SECRETARIA-GERAL

EM n° 00274/2020 ME

 

Brasília, 17 de julho de 2020.

                    Senhor Presidente da República,

           

1.                Submeto a sua apreciação Projeto de Lei que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS, e altera a legislação tributária federal.

2.                     A elevada complexidade da legislação da Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins impõe a necessidade de sua reformulação e, ao mesmo tempo, oferece a oportunidade de alinhamento da legislação brasileira ao moderno e reconhecido padrão mundial de tributação do consumo: a tributação do valor adicionado.

3.                A necessidade de reforma do sistema tributário brasileiro é tópico desde o primeiro relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE sobre o Brasil, de 2001. A reforma da tributação sobre o consumo é destaque desde 2009. Os relatórios de 2015 e de 2018 exploram a necessidade de unificação dos tributos sobre o consumo[1].

4.                Após muitas discussões no Supremo Tribunal Federal, pacificou-se o entendimento sobre o conceito de faturamento e de sua equivalência ao conceito de receita bruta, nos termos do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977. De acordo com esse artigo, a receita bruta é o produto da venda de bens e serviços, ou, no caso, de não se caracterizar como coisa ou outra, o produto das demais atividades empresariais da pessoa jurídica.

5.                Essa definição permite a utilização no desenho da CBS de toda a literatura e experiência consolidadas internacionalmente acerca da tributação sobre operações com bens e serviços. Mediante a utilização da técnica de tributação do valor adicionado, essa nova legislação garante neutralidade, alinhamento internacional, simplificação e transparência na tributação do consumo.

6.                Com esse objetivo, a CBS incidirá apenas sobre a receita decorrente do faturamento empresarial, ou seja, sobre as operações realizadas com bens e serviços em sentido amplo. Supera-se, assim, a controversa tributação incidente sobre a receita total, implementada em 1998, com a publicação da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, e reproduzida posteriormente quando da instituição da apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.

6.1.                Em virtude da delimitação da receita sobre a qual incidirá a CBS, pôde-se simplificar enormemente a legislação anterior, pois se tornou desnecessária a especificação de situações em que pessoas jurídicas ou receitas estariam isentas ou não tributadas, cujo objetivo era precisar o amplo conceito de receita.

7.                Além do alinhamento da CBS a um tributo sobre valor adicionado de base ampla, a não cumulatividade será plena, garantindo neutralidade da tributação na organização da atividade econômica. Todo e qualquer crédito vinculado à atividade empresarial poderá ser descontado da CBS devida e os créditos acumulados serão devolvidos.

7.1.                A implementação inicial do regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no começo dos anos 2000 não foi suficiente para evitar a tributação em cascata, pois várias limitações foram impostas e, em razão delas, diversas complexidades surgiram. Dada essa experiência, a CBS terá sua não cumulatividade operacionalizada da forma simples: o tributo incidente nas etapas anteriores e destacado no documento fiscal permitirá o creditamento para abatimento das contribuições incidentes nas etapas posteriores.

7.2.                Embora somente documentos idôneos sejam admitidos para lastrear a apropriação de créditos, independentemente de equívocos no documento fiscal, o adquirente de boa-fé que comprove o pagamento do preço e a ocorrência da operação poderá manter seu crédito, conforme preconiza a Súmula 509 do Superior Tribunal de Justiça[2].

7.3.                Essa forma de apropriação de créditos, conforme destaque em documento fiscal, impede incongruências entre o valor da contribuição incidente e o crédito gerado, e simplifica substancialmente a operacionalização da não cumulatividade, de modo a conferir segurança e rastreabilidade aos créditos apropriados. Daí porque vários processos de trabalho serão impactados positivamente pela adoção dessa sistemática, como a fiscalização dos créditos acumulados e o seu ressarcimento tempestivo.

8.                O crédito da CBS será permitido inclusive nas aquisições de bens e serviços de pessoas jurídicas optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, que apuram a contribuição na forma favorecida estabelecida pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, exceto nas aquisições perante Microempreendedores Individuais - MEI.

8.1.                As pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional destacarão nos documentos fiscais que emitirem, nos termos a serem regulamentados pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, o valor da CBS efetivamente cobrado na operação. Isso garante que as aquisições de bens e serviços de empresas optantes Simples Nacional não fiquem em condições desvantajosas, pois permitem o creditamento da CBS pelo adquirente.

8.2.                O valor a ser destacado pela pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional serve apenas para fins de creditamento por parte do adquirente. Apenas o montante que já seria recolhido conforme o regime de apuração simplificado e favorecido mantém-se sendo exigido, sem qualquer adicional. Consequentemente, simplifica-se a operacionalização do destaque da CBS em documento fiscal, ao mesmo tempo em que se mantém o tratamento diferenciado e favorecido a microempresas e empresas de pequeno porte.

9.                Pela própria sistemática da tributação do valor adicionado, é vedada a apropriação de créditos em relação a aquisições ou vendas não oneradas pela CBS. No caso de aquisições não oneradas a pessoa jurídica não pode apropriar créditos e no caso de vendas não oneradas ela deve anular os créditos vinculados a tais vendas que tenham sido apropriados.

9.1.                Todavia, há exceções em que, embora a venda não seja tributada, é permitida a apropriação de créditos da CBS, quais sejam exportações, porque é desejável sua desoneração completa, e vendas para Zona Franca de Manaus - ZFM e Área de Livre Comércio - ALC, porque são equiparadas a exportações para diversos efeitos em decisões do Supremo Tribunal Federal - STF e do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

9.2.                Como estão inseridos em regimes diferenciados de apuração, não são permitidos créditos decorrentes de valores pagos a instituições financeiras e afins e de aquisição de bens sujeitos à incidência monofásica.

10.                Diferentemente das regras atualmente vigentes, os créditos acumulados da CBS poderão ser compensados com outros tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil – RFB, ou ressarcidos. Por essa razão, tornam-se desnecessárias hipóteses de suspensão, diferimento e desonerações de operações com ativos imobilizados ou bens importados aplicados em outros que serão exportados. Essa simplificação mitiga divergências de interpretação sobre o enquadramento em regimes especiais, que resulta em redução de contencioso e de custos de controle.

11.                Para fins de segurança jurídica, o direito de utilização dos créditos da CBS extingue-se após cinco anos, o que facilita a guarda de documentos e define temporalmente a possiblidade de fiscalização pela administração tributária.

12.                As operações serão oneradas pela CBS com a alíquota uniforme de 12%. Essa foi a recomendação do Fundo Monetário Internacional na Nota Final de Assistência Técnica à reforma da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, elaborada em março de 2017, com base nas melhores práticas sobre a tributação do valor adicionado nos demais países:

alíquota positiva única (e alíquota zero aplicada apenas a exportações) é uma característica importante do IVA, pois alíquotas múltiplas alteram preços relativos e, em consequência, distorcem as escolhas dos consumidores. Isto, por sua vez, afeta a estrutura da produção e da alocação de recursos, reduzindo a eficiência econômica. Além disso, alíquotas múltiplas aumentam substancialmente o custo de cumprimento das obrigações tributárias, principalmente para as pequenas empresas, e o custo de administração do imposto, principalmente por aumentar o número de pedidos de restituição que têm que ser processados e por requerer pareceres da administração tributária para dirimir as dúvidas dos contribuintes quanto a que alíquota aplicar a determinada transação. Cabe também notar que a maior complexidade criada por alíquotas múltiplas é um convite à fraude e à evasão

13.                Nada obstante, concedeu-se isenção da CBS para as receitas decorrentes da prestação de serviços de saúde pagas pelo Sistema Único de Saúde – SUS, decorrentes da venda de produtos integrantes da cesta básica e da prestação de serviços de transporte público coletivo municipal de passageiros.

14.                Em razão da imperfeição e da complexidade do fato gerador e do atual regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, proliferaram desonerações casuísticas e regimes especiais suspesivos que tornaram essa legislação inoperável de maneira segura ao Fisco e aos contribuintes. Por essa razão, a proposta ora apresentada institui um regime uniforme de incidência e elimina exceções.

14.1.                Apenas alguns regimes diferenciados foram mantidos em decorência de limitações intrínsecas ou técnicas do modelo de valor adicionado e de determinadas disposições constitucionais aplicáveis à CBS.

14.2.                As vendas de imóveis residenciais a não contribuintes, desde que não abarcadas pelo Regime Especial de Tributação - RET (relacionado ao patrimônio de afetação, nos termos da Lei n. 10.931, de 2 de agosto de 2004), ficarão isentas de tributação. Com a transformação das antigas contribuições em um tributo sobre valor adicionado, apenas operações que envolvem consumo de bens e serviços podem ser tributadas. Dado o longuíssimo prazo de consumo de bens imóveis, a prática internacional tem sido isentar sua venda final, dada a dificuldade de cobrança do tributo ao longo do tempo ou o controle de créditos por não contribuintes. De qualquer modo, essa isenção abarca apenas a operação final de venda (de bens novos ou usados), não permitida a apropriação e utilização dos créditos da CBS incidente nas operações anteriores.

14.3.                Como o art. 195 da Constituição Federal permite que apenas pessoas jurídicas sejam contribuintes da CBS, tratamento específico foi concedido às operações com produtores rurais e transportadores autônomos. Na aquisição de produtos agropecuários in natura e na contratação de transportadores autônomos, os adquirentes poderão calcular e apropriar crédito presumido. A construção desse sistema procura evitar assimetria concorrencial entre agentes pessoa natural e pessoa jurídica, dificultar a prática de fraudes tributárias e contornar a cumulatividade, sem impor complexidade às pessoas naturais não contribuintes.

14.4.                Os benefícios para as operações envolvendo a Zona Franca de Manaus - ZFM e as Áreas de Livre Comércio - ALC foram mantidos em razão de reiteradas decisões do STF e do STJ reafirmarem a obrigatoriedade de tratamento diferenciado para a ZFM. As vendas feitas para as pessoas jurídicas nelas instaladas são isentas, sem prejuízo da apropriação de créditos a elas vinculados. Os bens nelas produzidos são vendidos com incidência reduzida da CBS. Com isso, extingue-se o complexo modelo atual de incidência de alíquotas reduzidas diversas, conforme a sujeição tributária, a localização ou a natureza jurídica de cada adquirente, dentro e fora da ZFM e das ALCs.

14.5.                A desoneração das operações envolvendo a geração e comercialização de energia pela Itaipu decorrem do tratado internacional promulgado por meio do Decreto nº 72.707, de 28 de agosto de 1973.

14.6.                A incidência monofásica na produção ou importação de bens foi reduzida apenas aos produtores ou importadores dos seguintes produtos: gasolinas e suas correntes, óleo diesel e suas correntes, gás liquefeito de petróleo - GLP, derivado de petróleo ou de gás natural e querosene de aviação, biodiesel e álcool. Também foi incluído nesse sistema o gás natural, os cigarros e as cigarrilhas.

14.7.                A CBS devida pelas instituições financeiras e equiparadas e pelas pessoas jurídicas que exercem determinadas atividades, como comercialização de planos de saúde, entre outras, será apurada de forma diferenciada em razão de especificidades que dificultam a tributação do valor adicionado em cada operação.

14.8.                Nas operações de comércio internacional, o princípio do destino deve prevalecer, como nos demais países, seguindo a lógica da tributação do consumo. Com isso, as exportações são economica e juridicamente desoneradas e as importações sofrem a incidência da CBS.

15.                A nova contribuição não objetiva gerar aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais. Os cálculos para determinação da alíquota tomaram como premissas a tributação homogênea e o creditamento amplo, além da exclusão dos tributos sobre consumo de sua base de cálculo, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). A própria CBS também não incidirá sobre ela mesma, assegurando transparência à tributação e permitindo a identificação do montante exigido.

16.                As disposições da CBS também seguem as recomendações da OCDE no que se refere à adequação do sistema de tributação do consumo à economia digital. Em 2015, o relatório do Action 1 do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) ressaltou que, mesmo com as dificuldades das administrações tributárias em cobrar o imposto sobre valor adicionado nas transações internacionais B2C (Business to Consumer), o princípio do destino deveria ser mantido, a fim de manter a neutralidade nas transações entre países. Assim, ficou mantida a tributação incidente na importação realizada por não contribuinte, sendo a responsabilidade pelo recolhimento atribuída aos fornecedores estrangeiros (origem). Essa medida vem acompanhada da diretriz de simplicidade para a inscrição das plataformas digitais ou outros fornecedores de serviços e intangíveis no Brasil.

16.1.                A responsabilidade das plataformas digitais também foi imposta aos estabelecimentos brasileiros, mas apenas nas hipóteses em que não houver registro em documento fiscal por parte dos fornecedores de bens.

17.                Para garantir segurança jurídica e previsibilidade, este Projeto de Lei estabelece regras de transição entre os atuais tributos e a CBS, tais como a utilização do saldo de créditos apropriados com base na legislação anterior; a manutenção da apropriação de créditos calculados sobre a depreciação ou amortização de ativos adquiridos anteriormente a este Projeto; e créditos sobre devoluções, já na vigência das novas regras, de vendas efetuadas anteriormente à CBS.

18.                A destinação dos recursos arrecadados com a cobrança da CBS fica mantida, obedecendo às prescrições da Constituição Federal.

19.                Para que haja tempo hábil para as adequações de sistemas e procedimentos, prevê-se vacatio legis de seis meses a partir da publicação da Lei resultante do presente Projeto.

20.                Em cumprimento ao disposto no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, cabe informar que a medida proposta não ocasionará renúncia de receitas tributárias. De outro lado, revisa substancialmente os gastos tributários relativos à Contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins, em atendimento ao art. 116 da Lei nº 13.707, de 14 de agosto de 2018.

21.                Ao adotar a tributação incidente sobre a receita decorrente de operações com bens e serviços, alinhando-se a um tributo sobre valor adicionado, em substituição às inúmeras formas de incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, o Brasil segue as recomendações propostas pela OCDE para melhoria da qualidade do nosso sistema tributário.

22.                Por fim, salienta-se a conveniência da tramitação do presente Projeto em regime de urgência, dada a necessidade premente de reformulação da legislação da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins em razão das diversas discussões no Poder Judiciário que ela tem ocasionado, e os ganhos econômicos e jurídicos decorrentes da instituição da nova contribuição.

23.                Essas, Senhor Presidente, são as razões que justificam o encaminhamento deste Projeto de Lei que ora submeto a sua apreciação.

 

[1] “Um dos elementos-chave é o fragmentado sistema de impostos sobre o consumo (os chamados impostos indiretos), o qual eleva o custo do capital ao limitar os reembolsos do imposto pago sobre ativos fixos e faz do Brasil o país com os mais altos custos de conformidade fiscal (...) Os seis tributos sobre o consumo existentes no Brasil são cobrados em parte pelo governo federal e em parte pelos estados, cada um dos quais aplicando seu próprio código fiscal, base tributária e alíquotas de impostos. (...) Uma solução seria consolidar os diferentes tributos sobre o consumo em um único imposto sobre valor agregado com regras simples - seguindo o exemplo recente da Índia – como recomendado no Relatório Econômico da OCDE sobre o Brasil de 2015. O governo federal poderia sair na frente e consolidar seus próprios impostos sobre o consumo em um único imposto sobre valor agregado com uma ampla base, reembolso total para IVA pago nos insumos e taxa zero para exportações conforme relatório de 2018, disponível em: http://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf.

[2] “É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda”.

 

Respeitosamente,         

                                     

     Paulo Roberto Nunes Guedes            
           Ministro de Estado da Economia