|
Presidência da República |
MENSAGEM Nº 702, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2021
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos previstos no § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei Complementar no 134 , de 2019, que “Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal; altera as Leis nos 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e 9.532, de 10 de dezembro de 1997; revoga a Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, e dispositivos das Leis nos 11.096, de 13 de janeiro de 2005, e 12.249, de 11 de junho de 2010; e dá outras providências”.
Ouvidos, o Ministério da Economia e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos do Projeto de Lei Complementar:
Inciso XIII do § 2º do art. 13 do Projeto de Lei Complementar
“XIII - outras que venham a ser definidas em regulamento.”
Razões do veto
“A proposição legislativa estabelece que seriam consideradas ações e serviços de promoção da saúde as atividades direcionadas para a redução de risco à saúde desenvolvidas em outras áreas que viriam a ser definidas em regulamento.
Contudo, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, pois a ampliação do alcance da imunidade tributária por meio de regulamento contraria o disposto no § 6º do art. 150 da Constituição, segundo o qual ‘qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição'.
Além disso, a proposição legislativa viola o disposto no inciso II do caput do art. 146 da Constituição, que atribui a lei complementar a função de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Nesse sentido, o diploma, com fulcro no disposto no § 7º do art. 195 da Constituição, deve ser revestido do status de lei complementar.
Por fim, a proposição legislativa configura risco fiscal para a arrecadação federal, visto que concederia uma margem excessiva para que a isenção fosse expandida sem lei específica.”
§ 4º do art. 40 do Projeto de Lei Complementar
“§ 4º Na hipótese de deferimento do pedido de renovação prioritário, nos termos do § 3º deste artigo, os demais requerimentos de renovação pendentes serão automaticamente deferidos e será confirmada a imunidade durante o respectivo período.”
Razões do veto
“A proposição legislativa dispõe que, na hipótese de deferimento do pedido de renovação prioritário, nos termos do disposto no § 3º do art. 40 do Projeto de Lei Complementar, os demais requerimentos de renovação pendentes seriam automaticamente deferidos e seria confirmada a imunidade durante o respectivo período.
Entretanto, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade ao prever a renovação automática de requerimentos na hipótese de pedido de renovação prioritária, o que viola o disposto no § 7º do art. 195 da Constituição, que isenta de contribuição social as entidades beneficentes que atendam às exigências estabelecidas em lei. Além disso, a proposição legislativa também fere o princípio constitucional da isonomia, tendo em vista que poderia tratar desigualmente entidades que estariam dentre aquelas que aguardam análise do pedido de renovação ainda que não cumprissem os requisitos para serem certificadas.
Por fim, a proposição legislativa contraria o interesse público, pois o deferimento automático de requerimentos de renovação de certificação permitiria o gozo da imunidade por todo o período relativo aos demais requerimentos sem que fosse analisado de fato se, durante tal período, a entidade teria cumprido os requisitos de certificação necessários para obter o benefício fiscal. Assim, seria criada espécie de reconhecimento tácito de certificação e, como consequência, de imunidade tributária.”
Parágrafo único do art. 41 do Projeto de Lei Complementar
“Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se aos créditos constituídos da União, oriundos ou não de autos de infração, com exigibilidade suspensa, pendentes de julgamento, parcelados ou inscritos em dívida ativa, ou mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada, que tenham como fundamento da autuação violação de dispositivos contidos em lei ordinária.”
Razões do veto
“A proposição legislativa prevê que o disposto no caput do art. 41 seria aplicado aos créditos constituídos da União, oriundos ou não de autos de infração, com exigibilidade suspensa, pendentes de julgamento, parcelados ou inscritos em dívida ativa, ou mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada, que tivessem como fundamento da autuação a violação de dispositivos contidos em lei ordinária.
Entretanto, a proposição legislativa padece de inconstitucionalidade e fere o interesse público uma vez que configuraria remissão de créditos constituídos pela União e, consequentemente, renúncia de receita sem os devidos demonstrativos de impacto financeiro e orçamentário, inclusive sem previsão de medidas de compensação, em violação ao disposto no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 163 da Constituição, no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, nos art. 125 e art. 126 da Lei nº 14.116, de 31 de dezembro 2020 - Lei de Diretrizes Orçamentárias 2021.
Além disso, entende-se que a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social dispostas no § 7º do art. 195 da Constituição é matéria de lei complementar. Por fim, a extinção dos créditos fundamentados em dispositivos de lei ordinária viola o princípio da segurança jurídica, disposto no inciso XXXVI do caput do art. 5º da Constituição.”
Ouvido, o Ministério da Economia manifestou-se, ainda, pelo veto aos seguintes dispositivos do Projeto de Lei Complementar:
Inciso V do caput do art. 7º do Projeto de Lei Complementar
“V - prestar serviços não remunerados pelo SUS a trabalhadores.”
Razões do veto
“A proposição legislativa estabelece que, para fazer jus à certificação, a entidade de saúde deveria prestar serviços não remunerados pelo Sistema Único de Saúde - SUS a trabalhadores.
Contudo, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, tendo em vista que o requisito previsto no dispositivo destoa daqueles estabelecidos para a concessão da isenção às demais entidades atuantes na área da saúde, em prejuízo à assistência social e ao tratamento isonômico exigido pelo disposto no inciso II do caput do art. 150 da Constituição.
Ademais, a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que estaria em conflito com o princípio da universalidade e com o dispositivo do Projeto de Lei Complementar que veda a prestação de serviço a grupo específico nos termos do disposto no seu art. 5º, o qual dispõe que as entidades beneficentes deverão obedecer ao princípio da universalidade do atendimento e veda a conduta de dirigir as suas atividades exclusivamente a seus associados ou categoria profissional.”
§ 4º do art. 18 do Projeto de Lei Complementar
“§ 4º O certificado será expedido em favor da entidade mantenedora das instituições de ensino.”
Razões do veto
“A proposição legislativa determina que, para fazer jus à imunidade, o certificado seria expedido em favor da entidade mantenedora das instituições de ensino.
Entretanto, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, uma vez que poderia estender o benefício fiscal a outra pessoa jurídica que não tivesse cumprido os requisitos, o que resultaria em deturpação do objetivo a ser obtido pela imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição.
Ademais, o dispositivo contradiz o disposto no art. 4º da proposição legislativa, que determina que o certificado de isenção de qualquer entidade beneficente não se estenderia a outras entidades de um mesmo grupo empresarial.
Por fim, a proposição legislativa, ao permitir a certificação para a instituição mantenedora da entidade beneficente, poderia gerar dificuldades para a fiscalização do usufruto das isenções, o que representaria potencial risco fiscal para as receitas da União.
§ 3º do art. 25 do Projeto de Lei Complementar
“§ 3º Eventual valor pago antes da formalização da matrícula do aluno não descaracterizará a bolsa de estudo concedida nos termos dos incisos I e II do § 1º do art. 19 desta Lei Complementar e não limitará ou suspenderá o direito à certificação.”
Razões do veto
“A proposição legislativa dispõe que eventual valor pago antes da formalização da matrícula do aluno não descaracterizaria a bolsa de estudo concedida nos termos do disposto nos incisos I e II do § 1º do art. 19 do Projeto de Lei Complementar e não limitaria ou suspenderia o direito à certificação.
Entretanto, a proposição legislativa contraria o interesse público por não explicitar a espécie de cobrança que as instituições de ensino poderiam efetuar aos alunos anteriormente à formalização da matrícula, o que poderia ensejar cobranças indevidas, em descompasso com a gratuidade das bolsas de estudos e dos benefícios instituídos como contrapartidas da imunidade.
Ademais, a proposição legislativa permitiria que houvesse planejamento por parte de entidades para receber parcelas que, de fato, remunerariam a sua prestação de serviço antes de o aluno realizar a sua matrícula, o que estaria em desconformidade com a política pública que se pretendia fomentar por meio da imunidade tributária.”
Art. 28 do Projeto de Lei Complementar
“Art. 28. No ato de aferição periódica do cumprimento dos requisitos desta Seção, as entidades de educação que não tenham concedido o número mínimo de bolsas previsto nos arts. 20, 21, 22 e 23 desta Lei Complementar poderão compensar o número de bolsas devido no exercício subsequente, mediante a assinatura de Termo de Ajuste de Gratuidade ou de instrumento congênere, nas condições estabelecidas em regulamento.
§ 1º Após a publicação da decisão relativa à aferição do cumprimento dos requisitos desta Seção, as entidades que atuam na área da educação a que se refere o caput deste artigo terão prazo de 30 (trinta) dias para requerer a assinatura do Termo de Ajuste de Gratuidade.
§ 2º Na hipótese de descumprimento do Termo de Ajuste de Gratuidade ou congênere, a certificação da entidade será cancelada.
§ 3º O Termo de Ajuste de Gratuidade poderá ser celebrado somente uma vez com a mesma entidade a cada período de aferição, estabelecido nos termos de regulamento.
§ 4º As bolsas de pós-graduação stricto sensu poderão integrar a compensação, desde que se refiram a áreas de formação definidas em regulamento.”
Razões do veto
“A proposição legislativa dispõe que, no ato de aferição periódica do cumprimento dos requisitos estabelecidos na Seção III do Capítulo II do Projeto de Lei Complementar, as entidades de educação que não tivessem concedido o quantitativo mínimo de bolsas de estudos previsto nos art. 20, art. 21, art. 22 e art. 23 do Projeto de Lei Complementar poderiam compensar o quantitativo devido no exercício subsequente.
Tal compensação seria realizada por meio da assinatura de Termo de Ajuste de Gratuidade - TAG ou de instrumento congênere, nas condições estabelecidas em regulamento, no prazo de trinta dias, contado da data de publicação da decisão relativa à aferição do cumprimento dos requisitos da mencionada Seção. No entanto, caso a entidade descumprisse o disposto no TAG, a sua certificação seria cancelada, tendo em vista que o TAG poderia ser celebrado apenas uma vez, com a mesma entidade a cada período de aferição.
Entretanto, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, uma vez que contraria o disposto no § 7º do art. 195 da Constituição, já que se trata de matéria afeta à lei complementar.
Ademais, a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que incentivaria o descumprimento da lei, por meio da permissão irrestrita de assinatura de TAG. Ainda, o dispositivo não apresenta a limitação temporal para a sua solicitação e tampouco o acréscimo ao percentual de bolsas de estudo a serem concedidas durante o cumprimento do TAG como forma de desestimular o ajuste, que deveria ser considerado como uma exceção no processo de compensação da concessão de bolsas de estudo. Além disso, a proposição legislativa não estabelece o período de aferição, o que geraria incerteza sobre esse aspecto da legislação.
Por fim, a entidade poderia continuar se beneficiando da imunidade tributária, sem cumprir a exigência de ofertar bolsas de estudos e sem assegurar a restituição da renúncia tributária aos cofres públicos.”
§ 2º do art. 40 do Projeto de Lei Complementar
“§ 2º Aos requerimentos de concessão ou de renovação de certificação pendentes de decisão na data de publicação desta Lei Complementar aplicam-se as regras e as condições vigentes à época de seu protocolo.”
Razões do veto
“A proposição legislativa estabelece que, aos requerimentos de concessão ou de renovação de certificação pendentes de decisão na data de publicação do Projeto de Lei Complementar, seriam aplicadas as regras e as condições vigentes à época de seu protocolo.
Entretanto, a proposição legislativa incorre em vício de inconstitucionalidade, uma vez que as entidades seriam agraciadas com a imunidade tributária sem, contudo, ter a obrigatoriedade de oferecer as bolsas de estudo, o que violaria o disposto no § 7º do art. 195 da Constituição, uma vez que essas entidades não prestariam serviço algum de contrapartida à sociedade para serem caracterizadas como entidades beneficentes de assistência social.”
Ouvido, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos manifestou-se pelo veto aos seguintes dispositivos:
§ 6º do art. 31 do Projeto de Lei Complementar
“§ 6º O limite estabelecido no § 5º deste artigo poderá ser excedido, desde que observados os seguintes termos:
I - tenham termo de curatela do idoso;
II - o usuário seja encaminhado pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público ou pelo gestor local do Suas; e
III - a pessoa idosa ou seu responsável efetue a doação, de forma livre e voluntária.”
Razões do veto
“A proposição legislativa estabelece que o limite contratual de setenta por cento de benefício previdenciário ou de assistência social percebidos pela pessoa idosa no custeio da entidade poderia ser excedido, desde que fosse apresentado termo de curatela do idoso, fosse efetuada doação, de forma livre e voluntária, pela pessoa idosa ou por seu responsável, ou fosse encaminhada a pessoa idosa pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público ou pelo gestor local do Sistema Único de Assistência Social - Suas.
Entretanto, a proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que as exceções estabelecidas para exceder o limite contratual implicariam em expropriação do patrimônio da pessoa idosa, tendo em vista que os usuários dessas entidades são, em sua maioria, vulneráveis, o que configuraria afronta à dignidade e à integridade das pessoas idosas acolhidas nas entidades de atendimento de longa permanência, ou casas-lares.”
Art. 42 do Projeto de Lei Complementar
“Art. 42. As entidades beneficentes e em gozo da imunidade terão prioridade na celebração de convênios e de contratos com o poder público para a execução de serviços, gestão, programas e projetos.”
Razões do veto
“A proposição legislativa dispõe que as entidades beneficentes e em gozo da imunidade tributária teriam prioridade na celebração de convênios e de contratos com o Poder Público para a execução de serviços, gestão, programas e projetos.
Entretanto, em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa afronta o interesse público, uma vez que o mérito da preferência privilegiaria entidades beneficentes certificadas em âmbito nacional quando da celebração de convênios e contratos com o Poder Público, o que poderia gerar duplicidade na entrega de recursos públicos diretos e indiretos.
Ademais, a proposição legislativa se configuraria como critério de priorização absoluto para acessar convênios e contratos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o que feriria a isonomia das organizações da sociedade civil quanto ao acesso aos recursos públicos diretos, haja vista que a certificação não é obrigatória e, em regra, requer dispêndio de recursos e conhecimento técnico especializado para acessá-la, o que colocaria em desvantagem aquelas entidades de pequeno porte e de organização local.”
Essas, Senhor Presidente, são as razões que me conduziram a vetar os dispositivos mencionados do Projeto de Lei Complementar em causa, as quais submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Este texto não substitui o publicado no DOU de 17.12.2021