Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Processo nº 00688.001947/2024-31. Parecer nº JM-08 de 17 de fevereiro de 2025, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00916/2024/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 00025/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU. Aprovo. Publique-se, para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Em 17 de fevereiro de 2025.

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00688.001947/2024-31

INTERESSADO: CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO - CGU

ASSUNTO: LICENÇAS / AFASTAMENTOS.

PARECER Nº JM - 08

ADOTO, para fins do art. 41 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00916/2024/GAB/CGU/AGU, de 5 de fevereiro de 2025, o Despacho nº 00397/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, e o Parecer nº 00025/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, datados de 18 de dezembro de 2024, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

Brasília, 17 de fevereiro de 2025.

JORGE RODRIGO ARAÚJO MESSIAS

Ministro Chefe da Advocacia-Geral da União

DESPACHO n.º 00916/2024/GAB/CGU/AGU

NUP: 00688.001947/2024-31

INTERESSADOS: CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO - CGU

ASSUNTOS: LICENÇAS / AFASTAMENTOS

Excelentíssimo Senhor Advogado Geral da União, 

Aprovo, nos termos do DESPACHO n.º 00397/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU,  o PARECER n.º 00025/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, da lavra do Advogado da União Luciano Pereira Dutra. 

Nestes termos, submeto as manifestações desta Consultoria-Geral da União à vossa análise, para que, sendo acolhidas, sejam encaminhadas à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins dos artigos 40, §1.º, e 41 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília, 5 de fevereiro de 2025.

ANDRÉ AUGUSTO DANTAS MOTTA AMARAL

Advogado da União

Consultor-Geral da União

DESPACHO n. 00397/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU

NUP: 00688.001947/2024-31

INTERESSADOS: CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO - CGU

ASSUNTOS: LICENÇAS / AFASTAMENTOS

Estou de acordo com o PARECER n. 00025/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, elaborado pelo Advogado da União Dr. Luciano Pereira Dutra.

Submeto-o à consideração do Senhor Consultor-Geral da União.

Brasília, 18 de dezembro de 2024.

Maria Helena Martins Rocha Pedrosa

Advogada da União

Consultora da União

PARECER n. 00025/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU

NUP: 00688.001947/2024-31

INTERESSADOS: CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO E OUTROS

ASSUNTO: TEMA 1.182 DE REPERCUSSÃO GERAL

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 1.348.854 COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. LICENÇA-MATERNIDADE. EXTENSÃO AO PAI GENITOR MONOPARENTAL. TESE FIXADA PELO STF.

I - Apreciando o Tema 1.182 da Repercussão Geral, o STF fixou a seguinte tese: "À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental".

II - A referida tese se insere na jurisprudência do STF protetiva à infância.

III - O objetivo principal da licença-maternidade ultrapassa o mero interesse individual dos pais, voltando-se para a concretização do direito da criança a um ambiente de acolhimento e cuidado. Assim, ao permitir que mães e/ou pais exerçam suas responsabilidades parentais nos primeiros meses de vida da criança, a tese fixada promove a proteção integral da criança e estabelece as condições necessárias para que o menor tenha assegurado os seus direitos fundamentais à saúde, cuidado, segurança, dignidade humana e pleno desenvolvimento.

IV - No intuito de assegurar direitos constitucionais já reconhecidos pelo STF e de contribuir com a cultura de redução de litigiosidade, promovendo uma atuação coerente da Administração Pública federal, a referida tese deve ser observada pelos órgãos e entidades federais.

V - Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer poderá ser submetido à apreciação do Advogado-Geral da União e à aprovação do Presidente da República, vinculando a Administração Pública federal, nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993, a partir da data de sua publicação.

Senhor Consultor-Geral da União,

I - RELATÓRIO

1. Ao julgar o Tema 1.182 da Repercussão Geral, que teve como leading case o RE nº 1.348.854, o Supremo Tribunal Federal fixou tese segundo a qual "À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental".

2. Em síntese, o caso em litígio tem origem em ação ordinária manejada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da União, na qual o pai genitor monoparental pretendia obter licença-maternidade, pleito anteriormente indeferido na seara administrativa.

3. Foram suscitados, como fundamentos da demanda, os princípios da proteção integral (arts. 3º e 4º, parágrafo único, "a", da Lei nº 8.069/1990), da igualdade entre homens e mulheres (art. 3º, IV, e 5º, I, da CF/1988), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição), da justiça social (art. 193, da CF/1988) e, por fim, o teor do art. 226, caput​, da CF/1988. 

4. Após os trâmites de praxe e tendo sido fixada a tese transcrita acima, sobreveio o trânsito em julgado do pronunciamento terminativo na data de 19 de novembro de 2022.

5. A despeito de se tratar de decisão proferida em sede de recurso extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral, vinculando juízes e tribunais em suas atividades judicantes (art. 927, III, do Código de Processo Civil), o verbete não é dotado automaticamente de eficácia geral e vinculante, de modo que não obriga, por si, os órgãos da Administração Pública à sua observância.

6. No entanto, a Advocacia-Geral da União tem construído uma cultura institucional ampla de redução de litígios, que considera tanto o princípio da eficiência, ante os custos unitários de processos desnecessariamente ajuizados, quanto o relevante reconhecimento de direitos, quando eles sejam devidos.

7. No presente caso, por meio do DESPACHO n. 00775/2024/GAB/CGU/AGU (Seq. 1), o Consultor-Geral da União solicitou "a abertura de tarefa no Super Sapiens ao Grupo 4 da Consultoria da União para análise, a fim de examinar a viabilidade da aplicação administrativa da tese fixada pelo STF no referido recurso extraordinário, independentemente de estarem ou não os servidores formalmente alcançados pela eficácia subjetiva da decisão judicial".

8. Destaca-se, por oportuno, que a consulta foi formulada em caráter geral e abstrato, sem abordar qualquer situação concreta ou específica de pessoas determinadas, de modo que o tema será abordado em tese e de forma geral.

9. Nesse sentido, o presente parecer, elaborado com base nos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, para ser submetido à aprovação do Exmo. Sr. Presidente da República, tem o objetivo de demonstrar a importância e a necessidade de que todos os órgãos da Administração Pública federal observem, respeitem e efetivamente apliquem a tese consolidada pelo STF no RE nº 1.348.854.

10. Considerada a estabilização do assunto pelo Supremo Tribunal Federal por meio do trânsito em julgado do Tema 1.182 da Repercussão Geral, permite-se avançar, com a vinculação definitiva da Administração Pública federal ao quanto decidido pela Suprema Corte, caso haja aprovação do presente parecer pelo Presidente da República, nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993.

11. Vale ressaltar, ainda, que, no intuito de ampliar o debate sobre o tema, foi oportunizada a manifestação das Consultorias Jurídicas junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, ao Ministério da Defesa, aos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ao Ministério do Planejamento e Orçamento, ao Ministério da Previdência Social, bem como à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, à Secretaria-Geral de Contencioso, à Procuradoria-Geral da União e à Procuradoria-Geral Federal.

12. É o relatório. Passa-se à fundamentação.

II - FUNDAMENTAÇÃO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

13. A Constituição da República assegura, no art. 227, caput, com absoluta prioridade, a máxima proteção à criança ao determinar que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

14. Tal previsão é regulamentada no plano infraconstitucional pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), conforme prevê o seu artigo 4º:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

15. De outro lado, o art. 226, § 5º, da Constituição Federal, estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, não só em relação à sociedade conjugal em si, mas, sobretudo, no que tange ao cuidado, guarda e educação dos filhos menores.

16. Ademais, a Constituição Federal reconhece a família monoparental, conforme dispõe seu art. 226, § 4°, segundo o qual “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

17. O reconhecimento constitucional da família monoparental visa proteger essa estrutura familiar e garantir igualdade de direitos, bem como a consideração das múltiplas formas familiares na formulação das políticas públicas e na legislação, de modo a assegurar, por exemplo, o acesso a benefícios sociais e previdenciários.

18. Além disso, o Supremo Tribunal Federal, no caso paradigma em análise, fixou que a intenção dos artigos 6º e 7º da CF não é apenas a de salvaguardar os direitos sociais da mulher, mas também efetivar a integral proteção ao recém-nascido.

19. Tem-se, portanto, que o objetivo principal da licença-maternidade ultrapassa o mero interesse individual dos pais, voltando-se, sobretudo, para a concretização do direito da criança a um ambiente de acolhimento e cuidado, conforme preceituam as diversas normas constitucionais e infraconstitucionais voltadas para essa proteção. Assim, ao se permitir que mães e/ou pais exerçam suas responsabilidades parentais nos primeiros meses de vida da criança, promove-se a proteção integral da criança, estabelecendo-se as condições necessárias para que o menor tenha assegurados os seus direitos fundamentais à saúde, ao cuidado, à segurança, à dignidade humana e ao pleno desenvolvimento.

20. Esse é, em síntese, o quadro normativo constitucional e infraconstitucional que, aliado às demais considerações tecidas nos itens subsequentes, norteia a conclusão deste parecer.

O DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE OBSERVAR AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O DECRETO Nº 2.346, DE 1997

21. Inicialmente, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, recebeu do Poder Constituinte originário a nobre missão de guardar a Constituição Federal e assegurar a sua supremacia em face das demais normas e dos atos do Poder Público[1].

22. Sendo assim, suas decisões influenciam não apenas os casos concretos sob julgamento, mas também a interpretação e aplicação do direito brasileiro de forma ampla. No desenho trazido pela Carta Magna, essas decisões podem ter caráter vinculante ou não vinculante.

23. As decisões com caráter vinculante e efeitos erga omnes são aquelas que, uma vez proferidas, devem ser obrigatoriamente seguidas por todas as demais instâncias judiciais, bem como pela Administração Pública direta e indireta, em casos semelhantes. Esse efeito vinculante busca promover uniformidade na interpretação da Constituição Federal, evitando decisões contraditórias sobre uma mesma questão constitucional, como ocorre nas ações de controle concentrado de constitucionalidade.

24. Noutro giro, as decisões sem caráter vinculante são aquelas proferidas pelo STF em casos que não produzem automaticamente obrigatoriedade de seguimento por outras instâncias ou pela Administração Pública. Estas decisões são importantes para o caso concreto analisado, mas não estabelecem uma regra obrigatória para casos futuros. É o que ocorre nos recursos extraordinários, que, muito embora possam estabelecer importantes precedentes, não possuem efeito vinculante automático para a Administração Pública.

25. Sobre a importância do efeito vinculante, adverte Roger Stiefelmann Leal[2]:

[...] A vinculação dos órgãos e poderes do Estado aos motivos, princípios e interpretações acolhidos pelos órgãos de jurisdição constitucional em suas decisões privilegia a estabilidade das relações sociais e políticas em relação a uma pretensa necessidade de flexibilizar a interpretação da Constituição de modo a adotá-la à realidade de cada momento e corrigir eventuais equívocos ou injustiças. A sujeição dos demais poderes à Constituição e, por conseguinte, ao sentido que lhe empresta a jurisdição constitucional atua no sentido de eliminar eventuais divergências hermenêuticas, em nome dos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da unidade da Constituição.

26. Da vinculação da decisão tomada pelo STF decorre a proibição de os demais órgãos e entidades do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta das três esferas federativas adotarem via interpretativa diversa da acolhida pelo órgão encarregado da jurisdição constitucional. Ocorre que, como visto, as decisões proferidas em sede de recursos extraordinários, mesmo com repercussão geral reconhecida, não vinculam tecnicamente a Administração Pública, compreensão extraída da interpretação conjunta dos arts. 927, III; 1.036 e 1.040, todos do Código de Processo Civil.

27. Nesse cenário, foi editado o Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997, o qual consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública federal em razão de decisões judiciais do STF, que permanecem vigentes até os dias atuais. Editado em uma época na qual ainda não existiam os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, e sequer havia as Leis nº 9.868 e nº 9.882, ambas do ano de 1999, suas normas visam precipuamente implementar, no âmbito da Administração Pública federal, uma cultura jurídica em torno do dever funcional de observar, respeitar e fazer aplicar as decisões do Supremo Tribunal Federal. Em seu art. 1º, deixa-se explícito que:

Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.

§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal.

§ 3º O Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado, dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-Geral da União, poderá autorizar a extensão dos efeitos jurídicos de decisão proferida em caso concreto.

(grifamos)

28. A proposta oriunda da Advocacia-Geral da União, citada no § 3º supratranscrito, poderá ser consubstanciada em parecer jurídico elaborado para os fins do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 1993, atribuição que, de acordo com o art. 41 da mesma Lei, é da Consultoria-Geral da União. Transcrevem-se os mencionados dispositivos:

Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

[...]

Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República.

29. Assim, para cumprir os objetivos traçados pelo Decreto nº 2.346, de 1997, o Presidente da República poderá aprovar parecer elaborado pela Consultoria-Geral da União e aprovado pelo Advogado-Geral da União, o qual, uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, consubstanciará parecer normativo que, sob o aspecto formal, vinculará todos órgãos e entidades da Administração Pública federal, que ficarão submetidos à autoridade da interpretação da Constituição Federal definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de casos concretos. O presente parecer é elaborado exatamente com essa finalidade.

30. Como se demonstrará nos tópicos seguintes, a vinculação da Administração Pública federal à decisão do STF ora analisada seria extremamente profícua e contribuiria com o reconhecimento de direitos, com a eficiência administrativa e com a cultura de redução de litigiosidade sobre o tema.

O RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 1.348.854 NO CONTEXTO DA JURISPRUDÊNCIA PROTETIVA À INFÂNCIA

31. Trata-se, no caso, de Recurso Extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com amparo no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que se discute o Tema 1.182 da Repercussão Geral.

32. Na origem, foi ajuizada Ação Ordinária, com pedido de tutela antecipada, em face do INSS e da União Federal, com o objetivo de obter o benefício da licença-maternidade, na qualidade de pai solteiro de crianças gêmeas geradas por meio de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel.

33. O juízo singular julgou procedente o pedido para reconhecer ao autor o direito ao benefício da licença-maternidade, ao fundamento de que - apesar de o pedido administrativo de concessão do benefício ter sido indeferido, sob a alegação de ausência de previsão legal, nos termos do artigo 7°, XVIII, da Constituição Federal, bem como do art. 207, da Lei nº 8.112, de 1990 -, o caso dos autos se assemelha ao falecimento da mãe, uma vez que as crianças seriam cuidadas exclusivamente pelo pai.

34. O Juízo ressaltou a consonância do seu entendimento com a Lei nº 12.873, de 2013, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, para inserir a possibilidade de concessão de licença-maternidade pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias ao empregado adotante ou que obtiver guarda judicial para fins de adoção, concluindo que não obstante a inexistência de legislação regulamentando a hipótese específica de genitor monoparental e a sua possibilidade de afastamento do trabalho, impõe-se reconhecer, por analogia à Lei nº 12.873, de 2013, o direito à concessão de salário-maternidade e de licença-maternidade em casos como na hipótese dos autos.

35. O Tribunal de origem, com esteio nos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia material e da vedação à proteção deficiente, manteve a sentença para ratificar o direito do autor ao benefício pleiteado.

36. Em face desse acórdão, foi interposto o Recurso Extraordinário ora em análise. O Supremo Tribunal Federal, no dia 19 de novembro de 2021, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LICENÇA MATERNIDADE. EXTENSÃO AO PAI SOLTEIRO, SERVIDOR PÚBLICO. CONSTITUCIONALIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a questão acerca da constitucionalidade da extensão da licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, ao pai solteiro servidor público, em face dos princípios da isonomia (art. 5º, I, CF), da legalidade (art. 37, caput, CF), e da proteção integral da criança com absoluta prioridade (art. 227 da CF), bem como ante o art. 195, § 5º, da CF, que dispõe que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC.

37. Assim, como se vê, a controvérsia posta refere-se à extensão da licença-maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88, e regulamentada pelo art. 207 da Lei nº 8.112, de 1990, ao pai solteiro servidor público, em face dos princípios da isonomia (art. 5º, I, CF), da legalidade (art. 37, caput, CF), e da proteção integral da criança com absoluta prioridade (art. 227, da CF).

38. No plano constitucional, a licença-maternidade está prevista no multicitado art. 7º, inc. XVIII, alcançando o servidor público em razão do art. 39, § 3º, transcrevem-se:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

Art. 39, § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV,VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(grifamos)

39. A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, por seu turno, disciplinou a licença à gestante no art. 207 a 210, a saber:

Art. 207. Será concedida licença à servidora gestante por 120 (cento e vinte) dias consecutivos, sem prejuízo da remuneração. (Vide Decreto nº 6.690, de 2008)

§ 1° A licença poderá ter início no primeiro dia do nono mês de gestação, salvo antecipação por prescrição médica.

§ 2° No caso de nascimento prematuro, a licença terá início a partir do parto.

§ 3° No caso de natimorto, decorridos 30 (trinta) dias do evento, a servidora será submetida a exame médico, e se julgada apta, reassumirá o exercício.

§ 4° No caso de aborto atestado por médico oficial, a servidora terá direito a 30 (trinta) dias de repouso remunerado.

(grifos nossos)

40. Por decisão unânime, apreciando o Tema 1.182 da Repercussão Geral, o STF conheceu do Recurso Extraordinário e negou-lhe provimento, para manter o acórdão recorrido, e fixar a seguinte tese: "À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental".

41. Eis o teor da Ementa:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. GENITOR MONOPARENTAL DE CRIANÇAS GÊMEAS GERADAS POR MEIO DE TÉCNICA DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO E GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO (“BARRIGA DE ALUGUEL”). DIREITO AO BENEFÍCIO DE SALÁRIO-MATERNIDADE PELO PRAZO DE 180 DIAS.

1. Não há previsão legal da possibilidade de o pai solteiro, que optou pelo procedimento de fertilização in vitro em “barriga de aluguel”, obter a licença-maternidade.

2. A Constituição Federal, no art. 227, estabelece com absoluta prioridade a integral proteção à criança. A ratio dos artigos 6º e 7º da CF não é só salvaguardar os direitos sociais da mulher, mas também efetivar a integral proteção ao recém-nascido.

3. O art. 226, § 5º, da Lei Fundamental estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, não só em relação à sociedade conjugal em si, mas, sobretudo, no que tange ao cuidado, guarda e educação dos filhos menores.

4. A circunstância de as crianças terem sido geradas por meio de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel mostra-se irrelevante, pois, se a licença adotante é assegurada a homens e mulheres indistintamente, não há razão lógica para que a licença e o salário- maternidade não seja estendido ao homem quando do nascimento de filhos biológicos que serão criados unicamente pelo pai. Entendimento contrário afronta os princípios do melhor interesse da criança, da razoabilidade e da isonomia.

5. A Nota Informativa SEI nº 398/2022/ME, e a Nota Técnica SEI nº 18585/2021/ME, emitidas pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, trazidas aos autos pelo INSS, informam que “‘em consonância com a proteção integral da criança’, a Administração Pública federal reconhece ‘o direito, equivalente ao prazo da licença à gestante a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor’”.

6. As informações constantes nas aludidas Notas emitidas pelo Ministério da Economia apenas confirmam que o entendimento exposto no voto acompanha a compreensão que esta CORTE tem reiteradamente afirmado nas questões relativas à proteção da criança e do adolescente, para os quais a atenção e o cuidado parentais são indispensáveis para o desenvolvimento saudável e seguro.

7. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Fixada, para fins de repercussão geral, a seguinte tese ao Tema 1182: “À luz do art. 227 da CF que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade, bem como do princípio da isonomia de direitos entre o homem e a mulher (art. 5º, I, CF), a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88, e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai, genitor monoparental, servidor público.”

(RE 1348854, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12-05-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213  DIVULG 21-10-2022  PUBLIC 24-10-2022)

42. A partir da leitura da ementa supratranscrita, resta clara a posição do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal, valorizando a opção constitucional pela proteção integral ao recém-nascido, direito expressamente tutelado pelo art. 227, da CF/1988.

43. Como assentado pelo STF no leading case ora analisado[3], "A ratio das normas constitucionais de proteção ao direito à maternidade (CF, artigos 6; 7º, XVIII; 201); bem como de proteção à família (CF, artigos 226, 227 e 229) tem, também, como finalidade a absoluta prioridade que a Constituição Federal, em seu artigo 227, estabelece para a integral proteção à criança, inclusive ao recém-nascido".

44. Conforme assentado pelo voto do Min. Alexandre de Moraes[4], o STF tem "reiteradamente realçado que a Constituição de 1988, no art. 227, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), adotaram a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta das crianças e dos adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento, aos quais deve ser asseguradas todas as condições para a convivência familiar de maneira harmônica e segura, quer seja o vínculo familiar biológico, ou estabelecido pelos institutos da guarda ou adoção". 

45. Sendo assim, um tratamento normativo diferenciado entre o pai monoparental e a mãe, para fins de concessão de licença-maternidade, não é compatível com a Constituição Federal. No caso de monoparentalidade, devem ser estendidos ao pai servidor público os mesmos direitos à licença-maternidade e ao salário-maternidade garantidos à mãe, em consagração à proteção integral da criança.

46. Nesse contexto, definiu o Ministro Relator Alexandre de Moraes[5] que "a melhor exegese a ser conferida ao art. 7º, XVIII, da CF é aquela que reconhece ao pai, genitor monoparental, o direito à licença maternidade e ao salário maternidade pelo prazo de 180 dias, conforme fixa-se, para a mulher, a legislação do Regime Geral da Previdência Social e do Regime Especial de Previdência do Servidor Público". 

47. Após colacionar a evolução legislativa sobre o tema e trazer uma análise de direito comparado, o voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes concluiu que:

Esta CORTE, portanto, tem reiteradamente realçado que a Constituição de 1988, no art. 227, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), adotaram a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta das crianças e dos adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento, aos quais dever ser asseguradas todas as condições para a convivência familiar de maneira harmônica e segura, quer seja o vínculo familiar biológico, ou estabelecido pelos institutos da guarda ou adoção.

Na presente hipótese, o tratamento normativo diferenciado não é compatível com a Constituição Federal, pois não verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado, sendo inconstitucional a previsão do Regime Especial de Previdência do Servidor Público ao não estender ao pai, servidor público, monoparental, os mesmos direitos à licença maternidade e ao salário maternidade garantidos à mulher, em consagração à proteção integral da criança.

No caso concreto, trata-se de servidor público federal, genitor monoparental de crianças gêmeas geradas por meio de procedimento de fertilização in vitro e utilização de “barriga de aluguel” (tecnologia biomédica e gestação por substituição), que é o único responsável pelos cuidados dos filhos após o nascimento.

A circunstância de as crianças terem sido geradas por meio fertilização in vitro e utilização de “barriga de aluguel” mostra-se irrelevante, pois, se a licença adotante é assegurada a homens e mulheres indistintamente, não há razão lógica para que a licença e o salário maternidade não seja estendido ao homem quando do nascimento de filhos biológicos que serão criados unicamente pelo pai.

Entendimento contrário afronta os princípios do melhor interesse da criança, da razoabilidade e da isonomia.

O INSS alega que toda a retórica analógica trazida pelo recorrido está afeta à legislação do Regime Geral da Previdência Social (Lei 8.212/1991), sendo que, no regime próprio, como vem a ser o caso dos autos, não há qualquer previsão legal favorecedora das analogias requeridas pelo servidor.

Efetivamente, no Regime Especial de Previdência do Servidor Público - Lei 8.112/1990 (art. 210) não há previsão de possibilidade de afastamento do trabalho para o servidor homem, genitor monoparental, como há no RGPS (Art. 71-A), e também na CLT (Art. 392-B; e Art. 392- C), no caso de morte da mãe.

Nada obstante, consoante toda a fundamentação aqui expendida, conclui-se que o objetivo da licença maternidade ou adotante é assegurar o melhor interesse da criança, uma vez que é nos primeiros dias de vida que se criam os laços de afetividade com aquele que será o responsável pela criação e educação do menor, elos indispensáveis para a construção de uma personalidade saudável. 

48. Em recentes decisões sob a relatoria da Ministra Cármen Lúcia, ao analisar normas estaduais sobre o mesmo tema, o STF reafirmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo da licença-maternidade deve ser estendido aos pais solo, em respeito ao disposto no art. 226, caput e §§ 5º e 7º, e no art. 227 da CF/1988[6].

49. Destaque-se, por fim, que o órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC já reconhece o direito postulado no presente parecer. De acordo com a Nota Informativa SEI nº 398/2022/ME[7], o órgão central do SIPEC esclarece que “em consonância com a proteção integral da criança”, a Administração Pública federal reconhece “o direito, equivalente ao prazo da licença à gestante a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor”. Cite-se:

5. Tendo em vista a necessidade de adaptação das normas vigentes à evolução do conceito amplo de família, ocorrida nos últimos tempos, fundamentado em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que tem reconhecido, como dignos de tutela do Estado os diversos arranjos familiares, divergentes do modelo tradicional de pai mãe e filho biológico, esta Secretaria exarou a Nota Técnica SEI no 18585/2021/ME (SEI no 21560994), respaldada no Parecer nº 01408/2019/CA/CGP/PGACPNP/PGFN/AGU, concluindo que:

[...]

6. Portanto, vê-se do acima exposto, que este órgão central do SIPEC, em consonância com a proteção integral da criança, já vem reconhecendo o direito, equivalente ao prazo da licença à gestante a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor.

50. Tal fato foi reconhecido pelo voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes[8], que consignou que:

A controvérsia consiste em definir se o pai solteiro de crianças geradas através de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel tem o direito ao benefício do salário maternidade pelo prazo de 180 dias.

Ressalto, inicialmente, a mudança de postura do INSS, que postulou o provimento do Recurso Extraordinário, sustentando que a Constituição Federal somente prevê a licença maternidade à mulher gestante dadas as peculiaridades biológicas da mãe que a vinculam ao bebê. Defendeu, ainda, não ser possível conceder o benefício ao pai solteiro sem que haja a correspondente fonte de custeio, mormente porque o genitor já tem direito a licença paternidade pelo período estabelecido em lei de 5 (cinco) dias.

Ocorre, porém, que em recente manifestação nos autos (Petição 8.826, de 16/2/2022), o INSS informa a existência de nota técnica e de nota informativa do órgão central do Sistema De Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC, em que já se reconhece o direito postulado no presente precedente com repercussão geral reconhecida.

Registra a autarquia que, “de acordo com a Nota Informativa SEI nº 398/2022/ME, o órgão central do SIPEC esclarece que “em consonância com a proteção integral da criança”, a Administração Pública federal reconhece “o direito, equivalente ao prazo da licença à gestante a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor”.

Assim, considerando que o recorrente não manifestou desistência de seu RE e, conforme o Código de Processo Civil e a jurisprudência desta CORTE, mesmo que houvesse a desistência do recorrente, não haveria obstáculo ao SUPREMO para enfrentar a questão constitucional com repercussão geral reconhecida, passo ao exame do mérito do tema.

[...] 

Por fim, devo registrar que, no último dia 16 de fevereiro, o INSS juntou aos autos petição (Vol. 47) na qual anexa a Nota Informativa SEI nº 398/2022/ME, e Nota Técnica SEI nº 18585/2021/ME, emitidas pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, e informa que, nessas Notas, é esclarecido que “‘em consonância com a proteção integral da criança’, a Administração Pública federal reconhece o ‘direito, equivalente ao prazo da licença à gestante a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor’.”

Aduz que, após a publicação dos Decretos 6.690, de 11 de dezembro de 2008; e 8.737, de 3 de maio de 2016, foi regulamentada a prorrogação das referidas licenças, que estão previstas nos arts. 207 a 210 da Lei 8.112, de 1990, abrangendo todas as pessoas acima mencionadas, tudo de acordo com o Tema 782 da repercussão geral, em que se fixou tese no sentido de que: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada.

As informações acima trazidas pelo INSS apenas confirmam o entendimento que esta CORTE tem reiteradamente afirmado nas questões relativas à proteção da criança e do adolescente, para os quais a atenção e o cuidado parentais são indispensáveis ao desenvolvimento saudável e seguro.

(grifamos)

51. Observa-se, portanto, que a Administração Pública federal já vem adotando o entendimento, em consonância com a proteção integral da criança, no sentido de se reconhecer o direito, equivalente ao prazo da licença à gestante, a uma das pessoas presentes na filiação, independente de gênero e estado civil, desde que ausente a parturiente na composição familiar do servidor.

RAZÕES PARA A INCORPORAÇÃO DO ENTENDIMENTO: O NECESSÁRIO RECONHECIMENTO DE DIREITOS E A CULTURA DE REDUÇÃO DE LITIGIOSIDADE, ESPECIALMENTE ANTE A FORMAÇÃO DE PRECEDENTES QUALIFICADOS

52. Em lapidar posicionamento, o Parecer n° GQ - 96 demonstrou a importância da Administração Pública em dar relevo ao interesse público primário e, nesse mister, cresce a importância da função institucional da Advocacia-Geral da União em reconhecer os direitos assegurados constitucionalmente, sobretudo quando a controvérsia já se encontra pacificada na Suprema Corte. Transcreve-se trecho do mencionado parecer vinculante, que, apesar de ter sido publicado em 11 de janeiro de 1996, permanece contemporâneo à proposta deste parecer. Vejamos:

Ao criar, na Lei Maior, a Advocacia-Geral da União, não no capítulo destinado ao Poder Executivo, mas no capítulo intitulado “Das Funções Essenciais à Justiça”, após o disciplinamento dos três Poderes do Estado, e ao determinar que lei complementar dispusesse sobre sua organização e funcionamento, o constituinte de 1987-1988, deu-lhe, sem dúvida alguma, status especial. É Instituição à qual cabe, além de outras funções, atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Nessa função, vela pelo interesse público que, em resumo, é o bem público, finalidade e razão de ser da sociedade política. E a Advocacia-Geral da União nasceu como Instituição forte, essencial à Justiça, aqui entendida na sua acepção ampla. Sua atuação, nas atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo, sobretudo pelo seu mais alto Órgão, o Advogado-Geral, visa a possibilitar a juridicidade plena do Poder Executivo na observância da legalidade, da legitimidade e da licitude, ou seja da conformidade dos atos da Administração com o sistema jurídico vigente e com os princípios morais, obedecendo, pois, ao anseio geral, que deseja, sem dúvida alguma, seja a atividade administrativa pautada pelo Direito e pelos princípios morais. Ao decidir questões surgidas nas suas relações com o particular (contribuinte), a Administração não deve agir com parcialidade, não deve ter em vista o seu interesse (o chamado interesse público secundário), mas deve visar ao interesse público primário, que se confunde com o bem público e que, em resumo, exige seja respeitado o direito de cada um. À Advocacia-Geral da União, cabe fixar a exata interpretação das normas jurídicas para que seja alcançado o ideal de justiça almejado por todos. (Grifou-se).

53. Além disso, a decisão fixada no caso sob análise constitui precedente qualificado. Como afirma Daniel Mitidiero[9], "os precedentes decorrem da interpretação do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça empreendida pelo colegiado de forma unânime ou por maioria a respeito de determinada questão controvertida".

54. Já no que diz respeito ao procedimento, o Ministro Luiz Fux[10] afirma que "o rito dos precedentes qualificados tem o condão de conferir transparência, previsibilidade e razoável duração aos processos, ao mesmo tempo em que confere mais racionalidade e isonomia ao sistema processual, com a inibição de decisões múltiplas sobre a mesma temática". Em sentido semelhante, Marcelo Marchiori[11] destaca que "com esse procedimento de formação dos precedentes qualificados, as disposições do Código de Processo Civil se voltam integralmente para a resolução do problema apresentado ao Judiciário e não somente para a questão pontual do litigante, principalmente em relação a processos que veiculem matéria jurídica repetitiva".

55. Portanto, no tema trazido à análise desta Consultoria-Geral da União,  deve-se levar em consideração que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1.182 da Repercussão Geral, terá inegáveis efeitos sobre o agir da União, ainda que em juízo. Isso porque, como afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[12], referindo-se à sistemática dos recursos repetitivos, "as razões oriundas do julgamento servem tendencialmente como precedente e, nessa linha, devem irradiar seus efeitos para todas as questões idênticas ou semelhantes".

56. Por tudo isso, considerando que o STF pacificou o assunto analisado no presente parecer, bem como que a Administração Pública deve seguir as decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, a interpretação do Texto Constitucional, inclusive no intuito de reduzir a litigiosidade sobre o assunto em questão, deve ser observada a tese fixada no Tema 1.182 da Repercussão Geral, no sentido de que "À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental".

III. CONCLUSÃO

57. Ante o exposto, conclui-se que a Administração Pública federal deve observar, respeitar e dar efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.348.854 (Tema 1.182 da Repercussão Geral), por unanimidade, fixou a seguinte tese:

À luz do art. 227 da CF, que confere proteção integral da criança com absoluta prioridade e do princípio da paternidade responsável, a licença maternidade, prevista no art. 7º, XVIII, da CF/88 e regulamentada pelo art. 207 da Lei 8.112/1990, estende-se ao pai genitor monoparental.

58. Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer poderá ser submetido à aprovação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, e, uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, passará a vincular a Administração Pública federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento (artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993), a partir da data da publicação.

À consideração superior.

Brasília, 18 de dezembro de

(documento assinado eletronicamente)

LUCIANO PEREIRA DUTRA

ADVOGADO DA UNIÃO

Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688001947202431

Notas

1. Art. 102, da CF/1988. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]

2. LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, página 114.

3. RE 1348854, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12-05-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213  DIVULG 21-10-2022  PUBLIC 24-10-2022

4. RE 1348854, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12-05-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213  DIVULG 21-10-2022  PUBLIC 24-10-2022

5. RE 1348854, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12-05-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213  DIVULG 21-10-2022  PUBLIC 24-10-2022

6. ADI 7.519/AC, ADI 7.526/MS, ADI 7.533/PI, ADI 7.538/DF e ADI 7.541/BA 

7. Citado pelo PARECER SEI Nº 4154/2024/MF

8.  RE 1348854, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12-05-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213  DIVULG 21-10-2022  PUBLIC 24-10-2022

9.  MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 100-101.

10.  FUX, Luiz. Apresentação. Em: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Precedentes Qualificados: bibliografia, legislação e jurisprudência temática. Brasília, 2021. Disponível em: <PrecedentesQualificados.pdf (stf.jus.br)>. Acesso em 09/12/2024.

11.  MARCHIORI, Marcelo Ornellas. A Atuação do Poder Judiciário na Formação de Precedentes Definitivos - experiências e desafios. Salvador: JusPodivm, 2022, p. 111.

12. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Recurso Extraordinário e Recurso Especial: do jus Litigatoris ao Jus Constitutionis. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 253.

Este texto não substitui o publicado no DOU de 19.2.2025