitar a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira. (...) Existe, ainda, a preocupação com a aquisição de terras por estrangeiros, que possam ter interesses conflitantes com o País, resultando daí o interesse em se estabelecer restrições à aquisição dos imóveis rurais por estes.

111. Todo o marco regulatório referente à aquisição ou arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira está estabelecido na Lei nº 5.709, de 1971, incluindo conceitos, limites, procedimentos, etapas do procedimento de aquisição ou arrendamento, requisitos, pressupostos, efeitos, competências institucionais e outros.

112. É desta lei que se extrai também a regra que equipara empresas brasileiras controladas por estrangeiros a empresas estrangeiras, pois em uma e outra, seus destinos são decididos por estrangeiros.

113. Destaque-se que no caso da empresa brasileira equiparada, a norma se refere ao estrangeiro não-residente ou a pessoa jurídica não-sediada, que possuam a maioria do capital social.

114. Veja-se que a equiparação mitiga a vedação posta no caput do art. 1º da Lei de 1971, tratada nos presentes autos que inadmite que estrangeiro - pessoa física não-residente ou pessoa jurídica não autorizada - adquira imóvel rural no Brasil.

115. Se possuírem a maioria do capital social de pessoa jurídica brasileira, podem comprar, por intermédio da pessoa jurídica brasileira, terras rurais, desde que submetidos às restrições da Lei.

116. Não é possível analisar esse dispositivo constitucional isoladamente, ou, na feliz expressão do Ministro Eros Grau , é inconcebível analisar o texto constitucional em tiras:

        Aqui devo salientar, contudo, inicialmente, que, assim como jamais se interpreta um texto normativo, mas sim o direito, não se interpretam textos normativos constitucionais, isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo. Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer norma da Constituição impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dela - da norma - até a Constituição.

117. A regra do art. 190 integra o Capítulo III - Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, e está contido, por seu turno, no Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira.

118. O primeiro princípio deste Título (art. 170, I) é o da soberania nacional. Logo, a regra do art. 190 deve ser lida como manifestação desse princípio setorial.

III.5. A compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com o art. 170, I e com o art. 1º, I, art. 3º, II e art. 4º, I da Constituição Federal de 1988: limitações à aquisição de terras por estrangeiros e por empresas brasileiras controladas por estrangeiros e a soberania nacional, a soberania, a independência nacional e a garantia do desenvolvimento nacional.

119. Neste item, toma-se como referência para justificar a recepção da norma sob análise a soberania nacional, que é um dos princípios da atividade econômica previsto no inciso I do art. 170 da CF, no Capítulo I do Título VII, que trata dos Princípios Gerais da Atividade Econômica.

120. Mencionado princípio foi previsto na redação originária da Constituição Federal de 1988 e é, segundo o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, ao mesmo tempo instrumento e objetivo a nortear a atuação do Estado brasileiro no que concerne à atividade econômica.

121. Segundo Eros Grau , ao se revestir, também, desse caráter norteador, está a norma constitucional a exigir sua densificação por intermédio de políticas públicas:

        Trata-se, ai, de princípio constitucional impositivo (Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumental e como objetivo específico a ser alcançado. É que a soberania nacional - assim como os demais princípios elencados nos incisos do art. 170 -  consubstancia, concomitantemente, instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e objetivo particular a ser alcançado. Neste segundo sentido, assume a feição de diretriz (Dworkin) - norma-objetivo -  dotada de caráter constitucional conformador. Enquanto tal, justifica reivindicação pela realização de políticas públicas.

122. O dispositivo, cuja compatibilidade com o texto constitucional originário de 1988 ora se analisa, nada mais é de que uma manifestação concreta, positivada, dentre as diversas possíveis, de se buscar a efetivação do princípio específico da soberania nacional aplicado à ordem econômica.

123. Por essa norma, limita-se a possibilidade de apropriação de parcelas do território nacional - elemento integrante do próprio conceito de Estado - por parte de estrangeiros empresas brasileiras cujo controle efetivo esteja em mãos de estrangeiros, já que são esses últimos que têm o poder de ditar os rumos da empresa.

124. Tal equiparação, então, visa a dotar o Estado brasileiro de instrumentos aptos a disciplinar e ordenar a distribuição do território nacional segundo suas superiores convicções.

125. Flagrante, pois, a compatibilidade com o princípio da soberania nacional aplicado à ordem econômica que é, por seu turno, consectário da soberania, fundamento da República Federativa do Brasil, ex vi do inciso I do art. 1º da Constituição de 1988.

126. De difícil conceituação, a idéia de soberania foi sendo construída ao longo dos séculos, a partir de uma dimensão política que passou a adquirir contornos jurídicos. Eis a explicação de Dalmo Dallari :

        De fato, apesar do progresso verificado, a soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.

127. Para Uadi Lammêgo Bullos , "A soberania nacional econômica diz respeito à formação de um capitalismo nacional autônomo, sem ingerências externas".

128. O vínculo do princípio da soberania relacionado à ordem econômica se manifesta, também, quando posto em cotejo com o princípio da independência nacional, princípio reitor do Brasil nas suas relações internacionais, consoante o inciso I do art. 4º da Carta Magna.

129. O dispositivo legal em análise compatibiliza-se, ainda, com os objetivos fundamentais da República, especialmente com o descrito no inciso II do art. 3º, "garantir o desenvolvimento nacional".

130. Esse conjunto de princípios, fundamentos e objetivos fundamentais postos na Constituição Federal, e que exigem a integração da legislação infraconstitucional, intencionam assegurar ao País as condições necessárias de desenvolvimento, levando-se em consideração o estágio evolutivo de nossa economia, afastadas veleidades ideológicas, preconceitos ou sentimentos xenófobos. O exercício exegético elaborado neste parecer cinge-se, como dito anteriormente, aos ditames jurídico-constitucionais.

131. Nesse sentido, é a voz abalizada do Ministro Eros Grau que esclarece,

        A afirmação da soberania nacional econômica não supõe o isolamento econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia - e da sociedade - e a ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades desenvolvidas. Talvez um dos sintomas mais pronunciados dessa dependência se encontre, nos nossos dias, como anotei em outra oportunidade, na dissociação entre a tecnologia usada e a pobreza da tecnologia concebida ou concebível pelas sociedades dependentes. (...) Afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e como objetivo particular a ser alcançado é definir programa de políticas públicas voltadas - repito -  não ao isolamento econômico, mas a viabilizar a participação da sociedade brasileira, em condições de igualdade, no mercado internacional. A importância do princípio, que encontra concreção já em regras contidas no próprio texto constitucional, das quais adiante tratarei, é, por isso mesmo, extremada. (grifos inexistentes no original)

III.6. A compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com o art. 172 da Constituição Federal de 1988: limitações à aquisição de terras por estrangeiros e por empresas brasileiras controladas por estrangeiros e a disciplina, com base no interesse nacional, dos investimentos em capital estrangeiro.

132. O art. 172 da CF, que não sofreu qualquer alteração em sua redação original, assevera que "A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará remessa de lucros".

133. José Afonso da Silva assim analisa o dispositivo constitucional em tela:

        A Constituição não é contra o capital estrangeiro. Não se encontra nela nada que se oponha a ele; (...) Apenas estatui que a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros, o que constitui exercício regular do princípio da soberania econômica nacional, agora previsto no art. 170, I. Mesmo que não estivesse previsto explicitamente, o princípio decorre da soberania estatal, de que é manifestação em um campo específico. O próprio capital nacional é sujeito à regulamentação de vários tipos, desde a previsão legal de formas de sociedade e empresa, seu registro, fiscalização, etc.; por que se há de escusar ou de censurar como xenófobo um dispositivo que apenas estatui a disciplina legal do capital estrangeiro, como certos setores empresariais o fizeram?

134. E qual é o conceito de investimentos de capital estrangeiro? A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros pode ser considerada investimento de capital estrangeiro? E se tal aquisição for realizada por empresas brasileiras cujo controle acionário e decisório esteja nas mãos de estrangeiros não residentes ou de empresas estrangeiras não sediadas no Brasil?

135. A Lei nº 4.131, de 1962, traz o conceito de capital estrangeiro. Eis o dispositivo:

        Art. 1º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no país, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.

136. Se o art. 172 da CF dispõe que lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, e se capital estrangeiro é aquele que pertence aos que residem no exterior, ou às empresas sediadas no exterior, ex vi da parte final do caput do art. 1º da Lei nº 4.131, de 1962, forçoso é concluir que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, disciplina, a bem do interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro realizados por empresa brasileira controlada por estrangeiros não residentes, no que concerne à aquisição ou arrendamento de imóveis rurais.

137. Quanto ao tema tratado, afirma Celso Ribeiro Bastos19

        Com efeito, nunca faltou (sic) poderes à União para disciplinar a entrada dos capitais estrangeiros. A atual Constituição vai mesmo ao ponto de dizer que a lei incentivará o investimento de capitais estrangeiros (art. 172). Ao disciplinar a entrada desses capitais a lei poderia direcioná-los para aquelas áreas de maior interesse social. Até mesmo a vedação desses capitais em algumas áreas pode demonstrar-se como legítima. (grifos inexistentes no original)

138. Como a redação do art. 172 permaneceu inalterada desde a promulgação da Carta de 1988, é imperiosa sua utilização para sustentar, em acréscimo a todos os outros argumentos, a recepção do dispositivo da Lei de 1971.

139. Recorro mais uma vez à doutrina do Ministro Eros Grau na parte em que afirma que capital estrangeiro é noção diversa de empresa, e, portanto, investimentos com capital estrangeiro podem ser feitos por empresas brasileiras, aquelas empresas brasileiras de que tratava o inciso I do art. 171 da Constituição em sua redação original, e desse modo reforça a tese central desenvolvida neste Parecer de que diversos dispositivos da Constituição Federal conformam a base, numa perspectiva sistêmica, de recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971.

140. Eis o texto:

        Note-se que o art. 172 menciona "capital estrangeiro". Capital é noção diversa da de empresa. Assim, cumpre cogitarmos de investimentos de capital estrangeiro feitos por empresas brasileiras (art. 171, I) e por empresas estrangeiras. Pois é evidente que o capital das primeiras não é nacional: basta ler o enunciado do inciso II do art. 171.

141. Ora, se o art. 172 refere-se aos investimentos de capital estrangeiro feitos por empresas brasileiras, aquelas, à luz do texto original de 1988, previstas no art. 171, I, parece-me óbvio que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, foi recepcionado e agasalhado, também, por este dispositivo constitucional.

142. Nelson Nery Costa e Geraldo Magela Alves bem explicitam a intenção do legislador constituinte com o art. 172, verbis:

        De acordo com o art. 172, da CF, deve haver lei para disciplinar, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, bem como incentivar os reinvestimentos e regular a remessa de lucros. A Constituição de 1988 foi elaborada com a preocupação de criar condições para se ter um capitalismo nacional, reservando algumas atividades para seu domínio, inclusive com a conceituação do revogado art. 171, de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional. Pensava-se, então, que se devia atrair o capital estrangeiro, mas se devia procurar condições de desenvolver o capital local, não mais com o modelo expresso na Constituição de 1967 e na sua Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, baseada na intervenção no domínio econômico e no monopólio de indústrias e atividades. (grifos inexistentes no original)

143. A disciplina dos investimentos de capital estrangeiro, constitucionalmente prevista, manifesta-se, seja potencialmente, pela possibilidade de disciplina específica e detalhada a ser elaborada em norma futura, seja pela recepção da norma anteriormente mencionada que limita e restringe o investimento de capital estrangeiro na aquisição de imóveis rurais no Brasil.

144. A preservação da soberania nacional, as restrições genéricas impostas às empresas brasileiras em setores estratégicos ao desenvolvimento nacional e a disciplina do investimento do capital estrangeiro, com base no interesse nacional são preceitos constitucionais que conferem lastro às restrições postas pelo § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, às empresas brasileiras controladas por estrangeiros não residentes ou por empresas estrangeiras não sediadas.

III.7. A compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com o caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, em sua redação original: inexistência de distinção entre brasileiros e estrangeiros residentes no País na fruição de direitos e garantias.

145. A regra isonômica contida no caput do art. 5º da Constituição Federal assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, sem distinção, o acesso a direitos e garantias individuais e coletivos, como o direito à propriedade.

146. Essa é a regra geral que sofre algumas mitigações em face da necessidade de ponderação com outros bens e direitos fundamentais tutelados pelo texto constitucional, como soberania nacional, interesse nacional e proteção a setores estratégicos da economia.

147. É o que se depreende da análise sistêmica, p.ex., do caput do art. 5º com o art. 172, que estabelece, como visto, que a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, além de regular a remessa de lucros.

148. Da mesma forma, os direitos fundamentais albergados pelo art. 5º relativizam-se quando em cotejo com o disposto no art. 190, dispositivo integrante do Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo III, da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária.

149. Nesse sentido, Celso Bastos afirma:

        Nada obstante ser a propriedade privada um dos direitos fundamentais de que goza todo aquele submetido à ordem jurídica brasileira, não importando se nacional ou estrangeiro, é certo que a Constituição em alguns pontos faz restrições relativamente aos estrangeiros, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. No artigo sob comento estamos diante de uma dessas hipóteses. (grifei)

150. Perceba-se que toda a sistemática constitucional baseia-se no princípio isonômico genérico (art. 5º, caput) entre brasileiros e estrangeiros residentes no país, e ainda assim, admite mitigações.

151. É absolutamente razoável, pois, extrair, do cotejo desse princípio genérico, com os princípios e regras que possuem sede constitucional, vistos anteriormente, que parametrizam a atividade econômica, o entendimento que restrições aplicáveis a empresas brasileiras controladas por estrangeiros não residentes ou por empresas estrangeiras não sediadas é absolutamente compatível com o texto originário e atual da Constituição de 1988.

III.8. A compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com a Constituição Federal de 1988: o processo legislativo que resultou na aprovação da Lei nº 8.629, de 1993.

152. Importa trazer à baila um último argumento quanto à constitucionalidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971.

153. A Lei nº 8.629, de 1993, que "Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal", trata, em seu art. 23, da imposição dos limites de que cuida o art. 190 da CF:

        Art. 23. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil só poderão arrendar imóvel rural na forma da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.

        § 1º Aplicam-se ao arrendamento todos os limites, restrições e condições aplicáveis à aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, constantes da lei referida no caput deste artigo.

        § 2º Compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida. (grifei)

154. Como visto, o art. 23 da Lei nº 8.629, de 1993, remete a disciplina do arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros à Lei nº 5.709, de 1971, além de fixar a competência do Congresso Nacional para autorizar arrendamentos e aquisições de áreas que extrapolem os limites fixados na Lei de 1971.

155. Surge nesta etapa da análise um importante elemento para reflexão.

156. O legislador ordinário, ao debater o projeto de lei que deu ensejo à publicação da Lei nº 8.629, de 1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, de uma forma geral, e disciplina, em seu art. 23, de forma específica, o arrendamento de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou por pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil, declara de forma expressa a recepção da Lei nº 5.709, de 1971, tanto que manda aplicar ao arrendamento os limites, restrições e condições aplicáveis à aquisição de que trata a Lei de 1971.

157. Sublinhe-se que a Lei nº 8.629 foi publicada em 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988. Houvesse qualquer restrição à constitucionalidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, o Congresso Nacional tê-la-ia declarado, promovendo sua revogação.

158. Ao contrário, o Parlamento estendeu ao arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros, as normas da Lei nº 5.709, de 1971, inclusive aquela contida no § 1º de seu art. 1º, que equipara a empresa brasileira com participação majoritária no capital social por estrangeiros não residentes ou pessoas jurídicas não autorizadas a empresas estrangeiras.

159. Em síntese, o Parecer nº AGU/LA-04/94, aprovado, à época, pelo Advogado-Geral da União, por intermédio do Parecer GQ-22, assinalou como principal conclusão o fato de que, com a revogação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, inexistia qualquer impedimento à aquisição de imóvel rural por empresa brasileira cujo controle de capital estivesse enfeixado nas mãos de estrangeiros.

160. As divergências hermenêuticas apontadas anteriormente implicam, por óbvio, não aceitar as conclusões do mencionado Parecer.

161. Recepcionado o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, e admitida a possibilidade da equiparação entre pessoas jurídicas estrangeiras e pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros não residentes ou não sediados, todos os limites previstos poderiam, em tese, ser aplicados às pessoas jurídicas brasileiras equiparadas.

IV

A Emenda Constitucional nº 6, de 1995 e o fim do conceito de empresa brasileira e de empresa brasileira de capital nacional: o Parecer nº GQ-181, de 1998, da Advocacia-Geral da União e a manutenção do entendimento do Parecer nº GQ-22, de 1994. Impossibilidade de repristinação. Viabilidade e necessidade de revisão.

162. Adveio, então, a promulgação da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, e com ela a revogação do art. 171, bem como a alteração da redação do inciso IX do art. 170 e do § 1º do art. 176, todos da CF de 1988.

163. Não há mais no texto constitucional, de forma genérica, a diferenciação fundada no controle efetivo por pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendido como controle acionário (maioria do capital votante) e exercício de fato e de direito do poder decisório para gerir suas atividades.

164. Para ser brasileira a empresa, basta que tenha se constituído sob a égide das leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país. É o que se extrai, indiretamente, da dicção do inciso IX do art. 170 e do § 1º do art. 176 da CF.

165. Tal análise da evolução do texto constitucional é essencial ao deslinde da questão colocada à apreciação da AGU, que consiste em avaliar se a revogação ou revisão do Parecer nº GQ-181 terá o condão de estabelecer restrições à aquisição de terras por empresas brasileiras controladas por estrangeiros não-residentes ou por pessoas jurídicas estrangeiras não-sediadas no país.

166. Novamente a AGU foi instada a se manifestar, nesse caso, para saber se com a promulgação da EC nº 6, de 1995, e a conseqüente revogação do art.171 da Constituição Federal, permanecia inalterado o entendimento quanto à revogação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971.

167. A resposta veio no PARECER Nº AGU/LA-01/97, de 17.03.97, aprovado pelo PARECER Nº GQ -181, de 1998, ao qual foi conferido efeito vinculante para toda a administração pública federal, em face da aprovação pelo Exmº Sr. Presidente da República e posterior publicação no Diário Oficial da União, em 22.01.99, à luz do contido no art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 1993.

168. Neste parecer, ficou consignada a permanência do entendimento, manifestado no Parecer nº GQ-22, de 1994, de que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, tinha sido revogado.

169. Segundo o Parecer da AGU, de 1998, a revogação do art. 171 da CF não tinha o condão de repristinar - tornar de novo válido e eficaz - o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971.

170. Em outras palavras, a revogação da norma constitucional revogadora de dispositivo legal pré-constitucional não propiciaria a reintrodução da norma em nosso ordenamento, salvo a existência de disposição expressa, que no caso inocorreu.

171. É o que determina a Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, em seu art. art. 2º, § 3º, verbis:

        Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

        ................................................................................................

        § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

172. Estabelecia, ainda, o indigitado Parecer nº GQ - 181, de 1998, que a revogação do art. 171 da CF não se configurava em impedimento para que o legislador ordinário estabelecesse restrições e limitações ao capital estrangeiro, por força do que dispõe o art. 172 da Constituição Federal.

173. Percebe-se, aqui, certa inflexão na linha de entendimento adotado.

174. Nesse Parecer de 1998, destaca-se a possibilidade de ser estabelecida restrição ao capital estrangeiro, e aí entendida, também, a restrição ao capital estrangeiro majoritário em empresas brasileiras que adquirem ou arrendam imóveis rurais no Brasil.

175. Sustentava-se, contudo, no citado Parecer nº GQ-181, de 1998, que tal restrição não poderia ter como veículo o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971. Seria necessária nova iniciativa legislativa que tornasse expresso tal entendimento.

176. Em síntese, admitia-se, na essência, a restrição à aquisição de terras rurais por estrangeiros não-residentes, por intermédio de pessoas jurídicas brasileiras por eles controladas, desde que veiculadas por nova lei.

177. Essa conclusão a que chega o Parecer GQ - 181 é de significativa importância para a tese que se sustenta no presente Parecer.

178. Perceba Sr. Advogado-Geral, que o mencionado Parecer, de 1998, não sustenta haver inconstitucionalidade material no estabelecimento de restrições na aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por empresas brasileiras controladas por estrangeiros não-residentes.

179. Alega ser compatível com o ordenamento constitucional que lei ordinária posterior à Emenda Constitucional nº 6, de 1995, faça as restrições.

180. Não admite, contudo, a recepção do dispositivo da Lei de 1971, por todos os argumentos já expostos.

181. Não há inconstitucionalidade material, repita-se, para o Parecer GQ nº 181, de 1998. Não admite, contudo, seja utilizada a Lei nº 5.709, de 1971.

182. Há que se esclarecer as concordâncias e divergências. Concordo Sr. Advogado-Geral, por tudo que já expus, que não há inconstitucionalidade material. As restrições a estrangeiros e a empresas brasileiras controladas por estrangeiros são totalmente compatíveis com o texto constitucional, seja o originário, seja o posterior à Emenda Constitucional nº 6, de 1995.

183. A divergência situa-se na alegada impossibilidade de se utilizar a Lei nº 5.709, de 1971, para tanto.

184. Em face da divergência apontada com relação ao parecer originário -  GQ nº 22, de 1994, há discordância essencial com o segundo parecer, o Parecer nº GQ - 181, de 1998.

185. Explico.

186. Esse segundo parecer restringe-se a debater a questão da repristinação, partindo da premissa, que me parece falsa, de que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, estava revogado pelo ordenamento constitucional de 1988 em sua redação originária e que a revogação do dispositivo constitucional revogador não teria o condão de repristinar o artigo da Lei.

187. Ora, se o presente Parecer sustenta a recepção do dispositivo da Lei de 1971, em face da redação original do texto constitucional, não há que se adentrar na discussão sobre repristinação.

188. Cuida-se de saber, então, se o novo ordenamento constitucional, decorrente da aprovação da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, revogou o dispositivo da Lei de 1971.

189. Como dito, a EC nº 6, de 1995, eliminou a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional ao revogar o art. 171 da CF.

190. Contudo, remanescem, no corpo da Constituição de 1988, a lastrear a tese aqui esposada, analisados de per se e sistematicamente, o inciso I do art. 170, do art. 172, do art. 190 e ainda, o art. 1º, I, o art. 3º, II, o art. 4º, I e o caput do art. 5º, com base em todos os argumentos já expostos anteriormente.

191. Acrescente-se ainda, a esse rol de princípios e regras constitucionais, a nova redação conferida ao inciso IX do art. 170, que preserva a organicidade do texto constitucional de conferir tratamento diferenciado às empresas brasileiras com sede e administração no país.

192. Assim, a possibilidade de restrição à aquisição e ao arrendamento de terras rurais, por pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros não-residentes ou pessoas jurídicas não-sediadas no país decorre do que dispõe a análise sistêmica do texto constitucional.

193. Pontuada a divergência com o Parecer nº GQ - 181, de 1998, o que está a toda evidência a demonstrar a necessidade de sua revisão, caso assim entenda o Vª Exª, há que se registrar a área de convergência quanto ao cerne, à essência da matéria.

194. Refiro-me à parte do mencionado parecer em que, interpretando o disposto no art. 172 da CF, entende o autor ser possível, no mérito, o estabelecimento, em lei, de disciplina aos investimentos estrangeiros, ao reinvestimento e à remessa de lucros, além daqueles casos em que a Constituição expressamente restringe a participação do capital estrangeiro.

195. Como visto, a divergência, ao menos a partir de 1998, consiste no entendimento sustentado neste Parecer quanto à recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, tanto pela redação original da Constituição de 1988, quanto pela redação alterada em decorrência da promulgação da Emenda Constitucional nº 6, de 1995.

V

A interpretação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971: os requisitos para a equiparação da empresa brasileira à empresa estrangeira.

196. Admitida a compatibilidade do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, com a Constituição de 1988, em sua redação original e pós-Emenda Constitucional nº 6, de 1995, cumpre fixar sua perfeita exegese.

197. O art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, elemento central da análise empreendida por este Parecer, dispõe:

        Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

        § 1º - Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

198. Percebe-se, então, que o mencionado dispositivo, a par de fixar o objeto da lei, vale dizer, disciplinar os mecanismos de aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país e por pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no país, prevê, em seu § 1º, a sujeição de pessoa jurídica brasileira, da qual participem a qualquer título e possuam a maioria do capital social os estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, que, respectivamente, residam ou tenham sede no exterior, ao mesmo regime previsto para o estrangeiro residente no país ou para a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil.

199. O dispositivo mencionado, na verdade, cria equiparação legal entre a empresa brasileira cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros que residam no exterior ou a pessoa jurídica cuja sede seja no exterior e a empresa estrangeira.

200. Importa, neste momento, desmembrar a norma para que se explicitem os requisitos legais dessa equiparação.

201. A regra do caput do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, dirige-se ao estrangeiro residente no país ou à pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil e dispõe que somente poderão adquirir imóvel rural na forma desta Lei.

202. Extraem-se desta regra, ao menos duas importantes conclusões.

203. A primeira, é que os estrangeiros não residentes e as pessoas jurídicas estrangeiras não autorizadas a funcionar no Brasil não podem comprar imóveis rurais no país.

204. Nesse sentido, veja-se a manifestação de Oswaldo Opitz e Silvia Opitz, citada por Celso Ribeiro Bastos , verbis:

        (...) Não há uma proibição absoluta de o estrangeiro tornar-se proprietário de terras rurais no País, porque a lei abre exceção, desde que ele tenha residência permanente em nosso território; por isso `a aquisição de propriedade rural no território nacional somente poderá ser feita por brasileiro ou por estrangeiro residente no país. Não basta a simples residência, é preciso que seja permanente, porque `considera-se residente no País o estrangeiro que faça prova de fixação permanente no território nacional, de acordo com a legislação em vigor. (...) A pessoa jurídica estrangeira não poderá adquirir imóvel rural no Brasil, salvo se for autorizada a funcionar no país, devendo as aquisições serem vinculadas aos objetivos estatutários da sociedade.

205. A segunda, é que as restrições impostas pela Lei nº 5.709, de 1971, e posteriormente pela Lei nº 8.629, de 1993 , cingem-se, respectivamente, à aquisição e ao arrendamento de imóveis rurais, não se aplicando aos imóveis urbanos.

206. O § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, equipara determinado tipo de pessoa jurídica brasileira ao estrangeiro residente ou à pessoa jurídica estrangeira autorizada, especificamente para a aquisição de imóveis rurais no Brasil.

207. Qual pessoa jurídica brasileira é equiparada pelo dispositivo citado?

208. A pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no exterior.

209. Há três requisitos cumulativos a serem adimplidos para que se efetive a equiparação legal.

210. O primeiro requisito, que haja a participação a qualquer título de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras no capital social da pessoa jurídica brasileira.

211. E o que significa participação a qualquer título?

212. Quando o legislador menciona a participação a qualquer título de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras em pessoas jurídica brasileira, refere-se à participação direta -  a própria pessoa física ou jurídica é detentora de ações ou quotas da pessoa jurídica brasileira -  ou à participação indireta -  que se dá quando quem detém as ações ou quotas é interposta pessoa jurídica, como, p.ex., as empresas controladas, cuja maioria do capital social esteja nas mãos de estrangeiros.

213. Importa, neste momento recorrer ao texto de Celso Ribeiro Bastos que explicita a participação de estrangeiros em pessoas jurídicas brasileiras:

        Há que se notar, ainda que, freqüentemente, a lei ou mero ato administrativo exigiam que o controle das ações votantes e, por vezes, da maioria do capital estivessem na posse de brasileiros, ou de pessoas residentes e domiciliadas no País. (...) Vale aqui adensar um pouco mais o estudo da participação estrangeira na sociedade. Ela não se dá de forma uniforme, e essa desuniformidade é responsável por efeitos na órbita do direito. Algumas sociedades nacionais chegam a apresentar um nível de participação perto de cem por cento. São, portanto, entidades de predomínio quase absoluto do investidor estrangeiro. As ações ou quotas que porventura se encontrem nas mãos de nacionais são apenas as necessárias para perfazer os requisitos legais da estruturação da pessoa jurídica. É certo que a legislação vigente admitiu a subsidiária integral que seria aquela companhia que tem como único acionista sociedade brasileira. Tal possibilidade, no entanto, ficou restrita à sociedade nacional, não sendo extensiva às sociedades estrangeiras. O outro lado da questão consiste na participação extremamente reduzida das sociedades estrangeiras nas nacionais. Mesmo no caso de não haver controle no sentido técnico da palavra, pode aí ocorrer uma dominação de fato, provocada por uma eventual necessidade absoluta da tecnologia fornecida pela empresa estrangeira. As situações mais comuns, contudo, são aquelas em que se verifica ao menos um relativo equilíbrio nas participações, tanto estrangeiras quanto nacionais. A legislação faz, entretanto, uma distinção entre sociedades subsidiárias e sociedades controladas. Segundo a Lei das Sociedades Anônimas (art. 243 § 2º), sociedade controlada é aquela na qual há uma sociedade controladora que, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores; sendo certo, todavia, que pode existir o chamado controle minoritário, quando o acionista, mesmo minoritário, pode exercer o controle. São três os fatores que podem provocar esta circunstância: a) o absenteísmo dos acionistas à assembléia geral; b) a inabilitação das ações ao portador para votar; e c) a elevação do limite das ações preferenciais sem voto a dois terços do total das ações emitidas. (...) Compete agora definir-se sociedade subsidiária. Seu conceito nos é fornecido pelo Decreto nº 55.762, que no seu art. 20, parágrafo único dispõe: "Considera-se subsidiária de empresa estrangeira a pessoa jurídica estabelecida no país, de cujo capital com direito a voto, pelo menos 50% pertençam, direta ou indiretamente, à empresa com sede no exterior." (...) Além do exercício indireto de atividade no Brasil, marcado por uma participação em sociedades nacionais, o capital estrangeiro pode cumprir uma participação direta, caracterizada pelo funcionamento no país. Funcionar significa desenvolver plena e organicamente as atividades econômicas tendentes á realização do objeto social. Pressupõe um esforço ou uma organização permanente (o estabelecimento), que se exterioriza por uma série de atos ou de fatos vinculados à exploração de certa atividade econômica. (...)

214. O segundo requisito a ser adimplido para que se efetive a equiparação é que a participação a qualquer título das pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras no capital social da pessoa jurídica brasileira seja de forma tal que assegure a maioria de seu capital social. A maioria do capital social tem que estar nas mãos de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras não-residentes ou não-sediadas no Brasil.

215. Cabe neste momento explicitar o critério da maioria do capital social.

216. A Lei nº 5.709, de 1971, foi publicada quando ainda estava em vigor o Decreto-Lei nº 2.627, de 1940, que dispunha sobre a sociedade por ações.

217. Mencionado Decreto-Lei foi revogado parcialmente pela Lei nº 6.404, de 15.12.1976, e essa revogação produziu significativo efeito no que concerne ao controle da direção dos rumos de uma dada companhia.

218. Reproduzo trechos da obra de Modesto Carvalhosa que, ao analisar o art. 116 da Lei das Sociedades Anônimas, demonstram a importante transição do princípio majoritário, encontrado no § 1º do art. 1º da lei nº 5.709, de 1971, para o princípio controlador:

        O Decreto-Lei nº 2.627, de 1949 não instituiu a figura do acionista controlador. Fundava-se o antigo diploma em critério diverso, qual seja, o de acionista majoritário. E para ele não criava responsabilidades específicas. Estas eram previstas apenas para os administradores. (...) O princípio do acionista majoritário em que se fundava a antiga lei é diverso do princípio do controlador. No sistema majoritário, há uma correlação direta entre risco de capital empregado e mando social. O acionista ou grupo de acionistas que assumiam maior risco de capitais investidos na companhia é que deveriam comandá-la. Assim, aqueles que possuíam mais de 50% do capital votante eram considerados pela lei como os acionistas que teriam os poderes de decisão, de indicação dos administradores e da orientação política da companhia. A assembléia geral, em conseqüência, era efetivamente o órgão decisório da companhia, já que nela prevalecia o sistema quantitativo de ações, traduzido pelo predomínio da maioria do capital social. Mediante a atribuição do voto a todos os acionistas titulares de ações ordinárias, davam-se aos votos majoritários totais direito de decisão. Por outro lado, o Decreto-Lei nº 2.627, de 1940, não outorgava às minorias acionárias qualquer participação institucional nas decisões da assembléia geral, em virtude mesmo do princípio majoritário de poder social. A Lei nº 6.404, de 1976, fundamenta-se, no que respeita à estrutura do poder e às relações entre acionistas e a companhia, na figura do controlador. Define a lei o acionista ou grupo de acionistas que deve dominar a companhia. Abandona, por outro lado, o critério quantitativo da capital investido na sociedade como suscetível de configurar esse domínio, na medida em que cerceia o voto a grande quantidade de acionistas, ao permitir a emissão de ações preferenciais (...). Retira, assim, a soberania efetiva da assembléia geral, já que reduz drasticamente o colégio eleitoral que a compõe, que praticamente se constituirá apenas dos próprios controladores. Essa ideologia, de todo diversa daquela que informou o antigo diploma, funda-se no princípio da dominação societária independentemente do risco de inversão de capital. A quantidade de capital subscrito em ações não mais coincide com a quantidade de ações necessárias à formação da maioria na assembléia geral, em que não votam os acionistas rendeiros e especuladores, presumivelmente titulares de preferenciais (...). O poder da companhia torna-se personalizado. Dá-se a esse grupo uma série de prerrogativas de mando que são auto-homologadas pela assembléia geral, que, em última instância, é constituída pelos próprios controladores. (...) Nas figuras nitidamente diversas do majoritário e do acionista controlador assentam-se as estruturas também diversas do Decreto-Lei nº 2.627, de 1949 e da Lei nº 6.404, de 1976. No antigo diploma, a hegemonia dos majoritários exercia-se na assembléia geral e pressupunha a titularidade da maioria absoluta das ações votantes. Na lei vigente, o grupo controlador independe da proporção entre o capital por ele possuído e o capital da sociedade, para efetivamente exercer o poder na companhia. Uma minoria de ações do capital emitido pode dominar a sociedade pelo próprio fato da dispersão dos demais acionistas e pela possibilidade de largo uso da emissão de preferenciais (...). Ao estabelecer o regime de poder em torno da figura do controlador, a Lei nº 6.404, de 1976, quebra a proporção entre o risco de capital investido em ações e o poder exercitado na sociedade anônima. Possibilita a lei vigente o exercício do poder na companhia através de um número diminuto de ações, ou seja, com uma participação de capital bem menor do que seria necessária se todas as ações ordinárias pudessem exercitar o direito de voto (ordinárias e preferenciais). (...) A própria estrutura da Lei nº 6.404, de 1976, induz à definição de funções dos três grupos de acionistas, as quais resumidamente seriam: o controlador exerce o poder, os rendeiros subscrevem a maior parte (...) do capital da sociedade em preferenciais e os especuladores produzem liquidez mercadológica às ações (...). Controle societário pode ser definido como o poder de dirigir as atividades sociais. Essa noção tem um sentido material ou substancial e não apenas formal. Assim, o controle é o poder efetivo de direção dos negócios sociais, Não se trata de um poder potencial, eventual, simbólico ou diferido. É controlador aquele que exerce, na realidade, o poder. Internamente, mediante o prevalecimento dos votos. Externamente, por outros fatores extra-societários. Controlar uma companhia, portanto, é o poder de impor a vontade nos atos sociais e, via de conseqüência, de dirigir o processo empresarial que é o seu objeto. Há um sentido dinâmico nesse poder que transcende o caráter meramente patrimonial da disponibilidade de bens, próprio do direito das coisas. A noção de controle está evidentemente ligada aos negócios societários e ao procedimento empresarial que decorre da consecução do seu objeto. Ainda que o controlador não possa dispor dos bens como um proprietário, todas as decisões societárias e a atividade empresarial dependem de sua vontade, manifestada de forma permanente.

219. Nesse sentido, o conceito de que o comando da companhia estava nas mãos daquele que detinha a maioria do capital social, há de ser substituído em face da revogação do Decreto-Lei nº 2.627, de 1940, pela Lei nº 6.404, de 1976.

220. É sob a lógica da Lei que atualmente rege as sociedades anônimas, que entrou em vigor em 15 de fevereiro de 1977, que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, deve ser analisado pelo intérprete.

221. Assim, o que é fundamental para definir a participação, com caráter de controle, de pessoas físicas estrangeiras não residentes ou pessoas jurídicas com sede no exterior nas empresas brasileiras é o preenchimento dos requisitos postos no art. 116 da Lei nº 6.404, de 1976, quais sejam:

SEÇÃO IV

Acionista Controlador

Deveres

        Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

        a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

        b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

        Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

222. É, pois, o art. 116 da Lei nº 6.404, de 1976, a lente hermenêutica a ser adotada para que se compreenda fielmente a expressão "pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social" contida na parte final do § 1º do art. 1º da lei nº 5.709, de 1971.

223. Assim, para que se entenda presente a norma contida no § 1º do art.1º da Lei nº 5.709, de 1971, a pessoa física ou jurídica estrangeira deve preencher, cumulativamente, os requisitos de que cuidam as alíneas "a" e "b" do art. 116 da Lei nº 6.404, de 1976.

224. Não é qualquer participação acionária de estrangeiros não-residentes que dá ensejo à incidência da equiparação posta no § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971. Há de ser uma participação que caracterize a figura do acionista controlador previsto no art. 116 da Lei das S.A. em vigor.

225. Na verdade, Sr. Advogado-Geral é essa participação acionária que assegura a seus detentores o poder de conduzir as deliberações da assembléia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

226. Se o estrangeiro não-residente, no caso de pessoas física, ou não-sediado, no caso de pessoa jurídica, detém esse status em pessoa jurídica brasileira, então, incidirá a norma prevista no § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, que equipara, para fins de aquisição ou arrendamento de imóveis rurais, a pessoa jurídica brasileira e a pessoa jurídica estrangeira.

227. Mas, essa participação acionária é a de qualquer pessoa física ou jurídica estrangeira? Não, a pessoa física estrangeira a que se refere à Lei nº 5.709, de 1971 é o estrangeiro não residente. A pessoa jurídica tratada é aquela que tenha sede no exterior. Esse é o terceiro requisito.

228. É falacioso, quase caricatural, pois, o argumento que sustenta a possibilidade de equiparação de empresa brasileira com empresa estrangeira de que trata o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, para o fim de imposição de restrições à aquisição de imóveis rurais, se houver pelo menos uma ação de pessoa jurídica brasileira em mãos de estrangeiro não-residente e não-sediado, em face especialmente da expressão "participação a qualquer título" contida no dispositivo sob análise.

229. Demonstrou-se que a citada equiparação somente poderá ocorrer se, e, somente, se:

        a) o estrangeiro, pessoa física, seja não-residente ou pessoa jurídica não-sediada no país; e

        b) participe a qualquer título da composição acionária de pessoa jurídica brasileira; e

        c) essa participação assegure a seus detentores o poder de conduzir as deliberações da assembléia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

230. Apenas o implemento cumulativo desses três requisitos permitirá a equiparação.

231. Trata-se de medida desarrazoada, de cunho xenófobo, tendente a promover discriminação inaceitável no âmbito das empresas brasileiras?

232. A resposta me parece negativa.

233. O que pretendeu o legislador ordinário de 1971, em consonância com a Carta de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, pretensão que parece seguir válida à luz da Constituição de 1988, era impor restrições à aquisição de terras por estrangeiros que não possuíssem qualquer vínculo com o Brasil, e, assim, estabelecer mecanismos de controle sobre a disposição do território nacional, a bem do interesse e da soberania nacional

234. Aqui não vivem, e aqui não concentram o desenvolvimento de suas atividades produtivas. E o que dizer da imposição dessas restrições a empresas brasileiras, constituídas sob a égide da legislação nacional, com sede no Brasil?

235. Se, mesmo sendo brasileiras, são estrangeiros não residentes que decidem seus rumos, que nomeiam seus dirigentes e que tomam as principais decisões, é como se estrangeiras fossem. E a Constituição Federal é clara ao estabelecer regramentos especiais para a aquisição de terras por estrangeiros, a bem do interesse e da soberania nacional.

VI

Conclusões e Encaminhamentos

236. Cumpre, Sr. Advogado-Geral da União, antes de sistematizar e apresentar as conclusões específicas a que chega este Parecer, trazer a lume o alerta feito por importantes constitucionalistas pátrios, que não silenciaram quanto à relevância do tema - propriedade da terra - e à importância da existência, no seio da Constituição de 1988, em sua redação original, de dispositivos que, analisados de forma sistemática, conduzem ao entendimento que foi interesse, sim, do constituinte de 1987/1988, no grande pacto social que foi a elaboração do texto constitucional, o estabelecimento de parâmetros que assegurassem ao Estado o controle sobre a apropriação do território nacional.

237. José Afonso da Silva , tratando a questão da propriedade rural de forma abrangente, sentencia:

        A propriedade rural, que se centra na propriedade da terra, com sua natureza de bem de produção, tem como utilidade natural a produção de bens necessários à sobrevivência humana, daí porque a Constituição consigna normas que servem de base à sua peculiar disciplina jurídica (arts. 184 a 191). É que `a propriedade da terra, bem que se presta a múltiplas formas de produção de riquezas, não poderia ficar unicamente em subserviência aos caprichos da natureza humana, no sentido de aproveitá-la ou não, e, ainda, como conviesse ao proprietário-

238. Pinto Ferreira , por seu turno, pontuou o risco de a aquisição de terras por estrangeiros ser feita sem qualquer espécie de controle, verbis:

        Na história da sociologia rural brasileira tem havido uma constante compra de terras por estrangeiros, o que deve ser evitado, pois tal ocupação de terras é um processo básico de infra-estrutura que leva á desnacionalização, visto que em tais terras se localizam importantes jazidas de pedras ricas em minério. Esta ocupação e compra de terras acelerou-se depois do levantamento aerofotogramétrico do território nacional, que permitiu a localização de tais jazidas. Em tão grande extensão esta se realizou que chamou a atenção da opinião pública, pelo que foi instituída uma CPI (...). As Leis Magnas do Brasil, como a Constituição de 1946 (art. 136, § 2º), a de 1967 e a de 1969, já tinham normas constitucionais com restrição da venda de terras a estrangeiros, porém, uma coisa é a lei, outra é a sua afronta. (...) (grifei)

239. As restrições existentes no texto constitucional de 1988, referentes à aquisição de imóveis rurais, como visto, não devem ser consideradas inovações em face da história constitucional brasileira, nem, tampouco, ser consideradas as mais rigorosas.

240. Tome-se como exemplo o § 34 do art. 153 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, ao texto da Constituição de 1967, que estabelecia vedação não apenas aos estrangeiros residentes como, também, aos brasileiros, verbis:

        Art. 153.......................................

        ...................................................

        § 34. A lei disporá sôbre a aquisição da propriedade rural por brasileiro e estrangeiro residente no país, assim com por pessoa natural ou jurídica, estabelecendo condições, restrições, limitações e demais exigências, para a defesa da integridade do território, a segurança do Estado e justa distribuição da propriedade.

241. Também não há falar em vanguarda da Carta de 1988, vis-à-vis a legislação internacional quanto ao limite de aquisição da terra rural por estrangeiros.

242. E aí, Senhor Advogado-Geral da União, não há como evitar a menção à legislação norte-americana, federal e estadual, que impõe significativos limites à apropriação de parcelas do território estadunidense.

243. Pela legislação federal é obrigação do estrangeiro elaborar relatórios das aquisições realizadas ao Secretário de Agricultura. Em Nova York, o estrangeiro deve naturalizar-se americano para possuir propriedade rural. Na Virgínia, permite-se apenas a posse, não a propriedade ao estrangeiro que seja residente há mais de cinco anos. Em Iowa, as terras não destinadas à agricultura podem ser negociadas livremente; as terras destinadas à agricultura não podem pertencer a pessoas, físicas ou jurídicas, não residentes. No Missouri, as terras não destinadas à agricultura podem ser negociadas livremente, as terras destinadas à agricultura não podem pertencer a estrangeiros. Caso estrangeiros venham a ser proprietários de terras agrícolas, o Estado dá dois anos para que sejam negociadas com nacionais, caso não sejam, vão a leilão público .

244. No México, também, há importantes restrições. É vedado o domínio de estrangeiros na faixa de fronteira e à beira-mar. Nas demais áreas, urbanas ou rurais, os estrangeiros necessitam de autorização da Secretaria de Relações Exteriores. Empresas mexicanas, com participação de capital estrangeiro, podem adquirir terras, mas sofrem restrições legais, como o limite máximo de aquisição .

245. Estudar e compreender as limitações impostas pelo texto da Constituição Federal de 1988 à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros -  que, repise-se, no nosso entender, dão lastro à recepção da multicitada norma da Lei nº 5.709, de 1971 - é trafegar, no campo da hermenêutica constitucional, no dizer do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, na fixação "dos limites dos limites" de direitos fundamentais.

246. Para Gilmar Mendes , essa empreitada hermenêutica está umbilicalmente ligada ao princípio da proporcionalidade:

        Consoante a firme jurisprudência do Bundesverfassungsgericht, a definição do conteúdo e a imposição de limitações ao direito de propriedade há de observar o princípio da proporcionalidade. Segundo esse entendimento, o legislador está obrigado a concretizar um modelo social fundado, de um lado, no reconhecimento da propriedade privada e, de outro, no princípio da função social.

247. Indaga-se, então, seguindo a trilha aberta pelo Exmº Sr. Ministro Presidente da Corte Guardiã da Constituição Federal: terá o legislador ordinário de 1971 agido sob a égide do princípio da proporcionalidade ao limitar a aquisição da propriedade de estrangeiros e de pessoas jurídicas brasileiras cujo controle do capital social esteja nas mãos de estrangeiros não residentes ou de pessoas jurídicas não sediadas?

248. A resposta parece-me positiva. Os limites impostos não ultrapassam o necessário para que o regime da propriedade rural não malfira a soberania nacional econômica, a independência nacional e o objetivo fundamental de se promover o desenvolvimento nacional.

249. As restrições não transbordam das balizas mínimas a fim de que a apropriação de parcelas do território nacional não vilipendie o interesse nacional expresso na definição de áreas estratégicas e de setores imprescindíveis ao objetivo de assegurar a todos os cidadãos brasileiros existência digna.

250. Resta, ainda, uma questão relevante a ser abordada, antes que se encaminhe para o fim desta manifestação.

251. É o questionamento posto, especialmente por aqueles que concordaram pelas mais diversas razões e interesses, com o entendimento fixado anteriormente no âmbito da Advocacia-Geral da União, nos Pareceres GQ-22, de 1994, e GQ-181, de 1998, que apontaram, respectivamente, para a não-recepção do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, pela Constituição de 1988, em sua redação original, e para a impossibilidade de repristinação da norma, então considerada revogada, pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995.

252. Trata-se da crítica à alteração de uma interpretação fixada administrativamente há 14 (quatorze) anos - a primeira manifestação da AGU-, e há 10 (dez) anos - a segunda - máxime pelo fato de não ter havido alteração no texto constitucional e na legislação infraconstitucional sob análise, desde então.

253. Como então - indagam os críticos - rever os entendimentos pretéritos, sob pena de afugentar o capital estrangeiro e de gerar insegurança jurídica nos negócios?

254. A doutrina constitucional contemporânea traz as respostas para essas perguntas.

255. O fenômeno da mutação constitucional, de há muito migrou das frias páginas da teoria constitucional para o calor das decisões judiciais, aplicadas aos casos concretos, em que, jurisprudências pacificadas e cristalizadas são alteradas por força de um novo olhar hermenêutico lançado pelos julgadores sobre a tríade norma-fato-circunstâncias.

256. Valho-me do texto de Ribas Vieira, Mastrodi Neto e Lírio do Valle que empreendem esforço didático-metodológico para explicar as espécies de mudança constitucional baseadas na doutrina constitucional européia e sua possibilidade de aplicação no caso americano, em especial, brasileiro:

        Numa apertadíssima síntese, podemos destacar, como originárias do quadro teórico europeu clássico, duas formas bastante definidas de possível manifestação da mudança constitucional. A primeira delas, originária da teoria constitucional francesa, insere a mudança sempre no âmbito do processo constituinte. Nessa concepção, a mudança se revela de caráter estrutural, no sentido de que se põe como resposta diante de uma perspectiva de ruptura. Mais recentemente, juristas do porte de Müller (2004) têm recepcionado essa linha de compreensão da mudança constitucional sempre via do poder constituinte, associada a uma idéia de garantia de legitimidade permanente. A segunda forma por meio da qual a doutrina européia vê o fenômeno da mudança constitucional decorre do modelo teórico alemão, que adota como premissa a possibilidade de alteração da norma constitucional. Tal concepção teórica é explicitada por, dentre outros, JELLINEK (1991), DAU-LIN (1998) e HESSE (1991), todos sustentando a possibilidade de se ter uma alteração do sentido da norma sem ter havido modificação do próprio texto. (...) o constitucionalismo brasileiro (flexível, além dos limites que o conceito acadêmico de constituição flexível pretendia chegar) pode se beneficiar dessa mesma reflexão em relação à necessidade de preservação, mesmo contra o exercício do poder constituinte reformador, do seu núcleo fundamental, ou para usar a expressão de VIEIRA (1999:225), de suas cláusulas de superconstitucionalidade. Mais ainda, uma percepção de que existe um modelo teórico possível que sustente e legitime a nova ordem constitucional como fruto de mudança, seria possível ao direito constitucional brasileiro, por exemplo, afastar-se dessa perspectiva ainda que na forma de um positivismo mitigado, de que toda e qualquer modificação no cenário -  seja no jogo político, seja no econômico, seja ainda em outras áreas - deva ser necessariamente traduzida em mudança formal no texto constitucional. (grifos inexistentes no original)

257. Segundo Anna Cândida da Cunha Ferraz , o fenômeno da mutação constitucional pode ser definido como "(...) alteração, não da letra ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais (...)".

258. Mantida a literalidade do texto constitucional e do texto legal, têm as nossas Cortes, especialmente a Suprema Corte Constitucional, extraído novas interpretações e orientações a partir de forte mudança no contexto político-econômico-social que está a envolver a matéria.

259. Há exemplos concretos e recentes como a interpretação sobre o alcance e efeitos do mandado de injunção ou sobre a constitucionalidade da chamada "cláusula de barreira" .

260. Assim, Sr. Advogado-Geral da União, uma ponderação que me parece adequada dos princípios e normas constitucionais referentes à apropriação das terras rurais por estrangeiros ou por pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros, em face da supervalorização de nossas terras rurais férteis causada pelo desenvolvimento de tecnologia nacional apta a criar inovadoras formas de geração de energia a partir de fontes naturais renováveis, pela crise alimentar mundial e pela decorrente valorização de nossas commodities e, ainda, pela riqueza mineral de nosso subsolo, não me parece, com todo respeito àqueles que pensam de forma diversa, interpretação desarrazoada ou geradora de insegurança jurídica.

261. Trata-se, unicamente, de adotar os recursos próprios de hermenêutica constitucional e, a partir do princípio da unidade da Constituição e da interpretação sistemática, extrair a máxima efetividade dos princípios e normas constitucionais elencados no presente parecer, de modo a produzir, como efeito imediato, a transcendência da literalidade de alguns dispositivos, como por exemplo, a redação original do art. 171 da CF.

262. Tal interpretação literal deu azo à construção de falsas premissas como a que entendia que a partir da constitucionalização do conceito de empresa brasileira e de empresa brasileira de capital nacional, não era mais possível a sobrevivência de diplomas legais que impunham restrições a empresas brasileiras.

263. Essa interpretação, que foi considerada a mais adequada por tantos anos, faz tabula rasa de princípios como soberania nacional econômica, independência nacional, interesse nacional, limitação dos investimentos de acordo com a definição soberana pelo Estado brasileiro dos setores considerados estratégicos, além de desconsiderar que restrições genéricas às empresas nacionais estavam lá, plasmadas no texto constitucional para quem as quisesse ver.

264. O entendimento defendido neste Parecer, Sr. Advogado-Geral da União, em nada diz com o mérito da questão. Buscou-se, apenas, demonstrar que, diferentemente do alegado em outras épocas pela Advocacia-Geral da União, o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, é compatível com o texto constitucional de 1988.

265. Se esse entendimento, ou, em outras palavras, se o que contido no dispositivo citado não é adequado, na essência, à definição de setores estratégicos da economia brasileira, à idéia de soberania econômica e à disciplina de investimentos é outra discussão, absolutamente estranha às competências constitucionais e legais da Advocacia-Geral da União.

266. A solução para essa eventual divergência de mérito seria o encaminhamento de projeto de lei que proponha a revogação da indigitada norma.

267. Há que se registrar, por fim, a convicção que, mesmo aprovado por V. Exª, pelo Exmº Sr. Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União com a conseqüente produção de efeito vinculante sobre toda a administração pública federal, o novo Parecer AGU que revogue os Pareceres GQ-22 e GQ-181 e considere recepcionado o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, apesar de sua inegável relevância, será limitado e incapaz de enfrentar todas as dimensões do problema.

268. Explico. Há no cenário empresarial nacional atual, adotado como filtro de análise o estabelecido na Lei nº 5.709, de 1971 e na Lei nº 8.629, de 1993, especialmente para os fins de aquisição e arrendamento de imóveis rurais, ao menos quatro espécies de pessoas jurídicas:

        a) pessoas jurídicas brasileiras, com brasileiros detendo a maioria do capital social ;

        b) pessoas jurídicas brasileiras com a maioria de seu capital social detida por estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas , residentes ou com sede no Brasil;

        c) pessoas jurídicas brasileiras com a maioria do capital social detida por estrangeiros, pessoas físicas, residentes no exterior, ou jurídicas, com sede no exterior; e

        d) pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil.

269. Supondo aprovado o novo Parecer AGU, os limites e restrições à aquisição e ao arrendamento de imóveis rurais previstos, respectivamente, na Lei nº 5.709, de 1971, e na Lei nº 8.629, de 1993, passariam a abranger, além das pessoas jurídicas estrangeiras previstas na alínea "d" do item anterior, as pessoas jurídicas brasileiras previstas na alínea "c".

270. Trata-se, indubitavelmente, de importante contribuição da Advocacia-Geral da União para o aprimoramento das condições de controle e fiscalização do Estado brasileiro sobre a apropriação de parcelas do território por estrangeiros ou por pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros.

271. Para que as restrições abranjam, também, as pessoas jurídicas previstas nas alíneas "a" e "b" do item nº 268, será necessário projeto de lei debatido e aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Exmº Sr. Presidente da República.

272. Lembro que, por determinação de V. Exª, a Consultoria-Geral da União coordenou Grupo de Trabalho composto por diversos órgãos do Governo Federal que, ao final, propôs minuta de projeto de lei com esse perfil mais abrangente, ao tempo em que sustentava a necessidade de revisão dos Pareceres GQ-22 e GQ-181 da AGU .

273. Por todo o exposto, divirjo da NOTA Nº AGU/GM -  24/2007, e sustento:

        a) que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, seja em sua redação originária, seja após a promulgação da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, por força do que dispunha o art. 171, § 1º, II e do que dispõem o art. 1º, I; art. 3º, II; art. 4º, I;  art. 5º, caput; art. 170, I e IX; art. 172 e art.190;

        b) para que a equiparação de pessoa jurídica brasileira com pessoa jurídica estrangeira prevista no dispositivo legal citado no item anterior ocorra, a fim de que sejam estabelecidos limites e restrições à aquisição e ao arrendamento de imóveis rurais é necessário que:

    i. o estrangeiro, pessoa física, seja não-residente ou a pessoa jurídica não possua sede no país;

    ii. o estrangeiro, pessoa física ou jurídica, descrito no item anterior, participe, a qualquer título, de pessoa jurídica brasileira; e

    iii. essa participação assegure a seus detentores o poder de conduzir as deliberações da assembléia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

        c) que em face do entendimento contido nos itens anteriores, o Parecer nº GQ-181, de 1998, e o Parecer GQ- 22, de 1994, merecem a revogação, devendo, para tanto, ser o presente Parecer submetido à aprovação do Exmº Sr. Presidente da República, após a aprovação de V. Exª, e, posteriormente, publicado no Diário Oficial da União para que, por força do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 1993, produza efeitos vinculantes para toda a administração pública federal;

        d) que os efeitos do presente Parecer devem ser produzidos a partir de sua publicação no Diário Oficial da União, consoante o disposto no art. 2º, parágrafo único, inciso XIII da Lei nº 9.784, de 29.01.1999.

274. Sugiro, ainda, em face da relevância do tema, sejam o presente Parecer e o aprovo de V. Exª encaminhados, por cópia, após eventual aprovação pelo Exmº Sr. Presidente da República e posterior publicação no Diário Oficial da União, ao Exmº Sr. Presidente do Senado Federal, ao Exmº Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, ao Exmº Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao Exmº Sr. Presidente do Superior Tribunal de Justiça, ao Exmº Sr. Procurador-Geral da República, ao Exmº Sr. Presidente do Tribunal de Contas da União, à Exmª Srª Ministra de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ao Exmº Sr. Ministro de Estado da Justiça, ao Exmº Sr. Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, ao Exmº Sr. Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ao Exmº Sr. Ministro de Estado da Defesa, ao Ilmº Sr. Presidente do INCRA e ao Ilmº Sr. Diretor da Polícia Federal, para ciência.

275. Sugiro, ainda, sejam o presente Parecer e o aprovo de V. Exª encaminhados, por cópia, para o Exmº Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, que solicitou a conclusão deste parecer, para o Exmº Sr. Ministro Ubiratan Aguiar, do Tribunal de Contas da União, que relata processo que versa sobre a questão tratada nos presentes autos e para o Presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel, que demonstrou receio com a eventual revisão de entendimento por parte da AGU, para que tenham ciência.

À consideração.

Brasília, 03 de setembro de 2008
RONALDO JORGE ARAUJO VIEIRA JUNIOR
CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO

____________________________

1 Lei nº 5.709, de 07.10.71, que "Regula a Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro Residente no País ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil, e dá outras Providências.

2 Listam-se, a seguir, os dispositivos citados da Lei nº 5.709, de 1971, que contêm restrições e limites aos estrangeiros e às pessoas jurídicas brasileiras que lhe sejam equiparadas:

"Art. 3º - A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 (cinqüenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua.

§ 1º - Quando se tratar de imóvel com área não superior a 3 (três) módulos, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei.

§ 2º - O Poder Executivo baixará normas para a aquisição de área compreendida entre 3 (três) e 50 (cinqüenta) módulos de exploração indefinida. (Vide Lei nº 8.629, de 1993)

§ 3º - O Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, poderá aumentar o limite fixado neste artigo.

Art. 4º - Nos loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização, a aquisição e ocupação de, no mínimo, 30% (trinta por cento) da área total serão feitas obrigatoriamente por brasileiros.

Art. 5º - As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.

§ 1º - Os projetos de que trata este artigo deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área.

§ 2º - Sobre os projetos de caráter industrial será ouvido o Ministério da Indústria e Comércio.

Art. 7º - A aquisição de imóvel situado em área considerada indispensável à segurança nacional por pessoa estrangeira, física ou jurídica, depende do assentimento prévio da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.

Art. 8º - Na aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, física ou jurídica, é da essência do ato a escritura pública.

Art. 9º - Da escritura relativa à aquisição de área rural por pessoas físicas estrangeiras constará, obrigatoriamente:

I - menção do documento de identidade do adquirente;

II - prova de residência no território nacional; e

III - quando for o caso, autorização do órgão competente ou assentimento prévio da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa jurídica estrangeira, constará da escritura a transcrição do ato que concedeu autorização para a aquisição da área rural, bem como dos documentos comprobatórios de sua constituição e de licença para seu funcionamento no Brasil.

Art. 10 - Os Cartórios de Registro de Imóveis manterão cadastro especial, em livro auxiliar, das aquisições de terras rurais por pessoas estrangeiras, físicas e jurídicas, no qual deverá constar:

I - menção do documento de identidade das partes contratantes ou dos respectivos atos de constituição, se pessoas jurídicas;

II - memorial descritivo do imóvel, com área, características, limites e confrontações; e

III - transcrição da autorização do órgão competente, quando for o caso.

Art. 11 - Trimestralmente, os Cartórios de Registros de Imóveis remeterão, sob pena de perda do cargo, à Corregedoria da Justiça dos Estados a que estiverem subordinados e ao Ministério da Agricultura, relação das aquisições de áreas rurais por pessoas estrangeiras, da qual constem os dados enumerados no artigo anterior.

Parágrafo único. Quando se tratar de imóvel situado em área indispensável à segurança nacional, a relação mencionada neste artigo deverá ser remetida também à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.

Art. 12 - A soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá ultrapassar a um quarto da superfície dos Municípios onde se situem, comprovada por certidão do Registro de Imóveis, com base no livro auxiliar de que trata o art. 10.

§ 1º - As pessoas da mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias, em cada Município, de mais de 40% (quarenta por cento) do limite fixado neste artigo.

§ 2º - Ficam excluídas das restrições deste artigo as aquisições de áreas rurais:

I - inferiores a 3 (três) módulos;

II - que tiverem sido objeto de compra e venda, de promessa de compra e venda, de cessão ou de promessa de cessão, mediante escritura pública ou instrumento particular devidamente protocolado no Registro competente, e que tiverem sido cadastradas no INCRA em nome do promitente comprador, antes de 10 de março de 1969;

III - quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens.

§ 3º - O Presidente da República poderá, mediante decreto, autorizar a aquisição além dos limites fixados neste artigo, quando se tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos de desenvolvimento do País.

Art. 14 - Salvo nos casos previstos em legislação de núcleos coloniais, onde se estabeleçam em lotes rurais, como agricultores, estrangeiros imigrantes, é vedada, a qualquer título, a doação de terras da União ou dos Estados a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas.

Art. 15 - A aquisição de imóvel rural, que viole as prescrições desta Lei, é nula de pleno direito. O tabelião que lavrar a escritura e o oficial de registro que a transcrever responderão civilmente pelos danos que causarem aos contratantes, sem prejuízo da responsabilidade criminal por prevaricação ou falsidade ideológica. O alienante está obrigado a restituir ao adquirente o preço do imóvel.

5 In: Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 182.

6 Idem, ibidem, p. 219.

7 In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 54-55.

8 In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 57.

9 In: Curso de Direito Constitucional Positivo.16ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 670.

10 Vale dizer, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, além de suas autarquias, no conceito do Código Civil de 1916, vigente à época da promulgação do texto constitucional de 1988.

11 In: Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 129-132.

12 In: Constituição Federal Anotada e Explicada. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 459.

13 In: A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 166.

14 Idem, ibidem, p. 225.

15 In: Elementos de Teoria Geral do Estado. 26ª Ed.São Paulo: Saraiva, 2007, p. 84.

16 In: Constituição Federal Anotada. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.219.

17 In: A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 225-227.

18 In: Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 773.

19 In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 53.

20 In: A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 11ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 277.

21 In: Constituição Federal Anotada e Explicada. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 432.

22 In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 333.

23 In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 334.

24 Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que "Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal", estabelece em seu art. 23:

Art. 23. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil só poderão arrendar imóvel rural na forma da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.

§ 1º Aplicam-se ao arrendamento todos os limites, restrições e condições aplicáveis à aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, constantes da lei referida no caput deste artigo.

§ 2º Compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida.

25 In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 45-50.

26 In: Comentários à Lei das Sociedades Anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. São Paulo: Saraiva, 1998, v.2, pags. 419-437.

27 In: Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 687.

28 In: Comentários à Constituição Brasileira. 6º vol. Arts. 163 a192. São Paulo: Saraiva, 1994, p.519-523.

29 Agricultural Foreign Investment Disclosure Act, de 1978, modificado pela Public Law 107-293 de Novembro de 2002).

30 Dados coletados pela Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República.

31 Idem.

32 In: Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª Ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 271.

33 Teoria da mudança no constitucionalismo americano: limites e possibilidades. In: Teoria da Mudança Constitucional: sua trajetória nos Estados Unidos e Europa. Fernanda Duarte e José Ribas Vieira (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5-9.

34 In: Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986, p.9.

35 MI nº 670/ES, Relator Ministro Gilmar Mendes e MI nº 712/PA, relator Ministro Eros Grau, ambos impetrados por entidades sindicais que objetivavam assegurar o exercício do direito de greve dos servidores públicos, previsto no inciso VII do art. 37 da CF. STF alterou o entendimento pacificado desde o MI nº 107, julgado em 23.11.89, que atribuía ao MI os mesmos efeitos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

36 ADIn nº 1.354/DF, Relator Ministro Marco Aurélio. Ao julgar a liminar em 1996, o STF declarou a constitucionalidade da cláusula de barreira (art. 13 da Lei nº 9.096, de 1995). No julgamento do mérito da mesma ação, dez anos depois, em 07.12.2006, considerou a norma inconstitucional.

37 Importante não esquecer as empresas com maioria do capital social nas mãos de brasileiros que, no entanto, atuam como "laranjas", prepostos, de estrangeiros residentes no exterior ou de pessoas jurídicas, com sede no exterior. Trata-se de situação que caracteriza fraude ao negócio jurídico (simulação, prevista nos arts. 166 e 167 do Novo Código Civil) e que gera a anulação do ato, a ser apurada pelos órgãos competentes.

38 O novo Código Civil (art. 1.134 a 1.141) faz menção às sociedades estrangeiras, mas sigo adotando a terminologia presente no art. 190 da CF.

39 O Relatório final do GT foi encaminhado ao Gabinete do Advogado-Geral da União por intermédio do Memorando nº 460 GAB/CGU/2008, de 20.08.2008.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 23.8.2010