Presidência
da República |
E.M.I. no 34 - MF/BCB
Brasília, 26 de junho de 2008.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência minuta de Medida Provisória dispondo sobre a carteira de títulos mantida pelo Banco Central do Brasil para fins de condução da política monetária, sobre o resultado financeiro das operações com reservas e derivativos cambiais, sobre as sistemáticas de pagamento e de compensação de valores envolvendo a moeda brasileira em transações externas e sobre a utilização do superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2007.
2. Para execução da política monetária, o Banco Central do Brasil deve dispor de carteira de títulos da dívida pública federal em dimensões adequadas ao controle da oferta de moeda na economia, mediante a realização de operações em mercado capazes de administrar as flutuações da liquidez bancária resultantes de diversos fatores, dentre os quais os depósitos à ordem do Governo Federal, os depósitos compulsórios das instituições financeiras e a demanda por moeda na economia. É oportuno observar que alguns dos fatores apontados não se sujeitam ao controle direto da autoridade monetária, o que aumenta a complexidade e a importância do dimensionamento adequado da carteira de títulos do Banco Central do Brasil.
3. Adicionalmente, essa carteira sustenta, ainda que indiretamente, ações orientadas à estabilização macroeconômica, dentre as quais o fortalecimento das reservas internacionais e o equilíbrio do balanço de pagamentos, pois as compras e vendas de moeda estrangeira realizadas pelo Banco Central do Brasil acarretam efeitos sobre a liquidez bancária, cuja neutralização depende, em última instância, da negociação de títulos de sua carteira.
4. Estudos técnicos demonstram que os impactos da variação cambial no balanço do Banco Central do Brasil, conjugados com a vedação legal à emissão de títulos de responsabilidade da autarquia, conduzem à necessidade de redimensionamento da carteira da autoridade monetária, mediante o aporte, sempre que exigido pela execução das políticas monetária e cambial, de títulos da dívida pública federal cedidos sem contrapartida financeira pelo Tesouro Nacional. Propõe-se, por essa razão, alteração da Lei no 10.179, de 6 de fevereiro de 2001, de modo a prever a emissão direta de títulos da União para o Banco Central do Brasil, garantindo-se assim os meios para a concreção do imperativo constitucional de regular execução da política monetária.
5. Colhemos o ensejo, ademais, para propor o aprimoramento do regime legal aplicável às relações financeiras entre a União e o Banco Central do Brasil, com o escopo de obter maior transparência a respeito dos custos fiscais das operações da autoridade monetária, em linha com os imperativos presentes na legislação de regência da austeridade fiscal.
6. O Banco Central do Brasil, atento às diretrizes fixadas pelo Governo brasileiro, tem buscado reforçar as reservas cambiais do País, principalmente mediante aquisições no mercado de câmbio doméstico. Dessa forma, observadas as preocupações de não interferir na formação da taxa de câmbio e não impor volatilidade, tendências ou limites artificiais ao mercado, o Banco Central do Brasil vem agindo resolutamente no sentido de fortalecer a posição externa do País, reduzindo sua exposição a crises externas. Deve-se recordar que, a partir da adoção do regime de câmbio flutuante, em janeiro de 1999, as taxas de câmbio no País passaram a ser livremente definidas em função das operações praticadas pelos agentes econômicos em mercado, sem interferência sistemática da autoridade monetária.
7. Ocorre que, ao adquirir divisas, o Banco Central do Brasil necessita vender títulos de sua carteira, com o objetivo de esterilizar o acréscimo de liquidez resultante das intervenções no mercado de câmbio, considerados constantes os outros fatores condicionantes da liquidez na economia. Essa troca de ativos internos por externos acarreta um desequilíbrio estrutural nas contas da autoridade monetária, cujo passivo constitui-se basicamente de obrigações em moeda nacional com residentes no País.
8. Conquanto atenda ao desiderato de tornar mais sólida a posição externa do País, a política de reforço das reservas cambiais, somada aos impactos decorrentes das intervenções da autoridade monetária no mercado interno mediante o emprego de derivativos cambiais, tem implicado volatilidade no resultado do Banco Central do Brasil. Isso ocorre porque, em consonância com as práticas contábeis nacionais e internacionais, a lei determina que as demonstrações do Banco Central do Brasil sigam o regime de competência para o reconhecimento de receitas e despesas. Semelhante procedimento conduz a que a apuração, em moeda nacional, do estoque de reservas cambiais e derivativos cambiais detidos pelo Banco Central do Brasil sofra os efeitos das oscilações na taxa de câmbio, a despeito da possibilidade de reversão, em data futura, de receitas e despesas com variações cambiais.
9. O crescente descasamento entre ativos e passivos cambiais tem tornado o resultado do Banco Central do Brasil excessivamente volátil, o que prejudica a análise do resultado das operações de política monetária, função principal da autarquia.
10. Diante do exposto, propomos adotar, conjuntamente com a cessão de títulos do Tesouro Nacional ao Banco Central do Brasil, acima referida, um mecanismo destinado a reduzir a volatilidade do resultado do Banco Central do Brasil, mediante a transferência, para a União, do resultado financeiro das operações realizadas pelo Banco Central do Brasil, desde 2 de janeiro de 2008, com reservas cambiais e, no mercado interno, com derivativos cambiais. Deve-se salientar que tal procedimento contábil não altera o fluxo financeiro entre os dois entes, de modo que a medida não acarreta custos adicionais para o Tesouro.
11. Outrossim, com o objetivo de obter maior flexibilização no uso dos recursos porventura aportados pelo Banco Central do Brasil à União, a título de transferência de resultados positivos apurados no balanço semestral da autoridade monetária, sugerimos promover ajuste na legislação vigente, na parte em que dispõe sobre a utilização de tais recursos exclusivamente para amortização do principal da dívida pública federal existente na carteira do Banco Central do Brasil. Nos termos da minuta, os recursos transferidos pela autarquia ao Tesouro Nacional deverão ser utilizados para pagamento (e não simples amortização) da dívida mobiliária existente junto ao Banco Central do Brasil. Cumpre esclarecer, sobre o assunto, que, embora a escolha entre utilizar recursos para pagamento do principal ou dos juros da dívida seja irrelevante do ponto de vista fiscal, há interesse, sob a ótica contábil, em obter maior flexibilidade no gerenciamento da dívida pública, de modo a minimizar o risco de não cumprimento dos limites legais para refinanciamento da dívida pública.
12. A minuta de Medida Provisória veicula, ademais, determinadas medidas orientadas a aperfeiçoar o arcabouço normativo aplicável às sistemáticas de pagamento e de compensação de valores envolvendo o Real em transações externas, na linha do interesse do Governo brasileiro em internacionalizar a moeda nacional.
13. Nesse sentido, propõe-se, inicialmente, autorizar o Banco Central do Brasil a manter contas de depósito em reais em nome de bancos centrais e de instituições domiciliadas ou com sede no exterior que prestem serviços de compensação, liquidação e custódia no mercado internacional. No presente contexto regulatório, o Banco Central do Brasil mantém apenas contas Reservas Bancárias em nome de instituições bancárias nacionais e contas de liquidação de titularidade de câmaras e prestadores de serviços de compensação e de liquidação domiciliados ou com sede no país. Espera-se que a adoção da medida permita que o Real passe a integrar os ativos internacionais de bancos centrais de outros países, em especial os países da América do Sul, com os quais o relacionamento comercial é mais intenso. Dado que os países mantêm suas reservas em moedas conversíveis emitidas por países com quem têm relacionamento comercial e financeiro, a medida revela-se salutar em vista do interesse em estimular o avanço do Real rumo à conversibilidade.
14. Ainda no que se refere ao desiderato de aperfeiçoar as sistemáticas de pagamento e de compensação de valores envolvendo o Real em transações externas, propõe-se autorizar os bancos que operam no mercado de câmbio do País a dar cumprimento a ordens de pagamento em reais recebidas do exterior, mediante a utilização de recursos em reais mantidos em contas de depósito de titularidade de instituições bancárias domiciliadas ou com sede no exterior.
15. É importante registrar, nesse sentido, que a compensação internacional de valores em determinada moeda é normalmente executada em centros financeiros do país emissor da moeda em questão. A manutenção de contas na moeda do país emissor pelos bancos do remetente e do beneficiário da transferência, ou de seus correspondentes bancários, é, portanto, condição indispensável à execução de compensações em tal moeda. Semelhante mecânica operacional corresponde à usualmente adotada nos países que possuem moedas conversíveis, que são adotadas como referência nas negociações internacionais.
16. A implementação da medida ora proposta tornaria possível, a título de exemplo, que um residente no exterior que desejasse efetuar pagamentos em reais no Brasil adquirisse os necessários recursos em moeda nacional diretamente de bancos sediados no exterior que mantenham contas em Reais no território nacional. A instituição financeira sediada no exterior, em seguida, poderia determinar ao banco depositário o débito em sua conta em reais para entrega ao beneficiário no País.
17. Ademais, a minuta propõe autorizar o Banco Central do Brasil a abrir crédito ao Banco Central da República Argentina, até o limite de 120 milhões de dólares dos Estados Unidos, sob a forma de margem de contingência reciprocamente concedida no âmbito do Sistema de Pagamentos em Moedas Locais (SML).
18. O SML consistirá em câmara de compensação mantida pelos bancos centrais brasileiro e argentino, em moedas locais (Real e Peso Argentino), com o objetivo de facilitar as liquidações de negócios entre Brasil e Argentina, servindo também como projeto-piloto para a posterior adesão dos demais países integrantes do Mercosul. O sistema tem ainda a finalidade de avançar no processo de integração regional, possibilitando aos agentes econômicos valerem-se de suas moedas locais nessas transações. No período inaugural, as transações compreenderão apenas as operações de comércio de bens.
19. A Decisão no 25/07, de novembro de 2007, do Conselho do Mercado Comum – CMC, do Mercosul, acatou as negociações bilaterais para concepção do SML e endossou a utilização desse mecanismo para o fomento do comércio entre os países do bloco. Tal Decisão foi integrada ao Acordo de Complementação Econômica no 18, no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração – ALADI, mediante o Protocolo Adicional no 59, o qual, a seu turno, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro mediante a edição do Decreto no 6.374, publicado no Diário Oficial da União em 19 de fevereiro do corrente ano.
20. Em termos operacionais, o relacionamento dos bancos centrais com os bancos participantes do SML e destes com os exportadores e importadores será efetuado nas respectivas moedas locais, para fins tanto de pagamento de exportações como de recebimento no caso de importações. Diariamente ocorrerá compensação entre os bancos centrais dos valores em moeda local pela sua equivalência em dólar dos Estados Unidos, cabendo ao banco central devedor efetuar a liquidação do saldo nessa moeda.
21. Uma das premissas básicas do sistema é a ausência de risco para os bancos centrais. No entanto, há necessidade de prever tratamento para situações excepcionais próprias à mecânica operacional de sistemas com as características do SML, como erros nos valores transmitidos, falhas tecnológicas ou mesmo situações de eventuais pagamentos a menor ou não pagamentos dos resultados das compensações diárias. É previsível, também, a ocorrência de resultados líquidos de pequena monta, cujos valores não justifiquem a assunção dos custos normalmente incidentes em uma transferência financeira internacional. Para solucionar tais problemas, sugere-se estabelecer a margem de contingência em questão, deixando-se os pormenores operacionais ao convênio bilateral que será firmado entre os bancos centrais para a disciplina do sistema, nos termos do arcabouço normativo aplicável ao Mercosul.
22. Propõe a minuta, ainda, deixar a atos normativos conjuntos do Banco Central do Brasil e do Ministério da Fazenda a regulamentação dos preceitos concernentes à carteira de títulos da autoridade monetária e à transferência do resultado financeiro das operações com reservas e derivativos cambiais. Ao Conselho Monetário Nacional, segundo a minuta, caberá expedir as normas necessárias à execução das medidas referentes às sistemáticas de compensação e liquidação de valores envolvendo o Real em operações externas, cumprindo ao Banco Central do Brasil, por fim, definir os procedimentos de ordem operacional necessários à utilização da margem de contingência no âmbito do SML.
23. Por fim, a proposta inclui um artigo que visa a permitir a utilização do superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional, em 31 de dezembro de 2007, para a amortização da dívida pública mobiliária federal interna.
24. Nos termos da legislação vigente, o Poder Executivo, no encerramento de cada exercício, apura o superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional, nos fundos, nas autarquias e fundações integrantes dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social. A divulgação desse superávit financeiro apurado anualmente tem gerado constrangimento à execução de uma administração financeira eficiente do ponto de vista alocativo, uma vez que há recursos disponíveis na Conta Única e, antagonicamente, o Tesouro Nacional tem a necessidade de captar recursos em mercado por meio da emissão de títulos da dívida pública, afetando, pois, o endividamento público bruto.
25 Especificamente em relação ao exercício findo em 31 de dezembro de 2007, considerando-se todas as fontes de recursos do Tesouro Nacional e dos fundos, autarquias e fundações, o superávit financeiro apurado foi da ordem de R$293,5 bilhões.
26. Numa decomposição preliminar desse superávit, tem-se que R$194,3 bilhões correspondem às fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional e R$99,2 bilhões referem-se ao superávit de fontes existentes na conta dos fundos, autarquias e fundações, que não se deseja desvincular. Dos R$194,3 bilhões, deduzindo-se as fontes de vinculação constitucional, as já legalmente destinadas ao orçamento da dívida pública e as de livre utilização, tem-se um montante de R$53,9 bilhões referentes às fontes de recursos cuja vinculação foi estabelecida em legislação ordinária e que, pela proposta apresentada, seriam destinadas à amortização da dívida pública.
27. Em situações de necessidade, o Poder Executivo adotou, no passado, medida legal semelhante que possibilitou a destinação do superávit financeiro vinculado por legislação ordinária (seja o existente no Tesouro, seja o presente na conta dos fundos, autarquias e fundações) para o orçamento da dívida e outras operações.
28. A proposição atual é no sentido de que, preservando-se o superávit apurado na conta dos fundos, das autarquias e fundações e respeitando-se as respectivas vinculações constitucionais, seja permitida a utilização do superávit apurado na conta do Tesouro Nacional, até o valor de R$53,9 bilhões, para amortização da dívida púbica mobiliária federal interna. Importa ressaltar que a medida é possível porque não se está extinguindo a vinculação atual, mas tão-somente conferindo-se nova destinação no que se refere ao uso do superávit financeiro. Ademais, sem a perspectiva de aumento do espaço fiscal na programação financeira anual do Tesouro Nacional, tais recursos nunca poderão ser usados para as despesas que originaram as vinculações.
29. Por outro lado, permitindo-se a utilização dos recursos em questão para a amortização da dívida pública mobiliária federal interna, haverá economia com despesas de juros da ordem de R$6,02 bilhões, com impacto positivo nas contas públicas.
30. Em relação à urgência e relevância das medidas ora propostas, registramos que a necessidade de adequado controle da liquidez na economia, por meio do redimensionamento da carteira de títulos da autoridade monetária, demonstra a relevância da Medida Provisória, que se encarta, destarte, no contexto de progressiva melhoria nos fundamentos da estabilidade macroeconômica brasileira. A urgência no equacionamento da questão revela-se, ademais, em vista de projeções do Banco Central do Brasil a respeito dos condicionantes da liquidez bancária, que, considerando inclusive flutuações sazonais, indicam a possibilidade de a autoridade monetária necessitar de reforço de sua carteira de títulos públicos. No que se refere à segregação dos resultados da política monetária e da gestão das reservas e derivativos cambiais, a urgência decorre do fato de que o aumento da transparência das ações públicas concorre para a melhora esperada da avaliação do risco país.
31. Quanto às propostas atinentes ao aperfeiçoamento das sistemáticas de pagamento e de compensação de valores envolvendo o Real em transações externas, deve-se registrar que, a par da manifesta relevância das medidas, evidenciadas pelo interesse na internacionalização da moeda nacional, decorre a urgência da necessidade de adoção tempestiva de ações que consolidem os ganhos já obtidos com a redução da vulnerabilidade externa do País e, também, com o fortalecimento da moeda nacional, num momento em que a conjuntura econômica mundial se apresenta como uma importante janela de oportunidade para dinamizar a inserção do Real no mercado internacional. A seu turno, o estabelecimento da margem de contingência no âmbito do SML faz-se urgente em função dos compromissos assumidos pelo Governo brasileiro com o Governo da Argentina para estabelecimento do SML até o final do mês de agosto do corrente ano.
32. Por fim, no que se refere à destinação do superávit financeiro, a economia imediata nas despesas com pagamento de juros e a conseqüente redução no endividamento público, com efeito benéfico nas contas públicas, são condições que atendem aos requisitos de urgência e relevância.
33. Esses são os motivos, Senhor Presidente, pelos quais temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa minuta de Medida Provisória.
Respeitosamente,
NELSON MACHADO
Ministro de Estado da Fazenda
ALEXANDRE ANTONIO TOMBINI
Interino Presidente do Banco Central do Brasil