Presidência
da República |
EM no 00109
MJ
Brasília, 16 de abril de 2002
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submeto à apreciação de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que Introduz, no Código Penal, Título relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito e revoga e Lei de Segurança Nacional.
2. A proposta, fruto dos trabalhos da Comissão de Alto Nível coordenada pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, e com participação do Dr. Luiz Roberto Barroso, Dr. Luiz Alberto Araújo e Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, constituída pela Portaria no 413, de 30 de maio de 2000, com o intuito de efetuar estudos sobre a legislação de Segurança Nacional e sugerir princípios gerais para nortear a elaboração de Projeto de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.
3. Para melhor elucidar as razões pelas quais ofereço ao elevado descortino de Vossa Excelência a presente propositura, optei por reproduzir parte do Relatório circunstanciado da referida Comissão que procurou interpretar o sentimento da sociedade civil brasileira, ciosa da importância da liberdade duramente conquistada e da necessidade do respeito ao pluralismo político e às instituições democráticas.
4. No que concerne à primeira parte dos trabalhos exarar parecer sobre a vigência da Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983 (Lei de Segurança Nacional) fez a Comissão um relato acerca da doutrina de segurança nacional e o regime constitucional anterior, bem como um histórico sobre a evolução, no Brasil, da legislação a respeito do tema até a promulgação da Constituição de 1988.
5.
A segunda solicitação feita à Comissão era sugerir princípios norteadores de
um Projeto de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O texto ora submetido à
consideração de Vossa Excelência colheu valiosos subsídios em trabalhos análogos
anteriores para que o projeto fosse esboçado. Dentre eles, merecem destaque: (i) o
anteprojeto de Lei de Defesa do Estado Democrático, elaborado em 1985, pela Comissão
presidida pelo Ministro Evandro Lins e Silva e integrada pelos Professores René Ariel
Dotti, Nilo Batista e Antônio Evaristo de Moraes; e (ii) o anteprojeto da Comissão
Revisora para elaboração do Código Penal (Portaria no 232, de 24.03.98). Foram levados em
conta, igualmente, projetos em tramitação no Congresso Nacional e sugestões
encaminhadas pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
6.
O projeto, ora apresentado, visa a tutelar valores e princípios fundamentais
do Estado brasileiro, dentre os quais a soberania nacional, o regime democrático, os
direitos de cidadania e o pluralismo político. Com tal propósito, acrescentou-se ao
Código Penal um Título XII, denominado Dos crimes contra o Estado Democrático de
Direito. Abandona-se, assim, em definitivo, a referência a segurança nacional, empregando-se a terminologia consagrada pelo próprio
texto constitucional. O título introduzido, conforme descrito no relatório da Comissão,
ficou dividido em cinco capítulos, a saber:
Capítulo I: Dos crimes contra a soberania nacional;
Capítulo II: Dos crimes contra as instituições democráticas;
Capítulo III: Dos crimes contra o funcionamento das Instituições Democráticas e dos Serviços Essenciais;
Capítulo IV: Dos crimes contra a autoridade estrangeira ou internacional;
Capítulo V: Dos crimes contra a cidadania.
7.
Tem por conteúdo o Projeto em seu capítulo I Dos crimes contra a
soberania nacional impor deveres de
lealdade ao Estado brasileiro. Nele estão previstos tipos penais já conhecidos e
definidos em quase todas as legislações, que incluem: atentado à soberania, traição,
violação do território, atentado à integridade nacional e espionagem. Foi
expressamente contemplada a violação do território nacional com o fim de explorar
riquezas naturais e, no tocante à tentativa de desmembramento do território nacional,
somente foi punida a hipótese de movimento armado. Embora a Constituição consagre a
indissolubilidade da Federação, não se criminalizou a mera expressão de idéias ou
sentimentos separatistas.
8. No capítulo II Dos crimes contra as instituições democráticas é abrigado alguns tipos igualmente tradicionais, como insurreição, conspiração e incitamento à guerra civil. Manteve-se a previsão do crime específico de atentado à autoridade, quando a vítima seja o Presidente ou o Vice-Presidente da República ou os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Instituiu-se o crime de golpe de Estado, imputável a servidor público civil ou militar que tentar depor o governo constituído ou impedir o funcionamento das instituições constitucionais. Empregou-se a locução funcionário público, em lugar de servidor público, que seria tecnicamente mais precisa (Constituição Federal, Título III, Seção II: Dos Servidores Públicos), para não quebrar a unidade da terminologia adotada pelo Código Penal, ainda recentemente reiterada pelo legislador infraconstitucional, com a Lei no 9.983, de 14.07.2000, que deu nova redação ao § 1o do seu art. 327 e manteve a referência a funcionário público.
9.
Dentro do capítulo III Dos crimes contra o funcionamento das
instituições democráticas e dos serviços essenciais estão contidas a previsão dos crimes de
terrorismo e ação de grupos armados, ambos expressamente referidos no texto
constitucional (art. 5o,
XLIII e XLIV), bem como o de apoderamento ilícito de meios de transporte. Note-se que o
projeto exige como motivação para este crime o facciocismo político ou religioso, ou a
coação a autoridade. Pune-se, igualmente, a sabotagem, devendo-se notar que tanto aqui,
como na hipótese de terrorismo, contemplou-se a possibilidade de utilização indevida de
recursos de informática para obtenção dos resultados previstos nestes crimes.
Institui-se, também, em substituição à previsão genérica da legislação em vigor,
relativa à tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União ou dos Estados,
o crime de coação contra autoridade legítima, consistente em constranger, mediante
violência ou grave ameaça, por motivo de facciosismo político, autoridade legítima a
não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda, no exercício das suas
atribuições.
10.
O capítulo IV Dos crimes contra autoridade estrangeira ou internacional
tutela a integridade física de
representante de Estado estrangeiro no país, ou dirigente de organização internacional,
que se encontrem no território nacional. A Comissão optou por não incluir no projeto
outros crimes com repercussão sobre as relações internacionais, considerados crimes
contra a humanidade como genocídio e tortura , por já terem sido
disciplinados em outros documentos legislativos em vigor.
11.
E, por fim, o capítulo V Dos crimes contra a cidadania constitui importante inovação. Nele se procura
coibir o abuso de poder por parte do Estado e o abuso de direito por parte de
particulares. Prevê-se, assim, o crime de atentado a direito de manifestação, que
consiste em impedir ou tentar impedir, mediante violência ou grave ameaça, sem justa
causa, o livre e pacífico exercício do direito de manifestação. Pode ser sujeito ativo
do crime tanto o particular como o servidor público. O projeto também pune a
associação discriminatória e a discriminação racial ou atentatória a direitos
fundamentais, com o fim de desestimular o preconceito e a intolerância.
Estas, Senhor Presidente, as normas que integram a presente proposta, e que, se aceitas,
hão de constituir importante passo para a tutela de valores elevados do Estado e da
sociedade, a serem respeitados a todo tempo, por oposição e governo, independentemente
de quem esteja em uma ou outra posição, um documento que quando convertido em lei irá
celebrar a maturidade institucional brasileira.
Respeitosamente,
MIGUEL
REALE JÚNIOR