SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM Nº 07/2005 - MCIDADES

Brasília, 16 de maio de 2005.

                          Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

                        

                         

1. Introdução

 

1.1.                    Encaminho à elevada apreciação de Vossa Excelência o Projeto de Lei que possui por objetivo instituir:

                       
(1) as diretrizes para o saneamento básico, com fundamento no disposto no art. 21, XX, da Constituição Federal;

   
                     (2) a Política Nacional de Saneamento Básico - PNS, com fundamento nos arts. 23, VI e IX, e 200, IV, da Constituição Federal.

                       
Como se depreende, o Projeto de Lei almeja não só instituir as diretrizes para os serviços de saneamento básico, a serem obedecidas por todos os entes federativos, como, também, organiza a atuação da União nesse setor, a fim de que todos os órgãos e entidades federais obedeçam a iguais premissas e prioridades, especialmente no que se refere ao fomento e ao financiamento.


1.2.                  
A presente Exposição de Motivos, para cumprir o seu objetivo de esclarecer a proposta encaminhada, está dividida em cinco tópicos: (1) introdução; (2) situação atual da regulação dos serviços; (3) o processo de elaboração do Projeto; (4) principais propostas e (5) conclusões.


2. A situação atual da regulação dos serviços


2.1.
                   (A diversidade de arranjos institucionais). Os serviços de saneamento básico são atualmente prestados em uma diversidade de arranjos institucionais, em que convivem prestadores municipais, estaduais e privados. Além disso, os serviços são prestados em diferentes níveis de qualidade e de regulação.


                       
No abastecimento de água, as empresas estaduais são responsáveis pela prestação dos serviços a aproximadamente três quartos da população urbana; os serviços municipais 22% e a iniciativa privada a aproximadamente 3%.

                       
No esgotamento sanitário, as empresas estaduais operam em cerca de 14% dos Municípios. Os Municípios são responsáveis pela demanda restante, sendo irrelevante a participação da iniciativa privada nestes serviços. 

                       
No manejo de resíduos sólidos, os serviços são prestados exclusivamente pelas Prefeituras em 88% dos Municípios; por Prefeituras e empresas privadas em 11%; e exclusivamente por empresas contratadas em pouco mais de 1% dos Municípios. Contudo, as empresas privadas concentram sua atuação nos grandes e médios Municípios, especialmente nos serviços de coleta. Resultado: 45 empresas são responsáveis pela coleta de 30% do lixo gerado no País.

                       
Esse perfil operacional se modifica bastante no caso dos serviços de drenagem: esses são prestados quase que exclusivamente de forma direta pelos Municípios e os Estados atuam, em alguns casos, nos serviços de macrodrenagem.


2.2.                  
(O modelo Planasa). A situação atual deriva, em boa parte, do Plano Nacional de Saneamento - Planasa, instituído durante os anos 70 que, apesar de seu nome, cuidou somente de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. 


                       
Nesse modelo, os serviços seriam prestados por empresas estaduais de saneamento, por meio de contratos de concessão celebrados com os Municípios. Em algumas cidades os serviços já eram prestados por órgãos estaduais que foram sucedidos pelas empresas do Planasa, sem qualquer espécie de contrato.

                       
A lógica do Planasa concentrava a prestação dos serviços nos Estados, que atuavam por meio de empresas públicas ou de sociedades de economia mista, nestas últimas com a presença privada meramente simbólica, a fim de atender as formalidades legais. Inclusive a remuneração de capital era controlada, sendo destinada aos investimentos, tendo em vista o objetivo de ampliar a cobertura dos serviços.

                       
Buscava-se a economia de escala, reunindo diversos territórios para a prestação dos serviços, bem como a economia de escopo, atribuindo ao mesmo prestador os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. A sistemática dos subsídios cruzados foi adotada pelas empresas estaduais, por meio da qual a receita de uma concessão fornecia recursos para os investimentos de outra, com a adoção de mesma tarifa nas concessões atendidas por um mesmo prestador. 

                       
Para a União o Planasa reservava dois papéis centrais: (1) fornecer recursos financeiros para os investimentos, especialmente através do FGTS; e (2) atuar como reguladora, aprovando as tarifas praticadas pelas empresas estaduais, definindo suas remunerações máximas e aprovando seus planos de investimento. Evidente que a função reguladora federal substituída o papel dos Municípios, o que somente se tornou possível tendo em vista o quadro político de exceção.


2.3.                  
(A incompleta implantação do Planasa). Importante destacar que o modelo Planasa não foi totalmente aplicado, seja porque muitos Municípios resistiram e continuaram com serviços próprios, inclusive uma capital (Porto Alegre). Com isso, apesar da hegemonia do Planasa, parcela importante dos serviços continuou a ser prestado pelos próprios Municípios


                       
Além disso, a execução do Planasa se concentrou nos serviços de abastecimento de água, em detrimento dos serviços de esgotamento sanitário, distanciando-se do previsto em sua concepção original. 


2.4.                  
(A crise do Planasa). Com a crise econômica dos anos 80 o modelo Planasa também entra em crise, especialmente pela redução de sua capacidade de financiar a expansão dos serviços. A isso se somaram problemas de eficiência na gestão das empresas.


                       
É neste contexto que, em 1986, com a extinção do Banco Nacional de Habitação - BNH, o Governo Federal deixa de atuar na regulação do setor. Desaparecem os controles sobre as tarifas e remuneração das empresas que deixam de considerar inclusive as concessões, passando a prevalecer somente a realidade econômica e financeira de seus custos.

                       
Evidente, assim, que a precariedade e posterior ausência de regulação é a grande responsável por diversos prestadores terem se transformado em organizações fechadas, muitas vezes geridas de forma temerária, com tarifas e planos de investimentos sem transparência.

                       
A Constituição Federal de 1988 reservou para a União novo papel regulatório, o de fixar por lei as diretrizes para o saneamento básico. Porém, nenhuma das diversas tentativas de se elaborar uma lei para o setor foi bem sucedida, apesar de que houve a aprovação de um Projeto de Lei (PL 199) com esse objetivo que, entretanto, foi vetado pelo Presidente da República.

                       
Além disso, a partir da década de 90, com pequeno hiato entre 1995-1998, a União deixou de desempenhar também o papel de financiadora, sufocando as fontes de financiamento para os prestadores públicos e prejudicando os investimentos para a manutenção e para a expansão dos serviços.

                       
Desestruturou-se, assim, o sistema criado durante a ditadura, sem que um novo tenha sido criado.


2.5.                  
(A saída de Municípios do Planasa). A partir de 1993, com os primeiros vencimentos de contratos e a insatisfação com os serviços prestados, alguns Municípios retomam os serviços das empresas estaduais de saneamento, para prestá-los diretamente, ou por meio de concessão à iniciativa privada. 


                       
A saída dos Municípios maiores do sistema causou forte impacto na viabilidade econômica e financeira de diversas empresas estaduais. Doutro lado, alguns Estados decidiram não mais prestar os serviços, extinguindo ou privatizando a sua empresa estadual de saneamento.

                       
Por outro viés, os contratos assinados nos primeiros anos do Planasa já se extinguiram ou estão em vias de se extinguir, por conta do término de seu prazo. Como nem todos os contratos foram ou estão sendo renovados poderá ocorrer a saída de mais Municípios, com o aumento das dificuldades de mais prestadores estaduais.


2.6.                  
(Os conflitos nas regiões metropolitanas). Nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, há diversos conflitos entre Municípios e empresas estaduais nos quais se debate a possibilidade de a empresa estadual prestar os serviços sem contrato com o Município e o direito deste ente regular os serviços.


                       
Há também conflitos nos Municípios onde o prestador é municipal e depende, em maior ou menor grau, de serviços prestados por empresas estaduais de saneamento. Os conflitos dizem respeito, geralmente, ao valor e à inadimplência no pagamento das tarifas dos serviços prestados pelas empresas estaduais. Saliente-se que a relação entre as empresas estaduais e os prestadores municipais ocorre sem nenhuma espécie de regulação ou de contrato.

                       
Ambas as espécies de conflito colocam em risco o equilíbrio econômico e financeiro da prestação dos serviços e inibem investimentos públicos e privados.


2.7.                  
(Os acordos). Porém, o panorama não é só de conflitos. Crescem os acordos entre Municípios e os Estados, por meio dos quais se estabelecem algumas regras para a prestação dos serviços e, em casos mais recentes, com o reconhecimento dos poderes reguladores aos Municípios, inclusive por meio de agências reguladoras.


                       
Entretanto, mesmo tais acordos são precários, pois carecem de fundamento legal, uma vez que até o momento não foi aprovada a lei federal de diretrizes gerais para o saneamento básico.


2.8.                  
(Impossibilidade de se manter o modelo Planasa). A manutenção do modelo Planasa, por meio da renovação dos contratos, não é mais possível. 
 

                       
  Isso porque, com a Constituição de 1988 e, especialmente, com a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos, de 1995, os novos contratos devem conter termos totalmente diferentes e mais detalhados, não sendo mais admitido que os Municípios apenas entreguem os serviços para as empresas estaduais confiando numa regulação federal. 

                        
Acrescente-se que a atual Constituição não mais permite a centralização de poderes regulatórios na União, como ocorria na época de implantação do Planasa. 

                         Ademais, o capital de algumas empresas estaduais de saneamento não pertence apenas ao setor público, havendo participações privadas significativas, que envolvem inclusive a gestão dessas empresas, tornando a situação atual totalmente diferente da concebida pelo Planasa, exigindo regulação adequada.  

2.9.
                   (O manejo de resíduos sólidos). A regulação federal dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos nunca foi expressiva. No entanto, a legislação ambiental editada pela União vem estabelecendo exigências crescentes, que significam desafios significativos para os Municípios. 
  

                       
  Com as mudanças no consumo e o aumento da população urbana, os serviços de manejo de resíduos sólidos tiveram a sua importância acrescida. De acordo com os dados do IBGE, a geração de lixo nas cidades brasileiras aumentou 49% na década de 90.

                        
Constata-se a elevação da população atendida pelo serviço de coleta, mas os serviços de tratamento e destinação final, particularmente nos Municípios de médio e pequeno porte, são em geral insatisfatórios do ponto de vista da qualidade, carecendo também de instrumentos de apuração e de recuperação de custos, apesar de existirem algumas experiências nas quais a prestação dos serviços ser remunerada por taxa específica.

                         A participação do setor privado concentra-se nas grandes cidades, geralmente como meros prestadores de serviços, sendo excepcional a concessão. 

                         Acrescente-se que o advento da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, viabilizará arranjos institucionais para as soluções integradas necessárias ao atendimento da legislação ambiental  a custos razoáveis nas áreas próximas ou conurbadas.                          

                        
Por fim, cada vez é maior a integração e a interferência do manejo de resíduos sólidos com outros serviços públicos de saneamento básico, o que exige que as diretrizes para todos eles sejam estabelecidas de forma conjunta. 


2.10
                 (O manejo das águas pluviais). Salta aos olhos a crescente gravidade das enchentes que assolam as cidades brasileiras. Além da precariedade da infra-estrutura de drenagem, verifica-se a falta de atuação planejada no controle da geração de vazões de cheia provocadas pelo aumento da impermeabilização do solo urbano, principal causa das enchentes urbanas. 
                         Contata-se a baixa capacidade institucional e técnica dos Municípios, à exceção de alguns de maior porte. Como regra, a falta de planejamento e a adoção de concepções inadequadas  resultam em intervenções caras e pouco eficazes, situação que se agrava com a ausência ou precariedade da operação e manutenção das estruturas vinculadas aos serviços.

                        
Ademais, as interações com os demais serviços públicos de saneamento básico são evidentes. Apenas a título de exemplo: o lixo não recolhido reduz drasticamente a capacidade de escoamento das tubulações e dos canais de drenagem; a poluição de corpos d´água tem como uma de suas causas a presença de esgotos nos sistemas de drenagem.

                        
Por último, são sobejamente conhecidas as conseqüências nocivas das enchentes urbanas, particularmente em razão da propagação da leptospirose. As outras ações de saneamento básico são, muitas vezes, ineficazes com a ausência de adequados serviços públicos de manejo de águas pluviais.


2.11.                 
(A necessidade urgente de um marco regulatório). Os contratos celebrados na época do Planasa estão no término de seu prazo e, com o novo quadro de legalidade, não podem ser mais renovados em seus termos originais. 
 

                         Faz-se, assim, necessária uma legislação que norteie estes novos contratos, forneça caminhos para a solução dos conflitos existente, permita os investimentos privados. 

                        
Além disso, tendo em vista as atuais necessidades do País, não é possível se manter uma política de saneamento básico que se limite ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário, deixando de lado o manejo de resíduos sólidos e das águas pluviais, até porque uma regulação parcial, de alguns desses serviços, será sempre uma regulação ineficaz, tendo em vista a sua forte integração e interdependência na promoção de condições adequadas de salubridade ambiental.

                       
Por fim, a ausência ou demora na adoção de um marco regulatório permitirá que os conflitos do setor aumentem e se acirrem, inibindo investimentos para a manutenção e a expansão dos serviços, com gravíssimas conseqüências para a saúde e as finanças públicas.


3. O processo de elaboração do Projeto de Lei


3.1.                  
(A retomada do financiamento e da regulação). Com a posse do novo Governo houve uma total alteração do quadro anterior, com a União reassumindo o seu papel de financiadora e, por meio da indução, em reguladora do saneamento básico.


                       
Em dois anos de nova gestão, os financiamentos contratados com os operadores públicos e privados ultrapassaram os quatro bilhões de reais e, para 2005 e 2006 estão planejadas contratações da mesma ordem, perfazendo total de oito bilhões de reais para o período 2003-2006.


                       
Doutro lado, a concessão dos financiamentos foi realizada com grande preocupação com a qualidade do gasto público, pelo que a União condicionou o seu acesso a condições de viabilidade econômica e social dos novos projetos, tais como:


                       
a) o condicionamento do aporte de recursos à regularização da situação da concessão;

                       
b) a exigência de cobrança de taxa ou tarifa específica para o serviço, conforme o caso;

                       
c) a exigência de um grau de institucionalização mínimo para que o proponente possa acessar os recursos;

                       
d) a exigência da comprovação do pleno andamento das obras que, anteriormente financiadas ou apoiadas com recursos da União, sejam de responsabilidade do Tomador, ou que, concluídas, estejam em operação regular;

                       
e) o condicionamento do acesso aos recursos a níveis mínimos de eficiência na prestação dos serviços pelo Tomador;


                       
f) priorização do gasto em áreas mais adensadas e com maiores possibilidades de exploração de economia de escala e de escopo dos serviços.

                        A todos esses condicionantes, somou-se o aperfeiçoamento do instrumento “Acordo de Melhoria de Desempenho” com os tomadores dos recursos, especificando um conjunto de indicadores de eficiência e de eficácia na prestação dos serviços e estabelecendo metas a serem atingidas pelo prestador. A formalização destes acordos é condição para o acesso aos recursos da União e implica na montagem de um sistema de monitoramento da evolução dos indicadores pactuados e na avaliação do cumprimento das metas. O não cumprimento das metas pode tanto interromper o repasse de recursos como inabilitar o proponente no acesso de novos recursos, enquanto o pactuado não for atingido.

                       
Essa nova postura no gasto público de infra-estrutura, inclusive virou referência, conferindo uma nova dimensão aos investimentos em infra-estrutura, tanto em quantidade como em qualidade, sendo considerado um exemplo para os demais setores.

                       
Porém, mais não foi possível avançar em matéria de regulação, pelo que necessária uma legislação que venha a estabelecer o marco regulatório dos serviços.


3.2.                  
(A reinserção da União nas políticas urbanas). Além da retomada dos financiamentos para o saneamento básico, a nova gestão implantou significativas mudanças no que vinha sendo a atuação recente da União em matéria de políticas urbanas.


                       
Houve a criação do Ministério das Cidades, em cujo interior foram reunidas as políticas de habitação, transporte e mobilidade urbanas, planejamento territorial e saneamento ambiental. Mudou-se, assim, o paradigma da desarticulação, para se implantar o conceito das políticas urbanas integradas, que dialoguem entre si.

                       
No âmbito do Ministério das Cidades, a criação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, criou condições para que houvesse a implantação de uma atuação contínua e coerente da União, inclusive possibilitando a retomada dos financiamentos em saneamento ambiental.

                       
A esse processo de reorganização administrativa, por meio do qual a União reassumiu o seu papel nas políticas urbanas, foi instaurado um processo inovador, de abertura à participação da sociedade civil, por meio das Conferências e do Conselho das Cidades.

                       
E é justamente no âmbito da I Conferência das Cidades, convocada por Decreto de 22 de maio de 2003, e realizada entre os dias 23 a 26 de outubro, que se iniciam os estudos e os debates sobre as premissas do Projeto de Lei ora encaminhado.

                       
Por meio dessa Conferência, participaram das discussões 320 mil pessoas, em 3.457 conferências municipais, 26 conferências estaduais, na Conferência do Distrito Federal e na Conferência Nacional.

                       
Dessa forma, não só o conteúdo, mas a própria elaboração do Projeto de Lei é inovadora, pois seu ponto de partida foi um amplo e abrangente processo de participação da sociedade civil na elaboração das políticas públicas.


3.3.                  
(A proposta preliminar). Estabelecidas pela Conferência das Cidades as premissas do Projeto de Lei, por meio da Portaria nº 333, de 8 de outubro de 2003, foi constituído Grupo de Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar proposta de lei para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico.


                       
O Grupo de Trabalho Interministerial foi composto por representantes dos Ministérios das Cidades, que o coordenou; da Casa Civil; da Fazenda; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Meio Ambiente; do Turismo; da Integração Nacional e, também, da Caixa Econômica Federal; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e da Fundação Nacional de Saúde.

                       
Após dez meses de trabalho, em que foram recebidas diversas sugestões e propostas das entidades do setor, bem como foram sistematizadas as opiniões do interior do Governo Federal, foi elaborada proposta preliminar, datada de 8 de junho de 2004.


3.4.                  
(Aprovação pelo Conselho das Cidades). A proposta preliminar foi apreciada e aprovada pelo Conselho das Cidades, por meio da Resolução no 5, aprovada na  sessão realizada aos 16  de junho de 2004. Dessa forma, o Anteprojeto de Lei recebeu o apoio das entidades empresariais, movimentos populares e organizações não governamentais ambientais e de promoção do direito à cidade.

3.5.                  
(O processo de consulta pública). A proposta inicial foi submetida, então, à consulta pública, no período de 23 de julho a 5 de setembro de 2004.


                       
Nesse mesmo período, para apresentação da proposta e recolhimento de críticas e sugestões, foram realizados dez seminários regionais em Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Goiânia, Belém, Manaus, S. Paulo, Curitiba e Belo Horizonte. Foi realizado, também, um seminário nacional, em Brasília.

                       
Dos seminários participaram 2.182 pessoas, permitindo a participação de todas as entidades do setor de saneamento básico, e, durante o processo de consulta pública, se recolheu 232 sugestões, desde as mais simples, até avultados estudos.


3.6.                  
(Apreciação pelo Conselho Nacional de Saúde). O plenário do Conselho Nacional de Saúde, em 1o. de setembro de 2004, considerando entre outros aspectos, o processo de ampla discussão do Anteprojeto de Lei, emitiu a Resolução No. 341, na qual resolveu “apoiar o Anteprojeto de Lei - APL “Diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Ambiental”,  e seu envio ao Congresso Nacional para apreciação e trâmites pertinentes.”o encaminhamento ao Congresso Nacional, para sua discussão e aprovação em tempo compatível com o término da atual legislatura”.

3.7.                  
(A elaboração da nova proposta). Para se analisar cada uma das propostas recolhidas durante o processo de consulta pública, e se sistematizar novo texto, foi criado Grupo de Trabalho Interministerial por meio de Decreto de 22 de setembro de 2004.


                       
Esse Grupo de Trabalho Interministerial foi composto pelos mesmos Ministérios e órgãos do anterior, com o acréscimo do Ministério da Justiça e da recém-criada Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais.

                       
Este novo colegiado concluiu os seus trabalhos em 7 de dezembro de 2004, com apresentação de proposta que incorporou ao máximo as contribuições recolhidas durante a consulta pública.


3.8.                  
(Nova apreciação pelo Conselho das Cidades). O Conselho das Cidades, mesmo sem que o Projeto estivesse em sua redação final, apreciou as modificações produzidas e, por meio da Resolução no 23, aprovada na sessão de 9 de dezembro de 2004, recomendou “o encaminhamento ao Congresso Nacional, para sua discussão e aprovação em tempo compatível com o término da atual legislatura”. Mais uma vez, a sociedade civil e as entidades municipais e estaduais apoiaram o Anteprojeto de Lei.

3.9.                  
(A revisão jurídica). Sobre esse novo texto, foram realizados trabalhos de revisão jurídica, empreendidos pelos juristas Dalmo de Abreu Dallari, Floriano de Azevedo Marques Neto, Benedicto Porto Neto e Marçal Justen Filho.


                       
Ao mesmo tempo, as últimas pendências do Projeto de Lei, e que necessitavam de decisão política, foram solucionadas em reuniões do Presidente da República com os Ministros diretamente interessados, produzindo proposta que sintetiza o consenso do Governo Federal.


3.10.                
(A Lei de Consórcios Públicos). Entretanto, em finais de fevereiro e início de março, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados aprovaram Projeto de Lei sobre os Consórcios Públicos, que veio a se converter na Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e que possui direta influência sobre a proposta de marco regulatório para o saneamento básico.


                       
Por prudência, o Governo Federal aguardou o desfecho da tramitação e, em vigor a nova Lei, realizou as adaptações necessárias ao Projeto de Lei ora encaminhado que, assim, já incorpora as modificações trazidas pela nova Lei.


3.11.                
(O texto final do Projeto de Lei). O Projeto de Lei encaminhado à apreciação de Vossa Excelência foi, assim, produzido em intenso trabalho, na qual se sintetiza os debates internos do Governo Federal e se combinou apurada capacidade técnica com a participação da sociedade, que pode contribuir em todas as fases de sua elaboração.


4. Os principais tópicos do Projeto de Lei


4.1.
                   (A questão da titularidade). Premissa fundamental do Projeto de Lei é a de que ele não cuida da questão de qual é o ente federativo titular da competência para prover os serviços de saneamento básico.


                       
Isso se deve ao fato de que, num país federal, é a Constituição Federal e não a legislação que lhe é subalterna quem tem o papel de distribuir as competências entre os diversos entes federativos. Ou seja, questões acerca de competência de entes federativos é questão para a Constituição e não para uma lei ordinária.

                       
Com isso, os eventuais conflitos existentes acerca das competências deverão ser solucionados pela própria Constituição, seja por meio da interpretação que a ela conferir o Supremo Tribunal Federal, seja por meio de sua eventual alteração que, em matéria de competências, possui limite estreito.

                       
Doutro lado, a posição adotada pelo Projeto de Lei, que sempre se refere a “titular” e não ao “Estado” ou ao “Município” permitirá que a estrutura regulatória por ele proposta se mantenha, independentemente do entendimento que o Judiciário vier a firmar a respeito da titularidade da competência para prover os serviços.


4.2.                  
(As regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões e regiões integradas de desenvolvimento). Doutro lado, a Constituição Federal previu mecanismos de coordenação federativa de base territorial, os quais devem ser instituídos por meio de lei complementar.


                       
No caso das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, a competência para editar a lei complementar é estadual, o que significa que o formato e significado destes institutos podem se modificar em razão das realidades políticas, sociais e institucionais de cada Estado-membro.

                       
O Projeto de Lei reconhece o amplo papel que, no saneamento básico, podem vir a ter esses instrumentos de cooperação federativa, porém exigindo que sejam implantados como previstos na Constituição Federal e que sejam respeitadas as diretrizes para a prestação dos serviços, especialmente as atinentes ao planejamento, à regulação e à defesa dos direitos dos usuários (arts. 15, § 2º; e 18, § 1º).

                       
Afora isso, eventuais conflitos entre Municípios e Estados, por se entender que determinada região metropolitana ou figura assemelhada tenha sido instituída em prejuízo à autonomia e outros direitos de algum dos entes federativos, é questão a se resolver caso a caso, por iniciativa dos próprios interessados.

                       
Não havendo esses conflitos, as normas que visam a integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum nas regiões metropolitanas e em outras figuras de coordenação federativa territorial devem ser integralmente obedecidas, o que foi levado em consideração nas propostas do Projeto de Lei ora encaminhado.


4.3.                  
(As diretrizes para o saneamento básico e a Política Nacional de Saneamento Básico - PNS). Ainda no campo das premissas do Projeto de Lei, adotou ele uma estrutura em que presentes dois tipos diferentes de normas: (1) as diretrizes para o saneamento básico e (2) a Política Nacional de Saneamento Básico - PNS.


                       
As diretrizes para o saneamento básico são instituídas com fundamento no art. 21, XX, da Constituição Federal, e são de observância obrigatória por todos os entes federativos e prestadores dos serviços, sejam públicos ou privados. Fundamentalmente situam-se entre os arts. 2º e 36 do Projeto de Lei.

                       
Já as normas da Política Nacional de Saneamento Básico - PNS se destinam a organizar a atuação da União, para que os órgãos e entidades federais obedeçam a iguais premissas e prioridades, especialmente no que se refere ao fomento e ao financiamento.

                       
Porém, a PNS está aberta à adesão voluntária dos entes federados, posta como condição necessária para que venham a acessar recursos federais, dando continuidade às experiências bem sucedidas durante o processo de retomada dos financiamentos, que foi relatado acima.


4.4.                  
(O saneamento como direito subjetivo público). Obedecida as premissas acima expostas, acerca do papel que cabe a uma lei de saneamento básico editada pela União, o Projeto de Lei inova ao entender o saneamento básico como um direito subjetivo público, ou seja, como um direito cujos titulares não são apenas os seus atuais usuários, mas todos os cidadãos, inclusive os que ainda não têm acesso aos serviços.


                       
A salubridade ambiental é, assim, entendida como um direito de todos (arts. 2º, II; 3º e 4º), cuja promoção e proteção é dever do Estado e também da coletividade (art. 3º, caput, e art. 70). Nesse âmbito, os serviços públicos de saneamento básico são considerados como de natureza essencial (art. 5º).

                       
A posição do cidadão diferencia-se da posição do usuário, figura compreendida como um plus do consumidor, e que reúne os direitos que são assegurados a esse último acrescidos aos que são inerentes ao caráter público dos serviços de saneamento básico.


                       
Assegura-se, assim, ao cidadão o direito do acesso universal e integral dos serviços (art. 6º, I e II, e parágrafo único), bem como outros direitos derivados, dentre os quais:


                       
a) a destinação da água fornecida pelos serviços prioritariamente para o consumo humano, a higiene doméstica, dos locais de trabalho e de convivência social (art. 7º, caput, I);

                       
b) a garantia do abastecimento em quantidade suficiente para promover a saúde pública (art. 7º, caput, II);

                       
c) a garantia de solução adequada para a coleta, o transporte, o tratamento e a disposição final dos esgotos sanitários (art. 8º, I);

                       
d) a garantia do manejo dos resíduos sólidos de forma sanitária e ambientalmente adequada (art. 9º, caput, I);

                       
e) a garantia a toda população urbana do atendimento adequado por serviço e por ações de manejo das águas pluviais, com vistas a promover a saúde, a segurança da vida e do patrimônio e a reduzir os prejuízos econômicos decorrentes das enchentes (art. 10, caput, II);

                       
f) que os serviços públicos de saneamento básico sejam adequadamente planejados (art. 14, caput);

                       
g) de fiscalizar os serviços e exigir que sejam permanentemente fiscalizados (art. 21);

                       
h) que a estrutura da tarifa ou outra forma pela remuneração permita que a população de baixa renda possa acessar os serviços (art. 30, caput, IX, “a”);


                       
i) que as populações indígenas, povos da floresta, quilombolas, e outras minorias tenham acesso a saneamento básico adequado (arts. 37, caput, III; 51, § 1º, “b” e 59).

                       
Aos direitos reconhecidos a todos, enquanto cidadãos, há também os direitos próprios dos usuários que, por se ligarem diretamente à regulação e fiscalização dos serviços, serão aqui abordados logo após o tópico que tratar desses temas.


4.5.                  
(O conceito de saneamento básico). Em vista da longa ausência de regulação, não há um entendimento uniforme sobre os conceitos técnicos relativos à prestação dos serviços públicos de saneamento básico.


                       
Com o objetivo de conferir segurança e precisão às suas prescrições, o Projeto de Lei supre esta lacuna, fixando diversos conceitos técnicos, dentre eles o de serviços públicos de saneamento básico, que é entendido como “os serviços públicos cuja natureza sejam o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos e o manejo de águas pluviais” (art. 2º, IV).

                       
Dessa forma, o Projeto de Lei alcança não apenas os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, mas o saneamento básico como um todo, incluindo o manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais.

                       
Pretende-se, assim, combater a ausência de integração entre os serviços de saneamento básico, a fim de que sejam prestados de forma mais racional e eficiente.

                       
Doutro lado, reconheceu-se que os serviços possuem naturezas diferentes (abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais), sendo que cada uma dessas naturezas são conjuntos de serviços públicos, admitindo-se que tenham prestadores distintos.

                       
A enumeração dos serviços públicos que compõem cada uma dessas naturezas também foi efetuada pelo Projeto de Lei (art. 2º, V a VIII).


4.6.                  
(A gestão dos serviços de saneamento básico). Para que a regulação que propõe seja aplicada com segurança, o Projeto de Lei também adotou conceito de gestão de serviços públicos de saneamento básico, que é entendido como um gênero onde presentes as seguintes espécies: planejamento, regulação, fiscalização e prestação as quais, por seu turno, também foram uma a uma conceituadas (art. 2º, XI a XIV).


                       
Doutro lado, o Projeto de Lei conceitua o que se entende por prestação direta, que é a que se efetiva por meio de órgão ou entidade do titular (arts. 2º, XV, “a” e 23, § 1º), da prestação delegada dos serviços, a qual exige contrato (art. 23, caput), o qual poderá ser o contrato de programa, previsto na Lei nº. 11.107, de 2005, ou de concessão de serviço público, sendo que este último exige a prévia licitação (art. 175, caput, CF).


4.7.                  
(A complementaridade entre os serviços). Outra distinção importante realizada pelo Projeto de Lei é entre os serviços públicos de interesse local e os serviços públicos integrados (art. 2º, IX e X).


                       
Esses conceitos possuem direto interesse para que haja uma disciplina da relação de complementaridade entre eles, prevista que se dê por meio do planejamento (art. 11, caput, in fine e 15, caput, in fine, e § 5º), regulação e fiscalização conjuntos (art. 18) e de instrumentos contratuais, que tanto podem ser o contrato de consórcio público (Lei nº. 11.107, de 2005), como por contrato de fornecimento de serviços públicos (arts. 11 a 13).

                       
Por meio dessa disciplina, tentar-se-á resolver e evitar diversos conflitos como os hoje existentes nas regiões metropolitanas, especialmente entre empresas estaduais e prestadores municipais.

                       
Doutro lado, a proposta reconhece o aumento da participação privada na prestação dos serviços, respeita a diversidade de arranjos institucionais hoje existentes e abre espaço para a inovação, evitando, pela adequada coordenação regulatória entre os prestadores, a centralização da prestação dos serviços, medida nem sempre eficiente e politicamente viável.


4.8.                  
(O planejamento). Boa parcela do baixo retorno na qualidade e cobertura dos serviços, e os diversos exemplos de desperdício de recursos em obras de saneamento, possuem como motivo a falta ou a deficiência no planejamento dos serviços.


                       
Em razão dessa constatação, o Projeto de Lei coloca o planejamento no papel central da regulação dos serviços, tanto vinculando os investimentos e tarifas às suas prescrições (arts. 14, § 1º, 15, § 5º, e 16), como estipulando com precisão as obrigações de planejamento dos órgãos e entidades federais e dos entes federativos que aderirem à Política Nacional de Saneamento Básico - PNS (arts. 50 a 54).


                       
Ao mesmo tempo, através do planejamento é que haverá a integração das diversas naturezas de serviços públicos de saneamento básico que, facultativamente, poderá envolver outros momentos da gestão, como os da regulação e fiscalização (art. 2º, III). Além disso, é pelo planejamento que, em primeiro lugar, serão disciplinadas as relações de complementaridade entre os serviços locais e integrados (arts.
11, caput, in fine, e 15, caput, in fine, e § 5º).

                       
Por fim, o procedimento de planejamento garante o seu caráter técnico, mas exige que seja efetuado de forma transparente e com a participação da sociedade (art. 14, § 2º e art. 52).

4.9.                  
(A regulação e a fiscalização). Apesar de a Constituição Federal prever que os serviços públicos devem ser prestados sob regulação - ou seja, “na forma da lei” (art. 175, caput) -, essa não tem sido a prática atual, justamente pela ausência de um marco legal específico para o saneamento básico.


                       
Por conta disso, o texto proposto prevê que a regulação e fiscalização são obrigatórias, mesmo que não tenha havido a delegação (art. 17, caput). Além disso, a regulação deve ser instituída por meio de norma local que, a depender de seu conteúdo, pode ser lei ou ato administrativo normativo (art. 2º, XVII).

                       
Ainda no que se refere à regulação, a proposta de marco regulatório prevê a disciplina do seu conteúdo mínimo (art. 20), bem como que sua elaboração deve observar aos princípios da motivação técnica, da transparência e do controle social (art. 19), bem como que a regulação e fiscalização não pode ser atribuição do próprio prestador dos serviços (art. 17, § 1º).

                       
Por fim, o Projeto prevê que as atividades de regulação poderão ser realizadas por meio de cooperação federativa, especialmente através de consórcio público (art. 17, § 2º), bem como que poderá ser delegado, por meio de convênio de cooperação, o exercício de atividades de fiscalização (arts. 2º, XIII, e 17, § 4º).


4.10.                
(A delegação dos serviços). A proposta encaminhada prevê que a regulação dar-se-á não só por meio da legislação e dos regulamentos, mas, também, no caso de delegação dos serviços, por meio de contratos que disciplinem de forma técnica e suficiente os principais aspectos da prestação dos serviços, pelo que se prevêem os requisitos mínimos a que deve o contrato atender (art. 24, § 4º).


                       
Com isso, sempre que os serviços não sejam prestados por órgão ou entidade do próprio titular, haverá a delegação dos serviços que exige a celebração de contrato que, no caso de relações público-públicas, será o contrato de programa previsto na Lei nº 11.107, de 2005, e no caso de relações público-privadas será o contrato de concessão, tal como disciplinado pelas Leis nos 8.987, de 1995, e 11.079, de 2004. As únicas exceções são os serviços prestados por cooperativa ou associação de usuários, nos casos de atender a um condomínio ou localidade isolada de pequeno porte, onde os serviços poderão ser prestados mediante autorização (art. 23, § 2º).


                       
Essas diretrizes, ao exigirem contratos, impedem o uso de instrumentos precários, como convênios ou termos de parceria, garantindo que os serviços serão prestados de forma contínua e com adequados padrões de qualidade. Doutro lado, os contratos são protegidos, inclusive no que se refere aos outros instrumentos de regulação (por ex., no que se refere aos planos, v. o art. 16, § 2º).

                       
Verifica-se, assim, que os serviços delegados são objetos de regulação específica, que engloba normas legais e regulamentares, instituídas pela Administração, como por normas contratuais, originadas de pactos avençados pelas partes interessadas. Em razão de tais diferenças, o Projeto de Lei também prevê que os órgãos responsáveis pela regulação e fiscalização de serviços delegados tenham autonomia administrativa e adequada capacidade técnica (art. 17, § 3º).


4.11.                
(As tarifas e outras formas de remuneração). A diretriz fundamental no que se refere às tarifas e outras formas de remuneração pela prestação ou disponibilização dos serviços é a aplicação do princípio do poluidor-pagador: o usuário do recurso natural ou o gerador do resíduo deve arcar com o ônus econômico decorrente (art. 29, caput).


                       
Doutro lado, tendo em vista que os princípios de acesso universal e integral dos serviços públicos de saneamento básico, evidentemente que esta diretriz é complementada por outras, que prevêem mecanismos socialmente justos de definição de tarifas e outras formas de remuneração (art. 30, caput, VI e IX, “a”, e §§ 3º e 4º), inclusive com previsão de subsídios (arts. 30, caput, I; 33, caput, V; 35, caput, II) e fundos de universalização (arts. 29, §§ 1º a 3º; 30, § 1º; 40, V e 58).

                       
A essa diretriz fundamental se agrega outra, de igual importância, que visa a garantir a consistência técnica e, principalmente, a transparência às tarifas e outras formas de remuneração pelos serviços.

                       
Com isso, como se viu acima, os investimentos que interfiram nas tarifas ou outras forma de remuneração devem ser previamente planejados (art. 14, § 1º), salvo quando decorrente de fatos imprevisíveis, bem como a estrutura tarifária deverá ser estabelecida por norma local (art. 32, caput), devendo atender a uma série de requisitos (arts. 30, caput, e 33), e não poderá incorporar determinadas espécies de despesas (art. 30, § 2º), evitando que o acesso aos serviços seja onerado por despesas estranhas aos serviços.

                       
Acrescente-se que a transparência na fixação das tarifas não poderá ser prejudicada pelo fato de o prestador atender a Municípios diversos (art. 35), deve ser observada quando da revisão e do reajuste das tarifas ou outras formas de remuneração (art. 34) e exige uma gestão contábil e patrimonial adequada, a fim de se evitar conflitos entre os titulares e delegatários em relação aos bens vinculados à prestação dos serviços (art. 31).


4.12.                
(Os subsídios cruzados). O Projeto de Lei define o que se entende por subsídios aos serviços, definindo-os em subsídios simples, originado de fontes orçamentárias e outras que não a remuneração dos serviços (art. 2o, XIX), e subsídios cruzados patrocinado mediante receitas pela prestação dos serviços (art. 2o, XX).


                       
Os subsídios cruzados, por seu turno, são compreendidos entre subsídios cruzados internos, quando os seus recursos se originam na estrutura interna de remuneração dos serviços prestados em um só Município, ou no Distrito Federal, bem como na área de gestão associada de serviços públicos ou de instrumento territorial de coordenação federativa (quais sejam: de região metropolitana, aglomeração urbana, microrregião ou região integrada de desenvolvimento). Os que se utilizam de recursos cuja origem seja a prestação de serviços nas demais áreas constituem os subsídios cruzados externos (art. 2o, XXI e XXII).

                       
No caso dos subsídios cruzados internos, se prevê que a estrutura tarifária subsidie determinados usuários, especialmente residenciais e de baixa renda, com o aumento do valor tarifário dos demais (art. 30, caput, IX, e §§ 3o e 4o).

                       
Acrescente-se que, quando a área de prestação dos serviços puder ser unificada pela gestão associada de serviços públicos (art. 241, CF), ou pela integração da organização e prestação dos serviços (arts. 25, § 3o, e 43, CF), os subsídios que se processam em sua respectiva estrutura tarifária são considerados internos, desde que previstos na legislação que autorizar ou instituir a gestão associada ou a integração.

                       
Já no que se refere aos subsídios cruzados externos, podem ser previstos na regulação das tarifas ou outras forma de remuneração dos serviços (art. 33, caput, V). Porém, os recursos por meio dele arrecadados não são considerados mais receitas do prestador dos serviços, devendo integrar fundo especial vinculado a Município, Estado, Distrito Federal ou consórcio público por eles formado (arts. 29, § 1o, e 30, § 1o). Com isso, esses recursos não são mais confundidos como remuneração de capital, e permitem que se faça uma avaliação precisa e transparente da eficiência econômico-financeira da prestação dos serviços.

                       
Em conclusão: os subsídios cruzados, hoje praticados sem nenhuma regulação ou transparência, passam a ser admitidos quando houver instrumentos que o disciplinem, bem como sistemas contábeis que evitem que tenham a sua destinação desviada para outras finalidades (art. 35).


4.13.                
(Os direitos dos usuários). Como analisado acima, o Projeto reconhece aos usuários uma posição de plus em relação ao consumidor, no sentido de que o usuário exerce os direitos específicos de quem recebe um serviço público, sem prejuízo dos direitos que possui enquanto consumidor (por ex., v. o art. 6º, XXII).


                       
Dessa posição deflui-se uma série de direitos, dentre eles:

                       
a) o de ter os serviços de abastecimento de água interrompidos sem prévia notificação, salvo motivo de força maior (art. 7º, §§ 1º e 3º);

                       
b) a adoção de regime de racionamento de água em casos expressamente regulados (art. 7º, § 4º);

                       
c) o de haver restrição de acesso aos serviços de abastecimento de água motivada por inadimplência somente com previsão da norma local e desde que tenha havido notificação prévia (art. 7º, § 1º), sendo que não é admitida a restrição de acesso aos serviços de esgotamento sanitário (art. 8º, § 1º) e de manejo de resíduos sólidos (art. 9º, Parágrafo Único);

                       
d) o de não ser onerado por investimentos que não tenham sido previamente planejados, salvo quando decorrentes de fatos imprevisíveis (art. 14, § 1º);

                       
e) o acesso a informações sobre os serviços (art. 19), inclusive recebendo manual de prestação do serviço e de atendimento ao usuário, ter acesso a informações via rede mundial de computadores - internet e da qualidade da água que recebe  (art. 21);

                       
f) reclamar dos serviços e ser notificados, em até trinta dias, das providências adotadas, regulamentando-se para os serviços públicos de saneamento básico o direito previsto no art. 37, § 3º, I, initio, da Constituição Federal (art. 21, § 2º);

                       
g) o de que os serviços não sejam delegados sem que haja legislação que discipline os direitos e deveres dos usuários dos serviços (art. 24, § 4º, V);

                       
h) o de que os serviços recebam avaliação periódica interna e externa da qualidade dos serviços, regulamentando-se para os serviços públicos de saneamento básico o direito previsto no art. 37, § 3º, I, parte final da Constituição Federal (arts. 25 a 28);

                       
i) a tarifas ou outras formas de remuneração pelos serviços sejam instituídas de forma técnica e transparente, proibindo-se que os recursos adequados sejam aplicados em finalidades estranhas ao saneamento (arts. 29 a 36) e, especialmente, prevendo-se que:

                       
1. as tarifas ou outras formas de remuneração deverão ser fixadas mediante critérios definidos previamente em norma local (art. 32, caput), bem como serem divulgadas pelo menos trinta dias antes de entrarem em vigor (art. 32, § 1º);

                       
2. dos documentos de cobrança deverão constar as informações essenciais, algumas arroladas pelo próprio Projeto de Lei (art. 32, § 3º e alíneas);


                       
3. o direito dos usuários de participar nos ganhos de eficiência, de produtividade ou de externalidades relacionadas à prestação (art. 34, § 4º, in fine).


4.14.                
(O controle social). Tal como nas práticas regulatórias norte-americanas, onde a participação da sociedade possui papel central, a proposta também prevê o controle social.


                       
Com isso, o Projeto se dedica a conceituar o que é controle social (art. 2º, XXV), bem como fixa como diretriz para todos os serviços públicos de saneamento básico “a participação da sociedade na formulação e implementação das políticas e no planejamento, regulação, fiscalização, avaliação e prestação dos serviços por meio de instâncias de controle social” (art. 6º, XIV).


                       
Afora isso, prevêem-se normas de controle social mais específicas, tais como:


                       
a) no campo do planejamento, a que prevê a participação da comunidade, com a realização de audiência e consultas públicas (arts. 14, § 2º, 50, § 1º);

                       
b) no campo da regulação, exige-se que todos os atos a ela referentes sejam motivados e públicos, inclusive com o uso da rede mundial de computadores - internet (arts. 19 e 22, caput, II);

                       
c) que a decisão pela delegação dos serviços seja precedida de audiência e consultas públicas sobre o edital de licitação, ou seu termo de dispensa e a minuta do contrato (arts. 24, caput, IV, e 69);

                       
d) a avaliação periódica externa da qualidade dos serviços seja efetuada por colegiado integrado por representantes da sociedade civil (art. 27);


                       
e) a prévia oitiva de colegiado integrado por representantes da sociedade civil antes de decisão sobre revisão de tarifas e outras formas de remuneração - medida que não abrange os reajustes, que são considerados procedimento administrativo automático (art. 34, § 6º);


                       
f) reconhece que integra o Sistema Nacional de Saneamento - SISNASA os colegiados integrados por representantes da sociedade civil, os quais são de instituição obrigatória para todos os entes federados que venham a aderir à Política Nacional de Saneamento Básico - PNS (arts. 38, V, e 44 a 48).


4.15.                
(A Política Nacional de Saneamento Básico - PNS). O Projeto também propõe consolidar o resgate do papel da União na promoção do saneamento básico, fixando uma estrutura institucional permanente, bem como instrumentos que garantam que as ações desenvolvidas pelos órgãos e entidades federais obedeçam a iguais premissas e prioridades, especialmente no que se refere ao fomento e ao financiamento.


                       
Dessa forma, se propõe a criação do Sistema Nacional de Saneamento - SISNASA, composto por todos os órgãos e entidades federais com atuação no setor, bem como dos entes federados que vierem a aderir à Política Nacional de Saneamento Básico - PNS (arts. 38 a 43 e 44 a 48).

                       
No que se refere ao acesso ao financiamento, inova-se ao se prever em lei as normas para o seu acesso, avançando-se na prática recentemente adotada de se fazer seleção pública de propostas por meio de critérios objetivos (arts. 42 e 43).


                       
Os instrumentos para a implantação da PNS são, fundamentalmente, os planos de saneamento ambiental (arts. 50 a 54) e, ainda:


                       
a) o Sistema Nacional de Informação e de Avaliação em Saneamento Ambiental - SINISA (art. 55);

                       
b) os relatórios anuais de salubridade ambiental - RASA (arts. 56 e 62);

                       
c) o Sistema Nacional de Desenvolvimento Institucional e de Capacitação de Recursos Humanos - SINDISA (art. 57);


                       
d) os fundos de universalização do saneamento básico (arts. 29, §§ 1º a 3º, e 58).


                       
Afora isso, o Projeto, no campo das responsabilidades da União, também disciplina as ações de saneamento em áreas indígenas (art. 59), e a Política Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica para o Saneamento Ambiental (arts. 60, 61 e 72).


4.16.                
(O papel dos Estados e de suas empresas ou autarquias de prestação de serviços). Aos Estado cabe o papel de se utilizar os instrumentos de coordenação federativa previstos na Constituição Federal, e, no caso dos serviços públicos de saneamento básico serem considerados funções públicas de interesse comum por lei complementar estadual, poderá exercer funções de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços, observadas as diretrizes estabelecidas no Projeto de Lei, especialmente as que garantem os direitos dos usuários e fixam uma gestão eficiente e transparente dos serviços públicos de saneamento básico.


                       
Além desse papel, os Estados poderão estabelecer instrumentos de cooperação federativa com os Municípios e, por meio deles, participar do planejamento, regulação e  fiscalização dos serviços.

                       
Doutro lado, as empresas e autarquias estaduais de prestação de serviços possuem papel distinto, já que o Projeto de Lei é informado pelo princípio da independência da regulação, que não permite que o prestador dos serviços acumule as funções de  regulação e fiscalização (art. 17, § 1o). Inclusive, recentemente, o Congresso Nacional aprovou lei com dispositivo de mesmo conteúdo (art. 13, § 3o, da Lei no 11.107, de 2005).

                       
Dessa forma, a sua atuação é limitada à prestação dos serviços, seja por meio da outorga dessa atribuição por lei, quando integre a organização administrativa do titular - como ocorre na empresa de águas e esgotos do Distrito Federal -, ou, em caso contrário, por meio da delegação dos serviços.

                       
No caso da delegação dos serviços, esta poderá se efetivar por meio de contrato de programa ou de concessão.

                       
O contrato de programa, nos termos do previsto na Lei no 11.107, de 2005, exige que haja a gestão associada de serviços públicos autorizada por convênio de cooperação ou por consórcio público o que, por seu turno, exige prévia disciplina de lei dos entes federados interessados. Assim, nos termos da legislação atual, haverá que se consultar o Poder Legislativo estadual e municipal.

                       
Importante salientar que o contrato de programa pode ser celebrado entre a empresa estadual e consórcio público formado por diversos Municípios e o próprio Estado, tornando desnecessário a celebração de contratos Município por Município. Na área do consórcio público, como afirmado acima, poderão subsistir os subsídios cruzados, que, nesse caso, passam a ter uma base regionalizada. O mesmo raciocínio pode ser utilizado no caso de regiões metropolitanas e outras formas de coordenação federativa de base territorial.

                       
Além disso, caso o Estado venha a alienar o controle da empresa estadual, inclusive por meio de processos de privatização, o contrato de programa será automaticamente extinto, vez que desaparecem as características de cooperação federativa (art. 13, § 6o, da Lei no 11.107, de 2005).

                       
O Projeto de Lei também prevê a possibilidade de que as empresas ou autarquias estaduais celebrem contrato de concessão de serviço de saneamento, desde que obedecida a exigência constitucional da licitação (art. 175, caput) e os termos da Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos.

                       
Por fim, no caso de o Estado prestar serviços integrados, disciplina-se a sua relação de complementaridade com os serviços locais, quer os prestadores destes últimos sejam municipais, privados ou também estaduais. Além disso,  essa questão é regulada por meio da edição de planos regionais que prevejam os investimentos em tais serviços, como pela disciplina específica de consórcio público ou, ausente este, de contrato de fornecimento de serviço público (arts. 11 a 13).

                       
Com isso, as atuais empresas estaduais de saneamento continuam com papel fundamental na prestação dos serviços, porém subordinadas a regulação que garanta os direitos dos cidadãos, dos usuários e a eficiência na prestação dos serviços.


4.17.                
(As normas de transição). Por fim, a proposta adota uma transição cautelosa, estipulando que as inovações normativas sejam adotadas progressivamente e levem em consideração as condições técnicas e materiais dos que estão sujeitos às novas prescrições.


                       
Adotaram-se, assim, prazos de vigência diferentes.

                       
A uma, os contratos em vigor serão respeitados, em vista da norma da Constituição Federal que prevê que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito. Com isso, para essas situações, as novas normas valerão apenas no término dos contratos atuais. Ao mesmo tempo o Projeto dispõe sobre a situação dos contratos de concessão irregulares ou com prazo já vencido, prevendo que, nesses casos, haverá uma transição na qual se fará os levantamentos e estudos necessários e, bem como, se equacionarão eventuais indenizações (art. 68).

                       
A duas, várias normas tornar-se-ão aplicáveis somente após regulamento, cujo procedimento de elaboração é público e contará com a participação da sociedade civil. Inclusive há previsão de que, em algumas circunstâncias, o regulamento preveja exigências e prazos distintos, tendo em vista determinadas situações técnicas e econômicas (v.g., v. o art. 45, § 7º).

                       
A três, as normas que dizem respeito a aspectos contábeis e financeiros somente entrarão em vigor no exercício financeiro que se seguir ao de publicação da lei (art. 74, caput, I).

                       
A quatro, as disposições acerca de planos de saneamento ambiental produzirão efeitos no que se refere à União, Estados, Distrito Federal e Municípios com mais de cem mil habitantes ou que integrem região metropolitana, aglomeração urbana, microrregião ou região integrada de desenvolvimento ou que recebam serviço integrado somente após três anos da data de publicação da lei (art. 74, caput, II, “a”) e, a cinco, o prazo é de cinco anos para os demais Municípios (art. 74, caput, II, “b”).

                       
A seis, no que não for atingido por nenhuma das situações acima, haverá a vigência no dia de publicação da lei (art. 74, caput) mas, mesmo assim, a norma local pode instituir exceções para a sua aplicação (por ex., v. o art. 7º, § 5º).

                       
Com isso, o marco regulatório dos serviços públicos de saneamento básico será implantado sem prejudicar os investimentos em andamento ou já planejados, em consonância com o seu papel de assegurar a segurança jurídica.


5. Conclusão


5.1.                  
(Encaminhamento final). Estas são os motivos que me levam a, na qualidade de coordenador de Grupo de Trabalho Interministerial, encaminhar a presente proposta para a apreciação de Vossa Excelência.

5.2.                  
(Agradecimentos). Porém, antes disso, cabe agradecer o enorme empenho e dedicação de todos os que estiveram envolvidos no processo de elaboração dessa proposta.


                       
O agradecimento é dirigido, em primeiro lugar, aos diversos cidadãos e cidadãs que participaram dos eventos relativos à elaboração do Projeto de Lei e que, por meio da consulta pública, puderam nos encaminhar suas valiosas contribuições. Desse universo se destacam os prestadores e reguladores, as entidades civis, sindicais, acadêmicas e empresariais que tanto contribuíram com a elaboração dessa proposta, não se furtando de participar dos debates, seja criticando com energia, seja apoiando o que consideravam correto.

                       
A seguir, agradeço também aos técnicos e colaboradores de todos os Ministérios envolvidos, que não se contentaram por produzir proposta que fosse apenas o consenso superficial, mas que exerceram a crítica e envidaram enormes esforços para que o Projeto ora encaminhado se consubstanciasse em um consenso profundo e maduro, que represente a posição conjunta dos diversos organismos do Governo Federal.


5.3.                  
(Requerimento de encaminhamento e de tramitação em regime de urgência). Diante do exposto, entendo que a presente proposta merece amplamente a aprovação de Vossa Excelência e o encaminhamento ao Congresso Nacional.

   
                      Caso se defira o encaminhamento, requeiro seja ele efetuado pelo regime de urgência previsto no art. 64 da Constituição Federal, tendo em vista a relevância dos dispositivos nele contidos, bem como o decisivo momento por que passam os serviços públicos de saneamento básico, que exigem o estabelecimento urgente de marco regulatório.

 

Respeitosamente,

 

OLÍVIO DE OLIVEIRA DUTRA
Ministro de Estado das Cidades