SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM Interministerial nº 7/2006 - MCIDADES/MF

 

Brasília, 21 de julho de 2006.

 Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Projeto de Lei, que tem como objetivos estabelecer as diretrizes da Política de Mobilidade Urbana e aprovar outras providências, com fundamento nos arts. 21, inciso XX, e 182 da Constituição Federal.

Ao instituir os princípios, as diretrizes e os instrumentos da Política Nacional de Mobilidade Urbana a ser executada pelos municípios, o texto legal sugerido visa, igualmente, modernizar o marco regulatório dos serviços de transporte coletivo, defender o interesse dos usuários de tais serviços e prever a correspondente atuação da União, contribuindo para a efetivação de uma política urbana integrada para o desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras.

 

1. Síntese da situação atual

Atualmente, as cidades brasileiras vivenciam graves problemas que demandam políticas públicas articuladas nacionalmente, para evitar o agravamento de tensões sociais e diminuir os riscos de prejuízos à sustentabilidade ambiental e de entraves ao crescimento econômico.

Pesquisas recentes indicaram que as populações de baixa renda, principalmente das metrópoles brasileiras, por falta de condições de deslocamento, enfrentam sérias dificuldades para acesso a escolas, hospitais e demais serviços que as cidades oferecem, bem como a oportunidades de trabalho e lazer.

O transporte coletivo, um serviço público essencial, conforme define a Constituição Federal, não atende adequadamente àquelas populações, seja em razão das altas tarifas, incompatíveis com os rendimentos dos cidadãos, ou pela inadequação da oferta dos serviços, principalmente nas periferias das cidades. Tais situações contribuem para a perpetuação da pobreza urbana, da segregação residencial e da exclusão social.

Paralelo a isso, os congestionamentos, a poluição ambiental e os acidentes de trânsito nas grandes cidades acarretam significativos custos para toda a sociedade. Pesquisas divulgadas em 1998 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, por exemplo, indicaram que em apenas dez capitais se perdeu mais de 240 milhões de horas de trabalho produtivo devido aos congestionamentos de trânsito, o que impacta negativamente na eficiência da economia e na competitividade daquelas cidades. Os engarrafamentos de veículos são também responsáveis pelo consumo excessivo de energia não-renovável e pela emissão de poluentes no ar. Por sua vez, os custos dos acidentes de trânsito foram estimados em mais de R$ 5 bilhões em 2002, apenas nas áreas urbanas.

Além dos problemas da desigualdade do acesso ao transporte coletivo urbano, bem como às oportunidades e serviços municipais, existe também a questão da iniqüidade no uso do espaço destinado à circulação de pessoas e bens. Segundo dados da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), aproximadamente 20% da população das grandes cidades, detentora dos meios motorizados privados de transporte (de automóveis, sobretudo), ocupa quase 80% das vias públicas.

O transporte coletivo, em que se concentra o transporte motorizado da população urbana brasileira, vive um processo de declínio. Entre 1995 e 2003, a demanda pelos ônibus urbanos, responsáveis por mais de 90% do atendimento da demanda total de transporte coletivo no Brasil, caiu cerca de 40% em São Paulo, Rio de janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Goiânia.

O quadro institucional do transporte coletivo é preocupante na maioria dos municípios brasileiros. Quase 100% dos serviços de ônibus urbanos são operados pela iniciativa privada sob contratos precários ou vencidos. Foram poucas as cidades que realizaram concorrências públicas sob a atual legislação de concessão e permissão de serviços públicos, num evidente descumprimento do art. 175 da Constituição Federal. Ressalte-se que os metrôs e trens urbanos, presentes em algumas cidades, são prestados por empresas estatais, federais e estaduais - com exceção do Rio de Janeiro, cuja operação do metrô e trem foi privatizada.

Some-se a isso a fragilidade da gestão pública local e a adoção de mecanismos regulatórios obsoletos que não incentivam a eficiência e o bom desempenho dos serviços - com reflexos negativos na qualidade e no preço das tarifas. De acordo com avaliação da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, em 2005 a tarifa de ônibus urbano foi, dentre o grupo dos preços administrados, um dos itens que mais pressionou a inflação medida pelo IPCA nos últimos 6 anos, atrás apenas da energia elétrica. Essas falhas criaram oportunidades para a entrada e consolidação do transporte informal, por meio de kombis, vans e motocicletas, a partir da segunda metade dos anos 1990.

As condições de financiamento dos transportes urbanos, do mesmo modo, não são nada favoráveis. A operação do transporte coletivo por ônibus é custeada exclusivamente pela receita tarifária, com exceção do município de São Paulo, e a operação dos metrôs e trens é subsidiada pelos estados ou governo federal. Os orçamentos municipais financiam a infra-estrutura viária, cujo uso é compartilhado com os automóveis, motocicletas e veículos de carga.

Porém, devido aos congestionamentos crescentes, a ampliação do sistema viário acaba por drenar a maior parte dos recursos disponíveis, em detrimento do transporte coletivo. Paradoxalmente, a priorização do transporte coletivo nas vias (por meio de faixas, corredores ou pistas exclusivas) para a redução de custos e o aumento da velocidade operacional dos veículos, geralmente, não é adotada.

A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis configura-se como uma fonte para o financiamento das infra-estruturas de transportes. A União repassa aos estados 29% da arrecadação total. Desse montante, 25% são destinados aos municípios para serem aplicados no financiamento da infra-estrutura de transportes. Deste modo, cerca de 7% dos recursos totais da Cide são distribuídos entre os mais de cinco mil municípios brasileiros, contudo sem uma vinculação específica ao transporte coletivo.

Percebe-se, assim, o ciclo vicioso em que se encontra a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. O uso crescente do transporte individual motorizado e a falta de planejamento e controle do uso do solo urbano provocam o espraiamento das cidades com a dispersão das atividades no território e a expulsão das populações de baixa renda para as periferias. Isso aumenta as distâncias percorridas, as necessidades de deslocamentos e, conseqüentemente, os custos da provisão dos serviços de transporte coletivo.

A oferta inadequada de transporte coletivo estimula o uso do transporte individual, que aumenta os níveis de poluição ambiental e dos congestionamentos de trânsito, os quais, por sua vez, drenam mais recursos para a ampliação e construção de vias para o transporte individual motorizado, realimentando o ciclo.

Os custos ambientais e socioeconômicos de tal padrão de crescimento urbano são inaceitáveis para uma sociedade que se pretende justa e sustentável.

Nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas as condições de mobilidade se tornam ainda mais graves, devido aos conflitos institucionais entre municípios e destes com os estados. Prevalece visão fragmentada acerca do sistema de mobilidade, onde cada modo ou serviço de transporte, sob jurisdição de cada governo (municipal, estadual ou federal) é tratado de maneira isolada.

A concorrência e a sobreposição de serviços entre ônibus, trens e metrôs, por exemplo, acabam onerando os usuários e sobrecarregando a infra-estrutura viária. Evidencia-se, dessa maneira, a necessidade da coordenação e articulação da gestão e da prestação de serviços sob a responsabilidade dos diferentes entes num mesmo território, sob diretrizes nacionais.

Mais de 80% da população brasileira vive nas cidades. Em menos de 10% delas concentra-se mais da metade da população e são produzidos mais de 2/3 da riqueza nacional. Na ausência de políticas públicas efetivas nessa área, o desejável crescimento econômico será comprometido pelos maiores níveis de congestionamento, poluição e acidentes, significando maiores custos econômicos, ambientais e sociais. O desafio do crescimento sustentável passa, portanto, por uma política de mobilidade urbana integrada com a de desenvolvimento urbano e socioeconômico.

Desde a segunda metade dos anos 80 inexiste uma política nacional para essa área. Entende-se que tal política é condição necessária para o desenvolvimento nacional, onde cada vez mais a qualidade de vida da população, a sustentabilidade ambiental e a eficiência da economia das cidades encontram-se comprometidas pelos problemas de mobilidade de pessoas e bens.

 

2. Fundamentação da proposta

Os transportes urbanos só puderam se desenvolver no Brasil devido à existência de políticas articuladas em nível nacional, como por exemplo as medidas institucionais e financeiras tomadas pelo governo federal entre os anos 1970 e 1980 que culminaram na consolidação do setor no país.

Tais medidas incluíram a institucionalização de um sistema nacional de transportes urbanos, a constituição de um fundo para o financiamento do setor com recursos vinculados (o Fundo de Desenvolvimento dos Transportes Urbanos) e o estabelecimento de planos metropolitanos, além da criação de um aparato organizacional dentro do aparelho do Estado, que dava assistência técnica e financeira à implantação da política nos estados e municípios, via Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) e Planejamento de Transportes (GEIPOT). Deu-se, igualmente, a execução de um amplo programa de capacitação e formação de pessoal técnico.

Porém, o esgotamento do processo de industrialização por substituição de importações, os desequilíbrios externos, a crise fiscal e o conseqüente aumento do processo inflacionário fizeram com que tal política se desestruturasse ainda na segunda metade dos anos 1980, culminando no paulatino afastamento do poder executivo federal dos transportes urbanos e no progressivo desmonte da capacidade técnica e institucional construída.

A interpretação de que tanto o desenvolvimento urbano quanto os transportes urbanos seriam competência exclusiva dos municípios alijou a responsabilidade da União de formular diretrizes e articular políticas públicas, significando um retrocesso no estágio de desenvolvimento até então alcançado.

O vale-transporte, instituído por lei federal no final de 1985, foi a última ação expressiva do governo federal para o setor, até a criação do Ministério das Cidades em 2003.

Com a estruturação da Pasta das Cidades, onde foram reunidas as áreas de habitação, transporte e trânsito, planejamento territorial e saneamento ambiental, retomaram-se as condições institucionais para a formulação e execução de políticas nacionais para o desenvolvimento urbano sob o princípio da cooperação federativa. É nessa perspectiva que se insere a política de mobilidade urbana.

O inciso V do art. 30 da Constituição Federal definiu o transporte coletivo como um serviço de interesse local, cuja organização e prestação competem ao município. À União foi atribuído o poder-dever de instituir a política de desenvolvimento urbano, conforme determina o art. 182 da Carta Política, e as diretrizes para os transportes urbanos, inciso XX do art. 21. Estes dois dispositivos constitucionais, logo, fundamentam o Projeto de Lei proposto.

As condições de deslocamento das pessoas e bens na cidade estão intimamente relacionadas com o desenvolvimento urbano e bem-estar social. A política de mobilidade urbana - matéria do ato normativo sugerido - tem, portanto, objeto mais amplo que os serviços de transportes urbanos.

Trata-se, na verdade, da relação dos deslocamentos de pessoas e bens com a própria cidade, de seu planejamento para o desenvolvimento de suas funções sociais, proporcionando o acesso universal dos cidadãos às oportunidades que a vida na urbe oferece.

A política de mobilidade urbana é um dos instrumentos da política de desenvolvimento urbano, em perfeita harmonia com o que dispõe o art. 182 da Constituição Federal.

O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, estabeleceu as diretrizes gerais e os instrumentos da política urbana, regulamentando os arts. 182 e 183 da Carta Magna.

Porém, com relação à mobilidade urbana, o Estatuto da Cidade apenas dispôs sobre a obrigatoriedade da existência de plano de transporte urbano integrado para os municípios com mais de quinhentos mil habitantes, conforme se depreende do § 2º do art. 41.

Entende-se que, por opção metodológica e de técnica legislativa, o legislador optou por tratar das questões relativas aos transportes urbanos apenas na sua interação direta com um dos instrumentos da política urbana, o plano diretor municipal, remetendo, dessa maneira, para outro título legal a fixação das diretrizes para os transportes urbanos, de igual forma procedendo em relação aos demais vetores de desenvolvimento urbano, tais como o saneamento básico e a política habitacional.

Ademais, o conceito de mobilidade urbana adotado, por ser mais amplo que o de transportes urbanos, contém conhecimentos específicos, técnicos e científicos suficientemente desenvolvidos para justificar um título autônomo.

 

3. Principais medidas do ato normativo proposto

O Projeto de Lei sugerido tem como objetivo geral estabelecer princípios, diretrizes e instrumentos para que os municípios possam executar uma política de mobilidade urbana que promova o acesso universal à cidade e às suas oportunidades, contribuindo para o desenvolvimento urbano sustentável.

Os objetivos específicos concernem ao desenvolvimento do marco regulatório dos serviços de transportes urbanos, à defesa dos interesses dos usuários dos serviços de transporte coletivo; à consolidação da gestão democrática das políticas públicas; e ao estabelecimento das bases para uma agenda federativa compartilhada.

Entende-se como mobilidade urbana a interação dos deslocamentos de pessoas e bens com a cidade. Os transportes urbanos são definidos como os meios e serviços utilizados para o deslocamento de pessoas e bens na cidade. Assim, os transportes urbanos integram a política de mobilidade urbana que, por sua vez, é instrumento da política de desenvolvimento urbano (art. 1º).

É por meio do planejamento e gestão do sistema de mobilidade urbana e da organização e prestação dos serviços de transportes urbanos que os municípios poderão chegar aos objetivos da Política (art. 2º).

O Sistema de Mobilidade Urbana é definido como o conjunto organizado e coordenado, física e operacionalmente, dos meios, serviços e infra-estruturas, que garante os deslocamentos de pessoas e bens na cidade (art. 3º).

A política de mobilidade urbana (art. 5º) está fundamentada nos seguintes princípios: acessibilidade universal; desenvolvimento sustentável; equidade no acesso ao transporte público coletivo; transparência e participação social no planejamento, controle e avaliação da política; segurança nos deslocamentos; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes meios e serviços; equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros. No que se refere aos dois últimos, a política visa proporcionar as bases para a racionalização do uso dos veículos particulares motorizados, especialmente nos grandes centros urbanos, através de instrumentos de mitigação das externalidades negativas, como congestionamentos, poluição, acidentes e ocupação desigual do espaço público de circulação (vide art. 20).

As diretrizes gerais (art. 6º) se orientam pela integração da política de mobilidade com a de controle e uso do solo; prioridade dos meios não-motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte coletivo sobre o transporte individual; a complementaridade e diversidade entre meios e serviços (intermodalidade); a mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e bens; o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e ao uso de energias renováveis e não-poluentes; a priorização de projetos de transporte coletivo estruturadores do território, conforme princípios estabelecidos.

As diretrizes para a regulação dos serviços de transporte coletivo, em especial, propõem a execução de políticas tarifárias mais eficientes e socialmente justas, necessitando de uma reforma regulatória no setor (arts. 7º a 11). Tal desiderato será alcançado por meio do desenho e da gestão de contratos mais eficazes e da possibilidade de disputa dos atuais mercados pelo instrumento da licitação competitiva, com o objetivo de gerar tarifas iniciais mais baixas.

Ademais, propõe-se a mudança do regime econômico e financeiro da operação dos serviços, que passará do atual modelo de remuneração pelo custo estimado pelo poder público para o regime de preço-teto, com tarifas de remuneração fixadas no contrato resultante de concorrência pública.

A defesa dos usuários e a participação social serão asseguradas por novos instrumentos, como a obrigação do poder competente de informar à população, em linguagem acessível e de fácil compreensão, sobre os padrões estabelecidos de qualidade e quantidade dos serviços, dos meios disponíveis para o envio de reclamações, dos respectivos prazos de resposta, bem como das compensações e indenizações que os usuários têm direito quando os serviços não forem ofertados de acordo com o fixado (arts. 12 e 13).

O Projeto de Lei proposto também pretende estabelecer as bases para uma agenda federativa cooperativa. Entende-se que a sustentabilidade da mobilidade urbana nas regiões metropolitanas depende da gestão compartilhada dos serviços que estão sob a responsabilidade de diferentes governos no mesmo território, favorecendo a sua integração e o equilíbrio de uso dos diferentes modos de transporte.

À União caberá, em especial, os papéis de prestar assistência técnica e financeira aos estados, Distrito Federal e municípios, de apoiar e estimular ações coordenadas e integradas entre municípios e estados em áreas conurbadas, e de fomentar a implantação de projetos de transporte coletivo de grande e média capacidade nas regiões metropolitanas (art. 14).

Aos estados e Distrito Federal caberá, principalmente, o apoio e a promoção da integração dos serviços nas áreas que ultrapassem os limites de um município, em conformidade com o art. 25, § 3º, da Constituição Federal (art. 15). Aos municípios e ao Distrito Federal, além do planejamento, execução da política e a organização e prestação do transporte coletivo, caberá a adoção de medidas específicas em favor das populações de baixa renda, incapazes de arcar com as tarifas dos serviços.

As diretrizes para o planejamento e gestão do sistema de mobilidade urbana estão dispostas nos arts. 19 a 22 do Projeto de Lei. Destaca-se a regulamentação do Plano de Mobilidade Urbana, conforme § 2º, do art. 41, da Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, incorporando os elementos necessários para a efetivação da política de mobilidade urbana no âmbito municipal.

O texto legal sugerido traz, também, um importante instrumento de incentivo à política, com a criação do Programa Nacional de Apoio à Política de Mobilidade Urbana (Pnamob) vinculado ao Ministério das Cidades, destinado a financiar a implantação dos princípios e diretrizes dispostas no Projeto (arts. 22 a 25). As fontes de recursos do programa sairão do Orçamento Geral da União, e serão proporcionais às contrapartidas dos estados, Distrito Federal e municípios, que aplicarem recursos oriundos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O Pnamob funcionará mediante a adesão dos entes federados subordinada às diretrizes da Política.

Os municípios também poderão, isoladamente ou reunidos em consórcio publico, instituir fundo especial com a finalidade de custear a operação e os investimentos em infra-estrutura necessários à universalização do acesso ao transporte coletivo, podendo, inclusive, utilizar os recursos do fundo como garantia em operações de crédito para o financiamento dos investimentos necessários (art. 16).

Por fim, nas disposições finais, o Projeto de Lei disciplina as condições de acesso a fundos, garantias públicas, transferências financeiras, empréstimos, avais e os financiamentos, inclusive para aquisição e renovações de frotas, realizadas por instituições federais, e revoga os dispositivos dos atos normativos federais que instituem a gratuidade dos funcionários dos Correios no transporte coletivo, dentre outros.

É proposta ainda a revogação da Lei nº 6.261, de 14 de novembro de 1975, que criou o Sistema Nacional de Transportes Urbanos, o Fundo de Desenvolvimento dos Transportes Urbanos, e a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) - pois é a presente proposta que normatizará a nova política nacional de mobilidade urbana.

 

4. Considerações finais

A evolução sócio-econômica e demográfica do País, em paralelo com a evolução do próprio conceito de mobilidade urbana, exige uma revisão profunda dos modelos de planejamento e gestão dos transportes urbanos, refletindo os princípios de integração de políticas.

Nas últimas décadas, o planejamento e a gestão dos fluxos urbanos, tanto de pessoas quanto de bens, tem tido um trato claramente reativo, centrado na dicotomia transporte individual versus transporte coletivo, e entre estes, a fragmentação da gestão entre os diferentes modos e tecnologias (ex: metrôs, trens, ônibus e barcas). Entende-se que tal abordagem tornou-se insuficiente para responder à complexidade dos desafios de mobilidade urbana da sociedade atual, sendo que já existem evidências por todo o mundo que cada modo ou serviço per si é insuficiente para suprir toda a necessidade de mobilidade da população das urbes.

O enfoque da política proposta expressa novos paradigmas de planejamento e gestão de sistemas e de regulação de serviços de transportes coletivos. Assim, quando falamos em "sistema de mobilidade urbana" contemplamos a interação equilibrada entre os diversos serviços de transportes urbanos (coletivo e individual; público e privado), de meios (motorizados e não-motorizados) e da infra-estrutura associada.

Cabe, nessa nova perspectiva, assegurar a gestão sistêmica, obtendo uma melhor eficiência, minimizando redundâncias que só causam custos, e satisfazendo as reais necessidades de mobilidade das populações. É imperiosa a definição de um marco regulatório claro e estável, para ampliar os investimentos, reduzir o nível das tarifas e garantir a universalização do acesso a esse serviço público essencial.

O Projeto de Lei proposto foi produzido com o intenso debate entre Governo Federal e sociedade civil, e esta pôde contribuir em todas as fases de sua elaboração.

Isso porque no bojo da instituição do Ministério das Cidades foi instaurado um processo inovador de formulação de políticas públicas, com a abertura da participação da sociedade civil por meio das Conferências e do Conselho das Cidades.

Os debates do Projeto de Lei ora proposto foi, assim, iniciado no âmbito do Conselho das Cidades. Dessa forma, não só seu conteúdo, mas a própria formulação do Projeto de Lei é inovadora, pois seu processo de elaboração foi marcado pela transparência e a discussão com os diversos atores e grupos de interesse.

Aprovadas as premissas da Política de Mobilidade Urbana pelo Conselho das Cidades, em setembro de 2004, foi colocado em discussão um documento com a fundamentação do Projeto de Lei. Esse documento foi objeto de diversas reuniões com as entidades representativas do setor e da sociedade civil organizada.

A seguir, redigiu-se, com a participação da Casa Civil, o Anteprojeto de Lei que foi submetido à apreciação pública, por meio da realização de 10 seminários regionais nas cidades de Fortaleza, Vitória, Curitiba, Goiânia, São Luis, Manaus, Porto Alegre, São Paulo, Recife e Campo Grande, entre novembro de 2005 e maio de 2006. Em tais eventos, que tiveram caráter de audiência pública, o texto foi objeto de emendas e sugestões por parte de representantes dos governos municipais e estaduais, empresários e operadores de serviços de transportes coletivo (públicos e privados), vereadores, deputados estaduais e federais, movimentos sociais e ONGs. Todos os seminários regionais tiveram ampla divulgação e cobertura da mídia local e nacional (TV, rádio e jornais).

Paralelamente, foi feito um processo de consulta pública simplificado no qual foi disponibilizado um endereço eletrônico para o recebimento de críticas e sugestões. As contribuições apresentadas foram avaliadas e assimiladas ao texto agora encaminhado.

O objetivo do Projeto de Lei é configurar um novo paradigma - o da mobilidade urbana para a cidade sustentável - não contemplado no quadro legal e institucional atual, apontando instrumentos possíveis para a resolução dos problemas existentes e seu financiamento, sem prejuízo das competências de cada esfera de governo estabelecidas pela Constituição federativa brasileira.

Nunca é demais lembrar que compete ao estado democrático de direito atender, direta ou indiretamente, as necessidades sociais por meio da definição e execução de políticas públicas, em consonância com as normas objetivas, de natureza principiológica e programáticas consignadas na Lei Maior.

Assim, tais normas devem ser atualizadas para se adequar às dinâmicas e inovações sociais.

Essas são, Excelentíssimo Senhor Presidente, as bases da formulação e os motivos da apresentação do comentado Projeto de Lei.

 Respeitosamente,

 

Márcio Fortes 
Ministro de Estado das Cidades

Guido Mantega
Ministro de Estado da Fazenda