SECRETARIA-GERAL |
EMI n° 00057/2019 BACEN ME
Brasília, 22 de outubro de 2019.
Senhor Presidente da República,
59. São essas, Senhor Presidente da República, as razões que nos levam a submeter à elevada apreciação de Vossa Excelência o projeto de Lei Complementar em anexo, cujos fundamentos se coadunam com a missão do BC, da CVM e da Susep e contribuem, sobremaneira, para o fortalecimento dos interesses nacionais.Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de Lei Complementar que visa a disciplinar aspectos do arcabouço regulatório e de supervisão do Banco Central do Brasil (BC), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Superintendência de Seguros Privados (Susep). A proposta dispõe sobre os Regimes de Resolução das instituições autorizadas a funcionar por essas Autarquias e das entidades operadoras de infraestruturas do mercado financeiro.
2. Esta iniciativa está inserida no conjunto de compromissos externos que o Brasil assumiu no âmbito do G-20, em função dos reflexos da crise financeira iniciada em 2008, que expôs importantes fraquezas dos sistemas financeiros modernos, incluindo a ameaça à estabilidade financeira representada por instituições que são muito grandes, interconectadas e complexas para serem fechadas abruptamente. Após a deflagração da crise, o Comitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board, ou FSB, na sigla em inglês), órgão criado para coordenar em nível internacional o trabalho de autoridades nacionais responsáveis pela estabilidade financeira, recebeu do G-20 a missão de propor medidas para reduzir o risco sistêmico associado às instituições financeiras consideradas “grandes demais para quebrar” (Too Big to Fail, TBTF, na sigla em inglês).
3. O objetivo desse esforço foi o de propor instrumentos para evitar a repetição dos eventos que ocorreram em diversas partes do mundo, onde as quebras de instituições sistemicamente importantes levaram à necessidade de fortes intervenções fiscais por parte de governos nacionais para restaurar a estabilidade financeira e acalmar os mercados, de modo a evitar o colapso do sistema financeiro e crises econômicas de maiores proporções em suas jurisdições.
4. Como consequência, em 2011, o FSB propôs um padrão internacional de regimes de resolução, destinado a dotar as autoridades nacionais de instrumentos para resolver instituições financeiras, sociedades de seguros, de previdência privada e operadoras de infraestruturas do mercado financeiro sistemicamente relevantes de forma ordenada, sem a interrupção do fornecimento de suas funções críticas para clientes e para a economia como um todo, ao mesmo tempo em que estabeleceu alternativas para mitigar o uso de recursos dos contribuintes. Essa proposta, endossada pelo G-20, foi publicada no documento denominado “Atributos-Chave de Regimes Efetivos de Resolução de Instituições Financeiras” (Key Attributes of Effective Resolution Regimes for Financial Institutions).
5. Os Atributos-Chave estabelecem doze princípios que devem fazer parte dos regimes de resolução de todas as jurisdições, os quais se coadunam com os interesses nacionais de preservação da estabilidade financeira, a continuidade do provimento das funções críticas para a economia real, o uso de recursos públicos somente após o esgotamento das fontes privadas disponíveis, a celeridade na decretação e na condução dos regimes e a colaboração com outras jurisdições.
6. Como membro do G-20, o Brasil assumiu o compromisso de adotar os Atributos-Chave, buscando convergência ao padrão internacional. O atingimento desse objetivo demanda profundas alterações na legislação para incorporar os mais modernos instrumentos para lidar com crises ocasionadas por problemas em instituições sistemicamente relevantes no país, uma vez que a legislação em vigor sobre a matéria, qual seja a Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, o Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, e a Lei nº 9.447, de 14 de março de 1997, não é aderente aos princípios previstos nos Atributos-Chave para lidar com crises em instituições sistemicamente relevantes.
7. O arcabouço legal no Brasil dispõe, como única alternativa de regime de resolução para instituições de importância sistêmica, capaz de assegurar a continuidade das suas funções críticas, o Regime de Administração Especial Temporária, regido pelo Decreto-Lei nº 2.231, de 25 de fevereiro de 1987, o qual prevê a hipótese de a União Federal assumir o controle acionário da Instituição. Alternativamente, a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, permite que, mediante lei específica, sejam utilizados recursos públicos para socorrer instituições financeiras. Essas duas legislações não preveem exigência prévia de utilização dos recursos existentes na própria instituição como requisito para a intervenção estatal, situação que se pretende corrigir neste projeto de lei complementar, de forma a assegurar que a utilização de recursos públicos seja a última opção.
8. O projeto dispõe sobre os Regimes de Resolução aplicáveis às instituições financeiras e às demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC; às entidades operadoras de infraestruturas do mercado financeiro; às entidades administradoras das bolsas de valores, de mercadorias e de futuros e dos mercados de balcão organizado; e às sociedades seguradoras, de capitalização, resseguradoras, entidades abertas de previdência complementar e demais sociedades autorizadas a funcionar pela Susep.
9. O art. 1º, ao não excetuar nenhuma instituição do alcance da medida legislativa proposta, está em plena conformidade com o primeiro Atributo-Chave, o qual define o escopo dos Regimes de Resolução e estabelece que qualquer instituição financeira que possa ser sistemicamente significativa ou crítica, em caso de quebra, deve estar sujeita a um regime de resolução aderente a todos os Atributos-Chave.
10. Neste projeto, o BC, a CVM e a Susep são definidos como “Autoridades de Resolução”, atuando no âmbito de suas competências específicas, com poderes de aplicação dos Regimes de Resolução nele previstos. A definição expressa das Autoridades de Resolução adere ao segundo Atributo-Chave, que estabelece que cada jurisdição precisa definir as autoridades administrativas responsáveis por exercer os poderes de resolução sobre as instituições, com seus respectivos mandatos, papéis e responsabilidades, e com capacidade de agir de forma coordenada quando necessário.
11. A lei proposta estabelece dois únicos Regimes de Resolução (art. 2º): o Regime de Estabilização e o Regime de Liquidação Compulsória, cabendo à Autoridade de Resolução competente decretar o regime que considerar mais adequado para alcançar os objetivos estabelecidos no art. 3º, de assegurar a solidez, a estabilidade e o regular funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro e do Sistema Nacional de Seguros, Capitalização, Resseguros e Previdência Complementar, pautando-se pelo interesse público da estabilidade financeira, principalmente por meio da preservação da continuidade das funções críticas para a economia real.
12. Tendo em conta as diretrizes estabelecidas no projeto de lei complementar, o Regime de Estabilização deverá ser utilizado preferencialmente na resolução de instituições de importância sistêmica, que não podem ter suas atividades paralisadas repentinamente sem grande risco de causar instabilidade indesejada no sistema financeiro e na economia real, em razão da criticidade das funções desempenhadas para o funcionamento normal das atividades econômicas e para a manutenção da confiança no sistema financeiro. O objetivo do Regime de Estabilização é manter o provimento das funções críticas da instituição e buscar uma solução privada para a retomada regular dos negócios em curto período.
13. Como regra geral, quando não houver riscos à estabilidade financeira ou de paralisação de funções críticas, o regime aplicável às instituições será a Liquidação Compulsória. A Liquidação Compulsória implica o encerramento das atividades da instituição, a submissão dos seus credores ao regime concursal e a adoção dos mecanismos que se mostrarem mais eficientes para a realização dos ativos e para a rápida retirada da instituição do sistema regulado. No entanto, conforme a realidade econômica no momento da decretação do regime, o risco de contágio e de estresse dos mercados, pode-se admitir a adoção excepcional do Regime de Estabilização para instituições que, em cenário de normalidade, estariam, em princípio, sujeitas ao regime de Liquidação Compulsória.
14. A Autoridade de Resolução, como órgão administrativo responsável por aferir a necessidade e a oportunidade de decretar o Regime de Resolução em uma instituição pertencente ao seu mercado regulado, pautará sua decisão na constatação da ocorrência de pelo menos um dos parâmetros, de uma ampla lista, que indicam o comprometimento do funcionamento normal da instituição ou a existência de práticas que representam risco ao regular funcionamento do mercado em que atua (art. 4º).
15. O terceiro Atributo-Chave estabelece os poderes de resolução conferidos à Autoridade de Resolução. Este projeto de lei busca contemplar todos os poderes de resolução estabelecidos no terceiro Atributo-Chave, o qual recomenda que, na aplicação de poderes de resolução em uma instituição, a Autoridade de Resolução leve em consideração o impacto dessa medida no grupo como um todo e na estabilidade financeira em outras jurisdições afetadas, e empreenda esforços para evitar ações que produzam risco de provocar instabilidade futura em outra parte do grupo ou no sistema financeiro.
16. Nesse sentido, sempre com foco na preservação do interesse público na estabilidade do sistema financeiro, a Autoridade de Resolução poderá submeter a Regime de Resolução pessoas jurídicas que estejam fora do mercado por ela regulado, mas que mantenham vínculo de interesse com instituição por ela submetida a Regime de Resolução (art. 5º).
17. De igual forma, para dotar as Autoridades de Resolução de uma ampla gama de instrumentos que permitam aplicar medidas que minimizem os riscos à estabilidade financeira, o Capítulo II deste projeto de lei dispõe sobre os poderes para a adoção de medidas preventivas e para o planejamento da recuperação e da resolução das instituições reguladas. Também estabelece mecanismos de garantias, suportados com recursos privados das próprias instituições reguladas, destinados a mitigar os impactos, no sistema financeiro e na economia como um todo, das medidas destinadas a enfrentar situações de crise em uma ou mais instituições desses mercados.
18. O art. 6º, que confere poderes para que a Autoridade de Resolução exija das instituições sob a sua jurisdição a elaboração de Plano de Recuperação e Plano de Saída Organizada, está aderente ao décimo-primeiro Atributo-Chave que trata do planejamento da recuperação e da resolução das instituições sistemicamente relevantes ou críticas, para enfrentar situações que possam comprometer a continuidade operacional de tais instituições.
19. O art. 7º estabelece medidas que a Autoridade de Resolução pode determinar aos controladores de instituições sob a sua jurisdição para mitigar os riscos à continuidade de tais instituições. Essas medidas poderão ser adotadas no contexto da avaliação de resolubilidade contida no décimo Atributo-Chave, o qual estabelece que as autoridades supervisoras ou as Autoridades de Resolução devem ter poderes para exigir, sempre que necessário, adoção de medidas de adequação, tais como mudanças nas práticas de negócios da instituição, na estrutura ou na organização, para reduzir a complexidade e os custos da resolução, levando devidamente em conta os efeitos destas determinações na solidez e na estabilidade dos negócios em curso.
20. Por fim, os arts. 8º ao 23 tratam dos princípios reguladores dos Fundos Garantidores de Créditos e dos Fundos de Resolução. Esses dispositivos aderem ao sexto Atributo-Chave, que trata das fontes de recursos das instituições em resolução. Esse Atributo-Chave estabelece que as jurisdições devem possuir legislação ou outras políticas disponíveis para que as autoridades não se limitem a confiar na estatização ou na utilização de recursos públicos (bail out) como meio de resolver instituições TBTF. Este Atributo-Chave estabelece que as jurisdições devem possuir mecanismos de garantia de depósitos ou fundos de resolução para o provimento temporário de fontes financeiras destinadas a facilitar o processo de resolução das instituições.
21. Os fundos de resolução e os fundos garantidores de créditos serão administrados por pessoas jurídicas de direito privado constituídas pelas próprias instituições (art. 9º). Se o mesmo conjunto de instituições constituir fundo de resolução e fundo garantidor, a administração dos dois fundos pode ser confiada à mesma pessoa jurídica.
22. A pessoa jurídica administradora dos fundos garantidores e dos fundos de resolução estará sujeita a processo de autorização pelo órgão regulador a que estão submetidas as instituições participantes, e poderá constituir instituição financeira, capitalizada com os recursos dos fundos, como instrumento operacional para viabilizar a consecução das finalidades previstas para os fundos (art. 10), em especial quando envolver a tomada ou a concessão de empréstimos.
23. Por ser um instrumento de extrema importância para a rede de proteção do sistema financeiro, os recursos dos fundos garantidores e dos fundos de resolução devem contar com a devida proteção legal (arts. 12, 14, 15 e 19), e a atuação das administradoras desses recursos deverá ser coordenada e planejada de forma compartilhada com as Autoridades de Resolução (arts. 13, 16 e 17). Os fundos garantidores já existentes na data da entrada em vigor da medida legislativa proposta terão prazo para se adequarem às suas disposições (art. 18).
24. As Autoridades de Resolução, no âmbito das respectivas competências, poderão determinar às pessoas jurídicas administradoras de Fundos de Resolução que constituam instituição financeira de transição, a ser capitalizada por esse fundo, com o propósito exclusivo de receber ativos e passivos e dar continuidade às funções críticas de instituição submetida a Regime de Estabilização até que sejam assumidas por terceiros ou descontinuadas (arts. 20, II e 21, II).
25. A possiblidade de constituição de instituição de transição permite que, em cenários nos quais haja funções críticas a serem preservadas, mas não sejam encontrados compradores para tais operações imediatamente após a decretação do Regime de Resolução, seja possível às instituições de transição assumirem as atividades críticas enquanto a Autoridade de Resolução enfrenta o período mais grave da crise. Em um momento posterior se promove a transferência de tais atividades para uma nova instituição com o prosseguimento regular dos negócios.
26. O capítulo III do projeto de lei complementar é dedicado a regular o Regime de Estabilização. Sua primeira seção estabelece as atribuições, os poderes e as responsabilidades do Administrador do Regime, nomeado pela Autoridade de Resolução, que poderá ser um conselho diretor ou uma pessoa jurídica. A seção II estabelece os efeitos da decretação do regime, tendo como diretriz principal a continuidade operacional da instituição. Os administradores da instituição submetida a Regime de Estabilização perdem seus mandatos, exceto se a Autoridade de Resolução entender necessário mantê-los para assegurar a continuidade das atividades. Os acionistas têm seus direitos suspensos, cabendo ao Administrador do Regime o exercício desse direito enquanto durar o regime.
27. O art. 29 assegura a continuidade das operações que dependem de contratos com terceiros, ao suspender a aplicação de cláusulas contratuais específicas, em consonância com o quarto Atributo-Chave, que trata dos direitos inerentes aos contratos celebrados pela instituição submetida ao Regime de Estabilização, e que estabelece que a entrada em resolução não deve ser evento que desencadeie aceleração ou rescisão antecipada de contratos, desde que as obrigações nele previstas continuem a ser executadas.
28. Quando necessário à preservação da estabilidade financeira e para garantir a capacidade operacional da instituição, a Autoridade de Resolução poderá determinar a suspensão temporária da exigibilidade dos créditos contra a instituição, inclusive por depósitos e aplicações, pelo prazo de até dois dias úteis (art. 30), evitando que o impacto inicial da medida desencadeie um evento abrupto de risco de liquidez para a instituição, com efeitos sistêmicos. Os arts. 31 e 32 definem o tratamento para dispositivos contratuais e regulatórios específicos durante o Regime de Estabilização.
29. A seção III determina que a instituição sob Regime de Estabilização seja avaliada de forma independente (art. 33) e confere à Autoridade de Resolução poderes para determinar a transferência, isoladamente ou em conjunto, de bens, de direitos e de obrigações, e para a constituição de subsidiária, a reorganização societária ou a cisão da instituição em Regime de Estabilização (art. 34).
30. Para assegurar a efetividade deste poder de resolução e mitigar riscos à continuidade operacional das funções críticas transferidas para outra instituição, o projeto de lei assegura a não transferência de responsabilidades de qualquer natureza, da instituição em Regime de Estabilização para a nova instituição, que não estejam expressamente contratadas. Mesmo na hipótese de que a função crítica transferida seja interpretada como fundo de comércio, o adquirente não sucederá a instituição cedente por passivos não previstos nos contratos, inclusive os de natureza trabalhista e tributária.
31. Considerando que a transferência das funções críticas para uma instituição saudável, que possa assegurar a continuidade necessária para a preservação da economia real, é, em regra, a estratégia mais eficiente e menos custosa de resolução, essa salvaguarda para os adquirentes, por dar a segurança jurídica necessária à rápida concretização do negócio, acaba por ser crucial para o sucesso do regime de resolução, e reduz em muito a eventual necessidade de utilização de recursos dos credores ou dos contribuintes na solução da crise.
32. A seção IV disciplina, entre outros, o poder de resolução previsto no terceiro Atributo-Chave, destinado a mitigar a utilização de recursos do contribuinte na resolução de instituições – a recapitalização interna (ou bail-in, como conhecido internacionalmente), que consiste na absorção dos prejuízos da instituição, primeiro pelo capital dos acionistas, depois pelos investimentos aplicados naquela instituição e outros créditos, observada a hierarquia e as regras estabelecidas nessa seção.
33. A aplicação dessa medida em relação aos acionistas será feita compulsoriamente. Num segundo momento, a Autoridade de Resolução poderá determinar a extensão da medida aos credores subordinados (investidores que, em contrato, aceitaram o risco de perderem seus créditos em caso de quebra da instituição). Se, após essa medida, a instituição ainda não se estiver estabilizado, a Autoridade de Resolução poderá estendê-la aos demais credores. Essa, entretanto, será medida excepcionalíssima, que deve ser reservada a situações extremas, em que deverá ser sopesada a necessidade de recursos para restaurar a capacidade de funcionamento das funções críticas da instituição e o risco de, ao transformar os créditos dos aplicadores naquela instituição em capital, comprometer a confiança e a confiabilidade do sistema financeiro de forma mais ampla.
34. A possibilidade de conversão ou de baixa dos créditos abrangerá as operações celebradas a partir da entrada em vigor da medida legislativa proposta e deverá constar expressamente dos instrumentos contratuais utilizados para formalizar as novas operações (art. 45). Para titulares do capital da instituição, a utilização deste capital para absorção de perdas independe da data de sua constituição ou aquisição.
35. A seção IV estabelece também, como última alternativa para a preservação da estabilidade e do regular funcionamento do sistema financeiro, a utilização de recursos do contribuinte, instrumento que somente será utilizado depois de esgotados os instrumentos que sejam suportados com fontes privadas de recursos ou verificada a inviabilidade de sua utilização.
36. Nesses casos em que os recursos privados não são suficientes para assegurar a estabilidade financeira, poderá a União, mediante proposta do Conselho Monetário Nacional (CMN), realizar empréstimos aos fundos de resolução, desde que atendidas as seguintes condições: (i) tenha ocorrido o esgotamento de recursos privados, ou seja, os acionistas e os detentores de créditos subordinados tenham perdido seu capital, por meio da absorção dos prejuízos da instituição, e os recursos do fundo de resolução, quando existirem, tenham sido exauridos; (ii) a quebra da instituição implique risco de crise sistêmica ou de grave ameaça à solidez, à estabilidade ou ao regular funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro ou do Sistema Nacional de Seguros, Capitalização, Resseguros e Previdência Complementar; e (iii) a Autoridade de Resolução certifique que as medidas do Plano de Recuperação são insuficientes para o reestabelecimento da normalidade da instituição.
37. Importante ressaltar que, em princípio, os empréstimos previstos na medida legislativa não serão feitos diretamente à instituição em crise, e sim ao Fundo de Resolução. Isso é relevante porque o Fundo de Resolução possuirá mecanismos para cobrar os valores de todas as instituições participantes, ou seja, todo o conjunto de associados fica responsável pelo pagamento do empréstimo à União. Dessa forma, independentemente de a instituição em crise se recuperar ou não, o Tesouro será reembolsado pelos valores que eventualmente vier a despender.
38. Não sendo as medidas acima mencionadas suficientes para estancar a crise, e ultrapassado o limite máximo de tomada de empréstimo estabelecido no regulamento do fundo de resolução, poderá o CMN autorizar o empréstimo ou a capitalização temporária da União diretamente na instituição sob Regime de Estabilização. A operação será feita em condições financeiras e contratuais de reembolso definidas pelo CMN, podendo ser realizado na forma de subscrição de ações ordinárias ou preferenciais, estas últimas com prioridade no reembolso do capital e no recebimento de dividendos. O objetivo é assegurar que a União seja sempre a última a entrar com recursos e, se tiver realizado empréstimo ou capitalização, seja a primeira a ser ressarcida.
39. Portanto, mesmo nos casos em que o montante necessário para debelar a crise inviabilize o empréstimo ao Fundo de Resolução (posto que um endividamento excessivo desse fundo poderia trazer instabilidade às suas associadas), a medida normativa proposta traz mecanismos para assegurar que os cofres públicos terão preferência no reembolso do que vier a ser aplicado na solução da crise.
40. Embora indesejável e mantida como última alternativa, a possibilidade da intervenção financeira do Estado para debelar crises de grandes proporções é imprescindível para assegurar a solidez da economia nacional, além de ser prevista expressamente nos Atributos-Chave. Não dispor dessa ferramenta aumenta a percepção de vulnerabilidade do país para o enfrentamento de crises por parte dos agentes econômicos.
41. O Regime de Estabilização será encerrado pela normalização da situação da instituição, inclusive por meio de reorganização societária ou de transferência de controle, ou pela decretação de Regime de Liquidação Compulsória. Se no curso do Regime de Estabilização houver a transferência de bens, de direitos, de obrigações, de contratos e de outros compromissos, sem a sucessão de responsabilidades, a instituição cedente será submetida ao Regime de Liquidação Compulsória, ficando os seus credores submetidos ao regime concursal (art. 50).
42. O Capítulo IV do projeto de lei complementar trata do Regime de Liquidação Compulsória – um aperfeiçoamento da liquidação extrajudicial, atualmente regulada pela Lei nº 6.024, de 1974 –, que terá a finalidade de preservar a estabilidade financeira por meio da retirada da instituição do mercado sob o acompanhamento do órgão regulador, buscando-se mitigar riscos de contágio e dificuldades para o regular funcionamento do sistema. Superada essa etapa, o processo deve ser encerrado celeremente, seja por meio do ajuizamento da falência, uma vez que o judiciário está melhor preparado para lidar com o processo concursal dos credores do que as autoridades administrativas, seja por meio de outros instrumentos previstos no projeto, voltados para a busca de solução mais célere para o regime.
43. A seção I estabelece as atribuições, os poderes e as responsabilidades do Liquidante, nomeado pela Autoridade de Resolução, que poderá ser pessoa natural ou jurídica. A seção II estabelece os efeitos da decretação do regime de Liquidação Compulsória, determinando a interrupção dos negócios da instituição, a suspensão do pagamento das obrigações, a apuração dos créditos e o estabelecimento do quadro geral de credores. Os administradores da instituição perdem seus mandatos e os acionistas têm seu direitos suspensos, cabendo ao Liquidante o exercício do direito de voto e a gestão da instituição.
44. As demais seções do Capítulo IV disciplinam a condução do regime de Liquidação Compulsória com instrumentos para conferir maior segurança jurídica e eficiência no processo, destacando-se a possibilidade de criação de conselho de credores; a habilitação da parcela incontroversa do crédito, quando houver discussão judicial; a definição de regras para alienação de ativos; e a possibilidade de os credores utilizarem seus créditos na aquisição de ativos.
45. Regras específicas são introduzidas para a Liquidação Compulsória em cooperativas de crédito, em administradoras de consórcios e em administradoras de fundo de investimentos, dadas as características específicas dessas situações.
46. A proposta também aperfeiçoa as hipóteses de encerramento da Liquidação Compulsória, com o objetivo de permitir o encerramento do regime de forma célere, ainda que não seja possível a satisfação integral dos credores.
47. No Capítulo V são previstos dispositivos específicos para os regimes de resolução das entidades operadoras de infraestruturas de mercado financeiro, levando-se em conta a especialidade desses serviços e os seus impactos sistêmicos.
48. O Capítulo VI contempla os dispositivos especiais aplicáveis às sociedades seguradoras, de capitalização, resseguradoras e entidades abertas de previdência complementar, cujas características particulares demandam tratamento especializado em seus regimes de resolução.
49. O projeto de lei dispõe também sobre a responsabilidade civil de ex-administradores e controladores de instituições submetidas a regimes de resolução, apurada em inquérito administrativo e remetido ao Ministério Público para a promoção da ação de responsabilidade (Capítulo VII). As pessoas naturais ou jurídicas que tenham mantido vínculo de controle direto ou indireto com a instituição submetida a Regime de Liquidação Compulsória, e seus ex-diretores, ficarão com todos os bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até a completa apuração e liquidação das suas responsabilidades.
50. Tendo em conta o princípio da eficiência e a celeridade na condução do regime, o Capítulo VIII estabelece o rito para a decretação da falência da instituição, sempre iniciado a partir da determinação da Autoridade de Resolução. Esses dispositivos específicos visam a conferir maior segurança jurídica aos processos falimentares originados de regimes de liquidação compulsória, evitando-se o prolongamento da liquidação compulsória causado por incidentes processuais que atrasam a decretação da falência e impõem custos, por vezes consideráveis, aos credores da instituição e às próprias Autoridades de Resolução. O propósito é que a falência seja decretada tão logo o pedido, devidamente instruído, seja ajuizado.
51. O Capítulo IX trata do reconhecimento e da execução de medidas de resolução adotadas em outras jurisdições. Esse dispositivo alinha-se ao sétimo Atributo-Chave, que trata do amparo legal para a cooperação entre as Autoridades de Resolução nos casos de instituições cujas atividades possuem impacto internacional. Nesse sentido, é preciso dotar as Autoridades de Resolução nacionais de poderes e instrumentos que permitam o reconhecimento e a execução de medida de resolução adotada em instituição domiciliada no exterior quando esta possuir, no Brasil, direta ou indiretamente, ativos, direitos ou obrigações, ou mantiver vínculo de interesse com instituição nacional. A decisão levará em conta o interesse nacional e a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro e do Sistema Nacional de Seguros, Capitalização, Resseguros e Previdência Complementar.
52. A Autoridade de Resolução poderá não reconhecer ou não executar medidas adotadas em outra jurisdição quando entender que o procedimento possa colocar em risco a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro e do Sistema Nacional de Seguros, Capitalização, Resseguros e Previdência Complementar; resultar em tratamento não equitativo aos credores nacionais em relação aos de outra jurisdição; gerar impacto fiscal negativo relevante; ou contrariar o ordenamento jurídico nacional. A Autoridade de Resolução poderá ainda adotar outra medida que considere mais apropriada para atender o interesse nacional e a estabilidade financeira.
53. Em consonância com o quinto Atributo-Chave, que trata das salvaguardas para credores e para as Autoridades de Resolução, é proposto nas disposições finais da norma que as decisões judiciais que afetem atos praticados, autorizados ou determinados pela Autoridade de Resolução deverão limitar-se ao exame da legalidade da providência adotada, e que os recursos contra tais decisões terão sempre o efeito suspensivo, de forma a dar maior segurança jurídica às medidas tomadas durante uma crise.
54. Nos casos em que for possível determinar que o valor recebido por credor de instituição submetida a Regime de Estabilização que tiver seus créditos convertidos em capital (recapitalização interna) é inferior ao valor que ele receberia caso tivesse sido decretada a Liquidação Compulsória da instituição, caberá à Autoridade de Resolução, mediante solicitação administrativa, indenizar o credor pela diferença, conforme prescrevem os Atributos-Chave.
55. A lógica por trás dessa medida é que, nos casos em que o Estado entender que a decretação do Regime de Estabilização (e a consequente recapitalização interna) seja melhor para a preservação da economia real e do interesse público do que a decretação da Liquidação Compulsória, a Autoridade de Resolução poderá optar pelo primeiro regime. Entretanto, se essa preservação do interesse público deixar comprovadamente os credores em situação pior do que estariam na Liquidação Compulsória, caberá ao Estado indenizá-los, resguardando assim o direito à propriedade consagrado na Constituição Federal.
56. Em conformidade com o segundo Atributo-Chave, que determina que a Autoridade de Resolução e seus servidores não devem ser responsabilizados por ações tomadas de boa fé no exercício de seus deveres como encarregados de adotar os poderes de resolução, este projeto propõe assegurar a não responsabilização pessoal por atos praticados no exercício regular das atribuições do agente, salvo nos casos de dolo ou de fraude. Essa proteção é garantida aos agentes públicos das Autoridades de Resolução, ao Administrador do Regime de Estabilização e ao Liquidante; aos administradores das instituições de transição; e aos administradores das pessoas jurídicas administradoras de Fundos de Resolução ou de Fundos Garantidores de Créditos.
57. O projeto de Lei Complementar estabelece ainda que o nela disposto aplica-se, no que couber, à liquidação extrajudicial das entidades fechadas de previdência complementar de que trata a Lei Complementar nº 109, de 2001, cabendo ao órgão fiscalizador as funções atribuídas à Autoridade de Resolução.
58. Ao final, para adequação ao arcabouço legal ora proposto, faz-se necessária a alteração de dispositivos das seguintes leis: arts. 10 e 12 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de1964; arts. 174, 186 e 187 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; art. 94 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; art. 4º do Decreto-Lei nº 261, de 28 de fevereiro de 1967; art. 29 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980; art. 12 e § 1º do art. 25 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986; art. 56-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; art. 24-D da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998; art. 7º da Lei nº 10.214, de 27 de março de 2001; arts. 44, 47, 48, 53 e 62 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001; §1º do art. 30 da Medida Provisória nº 2192-70, de 24 de agosto de 2001; art. 45 da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004; art. 40 da Lei nº 11.795, de 8 de outubro de 2008; art. 1º-A da Lei nº 11.882, de 23 de dezembro de 2008; arts. 11, 12, 13 e 15 da Lei nº 12.838, de 9 de julho de 2013. Além disso, propõe-se a inclusão dos seguintes dispositivos em diplomas legais já existentes: art. 448-A do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; art. 60-A da Lei nº 9.430, de 1996; e art. 46-A da Lei nº 11.795, de 2008; arts. 12-A, 12-B e 12-C da Lei nº 12.865, de 2013. Na lista de revogações constam o art. 45 da Lei nº 4.595, de 1964, o inciso XVI do art. 36 e os arts. 68 a 89 do Decreto nº 60.459, de 13 de março de 1967, a Lei nº 6.024, de 1974, os arts. 26, 86, e 96 a 105 do Decreto-Lei nº 73, de 1966, o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 7.492, de 1986, os arts. 1º a 15 e 19 do Decreto-Lei nº 2.321, de 1987, o art. 9º da Lei nº 8.177, de 1991, o art. 11, § 3º, da Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, o art. 66 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, os arts. 1º a 8º da Lei nº 9.447, de 1997, os arts. 7º, VII, e 39 da Lei nº 11.795, de 2008, e o art. 13 da Lei nº 12.865, de 2013.
Respeitosamente,
Bruno Serra Fernandes
Presidente do Banco Central do BrasilPaulo Roberto Nunes Guedes
Ministro de Estado da Economia