SECRETARIA-GERAL

EM n° 00047/2020 ME

 

Brasília, 2 de setembro de 2020.

           Senhor Presidente da República,

           

           Submeto, à sua consideração, proposta de Emenda à Constituição - PEC, que altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa, conferindo maior eficiência, eficácia e efetividade à atuação do Estado.

Apesar de contar com uma força de trabalho profissional e altamente qualificada, a percepção do cidadão, corroborada por indicadores diversos, é a de que o Estado custa muito, mas entrega pouco. O país enfrenta, nesse sentido, o desafio de evitar um duplo colapso: na prestação de serviços para a população e no orçamento público. A estrutura complexa e pouco flexível da gestão de pessoas no serviço público brasileiro torna extremamente difícil a sua adaptação e a implantação de soluções rápidas, tão necessárias no mundo atual, caraterizado por um processo de constante e acelerada transformação. Torna-se imperativo, portanto, pensar em um novo modelo de serviço público, capaz de enfrentar os desafios do futuro e entregar serviços de qualidade para a população brasileira.

Neste contexto, a proposta de Emenda à Constituição aqui apresentada, que possui como público-alvo não só a Administração pública como todo seu corpo de servidores, se insere em um escopo maior de transformação do Estado, que pretende trazer mais agilidade e eficiência aos serviços oferecidos pelo governo, sendo o primeiro passo em uma alteração maior do arcabouço legal brasileiro. O novo serviço público que se pretende implementar será baseado em quatro princípios: a) foco em servir: consciência de que a razão de existir do governo é servir aos brasileiros; b) valorização das pessoas: reconhecimento justo dos servidores, com foco no seu desenvolvimento efetivo; c) agilidade e inovação: gestão de pessoas adaptável e conectada com as melhores práticas mundiais; e d) eficiência e racionalidade: alcance de melhores resultados, em menos tempo e com menores custos.

A proposta foi elaborada para viabilizar a prestação de serviço público de qualidade para os cidadãos, especialmente para aqueles que mais precisam, a partir de três grandes orientações: (a) modernizar o Estado, conferindo maior dinamicidade, racionalidade e eficiência à sua atuação; (b) aproximar o serviço público brasileiro da realidade do país; e (c) garantir condições orçamentárias e financeiras para a existência do Estado e para a prestação de serviços públicos de qualidade.

A partir do primeiro eixo balizador da proposta, modernizar o Estado, busca-se estabelecer uma política de gestão de pessoas ágil, adaptável e conectada com as melhores práticas internacionais, bem como viabilizar dinâmica de relacionamento com órgãos e entidades públicos a com a iniciativa privada de forma a contribuir com mais efetividade para o atendimento da demanda por serviços públicos.

Quanto à constituição de seus quadros de pessoal permanentes, a proposta apresentada mantém o concurso público como principal forma de ingresso no serviço público. Inova, porém, ao propor vinculações mais bem alinhadas às necessidades atuais e futuras da Administração. São previstos cinco tipos de vínculos jurídicos com o Estado: (i) vínculo de experiência, o qual propiciará a existência de período de experiência efetivo como etapa do concurso para ingresso em cargo por prazo indeterminado ou em cargo típico de Estado, estabelecendo um marco bem delimitado para avaliação mais abrangente e tomada de decisão quanto à admissão do servidor em cargo que compõe o quadro de pessoal de caráter permanente, a depender de classificação, dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período; (ii) vínculo por prazo determinado, que possibilitará a admissão de pessoal para necessidades específicas e com prazo certo, a atender: (a) necessidade temporária decorrente de calamidade, de emergência, de paralização em atividades essenciais ou de acúmulo transitório de serviço; (b) atividades, projetos ou necessidades de caráter temporário ou sazonal, com indicação expressa da duração dos contratos; e (c) atividades ou procedimentos sob demanda; (iii) cargo com vínculo por prazo indeterminado, para o desempenho de atividades contínuas, que não sejam típicas de Estado, abrangendo atividades técnicas, administrativas ou especializadas e que envolvem maior contingente de pessoas; (iv) cargo típico de Estado, com garantias, prerrogativas e deveres diferenciados, será restrito aos servidores que tenham como atribuição o desempenho de atividades que são próprias do Estado, sensíveis, estratégicas e que representam, em grande parte, o poder extroverso do Estado; e (v) cargo de liderança e assessoramento, corresponderá não apenas aos atuais cargos em comissão e funções de confiança, mas também a outras posições que justifiquem a criação de um posto de trabalho específico com atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas.

Com vistas à garantia de eficiência da gestão pública, os servidores estáveis ocupantes de cargo típico de Estado só poderão perder o cargo público em virtude de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; mediante processo administrativo, assegurado ao servidor ampla defesa; ou mediante avaliação periódica de desempenho, na forma da lei, assegurada a ampla defesa. Mesmos critérios serão aplicados aos servidores que já adquiriram estabilidade no serviço público.

A gestão de desempenho e as condições de perda dos demais vínculos e cargos públicos serão estabelecidas em lei. Reservar a regulamentação desses temas para lei implica desconstitucionalizar a matéria e conferir maior autonomia ao legislador.

O servidor ocupante de cargo típico de Estado irá adquirir estabilidade ao permanecer um ano em efetivo exercício no cargo, após o término do vínculo de experiência, com desempenho satisfatório, conforme disciplinado em lei. De qualquer forma, é importante destacar que nem os atuais servidores ocupantes de cargo efetivo nem aqueles que vierem a ser admitidos no novo serviço público poderão ser desligados pelo arbítrio de uma pessoa ou em virtude de motivação político-partidária.

Ainda como forma de dotar a Administração pública de mecanismos de gestão mais modernos e flexíveis, a proposta altera o art. 84 da Carta Magna para possibilitar que o Presidente da República, mediante Decreto, possa: (a) extinguir cargos de Ministro de Estado, cargos comissionados, cargos de liderança e assessoramento e funções, ocupados ou vagos; (b) criar, fundir, transformar ou extinguir Ministérios e órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República; (c) extinguir, transformar e fundir entidades da administração pública autárquica e fundacional; (d) transformar cargos efetivos vagos e cargos de Ministro de Estado, comissionados e de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente vagos ou ocupados, desde que não acarrete aumento de despesas e seja mantida a mesma natureza do vínculo; e (e) alterar e reorganizar cargos públicos efetivos do Poder Executivo federal e suas atribuições, desde que não implique alteração ou supressão da estrutura da carreira, alteração da remuneração, modificação dos requisitos de ingresso no cargo ou da natureza do vínculo, restrita, para os cargos típicos de Estado, transformação de cargos vagos apenas no âmbito da mesma carreira.

Para viabilizar a completude dessa competência ao Presidente da República, propõe-se ajustes em outros dispositivos da Constituição: (a) prever, em relação as atribuições do Congresso Nacional relativas à criação, transformação e extinção de cargos públicos, a observância dos temas que passariam a ser tratados pelo Presidente da República por meio de Decreto; (b) dar nova redação ao art. 88, estabelecendo que lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observada a nova redação que ora se propõe ao art. 84, caput, inciso VI; e (c) revogar o inciso XI do art. 48. Confere-se, assim, agilidade à Administração pública para adequar sua capacidade institucional às demandas emergentes e imprevisíveis que enfrenta, visando à efetiva prestação de serviços públicos de qualidade.

Ao ampliar a prerrogativa de auto-organização do Poder Executivo, a medida proposta busca assegurar maior dinamismo à gestão nos casos em que seja necessária uma rápida reconfiguração de competências, de força de trabalho ou de arranjo organizacional, em fina sintonia com o princípio constitucional da eficiência, com repercussão nos serviços prestados aos beneficiários das políticas públicas conduzidas pelo governo.

A modernização da concepção do Estado também está exemplificada por meio do aprimoramento dos princípios que regem a Administração pública, com a inclusão no texto constitucional dos princípios da imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, subsidiariedade e boa governança pública ao lado dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que constam no caput do art. 37 da Carta Magna.

O princípio da imparcialidade difere do princípio da impessoalidade, este já previsto na redação atual do art. 37, caput, da Carta de 1988. Se a impessoalidade traduz o dever ético de o agente público se conduzir de modo íntegro em relação às pessoas envolvidos no processo, a imparcialidade traduz esse mesmo dever, porém em relação à matéria sob tratamento. Trata-se de exigir que todo agente público, no exercício do seu mister funcional, se conduza de modo absolutamente imparcial, ainda que possua valorações internas pré-concebidas a respeito do tema sob exame.

O princípio da transparência materializa, no texto constitucional, princípio basilar para o Estado Democrático de Direito, que, apesar de complementar ao já previsto princípio da publicidade, com ele não se confunde. Transparência implica não apenas estar disponível ao público, mas ser compreensível pelo público, com clareza e fidedignidade. A transparência é elemento fundamental para conferir maior controle social sobre os atos do Estado, auxiliar no controle externo aos órgãos públicos, fortalecer o combate a corrupção e elevar o nível de desempenho socioeconômico dos entes federativos. O dever de transparência relaciona-se intimamente à ideia de governança pública e responsabilização dos gestores. Não é possível, atualmente, pensar em um Estado moderno e eficiente sem que se observe a obrigação dos governantes de prestar contas de suas ações. Conforme amplamente reconhecido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, a transparência é um importante instrumento que garante que os cidadãos detenham as informações necessárias para fiscalizar e avaliar as decisões governamentais.

A inovação como princípio a ser observado por toda a Administração pública guarda plena consonância com uma concepção modernizadora das relações entre o poder público e a sociedade. Apesar das amarras inerentes à burocracia estatal, a busca da inovação no setor público vem paulatinamente ganhando espaço, tendo em vista a revolução tecnológica em curso, que abre inúmeras possibilidades de aprimoramento da prestação dos serviços públicos. Na era do governo digital – essencial para facilitar a vida das pessoas em suas interações com o poder público –, a inovação deve ser reconhecida, valorizada e almejada pela Administração e por seus agentes, o que, aliás, também está em linha com diretrizes de organismos internacionais como a OCDE. O estabelecimento expresso da inovação como princípio constitucional da Administração servirá como símbolo de uma nova era do Estado brasileiro, deixando para trás a mera conservação burocrática, que, desconectada dos tempos atuais, tem se revelado ineficiente para atender aos anseios do povo brasileiro.

O princípio da responsabilidade demanda de todo agente público, de todos os níveis da federação e de todos os poderes e funções da República, responsabilidade no exercício de suas atividades. Essa responsabilidade é ampla e configura uma atuação íntegra não apenas sob o ponto de vista objetivo ou formal, mas também materialmente responsável. Nesse aspecto, o princípio da responsabilidade, conquanto dialogue com outros princípios como a moralidade, a legalidade e a impessoalidade, possui autonomia conceitual ao traduzir um direito fundamental de todos exigirem que os agentes estatais atuem de modo efetivamente responsável.

Pelo princípio da unidade entende-se que quando um agente público está atuando, qualquer que seja a matéria, o momento ou o lugar, sua atuação somente será legítima se estiver dirigida a alcançar as finalidades da Administração. Em outros termos, a divisão da Administração em seus mais diversos níveis, estruturas e funções se produz apenas para lograr uma divisão racional do trabalho, à luz da repartição de competências, mas todos esses níveis, estruturas e funções devem atuar guiados pelos mesmos fundamentos, com as mesmas finalidades e pelos mesmos princípios dispostos na Constituição, formando um todo harmônico e coerente.

O princípio da coordenação visa a entrosar as atividades da Administração, de modo a evitar a duplicidade de atuação, a dispersão de recursos, a divergência de soluções e outros males característicos de uma burocracia fragmentada. Coordenar é, portanto, harmonizar todas as atividades da Administração, submetendo-se ao que foi planejado e poupando-a de desperdícios em qualquer de suas modalidades. De aplicação permanente, a coordenação impõe-se a todos os níveis e poderes da Administração (em sentido amplo), obrigando-a a se articular de modo mais orgânico, inclusive entre os órgãos dos diversos níveis da federação.

O princípio da subsidiariedade está associado com a valorização do indivíduo e das instâncias mais próximas a ele, prestigiando sua autonomia e sua liberdade. Tal princípio, historicamente consolidado, visa a garantir que as questões sociais sejam sempre resolvidas de maneira mais próxima ao indivíduo-comunidade, e só subsidiariamente pelos entes de maior abrangência, ressaltando, no âmbito da Administração pública, o caráter do federalismo.

Por fim, o princípio da boa governança preceitua que, no exercício do poder, seja posto em prática o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução das políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.

No conceito de uma boa governança pública é possível sublinhar a posição de destaque do cidadão, como centro de toda a atuação administrativa, incluindo o direito de ser ouvido antes de qualquer decisão administrativa que o afete desfavoravelmente, de ter acesso aos processos que tratem de seus interesses, bem como a obrigação, por parte da Administração, de fundamentar suas decisões, que devem ser imparciais e proferidas num prazo razoável.

A proposta também inova ao permitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios firmem instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e privados para execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira , garantindo assim que um Estado moderno, que cumpre sua função estabelecida pela Constituição, esteja apto a firmar os mais diversos tipos de parceria com a segurança jurídica necessária a garantir a prestação de serviços essenciais à população. A utilização de recursos humanos proposta não abrangerá as atividades privativas de cargos típicos de Estado.

Lei federal disporá sobre as normas gerais para a regulamentação dos instrumentos de cooperação. Enquanto a lei federal não for editada, entretanto, os demais entes da federação exercerão competência legislativa plena, até a superveniência da referida lei federal, que suspenderá a eficácia de leis que já tenham sido editadas por outros entes naquilo que lhe for contrário.

Quanto ao segundo eixo considerado para a elaboração da medida, a necessidade de aproximação do serviço público brasileiro à realidade do país, estudo do Banco Mundial (Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil), publicado em 2017, já evidenciava que o gasto público é engessado em categorias como folha de pagamento e previdência social, deixando pouco espaço para despesas discricionárias e de investimento. Mais recentemente, em outubro de 2019, novo estudo do mesmo Banco (Gestão de Pessoas e Folha de Pagamentos no Setor Público Brasileiro: o que os dados dizem), ao analisar dados sobre a folha de pagamentos do Governo Federal e de seis Governos Estaduais, corroborou a existência de uma série de distorções nos gastos com pessoal.

Também a OCDE lançou, em janeiro de 2019, Recomendação do Conselho sobre Liderança e Capacidade do Serviço Público, que, dentre outras questões, chama a atenção para a necessidade de que os serviços públicos sejam sistematizados de modo a adquirirem os elementos de agilidade e adaptabilidade condizentes com a natureza mutável do trabalho. Nessa esteira, assevera a importância de que os termos e condições de trabalho no serviço público sejam transparentes, com definição clara e objetiva dos instrumentos legais que se aplicam às categorias de vínculos e ainda que funções e posições sejam claramente baseadas em fatores como a natureza do trabalho, considerações de mercado e necessidades de desenvolvimento de capacidade.

Nessa conjuntura, as disposições da presente medida buscam abrir caminhos para o enfrentamento dos entraves que obstam as instituições do serviço público brasileiro a alcançarem elevados padrões para uma gestão de pessoas baseada em desempenho.

Com a aprovação da Emenda à Constituição n º 103, de 12 de novembro de 2019, que “altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias”, os regimes de previdência social dos servidores públicos vão ser equacionados. Entre outros objetivos, a referida Emenda à Constituição busca equiparar os benefícios dos servidores públicos àqueles oferecidos pelo Regime Geral de Previdência Social e garantir a sustentabilidade dos sistemas.

Os candidatos que vierem a cumprir vínculo de experiência, e os servidores admitidos em cargo com vínculo por prazo indeterminado ou cargo típico de Estado serão segurados de regime próprio de previdência social, enquanto aqueles que vierem a ser admitidos para vínculo por prazo determinado ou exclusivamente para cargo de liderança e assessoramento serão segurados do regime geral de previdência social. No entanto, o ente poderá optar por vincular os servidores que vierem a ser admitidos em vínculo por prazo indeterminado, inclusive durante o seu vínculo de experiência, em caráter irretratável, ao regime geral de previdência social, por meio de lei complementar, no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor da Emenda à Constituição, preservado o direito desses servidores de optarem pelo regime de previdência complementar. Além disso, a medida preza pela equidade ao propor dispensar aos empregados da administração direta, autárquica e fundacional o mesmo tratamento dispensado aos empregados dos consórcios públicos, das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das suas subsidiárias no que se refere à extinção do vínculo empregatício e aposentadoria compulsória aos setenta e cinco anos de idade.

Há ainda outras medidas propostas para convergir práticas da Administração pública com a realidade do Brasil e do mundo contemporâneo: a) suspender, durante afastamentos e licenças, o pagamento de remuneração de cargo em comissão ou de liderança e assessoramento, gratificação de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias ou qualquer parcela que não tenha caráter permanente, exceto nos casos de afastamentos e licenças previstos na Constituição, afastamento por incapacidade temporária para o trabalho, cessão e requisição e afastamento de pessoal a serviço do Governo brasileiro no exterior sujeito a situações adversas no país onde desenvolva as suas atividades ; e b) prever um conjunto de vedações que corrigem distorções históricas, contribuem para melhorar a imagem do setor público perante a sociedade e instituem políticas mais justas e equitativas tais como: (i) férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano; (ii) aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; (iii) aposentadoria compulsória como modalidade de punição; entre outras.

São atualizadas também as regras de acumulação de cargos, aproximando a realidade do setor público à do setor privado. Atualmente, a acumulação é, em regra, vedada. Propõe-se a inversão da lógica: a acumulação será, em regra, permitida, desde que haja compatibilidade de horário e não implique conflito de interesse. Tratamento diferenciado será dispensado apenas aos ocupantes de cargos típicos de Estado para os quais será vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, incluída a acumulação de cargos públicos, com exceção de atividades de docência ou de atividades profissionais de saúde regulamentadas, uma vez que a atuação desses servidores pressupõe a necessidade de dedicação exclusiva. Essa restrição aplica-se também durante o respectivo período do vínculo de experiência. Complementarmente, propõe-se possibilitar ao militar da ativa ocupar cargo ou emprego de atividade própria de profissional de saúde ou de magistério.

A medida torna nula a concessão, para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias, de estabilidade no emprego e de proteção contra despedida por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não se aplique aos trabalhadores da iniciativa privada, o que contribui para o necessário ajuste das contas públicas, mantém o respaldo ao preceito constitucional de tratamento equânime entre empresas estatais e privadas e se alinha à superação dos desafios estruturais das nossas finanças públicas.

Reforça-se, ainda, a importância da livre iniciativa para o desenvolvimento da economia, ao vedar que o Estado institua medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista, ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre-concorrência, salvo nos casos previstos na própria Constituição.

Em relação ao terceiro eixo utilizado para a construção da proposta de Emenda à Constituição, relativo à necessidade de garantir condições orçamentárias e financeiras para a existência do Estado e para a prestação de serviços públicos de qualidade, busca-se, inicialmente, que o país possa contar com mecanismos de melhor gestão do gasto público com pessoal, considerando que esse gasto representa a segunda maior despesa da União, atrás apenas da Previdência.

Os novos vínculos e o conjunto de medidas ora propostas para convergir práticas da Administração pública com a realidade do Brasil e do mundo contemporâneo concorrem para a busca da qualidade do gasto com pessoal. Ademais, com vistas a propiciar um avanço mais coeso em todo o país, lei complementar federal irá dispor sobre política remuneratória e de benefícios.

Dispositivos que podem ser disciplinados por normas infraconstitucionais, de modo a promover maior flexibilidade à Administração pública, estão sendo revogados. Prevê-se ainda, como forma de promover uma regulamentação coesa e transparente e com melhor alinhamento entre os entes federados, que lei complementar federal irá dispor, ainda, sobre normas gerais relativas à gestão de pessoas, percentual máximo de cargos de liderança e assessoramento de livre nomeação e exoneração, organização da força de trabalho, progressão e promoção funcional, desenvolvimento e capacitação e duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas.

Em função de situações legalmente constituídas, a proposta prevê regras de transição transparentes, bem como a substituição gradual das atuais funções de confiança e dos cargos em comissão pelos cargos de liderança e assessoramento. Direitos e prerrogativas estruturais dos atuais servidores que compõem os quadros da administração pública não serão afetados.

Importante registrar que a proposta de Emenda à Constituição ora apresentada não acarreta impacto orçamentário-financeiro. No médio e no longo prazos, inclusive, poderá resultar na redução dos gastos obrigatórios, possibilitando incremento nas taxas de investimento público no país.

Como se vê, a proposta de reforma apresentada mostra-se tempestiva e de extrema relevância para o Estado, pois, dadas as projeções de aposentadorias nos próximos anos, o setor público passará, no curto e no médio prazos, por um período de renovação de sua força de trabalho.

De acordo com projeções do Banco Mundial, realizadas a partir de dados fornecidos pelo Ministério da Economia (Gestão de Pessoas e Folha de Pagamentos no Setor Público Brasileiro: o que os dados dizem?), cerca de 26% dos servidores terão se aposentado até 2022. Se considerado o período até 2030, a estimativa de aposentadorias atinge cerca de 40% dos servidores. As projeções indicam, nesse cenário, que, em 2030, cerca de um quarto da folha de pagamentos do governo federal será para pagar servidores que ainda serão contratados.

Assim, imperativo se levar a cabo, nesta oportunidade, o projeto de transformação que o Estado indubitavelmente necessita, com vistas ao alcance dos objetivos ora propostos.

Mister esclarecer que a presente proposta tem por base o texto constitucional atualmente em vigor. Deste modo, havendo outras propostas de Emenda à Constituição em apreciação, necessário que os artigos eventualmente impactados sejam renumerados de forma a compatibilizar e contemplar todas as alterações sugeridas, evitando-se que uma redação se sobreponha à outra.

São essas as razões que me levam, Senhor Presidente, a submeter à sua apreciação a proposta de Emenda à Constituição em questão.

 

Respeitosamente,         

                                     

     Paulo Roberto Nunes Guedes            
           Ministro de Estado da Economia