SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES |
EM nº 00034 - MJ
Brasília, 18 de março de 2004
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submeto à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que
“altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo
Civil”, relativamente ao cumprimento da sentença que condena ao pagamento de
quantia certa.
2.
Trata-se
de proposta originária do Anteprojeto de Lei elaborado pelo Instituto
Brasileiro de Direito Processual, com objetivo de alterar dispositivos do Código
de Processo Civil, atinente ao cumprimento da sentença que condena ao pagamento
de quantia certa, para possibilitar que a execução da sentença ocorra na
mesma relação processual cognitiva.
3.
Como
fundamento de iniciativa, transcrevo a Exposição de Motivos que acompanhou o
Anteprojeto de Lei elaborado pelo Instituo de Direito Processual, da qual são
signatários o Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro,
Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, o Sr.
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, o Sr. Petrônio Calmon Filho, e a Sra.
Ministra Fátima Nancy Andrighi, a qual denota a necessidade da adoção das
normas projetadas:
1. “Na Exposição de
Motivos do vigente Código de Processo Civil, o eminente professor ALFREDO
BUZAID expôs os motivos pelos quais, na trilha de modelos europeus, propugnava
pela unificação das execuções da sentença condenatória e dos títulos
extrajudiciais, ficando destarte suprimidos a antiga 'ação executiva' do
diploma processual de 1939 (com base em título extrajudicial) e o executivo
fiscal “como ações autônomas” (o executivo fiscal, diga-se, retornou à
sua 'autonomia' com a Lei no 6.830, de 22.09.1980).
Como magnífica obra de
arquitetura jurídica, o Código de 1973 pouco terá deixado a desejar. A prestação
jurisdicional, no entanto, tornou-se sempre mais célebre e eficiente. BARBOSA
MOREIRA, escrevendo sobre as atuais tendências do direito processual civil, a
esse respeito referiu que “O trabalho empreendido por espíritos agudíssimos
levou a requintes de refinamento a técnica do direito processual e executou
sobre fundações sólidas projetos arquitetônicos de impressionante majestade.
Nem sempre conjurou, todavia, o risco inerente a todo labor do gênero, o
deixar-se aprisionar na teia das abstrações e perder o contato com a realidade
cotidiana ........... (......) .......... Sente-se, porém, a necessidade de
aplicar com maior eficácia à modelagem do real as ferramentas pacientemente
temperadas e polidas pelo engenho dos estudiosos” ('RePro'm 31/199).
2. As várias reformas
setoriais efetivadas no CPC sob iniciativa da Escola
Nacional da Magistratura e do Instituto
Brasileiro de Direito Processual, já lograram, em termos gerais, bons
resultados. Basta, por exemplo, considerar o progresso, não só pragmático mas
também em nível teórico, trazido pelo instituto da antecipação dos efeitos
da tutela ('novo' apenas em termos de sua generalização), pela célere sistemática
do agravo de instrumento (que inclusive muitíssimo reduziu o uso anômalo e atécnico
do mandado de segurança), pela maior eficiência dada à ação de consignação
em pagamento, pela introdução da ação monitória, pela ampliação do elenco
dos títulos executivos extrajudiciais, pela eficácia potencializada das sentenças
voltadas ao cumprimento das obrigações de fazer e também das obrigações de
entregar coisa, e assim por diante.
Além disso, três novos
projetos de lei, após anos de debates e de análise de sugestões, vieram a ser
aprovados e sancionados, com algumas alterações e vetos, dando origem à Lei no
10.352, de 26.12.2001, à Lei no 10.358, de 27.12.2001 e à
Lei no 10.444, de 07.05.2002. Entre os pontos mais relevantes,
foram limitados os casos de reexame necessário, permitida a fungibilidade entre
as providências antecipatórias e as medidas cautelares incidentais, reforçada
a execução provisória com a permissão de alienação de bens sob caução
adequada, atribuída força executiva lato senso à sentença condenatória
à entrega de bens, permitido que o relator proceda à conversão do agravo de
instrumento em agravo retido, limitados os casos de cabimento do recurso de
embargos infringentes, melhor disciplinada a audiência preliminar, instituída
multa ao responsável (pessoa física) pelo descumprimento de decisões
judiciais etc.
3. É tempo, já agora, de
passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos
executivos. A execução permanece o 'calcanhar de Aquiles' do processo.
Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os
preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.
Com efeito: após o longo
contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados todos os percalços,
vencidos os sucessivos recursos, sofridos os prejuízos decorrentes da demora
(quando menos o 'damno marginale in senso stretto' de que nos fala Ítalo
Andolina), o demandante logra obter alfim a prestação jurisdicional
definitiva, com o trânsito em julgado da condenação da parte adversa. Recebe
então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o 'bem da vida' a
que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é título executivo,
mas não se reveste de preponderante eficácia executiva. Se o vencido não se
dispõe a cumprir a sentença, haverá iniciar o processo de execução, efetuar
nova citação, sujeitar-se à contrariedade do executado mediante 'embargos',
com sentença e a possibilidade de
novos e sucessivos recursos.
Tudo superado, só então o
credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos, com a expropriação
do bem penhorado, o que não raro propicia mais incidentes e agravos.
Ponderando,
inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice
de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas
decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõe-se buscar
maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não
as há), ainda que devamos, em certas matérias (e por que não?), retomar por
vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimentos do agravo, em sua
atual técnica, versão atualizada das antigas 'cartas diretas' ...), ainda que
expungidos rituais e formalismos já anacrônicos.
4. Lembremos que Alcalá-Zamora
combate o tecnicismo da dualidade, artificialmente criada no direito processual,
entre processo de conhecimento e processo de execução. Sustenta ser mais exato
falar apenas de fase processual de conhecimento e de fase processual de execução,
que de processo de uma e outra classe. Isso porque "a unidade da relação
jurídica e da função processual se estende ao longo de todo o procedimento,
em vez de romper-se em dado momento" (Proceso, autocomposicióny
autodefensa, UNAM, 2a ed., 1970, n. 81, p. 149).
Lopes da Costa afirmava que
a intervenção do juiz era não só para restabelecer o império da lei, mas
para satisfazer o direito subjetivo material. E concluía: "o que o
autor mediante o processo pretende é que seja declarado titular de um direito
subjetivo e, sendo o caso, que esse direito se realize pela execução forçada"
(Direito Processual Civil Brasileiro, 2a ed., v.I,n. 72).
As teorias são importantes,
mas não podem se transformar em embaraço a que
se atenda às exigência naturais dos objetivos visados pelo processo, só
por apego ao tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição
ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade
por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades
cognitivas e executivas.
Conhecimento e declaração sem execução - proclamou COUTURE, é
academia e não processo (apud Humberto
Thedoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido
processo legal, Ed. Aide, 1987, p.74).
A dicotomia atualmente
existente, adverte a doutrina, importa na paralisação da prestação
jurisdicional logo após a sentença e na complicada instauração de um novo
procedimento, para que o vencedor possa finalmente tentar impor ao vencido o
comando soberano contido no decisório judicial. Há, destarte, um longo
intervalo entre a definição do direito subjetivo lesado e sua necessária
restauração, isso por pura imposição do sistema procedimental, sem nenhuma
justificativa, quer que de ordem lógica, quer teórica, quer de ordem prática
(ob. cit., p. 149 e passim).
5. O presente Anteprojeto
foi amplamente debatido em reunião de processualistas realizada nesta Capital,
no segundo semestre de 2002, e buscou inspiração em muitas críticas
construtivas formuladas em sede doutrinária e também nas experiências
reveladas em sede jurisprudencial.
As posições fundamentais
defendidas são as seguintes:
a)
....................................................................................................................................................
b) a
´efetivação` forçada da sentença
condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após
um ´tempus iudicati´, sem
necessidade de um ´processo autônomo` de execução (afastam-se princípios teóricos
em homenagem à eficiência e brevidade); processo ´sincrético`, no dizer de
autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as ´cargas
de eficácia` da sentença condenatória, cuja ´executividade` passa a um
primeiro plano; em decorrência, ´sentença` passa a ser o ato “de julgamento
da causa, com ou sem apreciação do mérito”;
c) a
liquidação de sentença é posta em seu devido lugar, como Título do
Livro I, e se caracteriza como ´procedimento` incidental, deixando de ser uma
´ação` incidental; destarte, a decisão que fixa o ´quantum debeatur` passa
a ser impugnável por agravo de instrumento,
não mais por apelação; é permitida, outrossim, a liquidação ´provisória`,
procedida em autos apartados enquanto pendente recurso dotado de efeito
suspensivo;
d) não haverá “embargos
do executado” na etapa de cumprimento da sentença, devendo qualquer objeção
do réu ser veiculada mediante mero incidente de ´impugnação`, à cuja decisão
será oponível agravo de instrumento;
e)
...................................................................................................................................................;
f) a alteração sistemática
impõe a alteração dos artigos 162, 269 e 463, uma vez que a sentença não
mais ´põe fim` ao processo”.
4.
Assim,
Senhor Presidente, submeto ao elevado descortino de V. Excelência o anexo
projeto de lei, acreditando que, se aceito, estará o Brasil adotando uma sistemática
mais célere, menos onerosa e mais eficiente às execuções de sentença que
condena ao pagamento de quantia certa.
Respeitosamente,
MÁRCIO
THOMAZ BASTOS
Ministro de Estado da Justiça