SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00109 - MJ

Brasília, 18 de julho de 2007

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

            Tenho a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Projeto de Lei que institui a Lei Geral da Polícia Civil e dá outras providências.

2.          O Projeto se pauta pelo respeito ao princípio federativo e aos conseqüentes limites ao poder de legislar estabelecidos pelo art. 24 da Constituição Federal, dispondo sobre princípios e normas gerais de organização e estrutura da Polícia Civil dos Estados, Distrito Federal e Territórios.

3.          O texto ora apresentado tomou por base o trabalho intitulado “Modernização da Polícia Civil Brasileira - Aspectos Conceituais, Perspectivas e Desafios” e guiou-se, especialmente, por valores de ordem política, técnica e acadêmica e, na necessidade de construção de um modelo eficaz de polícia investigativa no âmbito das polícias civis.

4.          O projeto introduz modernos conceitos de gestão recomendados para o setor e aponta para a superação do paradigma reducionista que resulta de uma prática estritamente jurídico-processualista da ação investigativa.

5.         Indica, também, a necessidade de se construir uma polícia racionalmente estruturada para uma intervenção ponderada nos cenários penalmente relevantes, valendo-se permanentemente da idéia da unidade técnico-científica da atividade típica das Polícias Civis. Também assevera que esta ação deve ser praticada por policiais capacitados pelo conhecimento universal e segmentado das ciências humanas, sociais e naturais, dentro de uma política permanente de qualificação, capaz de assegurar a consistência moral e procedimental de cada servidor.

6.          O Projeto de Lei apresenta os seguintes aspectos conceituais:

a) insere a atividade investigativa no contexto dos princípios da cidadania, demonstrando que a investigação tem caráter de intervenção pacificadora e não meramente identificada com a ideologia da “caça a bandidos”;

b) aponta para esta intervenção com uma visão fundada no conceito de polícia comunitária onde o policial de investigação, capacitado para compreender criticamente o fenômeno criminal e intervir sobre ele com uma motivação descritiva, volta-se não só para o processo penal, mas atua no traçado de cenários preventivos e propositivos, articulando-se com outras esferas de governo e da sociedade;

c) fomenta a eqüalização dos papéis das carreiras de investigação para um regime de produção sistêmica, onde a hierarquia e a disciplina são valores de integração e consistência de uma equipe interdisciplinar, dentro da qual é respeitada a autonomia de seus integrantes. Insta a superação da tradição de multiplicidade de denominações de carreiras, buscando vencer, assim, algumas grotescas desarticulações, a ausência de identidade nacional e a cultura positivista da instituição de cargos de perfil meramente funcionalista, sem força sistêmica e gerencial dentro da produção culta da investigação policial; e

d) define marcos que resgatam a investigação das armadilhas de uma visão estritamente repressiva, indicando a plena viabilidade de se fazer do procedimento investigativo uma fonte qualificada de informações de natureza criminológica que não se prenda, exclusivamente, às exigências do processo penal em sentido estrito.

7.         Importante mencionar que a ausência de uma teoria geral da ação policial investigativa, habilitada a referenciar a produção contínua de saberes para os problemas e dilemas desta atividade profissional, marcou a história das Polícias Civis brasileiras. Partindo dessa percepção propõe-se a concepção tripartite de cargos, levando em conta uma racionalização bem elementar:

a) um destinado ao controle jurídico e condução epistemológica das ações investigativas -Delegados de Polícia;

b) um destinado à atividade finalística de abordar, laboratorialmente, as evidências materiais do comportamento criminal - Peritos de Polícia; e

c) um destinado à atividade finalística de apurar aspectos subjetivos por incursões nos cenários de operação, composição documental, formalização de atos oficiais e execução dos serviços de apoio operativo, como ações de força, manejo de instrumentos, tecnologias, interação sistêmica, dentre muitas possibilidades - Agente de Polícia.

8.         Frisa-se que, ao estabelecer normas gerais sobre a perícia, situando-a no âmbito da Polícia Civil o Projeto, em respeito ao pacto federativo e à autonomia dos Estados, deixa claro que competirá aos Governadores decidir se a atividade pericial integrará, ou não, a estrutura policial dos seus respectivos Estados.

9.         Outro aspecto refere-se à existência de cargos administrativos. O texto fomenta que sejam profissionais das próprias organizações policiais. A concepção apresenta um profissional alinhado aos objetivos institucionais e voltado para as funções de natureza estritamente administrativa, como apoio direto às equipes de investigação.

10.       Como definido na Constituição Federal, à Polícia Civil atribui-se a competência para executar a política de apuração das infrações penais e de polícia judiciária, desempenhando a primeira fase da repressão estatal, de caráter preliminar à persecução processual penal, oferecendo suporte às ações de força ordenadas pela autoridade judiciária. Tal empreendimento exige posturas altamente profissionalizadas por técnicas de gestão e ação operativa, em conformidade com a legislação nacional e os tratados internacionais, particularmente, no que se refere ao respeito pelos direitos fundamentais do homem, segundo fartamente gravado no ordenamento jurídico pátrio.

11.        As Polícias Civis brasileiras se incumbem, portanto, da obrigação de responder aos desafios com uma proposta de política que lhes renove os métodos, capacidades dos recursos organizacionais e humanos disponíveis, aliando-se à modernidade para uma inserção eficaz no âmbito do sistema de justiça criminal.

12.        A questão da violência e da criminalidade se põe como das mais evidentes na agenda das discussões nacionais. Hoje, o Governo Federal e os Governos Estaduais se empenham na implementação do Plano Nacional de Segurança Pública, atendendo a uma expressiva inquietação de toda sociedade brasileira, que vem exigindo a concepção e a execução efetiva de uma política sustentável para o sistema policial que se comprometa com a prevenção, a redução e o controle da criminalidade, alinhado aos denominados “Sistema Único de Segurança Pública - SUSP” e “Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI”.

13.       Conquanto a diretriz para a Polícia Civil não se caracterize essencialmente pela prevenção de caráter ostensivo, como ocorre com a Polícia Militar, ela também compreende o sentido finalístico de prevenir o delito, seja por dissuasão gerada pela eficiência e eficácia do método repressivo, seja pelo papel proativo de interlocução com a sociedade civil, caso em que a polícia desempenha uma função pedagógica fomentadora das posturas concorrentes do cidadão na produção da segurança pública. Neste último sentido, a polícia atua como promotora da cidadania, comunicando técnicas, recomendando procedimentos e atitudes que resultem em efetiva prevenção ao crime, perfazendo a vocação da chamada polícia comunitária.

14.       A correlação direta entre o servidor público que realiza a investigação e o ambiente do conflito criminalmente relevante exige uma postura de Estado em que a organização policial contribua na problematização crítica que dá fundamento à criação do direito, livrando-o de concepções explícitas ou ideologicamente sectárias. Nessa linha, os conhecimentos consolidados cientificamente no conjunto das investigações criminais, há de resultar em ganhos qualitativos expressivos no processo de tomada de decisões governamentais.

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5.       Os esforços pela busca de matrizes técnico-científicas para a ação de investigação policial, capazes de aproveitamento em todos os Estados, devem partir da aceitação de uma realidade: as polícias civis são diferentes entre si em termos de cultura organizacional e lógica de seus mecanismos operacionais, fato originado em razões históricas e ambientais na esfera de cada um dos entes federados. As polícias civis se diferenciam quanto às suas estruturas orgânicas, concepção, atribuições, cargos dentro da carreira e no que toca a base conceptual dos seus procedimentos profissionais.

16.       Por tal razão, e, considerando que a função de polícia investigativa é de altíssimo grau de complexidade, é natural admitir-se que um processo de modernização deva enfrentar muitos desafios de reordenação estrutural e de métodos procedimentais, de acolhimento de um conjunto de normas gerais e de redefinição de doutrinas, estabelecendo um alinhamento nacional.

17.        As diretrizes seguintes sustentam o arcabouço conceptual da pretendida modernização, definindo o seu respectivo horizonte. São elas:

a) indivisibilidade da investigação: a investigação policial é indivisível por resultar dos esforços conjugados de conhecimentos criminológicos e criminalísticos, tecnicamente estruturados pelo método científico e juridicamente ordenados pelas disposições legais;

b) multidisciplinaridade da ação investigativa: a investigação policial se faz em equipe multidisciplinar formada por ocupantes de três tipos de cargos, com atribuições próprias e especializadas na apuração dos aspectos subjetivos e objetivos das ocorrências criminais, sob a direção jurídica e articulação técnico-científica do Delegado de Polícia;

c) relevância social e comunitária da investigação: além da relevância jurídica, a investigação policial tem fundamental importância social e comunitária, porque constitui elo na corrente de solução de conflitos;

d) dimensões complementares da investigação, territorial e especializada: a ação investigativa ocorre em duas dimensões complementares, a territorial e a especializada, a que o direito define como competência em razão do local e competência em razão da matéria;

e) o caráter preferencial da dimensão territorial: A dimensão territorial é básica e predominante porque representa a presença efetiva da instituição no seio da comunidade onde se dá o drama do crime; e

f) o caráter subsidiário da dimensão especializada: A dimensão especializada, isto é, por tipologia criminal, deve ser expressa por uma política operativa, com lastro em plataforma doutrinária e técnico-científica que se exerça não apenas em uma unidade especializada, mas também nas bases territoriais.

18.        O ordenamento básico da Polícia Civil é estimulado pela correta articulação entre o plano estratégico e o plano tático de uma organização policial, como condição necessária para a construção de um processo de produção otimizada de seus serviços. As premissas acima construídas só ganham sentido prático se habilitadas por um mecanismo que viabilize, competentemente, o fluxo de ações dos operadores - policiais de investigação - e unidades de produção - delegacias. As políticas fundamentais são cinco, assim definidas: ensino e pesquisa; correição; inteligência policial; administração tático-operativa; e, administração logística.

19.        Em linha de conclusão, pode-se afirmar que:

a) existe um mito de que as diferenças regionais impossibilitam a adoção de uma matriz organizacional básica em nível nacional. Todavia, o levantamento histórico e o diagnóstico das polícias civis apontam para problemas e propostas de solução que guardam muita semelhança de gênese e que recomendam o seu enfrentamento de forma efetiva e homogênea, inclusive contribuindo para o aperfeiçoamento do sistema jurídico criminal brasileiro; e

b) tradicionalmente, a Polícia Civil é vista como um órgão que atua no esclarecimento do fato delitivo, ou seja, invariavelmente após a ocorrência do crime. Essa visão não corresponde à total abrangência de sua atuação. A riqueza do método investigativa, aliada à inteligência policial e à tecnologia, amplia, sobremaneira, a profundidade de suas atribuições. Modernamente, a compreensão do comportamento desviante, dos fatores criminógenos e da dinâmica do crime requisitam à organização uma importante gama de intervenções de caráter preventivo - o que equivale a dizer o seguinte: as Polícias Civis têm que saltar do paradigma meramente reativo para um modo de ação proativo. A Polícia Civil do século XXI têm esse compromisso - assumir seu papel no sistema de justiça criminal, numa maior dimensão, cuja missão é a redução e o estabelecimento de estratégias de controle da criminalidade.

20.        São essas, Senhor Presidente, as razões pelas quais se submete à elevada apreciação de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei.

Respeitosamente,
 

 

Tarso Fernando Herz Genro
Ministro de Estado da Justiça