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SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES |
EMI nº 00008/2018 – GSI AGU MJ MRE
Brasília, 05 de Junho de 2018.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
1. Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de lei que “dispõe sobre o cumprimento de sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), por seus comitês de sanções ou a requerimento de autoridade estrangeira, incluindo a indisponibilidade de ativos de pessoas e entidades, assim como sobre a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, seu financiamento e atos correlacionados”.
2. As profundas transformações por que vem passando o cenário internacional, decorrentes, sobretudo, do fim da chamada “Guerra Fria” entre as duas superpotências então hegemônicas, vêm promovendo a participação de um grupo maior e mais representativo de nações nos processos de tomada de decisões com relação à paz e à segurança internacionais.
3. Essa busca de soluções concertadas e participativas no âmbito da comunidade internacional tem como um de seus reflexos mais destacados o aumento exponencial do número de Resoluções editadas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, do qual o Brasil participa com frequência. Ressalte-se que o Brasil é o país em desenvolvimento que mais vezes foi eleito pela Assembleia Geral das Nações Unidas para integrar o seu Conselho de Segurança, havendo exercido dez mandatos desde 1946.
4. Na forma dos Capítulos V e VII da Carta das Nações Unidas, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1946, foi conferida ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade de determinar a existência de qualquer ameaça à paz, risco de sua ruptura ou ato de agressão, bem como de fazer recomendações ou decidir medidas a serem tomadas para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
5. No que concerne à importância que a Carta das Nações Unidas atribui ao Conselho de Segurança, cabe ressaltar que as decisões desse órgão são únicas e têm caráter obrigatório para todos os países membros da Organização das Nações Unidas, mercê da relevância de suas atribuições. Tal obrigatoriedade está expressamente prevista no artigo 25 da Carta, que reza:
Artigo 25
Os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta.
6. O Brasil, ao ratificar a Carta das Nações Unidas, concordou e se submeteu às diretrizes estabelecidas com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais, bem como à obrigatoriedade em executar decisões emanadas do Conselho de Segurança. Nesse sentido, as decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas devem ser compreendidas como uma norma imperativa de Direito Internacional Geral (jus congens), reconhecida pela sociedade internacional como um todo. Referida natureza normativa possui previsão na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, internalizada no Brasil por meio do Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009 (arts. 53 e 64).
7. Conforme essa linha de cooperação internacional para a manutenção da paz e da segurança, o Brasil deve possuir mecanismos que lhe permitam adotar, de forma mais célere e eficaz, as medidas necessárias para dar cumprimento às obrigações assumidas pelo País na ordem internacional, dentre as quais se destaca o bloqueio cautelar de bens, valores e direitos pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas sujeitas às sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU).
8. A Resolução 1373, internalizada pelo Decreto nº 3.976, de 18 de outubro de 2001, é o normativo que fundamenta a executoriedade de que trata o anteprojeto, sendo que a menção às Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas serve como banco de dados de pesquisa para identificação das pessoas físicas e jurídicas que devem ser objeto do congelamento de ativos.
9. O Brasil, ao assinar a Carta das Nações Unidas, se submete às resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas de forma imediata. Nesse sentido, por serem imperativas e terem caráter urgente, tais resoluções devem ser anotadas como de cumprimento imediato pelo Brasil e deve-se avaliar meios efetivos de publicização, sem demora, de tais resoluções em território nacional, independente da publicação por meio do decreto presidencial.
10. Dada a natureza desses bloqueios, em regra utilizados para impedir o uso de bens para a prática de delitos contra a humanidade, entende-se que essas medidas devem ser realizadas por procedimento administrativo, sob pena de ineficácia. Com efeito, a celeridade, nesses casos, é condição essencial da sua efetividade, tendo em vista que, hoje, a movimentação de recursos, principalmente financeiros, é extremamente veloz, e qualquer atraso pode possibilitar a execução de atrocidades que representam grave perigo para a paz e a segurança internacionais.
11. Importa salientar que a proposta ora apresentada não representa risco de qualquer desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas eventualmente atingidas por tais medidas, tendo em vista que a via do controle judicial estará sempre aberta ao interessado, de acordo com a garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Nem se olvide, ainda, que o ordenamento jurídico nacional prevê outras medidas de constrição administrativa cautelar de bens, cuja constitucionalidade já foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade.
12. Ademais, observe-se que a obrigação de que o País possua procedimentos da espécie decorre das Recomendações nºs 5, 6 e 7 do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF), de cumprimento obrigatório em razão não somente da participação do Brasil naquele Grupo, mas da adesão pátria a várias convenções internacionais, tais como a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (a Convenção de Palermo, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (a Convenção de Mérida, promulgada pelo Decreto nº 5.687 de 31 de janeiro de 2006) e a Convenção Interamericana contra o Financiamento do Terrorismo (Decreto nº 5.639, de 26 de dezembro de 2005), bem como a vinculação a Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que tratam do combate ao terrorismo e seu financiamento e recomendam a aplicação de medidas de congelamento de bens ligados a terroristas, também incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio.
13. As Recomendações do GAFI estatuem a necessidade da criação de instrumentos para que os países “bloqueiem sem demora os recursos ou outros bens” de propriedade ou em benefício de qualquer pessoa ou entidade que seja designada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, respectivamente para a prevenção e supressão do terrorismo e seu financiamento (Recomendação nº 6) e para a prevenção, supressão e interrupção do financiamento da proliferação de armas de destruição em massa (Recomendação nº 7).
14. Com isso, o Brasil passa a atender a Recomendação do GAFI/FATF, que exige a executoriedade imediata dessas resoluções, sem que haja qualquer desrespeito ao ordenamento jurídico pátrio, uma vez que, como já dito, é a Resolução 1373, já internalizada pelo Decreto nº 3.976, de 2001, que permite a execução imediata das posteriores resoluções do CSNU e seus comitês.
15. Considerando a executoriedade imediata de tais resoluções sancionatórias do CSNU e as designações de seus comitês de sanções, faz-se desnecessária qualquer decisão judicial, como previa a Lei nº 13.170, de 16 de outubro de 2015.
16. Diversos são os países que já adotam em seu ordenamento jurídico instrumentos da espécie, a exemplo da quase totalidade dos países integrantes do GAFI/FATF, que compreendem as principais economias, bem como, no âmbito da América Latina (Argentina, Bolívia, Colômbia, México e Uruguai). Não é despiciendo informar que a inexistência de procedimentos da espécie pode ser tida como atitude de não colaboração com o sistema internacional de prevenção e combate ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, situação que, de acordo com a Recomendação nº 19 do GAFI/FATF, pode estimular a adoção de restrições ao comércio e às transações financeiras internacionais, que poderiam ser desde a imposição de medidas reforçadas de devida diligência nas relações de negócio com esses países, até mesmo a aplicação de contramedidas, dentre as quais se destacam as limitações a negócios ou transações financeiras e o fechamento de filiais de instituições do país-alvo.
17. Ressalte-se, a esse propósito, que o G-20, integrado pelo Brasil, e que é o órgão internacional que atribui mandatos ao GAFI/FATF, decidiu, em razão de recentes atentados terroristas em vários países, bem como por força da atuação do grupo terrorista autodenominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante, ser necessária a adoção de medidas reforçadas para inibir o financiamento de operações de terrorismo. Nessa linha, o GAFI/FATF também promoveu levantamento factual das normas das diversas jurisdições, para estabelecer que aquelas que não adotem o bloqueio de bens de pessoas listadas pelo CSNU estarão sujeitas a contramedidas por aquele organismo.
18. Cabe destacar que o não cumprimento das Recomendações do GAFI/FATF pode implicar em retaliações, que se agravam na medida em que um país demore em sanar as deficiências. As sanções para um país que não as implemente vão da sua inclusão em listas de países com deficiências estratégicas (de alto risco ou não cooperativos), à aplicação de contramedidas pelo sistema financeiro dos demais países ou até a sua exclusão do GAFI/FATF e, eventualmente, de outros grupos ou organismos internacionais que apoiem esse processo, tais como o G-20, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Assim, a eventual aplicação dessas sanções teria efeitos negativos tanto à imagem internacional de um país quanto para sua atuação nos principais mercados financeiros internacionais.
19. Nesse contexto, o Brasil deu um importante passo com a promulgação da Lei nº 13.170, de 16 de outubro de 2015, que “disciplina a ação de indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU”. No entanto, essa Lei, após ser apreciada pelos organismos internacionais dos quais o Brasil participa e que realizam avaliações periódicas de seus membros, não foi considerada tecnicamente de acordo aos padrões internacionais, tendo em vista inconsistências jurídicas e procedimentais que inviabilizam agilidade no processo de bloqueio de bens ligados a terroristas, em cumprimento às Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
20. O Projeto de Lei que ora apresentamos busca sanar as deficiências identificadas na Lei nº 13.170, de 2015, em especial com relação aos procedimentos para viabilizar a execução imediata das resoluções.
21. Essa é a principal inovação trazida pelo anteprojeto. Diferentemente da previsão da Lei nº 13.170, de 2015, passa a não ser mais necessária a internalização das Resoluções Sancionatórias do Conselho de Segurança das Nações Unidas no ordenamento jurídico brasileiro e uma posterior decisão judicial para conferir executoriedade a essas Resoluções.
22. No novo modelo proposto no anteprojeto, a fase judicial para a execução das resoluções sancionatórias do CSNU e as designações de seus comitês de sanções resume-se às situações em que essas normas não estiverem sendo cumpridas e houver a informação da existência de ativos ou pessoas e bens sujeitos a sanções.
23. A Lei nº 13.170, de 2015, por sua vez, previa a necessidade de ajuizamento de ação judicial para cumprimento de toda e qualquer sanção imposta pela ONU, o que não estava de pleno acordo com as Recomendações do GAFI mencionadas nas considerações gerais.
24. Apesar da Lei nº 13.170, de 2015, não tratar do requerimento de indisponibilidade de ativos de países, já há tal previsão na Portaria Conjunta nº 2, de 31 de janeiro de 2017, da Advocacia-Geral da União, Ministério da Justiça e Cidadania e Ministério das Relações Exteriores. Não há maiores inovações, apenas a reunião dos normativos em um único diploma.
25. As designações nacionais já haviam sido previstas em capítulo próprio da Lei nº 13.170, de 2015. Igualmente, a Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, já prevê o procedimento para que o juiz brasileiro sentencie, no curso da investigação ou da ação penal, medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos naquela lei.
26. O anteprojeto visa a regular a intimação da União dessas medidas adotadas pelo Juiz criminal, para que o Estado brasileiro possa comunicar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Novamente, informa-se que já há a previsão da comunicação das designações nacionais realizadas por meio de decisão judicial na Portaria Conjunta nº 1, de 31 de janeiro de 2017 e, portanto, o anteprojeto não traz inovação no tocante ao seu art. 24.
27. O art. 25, por sua vez, prevê a possibilidade de, antes mesmo de haver uma decisão judicial, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores, a pedido da Polícia Federal ou do Ministério Público, deliberarem acerca da comunicação a terceiros países da indicação de ativos, naqueles países, sujeitos a indisponibilidade em razão de terrorismo, seu financiamento e atos correlatos, previstos na Lei nº 13.260, de 2016.
28. Assim sendo, mostra-se necessário aprovar novo diploma legal que incorpore todos os ajustes que sanem as preocupações e inconsistências apontadas por organismos internacionais em relação à Lei nº 13.170, de 2015, tornando a legislação aderente na íntegra aos padrões internacionais e evitando que o Brasil sofra sanções ou restrições no campo político, diplomático e financeiro. Nesse sentido, de acordo com o princípio “lex posterior derocat priori”, propõe-se que esse novo diploma legal revogue totalmente a Lei nº 13.170, de 2015, por tratarem do mesmo assunto.
29. São essas, Senhor Presidente, as razões que nos conduzem a submeter ao elevado descortino de Vossa Excelência as medidas propostas que, se acolhidas, constituirão um instrumento consentâneo e eficaz em prol da paz e da segurança internacionais.Respeitosamente,
Sergio Westphalen Etchegoyen Gabinete de Segurança Institucional |
Grace Maria Fernandes Mendonça Advocacia-Geral da União |
Torquato Lorena Jardim Ministério da Justiça |
Aloysio Nunes Ferreira Ministério das Relações Exteriores |