Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Processo 00400.002107/2023-84.  Parecer nº JM - 04, de 18 de dezembro de 2023, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00630/2023/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 00016/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU da Consultoria-Geral da União.  Aprovo.  Publique-se para os fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Em 22 de dezembro de 2023.

PARECER Nº JM - 04

ADOTO, para fins do art. 41 da Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União n. 00630/2023/GAB/CGU/AGU, datado de 18 de dezembro de 2023, o Parecer n. 0016/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, datado de 21 de novembro de 2023, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.

Brasília, 18 de dezembro de 2023.

  JORGE RODRIGO ARAÚJO MESSIAS

Ministro Chefe da Advocacia-Geral da União

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO

DESPACHO n. 00630/2023/GAB/CGU/AGU

NUP: 00400.002107/2023-84

INTERESSADOS: PROCURADORIA NACIONAL DE DEFESA DO CLIMA DO MEIO AMBIENTE ASSUNTOS: MEIO AMBIENTE

Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União,

1. Estou de acordo com o PARECER 00016/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU, da lavra da Consultora da União Dra. Maria Helena Martins Rocha Pedrosa.

2. Nestes termos, submeto as manifestações desta Consultoria-Geral da União à vossa análise, para que, em sendo acolhidas, sejam encaminhadas à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins dos artigos 40, §1.º, e 41 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Brasília,

Assinado eletronicamente

ANDRÉ AUGUSTO DANTAS MOTTA AMARAL

Advogado da União

Consultor-Geral da União

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO

PARECER n. 00016/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU

NUP: 00400.002107/2023-84

INTERESSADA: CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO

ASSUNTO: Inidoneidade de pessoas naturais e jurídicas que pratiquem infrações administrativas ambientais especialmente graves, conforme define.

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS PÚBLICOS. CONSULTA. PRÁTICA DE INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS ESPECIALMENTE GRAVES. DEFINIÇÃO, PARA FINS DESTE PARECER. POSSIBILIDADE DE CONSIDERAR-SE CONDUTA INIDÔNEA ATOS ANTIJURÍDICOS ESPECIALMENTE GRAVES, AINDA QUE PRATICADOS FORA DO ÂMBITO DA LICITAÇÃO OU DO CONTRATO. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 155, INCISO X, DA LEI N. 14.133/2021, SEGUINDO O PARECER N. 00001/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS NORMATIVOS E DE RESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

1. O respeito ao direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é ínsito às contratações públicas e ao espírito da Lei n. 14.133/2021, com previsão expressa do desenvolvimento nacional sustentável como princípio e como objetivo.

2. O cometimento de infrações que abalam o meio ambiente de forma especialmente grave é conduta que agride valor essencial à Constituição Federal e cuja preservação é necessária para a manutenção da própria vida.

3. A prática de infrações ambientais especialmente graves pode se enquadrar na conduta “comportar-se de modo inidôneo”, prevista no artigo 155, inciso X, da Lei n. 14.133/2021 como infração administrativa e, consequentemente, atrair a aplicação da penalidade de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar”, prevista no artigo 156, inciso IV, da referida lei.

4. Consideram-se especialmente lesivas ao meio ambiente, para os efeitos deste parecer, as condutas tipificadas como infrações ambientais que, em tese, correspondam aos tipos penais considerados, por si, de maior potencial ofensivo, quando houver violação qualificada ao meio ambiente.

5. Será considerada violação qualificada ao meio ambiente: a) para as infrações de incêndio e desmatamento, a lesão a áreas superiores a 1.000ha (mil hectares); b) para a infração de elaboração ou apresentação de documento falso a órgãos ambientais, a presença de dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa, e c) para a infração de maus-tratos a cães e gatos, a ocorrência de morte do animal.

6. A aplicação de qualquer sanção mencionada neste parecer depende, para a sua validade, da observância dos princípios constitucionais relacionados ao devido processo legal.

7. Devem ser observadas todas as disposições legais referentes ao prazo prescricional, inclusive ao seu termo inicial, conforme determina o artigo 158 da Lei n. 14.133/2021, considerado o momento da lavratura do auto de infração, nos termos do art. 96 do Decreto n. 6.514/2008.

8. A possibilidade de apuração concomitante da infração revela a necessidade de, em tal hipótese, imprimir racionalidade tanto à instauração de procedimento tendente à declaração de inidoneidade quanto à aplicação das sanções, em harmonia com o artigo 22, §§ 2º e 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

9. Eventual declaração de inidoneidade em razão de infrações administrativas especialmente lesivas ao meio ambiente, na forma definida neste parecer, terá seus efeitos cessados no caso em que, no âmbito criminal ou no âmbito do processo administrativo de apuração de infração ambiental regido pelo Decreto n. 6.514/2008, for reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria. Nas demais hipóteses, deverá prevalecer a autonomia da instância licitatória/contratual.

10. Em razão da autonomia das instâncias responsabilizadoras, a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar não exime os responsáveis do ressarcimento de eventuais danos ambientais causados à Administração Pública (artigo 156, § 9º da Lei n. 14.133/2021), e/ou ao meio ambiente, sendo, neste último caso, imprescritível a pretensão de reparação civil (Tema 999 da Repercussão Geral).

11. No âmbito do Poder Executivo federal, a aplicação da sanção de inidoneidade, nos termos do artigo 156, § 6º, inciso I, da Lei n. 14.133/2021, deve ser feita por ato de Ministro de Estado ou, no âmbito da Administração Indireta, por ato da autoridade máxima da entidade.

12. A prática de infração ambiental especialmente grave pode configurar razão de interesse público para fins de encerramento do contrato administrativo, nos termos do artigo 78, inciso XII, da Lei n. 8.666/1993, e do artigo 137, inciso VIII, da Lei n. 14.133/2021.

13. O enquadramento do cometimento de infrações ambientais especialmente graves como comportamento inidôneo alcança os licitantes submetidos ao regime jurídico da Lei n. 12.462/2011 (artigo 47, inciso VI), caso em que devem ser observadas as disposições específicas desse diploma legal, mormente no que diz respeito à abrangência da sanção, à sua duração, ao termo inicial do prazo prescricional e à autoridade competente para sua aplicação.

14. Em respeito à segurança jurídica, a interpretação fixada neste parecer deve ter aplicação prospectiva, alcançando as infrações ambientais especialmente graves cujos autos tenham sido lavrados após a sua publicação.

I. Relatório

1. Trata-se de consulta formulada pelo Senhor Consultor-Geral da União, que solicitou a esta Consultoria da União a análise, em tese, da possibilidade da aplicação de medidas sancionatórias previstas no âmbito de licitações e contratos administrativos, às pessoas naturais e jurídicas responsáveis pela prática de infrações ambientais especialmente graves.

2. Foram conduzidas reuniões junto à Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente – PRONACLIMA, órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União, que encaminhou subsídios no PARECER n. 00013/2023/PNDCMA/AGU (Seq. 10), aprovado pelo DESPACHO n. 00147/2023/PNDCMA/AGU (Seq. 11).

3. A referida peça opinativa, após elencar as razões pelas quais entende plausível a restrição pretendida, assevera: “considerando que a inidoneidade é penalidade extremamente grave, urge buscar no Direito Penal - que já é informado pelo princípio da subsidiariedade - critérios para definição das condutas que podem dar ensejo à aplicação desta penalidade”. O despacho de aprovação, expedido pela Procuradora-Chefe da PRONACLIMA, corrobora essa linha de ideias, ao afirmar:

Pondero, por fim, que por se tratar de uma análise genérica, recomendamos que sejam buscados parâmetros abstratos na lei penal. Sabe-se que em concreto, outros tipos penais poderiam ter repercussões graves, mas é preciso estabelecer um parâmetro abstrato com segurança. Tal ponderação se faz com o intuito de contribuir com a avaliação conclusiva da CGU.

4. Ressalte-se que a consulta foi realizada em caráter geral e abstrato, sem abordar situações concretas ou específicas, de modo que, na presente peça opinativa, o tema será enfrentado em termos gerais.

5. É o relatório do essencial.

II. Esclarecimentos preliminares

6. No início do corrente ano e em resposta aos graves fatos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, foi aprovado pelo Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União o Parecer n. JM-01, que adotou, para os fins do artigo 41 da Lei Complementar n. 73/1993, o Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, aprovado pelos Despachos n. 00125/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, 00290/2023/GAB/CGU/AGU. A peça opinativa foi assim ementada:

PARECER. CONSULTA. LICITAÇÕES. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. PRÁTICA DE ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS. ATENTADO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA "MORALIDADE". ART. 37, CAPUT, DA CARTA DA REPÚBLICA. ARTS. 5º, 155, X; E 156, IV, TODOS DA LEI N. 14.133/21. COMPORTAMENTO INIDÔNEO. PENALIDADE APLICÁVEL. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR OU CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 158, § 4º, DA LEI N. 14.133/21. ART.47, "CAPUT" C/C INCISO VI DA LEI N. 12.462/11. IMPEDIMENTO PARA LICITAR OU CONTRATAR. RESCISÃO CONTRATUAL. INTERESSE PÚBLICO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO. AMPLA DEFESA. JUÍZO DE PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. ART. 78, XII, DA LEI N. 8.666/93. ART. 137, VIII, DA LEI N. 14.133/21.

I - A prática de desenvolver, ou ainda, estimular ações atentatórias aos Poderes da República consubstancia violação ao Estado Democrático de Direito e ao princípio "republicano", recebendo alta carga de reprovabilidade do ordenamento jurídico pátrio.

II - A contratação administrativa de pessoas, físicas ou jurídicas, que praticaram ou instigaram atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito pode ser vista como incompatível com o princípio da "moralidade" estabelecido no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como com os princípios do "interesse público", da "segurança jurídica" e do "desenvolvimento sustentável", previstos no art. da Lei n. 14.133/21.

III - A prática ou incitação de atos antidemocráticos pode ser interpretada como conduta passível de caracterização da conduta de "comportar-se de modo inidôneo", prevista no art. 155, inciso X, da Lei n. 14.133/21, como infração administrativa.

IV - Encampada a intelecção do item "III", as pessoas físicas ou jurídicas que praticaram ou estimularam atos antidemocráticos, quando figurarem como licitantes ou contratadas no regime jurídico estabelecido pela Lei n. 14.133/21, estarão sujeitas à responsabilização administrativa, mediante a aplicação da penalidade de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar", prevista no inciso IV, do art. 156, da Nova Lei de Licitações.

V - A aplicação da sanção de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar" deve observar o prazo prescricional quinquenal estabelecido no § 4º, do art. 158, da Lei n. 14.133/21.

VI - A Administração Pública possui o prazo de 5 (cinco) anos, contados da ciência do fato, para instaurar o devido processo administrativo com o desiderato de apurá-lo.

VII - A instauração do processo administrativo para a apuração do fato demarca a interrupção do lapso temporal prescricional quinquenal para a responsabilização do agente licitante ou contratado em razão da prática de infração administrativa, nos termos do art. 158, § 4º, da Lei n. 14.133/21.

VIII - A aplicação da penalidade de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar" pressupõe a realização do devido processo legal, nos termos do disposto no art. 158 da Lei n. 14.133/21, com a devida oportunização ao interessado do exercício dos direitos ao "contraditório" e à "ampla defesa"; e sobretudo, a efetiva comprovação do desenvolvimento da conduta ilícita pelo administrado.

IX - A aplicação da sanção de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar" não exclui a obrigação das pessoas físicas ou jurídicas responsáveis de ressarcir a Administração Pública dos prejuízos sofridos em decorrência de atos antidemocráticos, nos termos dispostos no art. 156, § 9º, da Lei n. 14.133/21.

X - a prática ou instigação ao cometimento de atos antidemocráticos podem ser compreendidas como condutas passíveis de caracterizar a infração administrativa de "comportar-se de modo inidôneo", prevista no art. 47, inciso VI, da Lei n. 12.462/11, por parte do licitante submetido ao regime jurídico daquele diploma normativo.

XI - A conduta de "comportar-se de modo inidôneo" é sancionada com a penalidade de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, nos termos do art. 47, caput c/c inciso VI, da Lei n. 12.462/11, desde que comprovada mediante devido processo legal administrativo, com "contraditório" e "ampla defesa".

XII - O prazo prescricional aplicável à pretensão de penalizar "comportamento inidôneo" desenvolvido pelo licitante submetido ao Regime Diferenciado de Contratações Administrativas é de cinco anos, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado a conduta do agente.

XIII - É competente para aplicar a sanção de impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública, prevista no art. 47, caput, da Lei n. 12.462/11, a autoridade responsável pela celebração do contrato ou outra prevista em regimento, a depender do caso concreto.

XIV - A aplicação da sanção de impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública tem eficácia no âmbito do ente federativo em que foi aplicada e, na esfera federal, enseja o registro da penalidade do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF.

XV - O reconhecimento da prática ou a instigação à realização de atos antidemocráticos por parte do contratado é passível de caracterizar interesse público hábil a ensejar a rescisão do contrato administrativo, nos termos dos arts. 78, inciso XII, da Lei n. 8.666/93; e 137, inciso VIII, da Lei n. 14.133/21.

XVI - A rescisão contratual administrativa mencionada no item "XV" somente pode ser efetuada mediante a constatação das seguintes condições: a) a realização do devido processo legal administrativo, com a devida observância dos direitos ao contraditório e à ampla defesa do administrado contratado; b) efetiva comprovação da prática ou do fomento de atos antidemocráticos por parte do contratado; c) decisão administrativa explicitamente justificada declinando as razões de interesse público a ensejar a rescisão administrativa; d) o respeito aos direitos porventura adquiridos em decorrência do contrato administrativo; e e) avaliação da proporcionalidade das consequências práticas possíveis da rescisão da avença para a Administração Pública.

XVII - A restrição do direito de pessoas físicas ou jurídicas de participar de licitações ou contratações com a Administração Pública é medida de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, porquanto a regra é justamente a ampla possibilidade de competição para negociar com o Estado.

XVIII - A aplicação de medida ou sanção que venha a restringir ou impedir a participação de pessoas físicas ou jurídicas em licitações ou contratações públicas, caso não precedida da efetiva comprovação da conduta ilícita - no caso, a prática ou o incentivo à realização de atos antidemocráticos - poderá vir a configurar prática de desvio de finalidade.

XIX - É possível, em processo administrativo sancionatório, a utilização da prova emprestada, licitamente produzida, oriunda de processo judicial, desde que sejam resguardados os direitos substantivos ao "contraditório" e à "ampla defesa" do interessado.

XX - A atuação antidemocrática não se confunde com o regular exercício do direito à crítica decorrente do direito fundamental à "liberdade de expressão", consagrado no art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal.

7. O referido parecer enfrentou, pormenorizadamente, questões inovadoras surgidas a partir da Lei n. 14.133/2021, debruçando-se, de forma diligente, sobre aspectos doutrinários e jurisprudenciais que servem como norte para a aplicação do aludido diploma legislativo. Mais do que isso, a peça opinativa pode representar uma espécie de roteiro para a análise de questões paralelas ou semelhantes, como a que ora se enfrenta.

8. Dessa forma, quanto aos aspectos que envolvem a interpretação da Lei n. 14.133/2021 – os quais, por evidência, são os mesmos analisados no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU –, far-se-á menção aos fundamentos ali lançados. Também quanto a estes pontos, a sequência das observações segue o parâmetro estabelecido no mencionado Parecer, cujas conclusões já vinculam a Administração Pública federal, nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar n. 73/1993.

9. Ainda em sede preambular, vale destacar a publicação da Portaria SEGES/MGI n. 720, de 15 de março de 2023, que “fixa o regime de transição de que trata o art. 191 da Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional”; da Portaria SEGES/MGI n. 1.769, de 25 de abril de 2023, que “dispõe sobre o regime de transição de que trata o art. 191 da Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional”, bem como da Lei Complementar n. 198, de 28 de junho de 2023, que, dentre outras medidas, altera a Lei n. 14.133/2021. As diretrizes previstas nos referidos atos normativos devem ser levadas em consideração quando da instauração de procedimentos licitatórios e eventual prorrogação de contratos administrativos.

III. Fundamentação

III.I. Meio ambiente e contratações públicas

10. O artigo 225 da Constituição da República assegura, em uma perspectiva transgeracional, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O § do referido dispositivo confere, inclusive, status de patrimônio nacional à Floresta Amazônica brasileira, à Mata Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Mato-Grossense e à Zona Costeira, exigindo que a sua utilização seja feita “na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.

11. Ressaltando a relevância do meio ambiente na ordem jurídica, o Supremo Tribunal Federal[1], em consonância com a doutrina nacional e internacional, reconhece-lhe, desde há muito, o caráter de direito fundamental de terceira geração. Além disso, ao julgar o Tema n. 999 da Repercussão Geral[2], a Corte fixou tese no sentido de que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já declarou a relevância do princípio constitucional do desenvolvimento sustentável, nos seguintes termos:

(...) A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA

ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (...)

(ADI n. 3540 MC, Relator: Ministro Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 01/09/2005, Publicação em 03/02/2006; grifou-se).

12. A proteção ao meio ambiente, dever de todos, é, reconhecidamente, necessária para viabilizar a vida e a dignidade humanas.

13. Tanto é assim que a tutela infraconstitucional do meio ambiente se faz em múltiplas frentes, orientada pelos princípios regentes do direito ambiental. Pode-se citar, exemplificativamente, a Lei n. 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente; a Lei n. 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza; a Lei n. 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa da Mata Atlântica; a Lei n. 12.651/2012, que é o atual Código Florestal; a Lei n. 14.119/2021, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais; a Lei n. 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Lei n. 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima.

14. Além disso, a atuação para a defesa do meio ambiente é de competência comum entre os entes federativos, que devem, nos termos do artigo 23, VI, da Constituição Federal, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

15. O cuidado com o referido bem jurídico tem assumido cada vez maior relevância no âmbito dos órgãos e instituições do Governo Federal, podendo-se mencionar, na Advocacia-Geral da União, por exemplo, a elaboração do Guia Nacional de Contratações Sustentáveis, pela Câmara Nacional de Sustentabilidade desta Consultoria-Geral da União, cuja 6ª Edição foi publicada em setembro de 2023, e a criação da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente como órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União (cf. Decreto n. 11.328/2023).

16. Existe, ademais, um mandado constitucional de criminalização, de responsabilização administrativa e cível, contido no § 3º do artigo 225 da Constituição da República, que prevê que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

17. Assim, há, no âmbito do direito sancionador, por exemplo, a Lei n. 9.605/1998, que “dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências”, e o Decreto n. 6.514/2008, que “dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e outras providências”.

18. Apesar da inegável relevância da preservação do meio ambiente no ordenamento jurídico, é um evidente desafio para o Estado operacionalizar a sua defesa adequada. Exemplificativamente, tem-se que, em agosto de 2023, houve queda de 66% dos alertas de desmatamento na Amazônia[3], embora no Cerrado tenha ocorrido o oposto nos meses de janeiro a julho[4].

19. Desse modo, à luz do arcabouço legal e constitucional sobre o meio ambiente, é possível afirmar que o cometimento de infrações que abalam o referido bem jurídico de forma especialmente grave é conduta que agride um valor essencial à Constituição Federal e cuja preservação é necessária para a manutenção da própria vida.

20. Há uma inegável relação entre o respeito ao meio ambiente e a preservação da democracia. Nesse sentido, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal realizou, recentemente o Colóquio Internacional sobre Justiça Climática e Democracia. Na ocasião, como se extrai do site da Corte, a Ministra Cármen Lúcia enfatizou serem os referidos valores indissociáveis. Confira-se:

Consequências da destruição

Em sua participação, a ministra Cármen Lúcia destacou que, na ilusão de achar que pode submeter tudo e todos ao seu poder, a humanidade sofre as consequências da destruição que promoveu contra o meio ambiente. “A natureza obriga, ela não conhece fronteiras, ela se impõe soberanamente. E é isto que estamos vendo: que a forma de viver de um povo influencia o presente e o futuro”, disse.

República ecológica

Na sua avaliação, é preciso pensar e construir uma república ecológica planetária, na medida em que o mundo pertence a toda a humanidade, e as demandas para a construção de uma sociedade ecologicamente justa ultrapassam as fronteiras físicas[5].

21. Além disso, houve a publicação, em setembro de 2023, da edição de Direito Ambiental da série Supremo Contemporâneo, em cuja apresentação a Ministra Rosa Weber destacou:

Os litígios ambientais apresentam-se na contemporaneidade como um dos temas jurídicos mais relevantes, em razão do seu caráter complexo e policêntrico, a envolver questão subjacente de caráter humanitário, cultural, ecológico e econômico, de abrangente impacto na tessitura social e na estrutura constitucional brasileira, notadamente no núcleo normativo do artigo 225 da Constituição Federal.

O desenho constitucional adotado nesse dispositivo, ao trazer uma normatividade de direito e deveres, impõe autêntico sistema de vinculação dos poderes constituídos, dos órgãos de Estado e da sociedade aos deveres de proteção quanto ao direito fundamental ao meio ambiente, motivo pelo qual proibida, no sistema constitucional, a proteção insuficiente, seja ela derivada de atos comissivos seja de atos omissivos.

22. Neste ponto, valho-me de raciocínio análogo ao utilizado nos itens 22 a 26 do Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU[6], para concluir, com base nos valores éticos norteadores do princípio da moralidade (artigo 37, caput, da Constituição Federal), que seria contraditório que o Poder Público não utilizasse, no âmbito das licitações e contratações públicas, eventuais mecanismos existentes que lhe possibilitassem defender-se contra a contratação de pessoas naturais ou jurídicas que tenham praticado condutas especialmente gravosas à tutela do meio ambiente.

23. Com efeito, a proteção ao meio ambiente permeia os comandos da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 14.133/2021), cujo artigo assim dispõe:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). (Grifou-se).

24. A preocupação com os impactos ambientais está presente, na referida lei, desde a fase preparatória, na qual se exige que o estudo técnico preliminar contenha o elemento de “descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras (...)” (artigo 18, § 1º, inciso XII). Também na seção referente aos critérios de julgamento, admite-se que o impacto ambiental possa ser considerado para a definição do menor dispêndio, nos casos de julgamento por menor preço ou maior desconto (artigo 34, § 1º).

25. Pode-se citar, ademais, o artigo 42, inciso III, que permite, como meio para a prova de qualidade de produto similar ao de marcas indicadas no edital, “certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada”. Há, além disso, previsão de que as licitações de obras e serviços de engenharia respeitem a disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras e a mitigação por condicionantes e compensação ambiental (artigo 45), bem como que a contratação de obras, fornecimentos e serviços seja feita mediante remuneração variável, que pode estar relacionada, inclusive, a critérios de sustentabilidade ambiental.

26. Resta saber, no entanto, se é possível inferir, da referida lei, algum mecanismo que permita impedir a celebração de contratos com pessoas naturais ou jurídicas que tenham sido responsáveis pela prática de infrações ambientais especialmente graves.

III.II. Análise dos mecanismos da Lei n. 14.133/2021 para obstar a participação em licitações e a contratação de pessoas naturais ou jurídicas que tenham praticado infrações ambientais especialmente graves

27. Inicialmente, é necessário enfrentar a questão sobre a existência, na Nova Lei de Licitações, de mecanismo suficiente para obstar a participação em licitações e a contratação de pessoas naturais ou jurídicas que tenham praticado infrações administrativas ambientais especialmente graves.

28. A rigor, um obstáculo nesse sentido não poderia ser imposto na fase de habilitação, em nenhuma de suas quatro modalidades, na medida em que elas estão expressamente definidas nos artigos 66 a 70 da Lei n. 14.133/2021 e não abrangem avaliação quanto à prática de crimes ambientais. Em outros termos, como bem ressaltado no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU a respeito da participação em atos antidemocráticos, a inabilitação decorre “da efetiva ausência de comprovação de aptidão jurídica, técnica, fiscal, social, trabalhista ou econômico-financeira para contratar com a Administração Pública”.

29. Passando-se à análise dos casos de impossibilidade de disputa de licitação ou participação na execução de contrato, em determinadas situações seria possível impedir a participação de pessoas físicas ou jurídicas impossibilitadas para tal em decorrência da imposição de sanção, como prevê o artigo 14, inciso III, da Lei n. 14.133/2021:

Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente:

I - autor do anteprojeto, do projeto básico ou do projeto executivo, pessoa física ou jurídica, quando a licitação versar sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ele relacionados;

II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou do projeto executivo, ou empresa da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, controlador, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto, responsável técnico ou subcontratado, quando a licitação versar sobre obra, serviços ou fornecimento de bens a ela necessários;

III - pessoa física ou jurídica que se encontre, ao tempo da licitação, impossibilitada de participar da licitação em decorrência de sanção que lhe foi imposta;

IV - aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação;

V - empresas controladoras, controladas ou coligadas, nos termos da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, concorrendo entre si;

VI - pessoa física ou jurídica que, nos 5 (cinco) anos anteriores à divulgação do edital, tenha sido condenada judicialmente, com trânsito em julgado, por exploração de trabalho infantil, por submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo ou por contratação de adolescentes nos casos vedados pela legislação trabalhista.

§ O impedimento de que trata o inciso III do caput deste artigo será também aplicado ao licitante que atue em substituição a outra pessoa, física ou jurídica, com o intuito de burlar a efetividade da sanção a ela aplicada, inclusive a sua controladora, controlada ou coligada, desde que devidamente comprovado o ilícito ou a utilização fraudulenta da personalidade jurídica do licitante.

§ 2º A critério da Administração e exclusivamente a seu serviço, o autor dos projetos e a empresa a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo poderão participar no apoio das atividades de planejamento da contratação, de execução da licitação ou de gestão do contrato, desde que sob supervisão exclusiva de agentes públicos do órgão ou entidade.

§ Equiparam-se aos autores do projeto as empresas integrantes do mesmo grupo econômico.

§ 4º O disposto neste artigo não impede a licitação ou a contratação de obra ou serviço que inclua como encargo do contratado a elaboração do projeto básico e do projeto executivo, nas contratações integradas, e do projeto executivo, nos demais regimes de execução.

§ 5º Em licitações e contratações realizadas no âmbito de projetos e programas parcialmente financiados por agência oficial de cooperação estrangeira ou por organismo financeiro internacional com recursos do financiamento ou da contrapartida nacional, não poderá participar pessoa física ou jurídica que integre o rol de pessoas sancionadas por essas entidades ou que seja declarada inidônea nos termos desta Lei. (Grifou-se).

30. Neste ponto, há que se destacar que a sanção de impossibilidade de participar da licitação pode decorrer de diversos fatos geradores, a exemplo do artigo 81, § 3º, da Lei n. 9.504/1997 (Lei das Eleições) e do artigo 46 da Lei n. 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU).

31. É preciso analisar, de forma mais específica, se há, no ordenamento jurídico, dispositivo que imponha aos que praticarem infrações ambientais sanção que se enquadre no artigo 14, inciso III, da Lei n. 14.133/2021, ou seja, que vede a participação em licitação.

32. No que diz respeito aos crimes ambientais, em caso de cominação de pena de interdição temporária de direito a pessoas naturais (artigo 10 da Lei n. 9.605/1998), pode haver vedação à participação em licitações. Confira-se:

Art. 10. As penas de interdição temporária de direito são a proibição de o condenado contratar com o Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos. (Grifou-se).

33. Essa, no entanto, é a única hipótese em que a prática de um crime ambiental possibilitaria a aplicação da sanção de impedimento de participação em licitação. Além disso, essa proibição não é replicada, em relação às infrações ambientais, no Decreto n. 6.514/2008.

34. Isso porque as sanções para os crimes ambientais perpetrados por pessoas jurídicas e para as infrações administrativas praticadas por pessoas físicas ou jurídicas não incluem a vedação à participação na licitação, mas, apenas, a proibição de contratar. Confira-se, por oportuno, o teor dos artigos 22, inciso III e § 3º, da Lei n. 9.605/1998 e o artigo 20, inciso V e § 1º, do Decreto n. 6.514/2008:

Lei n. 9.605/1998

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: (...)

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

(...)

§ A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. (Grifou-se).

Decreto n. 6.514/2008

Art. 20. As sanções restritivas de direito aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas são: (...)

V - proibição de contratar com a administração pública;

§ 1º A autoridade julgadora fixará o período de vigência das sanções previstas no caput, observados os seguintes prazos:

I - até três anos para a sanção prevista no inciso V; II - até um ano para as demais sanções. (Grifou-se).

35. Portanto, ao menos em uma interpretação literal, o impedimento para disputar licitação ou participar da execução de contrato, nos termos do artigo 14, inciso III, da Lei n. 14.133/2021, dirige-se àqueles que estiverem, ao tempo da licitação, impossibilitados de dela participar em decorrência de sanção imposta. Em termos de infrações ambientais, a análise da legislação pertinente autoriza concluir que a penalidade de proibição de participação em licitações poderia ser imposta apenas a pessoas naturais e nos casos específicos em que lhes fosse cominada essa pena de interdição temporária de direito em um processo criminal, nos termos do artigo 10 da Lei n. 9.605/1998.

36. Em outros termos, a aplicação do artigo 14, inciso III, da Lei n. 14.133/2021 no procedimento licitatório em sentido amplo não abarcaria as pessoas jurídicas que praticassem infrações ambientais equiparáveis a crimes ambientais especialmente graves (seja em sede administrativa, seja em sede judicial), nem as pessoas físicas que, tendo-os praticado, não tivessem recebido, na via judicial, a sanção de proibição de participar de licitações.

37. Resta saber se, nessas hipóteses, ainda restaria algum instrumento que permitisse à Administração Pública evitar a participação dessas pessoas físicas ou jurídicas em procedimentos licitatórios.

38. O Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU (itens 48 a 62), ao fazer um estudo detalhado sobre a aplicação do artigo 155 da Lei n. 14.133/2021, esclarece a diferença entre o regime previsto na Lei n. 8.666/1993 em que a configuração de infração administrativa depende da existência de um contrato – e aquele estabelecido na Nova Lei de Licitações, que se refere tanto ao “licitante” quanto ao “contratado”, para concluir que “a leitura do art. 155 da Lei n. 14.133/21 abre margem para o entendimento jurídico de que o licitante ou o contratado podem vir a ser responsabilizados administrativamente, no regime daquele diploma legal, por atos cometidos contra a Administração Pública, não necessariamente decorrentes de procedimento licitatório ou da execução de contrato administrativo”. Confira-se:

76. Ao que parece, quando o legislador desejou condicionar que a prática da conduta infracional ocorresse no contexto da realização de certame licitatório ou na execução de contrato administrativo, fê-lo explicitamente ao longo dos enunciados constantes dos incisos espraiados pelo art. 155 da Lei 14.133/21.

77. Nesse quadrante, é possível empreender leitura da Nova Lei de Licitações que permita concluir que as infrações que podem ensejar a responsabilização do licitante ou do contratado não necessariamente devem ser praticadas sob tais condições para que possam restar configuradas.

78. Na realidade, o que efetivamente se extrai da leitura do caput, do art. 155, da Lei de Licitações é que a condição de licitante ou de contratado é pressuposto da responsabilização a ser efetivada em razão das infrações previstas naquele dispositivo normativo. Isto, todavia, não se confunde com o fenômeno da efetiva configuração do ilícito administrativo, o qual pode, a depender da previsão do tipo legal, ocorrer em contexto diverso das licitações e contratos administrativos.

79. Veja-se, por exemplo, que os tipos administrativos previstos nos incisos X e XII, do art. 155, da Lei nº 14.133/21 - quais sejam, "comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude de qualquer natureza"; e "praticar ato lesivo previsto no art. da Lei 12.846, de de agosto de 2013" - com a sua redação aberta, não estabelecem como requisito que as condutas neles previstas, para que possam consubstanciar infração administrativa, devam necessariamente ter sido desenvolvidas no decorrer de certame licitatório ou da execução de contrato administrativo.

80. Por essa leitura, seria possível que uma pessoa, física ou jurídica, que tenha efetivamente praticado os tipos praticados nos incisos X e XII da Lei nº 14.133/21 e que, posteriormente, venha a se apresentar a Administração como licitante ou como contratado, seja responsabilizada administrativamente por tais condutas. (Grifou-se).

39. Desse modo, conforme anteriormente concluído no âmbito desta Advocacia-Geral da União, a pessoa física ou jurídica que cometa ato que se enluve aos incisos X e XII do artigo 155 da Lei n. 14.133/2021, caso venha a se encontrar na condição de licitante ou contratado perante a Administração Pública, pode ser responsabilizada por essas condutas.

40. A sanção correspondente, nesses casos, é a prevista no artigo 156, § 5º, da Nova Lei de Licitações, qual seja, a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, a qual “(...) impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos”.

41. Analisando-se os dispositivos do artigo 155 da Lei n. 14.133/2021, tem-se que a prática de infrações ambientais especialmente graves, nos termos a seguir definidos podem, em tese, ser classificadas como “comportar-se de modo inidôneo (...)”. Isso se evidencia não apenas pela estatura constitucional do direito ao meio ambiente, mas também pela sua destacada posição como diretriz para os procedimentos licitatórios e contratações públicas e como importante vetor democrático para o Estado brasileiro.

42. No entanto, vale ressaltar que essa conclusão não impede que o cometimento de outras infrações administrativas - inclusive de menor gravidade - também atraia a aplicação da inidoneidade, com base, por exemplo, no inciso XII do artigo 155 da Nova Lei de Licitações, que prevê como passível de responsabilização o licitante ou contratado que “praticar ato lesivo previsto no artigo 5º da Lei n. 12.846/2013”. Seria o caso, ao menos em tese, da infração prevista no artigo 77 do Decreto n. 6.514/2008 (“obstar ou dificultar a ação do Poder Público no exercício de atividades de fiscalização ambiental”), conduta que pode ser equivalente à do artigo 5º, inciso V, da Lei Anticorrupção (“dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladores e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”). Nesse caso, porém, como prevê o artigo 159 da Lei n. 14.133/2021, “os atos previstos como infrações administrativas nesta Lei ou em outras leis de licitações e contratos da Administração Pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de de agosto de 2013, serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, observados o rito procedimental e a autoridade competente definidos na referida Lei”.

43. Conforme argumentado, o conceito de comportamento inidôneo e a possibilidade de enquadrar nesta categoria atos praticados fora dos procedimentos licitatórios ou da execução do contrato foram trabalhados, de forma minudente, no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, que concluiu que “para a configuração do comportamento inidôneo aludido no inciso X do art. 155 da Lei n. 14.133/21 faz-se necessária a presença conjugada de dois elementos: a) a atuação antijurídica do agente; e b) o elevado grau de reprovabilidade da conduta a ponto de inviabilizar o relacionamento jurídico com a Administração Pública” (item 112).

44. Neste ponto, colhem-se das contribuições da PRONACLIMA, no PARECER n. 00013/2023/PNDCMA/AGU, as seguintes considerações:

28. Se é certo que os princípios carecem, muitas vezes, de densidade normativa, diante do quadro de normas composto pela Lei 6.938, de 1981, e Lei 14.133, de 2021, foi construída densidade normativa mais do que suficiente para direcionar os recursos públicos – por meio das compras públicas para o fomento de produtos e serviços que corroboram para o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente.

29. O Plano de Implementação de Joanesburgo - elaborado na Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo – reforça o arcabouço legal que sustenta as compras sustentáveis pelo Poder Público. A doutrina registra a relevância desse marco legal:

Por fim, a conferência seguinte, denominada World Summit on Sustainable Development, ou Rio+10, realizada na cidade de Joanesburgo – África do Sul, em 2002, reforçou a urgência da conscientização da população e dos governos em geral quanto à necessidade de uma renovação frente ao arquétipo contemporâneo do consumismo voraz, por meio da publicação do chamado Plano de Implementação de Joanesburgo. Este impresso provia inúmeras orientações distribuídas ao longo de onze seções, dentre as quais, seu terceiro capítulo, intitulado “Alteração dos Padrões Insustentáveis de Produção e Consumo”, que destacava no artigo 19, alínea “c”, a premência da participação do Poder Público como indutor deste processo por meio das compras públicas.

Promover as políticas de compras públicas que incentivem o desenvolvimento e a disseminação de bens e serviços ambientalmente saudáveis. (ONU, 2002, p. 10)

Com efeito, este foi o primeiro tratado global a identificar a imprescindibilidade do Estado em assumir um papel mais ativo na proteção do meio ambiente, não somente cumprindo seu papel regulamentador, mas também como protagonista dos fatos, dada a relevância e o porte das contratações públicas. Consequentemente, instituiu-se então que esta meta deveria ser almejada por meio da realização de licitações sustentáveis, também denominadas “compras verdes”, “ecoaquisições”, “licitações positivas”, ou “compras ambientalmente amigáveis”, as quais visam a utilização do poder de compra do governo, através da preferência por produtos e serviços economicamente viáveis, ambientalmente corretos, socialmente justos (CHENG et al., 2018) e culturalmente aceitos, como ferramenta para intimar que as empresas que desejam firmar contratos com a administração pública se adequem aos padrões exigidos por esta nova doutrina, incrementando, inclusive, sua transparência (HOFACKER et al., 2012).[6]

30. Em 2015, a Resolução n. 70/1 da Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Agenda 2030, que fixou os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, dentre eles, destaca-se o o ODS 12 “Assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis”, e as seguintes metas:

1 Implementar o Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis, em articulação com entes federados.

2. Até 2030, alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais. (...)

7. Promover práticas de contratações e gestão públicas com base em critérios de sustentabilidade, de acordo com as políticas e prioridades nacionais.

31. É de clareza solar o dever jurídico do Estado em promover o meio ambiente ecologicamente equilibrado por meio das compras sustentáveis – essa leitura acerca do arcabouço nacional e internacional em matéria de meio ambiente

32. Reconhecido o dever de agir do Estado, temos como consectário lógico o necessário reconhecimento do dever estatal de não agir. Veja: é incoerente extrair do conjunto de princípios e normas do ordenamento jurídico que o Estado deve pautar sua conduta de uma determinada forma e acolher como válido, a partir desse mesmo ordenamento, um agir contrário.

45. No caso, como já mencionado, o respeito ao meio ambiente é um elemento constitutivo do Estado democrático de direito, de modo que as relações da Administração Pública podem e devem se pautar pela deferência a esse direito fundamental, que é essencial à preservação da vida de todos e de cada um dos seres humanos. O Estado pautado pelo essencial e indispensável respeito ao meio ambiente não pode, por consequência lógica, ser obrigado a licitar ou contratar com infratores ambientais, quando tenha ciência de condutas especialmente graves por ele praticados, sobretudo quando tem à sua disposição instrumento legal de que possa se valer para evitar essa situação.

III.III. As infrações ambientais especialmente graves

46. Estabelecida essa possibilidade, cumpre densificar o que se propõe como conceito de infrações ambientais especialmente graves, para os fins deste parecer. De fato, as infrações administrativas ambientais, como se afirmou, estão tipificadas no Decreto n. 6.514/2008, que lhes comina sanções pecuniárias as quais, no entanto, “(...) não impedem a aplicação cumulativa das demais sanções previstas neste Decreto” (artigo 3º, § 1º).

47. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido que as infrações administrativas ambientais, desde que respeitado o art. 70 da Lei n. 9.605/1998, podem ser definidas via decreto:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. ARMAZENAGEM DE PNEUS USADOS IMPORTADOS, SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE. ART. 70 DA LEI 9.605/98. PENA DE MULTA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. PLENA OBSERVÂNCIA. REVISÃO DO VALOR DA MULTA EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES.

(...)

2. A aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de polícia, somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido pela lei como infração administrativa.

3. Hipótese em que o auto de infração foi lavrado com fundamento no art. 70 da Lei 9.605/98, c/c os arts. 47-A, do Decreto 3.179/99, e 4º da Resolução CONAMA 23/96, pelo fato de a impetrante, ora recorrente, ter armazenado 69.300 pneus usados importados, sem autorização do órgão ambiental competente.

4. Considera-se infração administrativa ambiental, conforme o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

(...)

6. Tem-se, assim, que a norma em comento (art. 47-A do Decreto 3.179/99), combinada com o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, anteriormente mencionado, conferia toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do princípio da legalidade estrita.

7. O valor da multa aplicada, por levar em conta a gravidade da infração e a situação econômica do infrator, conforme dispõe o art. 6º da Lei 9.605/98, além de não ter ultrapassado os limites definidos no art. 75 do mesmo diploma legal, não pode ser revisto em sede de mandado de segurança, pois exige dilação probatória, tampouco pode ser reexaminado em sede de recurso especial, conforme o disposto na Súmula 7/STJ.

8. Recurso especial desprovido, ressalvado o acesso da impetrante às vias ordinárias.

(REsp n. 1.080.613/PR, relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 23/6/2009, DJe de 10/8/2009).

48. Nessa linha de ideias, vale ressaltar que a Lei n. 9.605/1998 previu, em seu artigo 70, caput, que se deve considerar “infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. Como afirma Édis Milaré, trata-se de um tipo infracional aberto, que possibilita discricionariedade no exercício de subsunção a ser realizado pelo administrador. Confira-se:

Trata-se de um tipo infracional aberto, que possibilita ao administrador certa dose de discricionariedade na busca da subsunção do caso concreto na tipificação legal adotada, para caracterizá-lo como  infração  administrativa  ambiental. Ora,  como  expresso  na doutrina, essa modalidade de tipo é admitida inclusive na esfera penal; portanto, não pode haver dúvidas quanto à legalidade de sua utilização em matéria de infrações administrativas[7].

49. Como tem se afirmado, “praticamente todas as infrações administrativas ambientais também podem ser tipificadas como crime, já que os tipos administrativos do Decreto 6.514/08 foram em sua maioria simplesmente copiados dos tipos criminais da Lei 9.605/98”[8]. Isso não significa que haja uma perfeita correspondência entre os tipos dos dois diplomas, inclusive porque há infrações administrativas que não configuram crime ambiental, a exemplo daquela prevista no artigo 76 do Decreto n. 6.514/2008[9]. Significa, porém, que a maioria das infrações administrativas ambientais se enluva a alguma conduta criminalmente tipificada.

50. Para fins da consulta realizada, tem-se como necessária a adoção de um critério que permita conferir tratamento diferenciado a infratores ambientais que tenham cometido ilícitos em razão da gravidade da conduta, em respeito à proporcionalidade e considerando tratar-se de restrição ao exercício pleno de atividade econômica. Sabe-se que a gravidade dos danos ambientais pode variar em função de diversos fatores. No entanto, tratando-se de estabelecimento de critério geral, que deve reger-se pela segurança na aplicação linear a toda a Administração Pública federal, não seria suficientemente seguro apenas relacionar o conceito pretendido à gravidade em concreto da infração ambiental.

51. Nesse sentido, o mencionado PARECER n. 00013/2023/PNDCMA/AGU destacou a adequação de buscar-se critérios no direito penal, inclusive em relação aos preceitos secundários. Confira-se:

46. Especificamente quanto à subsidiariedade, destaco: "[E]m face dos bens jurídicos fundamentais o Direito Penal atua como ultima ratio, ou seja, como última instância de proteção aos bens imprescindíveis à sociedade. Isso significa que apenas será empregada a tutela penal quando todos os outros meios de proteção - cíveis e administrativos - não lograram êxito na guarda dos bens tutelados." Considerando, portanto, que a responsabilização penal se dá como última ratio da ação estatal na proteção do meio ambiente e que se está buscando identificar as situações extremas que justificam a aplicação da pena de inidoneidade, há que se buscar os parâmetros inicialmente no Direito Penal.

47. A Lei 9.605, de 1998, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dali podem ser extraídos os parâmetros que apontam para os crimes ambientais de extrema gravidade. O art. 79, da Lei 9.605, de 1998, prevê que aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. Nesse microssistema jurídico, o tipo, a duração (ou valor) e o regime de cumprimento como critérios para qualificar a gravidade da conduta - critérios que podem também ser utilizados para caracterização da conduta inidônea.

(...)

53. É importante, ainda, ponderar que atingir essa economia efetivamente sustentável, denominada por alguns estudiosos como bioeconomia, é um processo em andamento, que exige enormes investimentos e inúmeras medidas por parte do Estado e sociedade. Assim, não se pode inviabilizar a contratação pública com pessoas jurídicas por qualquer conduta lesiva ao meio ambiente - em primeiro lugar que não estaria atendido o requisito da Lei 14.133, de 2021, que exige a gravidade da conduta e, em termos econômicos, poder-se-ia criar um grande colapso, especialmente em pequenas cidades.

54. Considerando que a inidoneidade é penalidade extremamente grave, urge buscar no Direito Penal - que já é informado pelo princípio da subsidiariedade - critérios para definição das condutas que podem dar ensejo à aplicação desta penalidade.

52. Semelhantemente, o DESPACHO n. 00147/2023/PNDCMA/AGU afirma, em trecho transcrito no relatório:

Pondero, por fim, que por se tratar de uma análise genérica, recomendamos que sejam buscados parâmetros abstratos na lei penal. Sabe-se que em concreto, outros tipos penais poderiam ter repercussões graves, mas é preciso estabelecer um parâmetro abstrato com segurança. Tal ponderação se faz com o intuito de contribuir com a avaliação conclusiva da CGU.

53. Por isso, impende adotar como gradação para as condutas consideradas especialmente graves em matéria ambiental a categoria das infrações administrativas que possam se equiparar a condutas criminais de maior gravidade para o meio ambiente. Para fins deste parecer, ou seja, para possibilitar a severa sanção de inidoneidade, considera-se adequado adotar critérios capazes de alcançar as condutas que, de fato, causem especial lesão ao meio ambiente, sendo assim consideradas pelo próprio direito penal. Dentro desse rol, deve, ainda, haver uma violação qualificada ao meio ambiente, inferida a partir de critérios extraíveis da legislação criminal ambiental.

54. Dessa maneira, nos termos a seguir delineados, propõe-se considerar como conduta especialmente grave em matéria ambiental as infrações administrativas que, em primeiro lugar, correspondam aos tipos penais ambientais considerados, por si, de maior potencial ofensivo e, dentre eles, aqueles que revelem aptidão de violação qualificada ao meio ambiente. Passa-se ao detalhamento do referido critério.

55. Como se sabe, a Lei n. 9.605/1998 tutela uma ampla gama de condutas lesivas ao meio ambiente. Esses tipos penais, como é certo, respeitam o princípio da fragmentariedade em matéria penal, devendo-se considerar que, tendo o legislador validamente optado pela criminalização de condutas lesivas ao meio ambiente, elas possuem gravidade apta a atrair a persecução penal do Estado contra os agentes que as pratiquem.

56. Apesar disso, existe uma variação na lesividade das condutas penais, o que, aliás, decorre da própria Constituição da República, pois, como já se decidiu no Supremo Tribunal Federal, “em tema de política criminal, a Constituição Federal pressupõe lesão significativa a interesses e valores (os chamados “bens jurídicos”) por ela avaliados como dignos de proteção normativa. Daí por que ela, Constituição, explicitamente trabalha com dois extremos em matéria de política criminal: os crimes de máximo potencial ofensivo (entre os quais os chamados delitos hediondos e os que lhe sejam equiparados, de parelha com os crimes de natureza jurídica imprescritível) e as infrações de pequeno potencial ofensivo (inciso I do art. 98 da CF)”[10].

57. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que existem condutas previstas na Lei n. 9.605/1998 que podem ser alcançadas pelo princípio da insignificância, o que lhes retira a tipicidade[11]. Em outros casos, a gradação da lesividade é feita na própria instituição dos preceitos secundários, que podem permitir a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/1995, nomeadamente a transação penal e a suspensão condicional do processo, elencadas, respectivamente, nos artigos 76 e 89 do referido diploma legal[12].

58. Há condutas criminosas, no entanto, que não admitem a incidência desses particulares institutos de diversion e, por isso, são consideradas pela doutrina como crimes de elevado ou maior potencial ofensivo, ou seja, os crimes para os quais é prevista pena mínima superior a um ano e, consequentemente, máxima superior a dois anos. Nesse sentido, colhe-se, em sede doutrinária:

Crimes de mínimo potencial ofensivo são os que não comportam a pena privativa de liberdade. (...)

Crimes de menor potencial ofensivo, por sua vez, são aqueles cuja pena privativa de liberdade em abstrato não ultrapassa dois anos, cumulada ou não com multa. São assim definidos pelo art. 61 da Lei 9.099/1995, e ingressam na competência do Juizado Especial Criminal, obedecendo ao rito sumaríssimo e admitindo a transação penal e a composição dos danos civis. O art. 98, I, da Constituição Federal faz menção às “infrações de menor potencial ofensivo”, expressão que também abrange todas as contravenções penais.

Crimes de médio potencial ofensivo, de seu turno, são aqueles cuja pena mínima não ultrapassa um ano, independentemente do máximo da pena privativa de liberdade cominada. Tais delitos admitem a suspensão condicional do processo, na forma delineada pelo art. 89 da Lei 9.099/1995.

Crimes de elevado potencial ofensivo são os que apresentam pena mínima superior a um  ano, ou seja, pelo menos de dois anos e, consequentemente, pena máxima acima de dois anos. Tais delitos não se compatibilizam com quaisquer dos benefícios elencados pela Lei 9.099/1995.

Finalmente, classificam-se como crimes de máximo potencial ofensivo os que recebem tratamento diferenciado pela Constituição Federal. São os hediondos e equiparados (...), bem como os delitos cujas penas não se submetem à prescrição.[13] (Grifou-se).

59. Esse é o primeiro critério para o enquadramento das condutas que, encontrando paralelo no Decreto n. 6.514/2008, devem ser consideradas infrações ambientais especialmente graves para os fins deste parecer.

60. Vale, aqui, salientar que essa conclusão não é afastada pelo fato de esses crimes eventualmente admitirem acordo de não persecução penal, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal. Isso porque, como se sabe, a utilização desse instrumento processual penal não tem o condão de indicar uma menor gravidade da conduta e, aliás, incide sobre a maioria dos crimes hoje previstos no ordenamento jurídico.

61. Adotando-se o critério proposto, tem-se que, atualmente, os crimes ambientais de maior potencial ofensivo são aqueles previstos nos artigos 32, § 1º-A; 41; 50-A e 69-A, caput, da Lei n. 9.605/1998, quais sejam:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

(...)

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

§ A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:

Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.

§ Não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família.

§ Se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare.

Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (...)

§ A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.

62. Embora nem sempre seja possível fazer uma equivalência exata, é necessário elencar as infrações administrativas equiparadas aos tipos penais supratranscritos, especificando, quando necessário, as particularidades concretas.

63. Ao crime de prática de maus-tratos animais (art. 32 da Lei de Crimes Ambientais) corresponde a infração elencada no art. 29 do referido decreto. Confira-se:

Art. 29. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais) por indivíduo.

64. A aplicação, no entanto, deve ser restrita aos casos em que a própria lei penal define como de maior potencial ofensivo, ou seja, quando se tratar de cão ou gato.

65. Ao crime de incêndio (art. 41 da Lei de Crimes Ambientais) equipara-se a infração prevista no art. 58 do Decreto n. 6.514/2008:

Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.

66. Ao crime de desmatamento (art. 50-A da Lei de Crimes Ambientais) correspondem as seguintes infrações administrativas:

Art. 51. Destruir, desmatar, danificar ou explorar floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, em área de reserva legal ou servidão florestal, de domínio público ou privado, sem autorização prévia do órgão ambiental competente ou em desacordo com a concedida:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.

Art. 52. Desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente:

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração.

67. Por fim, ao delito previsto no art. 69-A da Lei de Crimes Ambientais equipara-se o disposto no artigo 82 do Decreto n. 6.514/2008:

Art. 82. Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental:

Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Parágrafo único. Quando a infração de que trata o caput envolver movimentação ou geração de crédito em sistema oficial de controle da origem de produtos florestais, a multa será acrescida de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo, metro de carvão ou metro cúbico.

68. Considerando-se que a gradação necessária para a construção deste parecer se destina à imposição de uma penalidade severa, deve-se, adicionalmente, exigir que a violação ao meio ambiente seja considerada especialmente grave. Para isso, propõe-se adotar, dentro dos referidos tipos penais, hipóteses que denunciem violação mais contundente ao meio ambiente, seja na forma graduada em lei, seja adotando-se interpretação analógica.

69. Dessa forma, em relação ao delito de desmatamento, o art. 50-A da Lei de Crimes Ambientais prevê, em seu § 2º, que “se a área explorada for superior a 1.000ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare”. É razoável a adoção desse critério, qual seja, o da extensão territorial do dano, para considerar-se a infração especialmente grave. Apesar de não haver previsão equivalente para o delito previsto no art. 41 do referido diploma legislativo, é possível aplicar-se, analogicamente e para efeitos deste parecer, a mesma extensão territorial. Essa é uma interpretação viável, inclusive, porque na infração administrativa correspondente ao incêndio (art. 58 do Decreto n. 6.514/2008, supratranscrito), o valor da multa aplicável varia de acordo com a quantidade de hectares atingidos.

70. Desse modo, consideradas as infrações administrativas equivalentes aos crimes previstos nos artigos 41 e 50-A da Lei de Crimes Ambientais, quais sejam, aquelas previstas nos artigos 51, 52 e 58 do Decreto n. 6.514/2008, devem ser consideradas especialmente graves, para os fins deste parecer, aquelas em que haja atingimento de áreas superiores a 1.000ha (mil hectares).

71. O recorte em função da extensão do território atingido se justifica não apenas pela existência do critério paralelo para aumento de pena na legislação criminal, mas também pela constatação de que o desmatamento é maior em locais com menor desenvolvimento social[14]. Ademais, o Balanço de Execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado)[15] revelaram a existência, ao menos no período analisado, de grandes polígonos de desmatamento superiores a 1.000ha:

 

72. Tem-se, assim, um critério apto a enquadrar, de fato, infratores que ofendam de forma mais grave o meio ambiente.

73. Quanto à infração contida no art. 82 do Decreto n. 6.514/2008, sua gravidade aumentada estará caracterizada na hipótese do art. 69-A, § 2º, da Lei de Crimes Ambientais, o qual prescreve que “a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa”.

74. Por fim, quanto à infração prevista no art. 29 do Decreto n. 6.514/2008, quando praticada contra cães e gatos, deve ser considerada especialmente grave na hipótese prevista pela causa de aumento do art. 32, § 2º, da Lei de Crimes Ambientais, de acordo com o qual “a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal”.

75. Estas, pois, seriam as hipóteses de infrações ambientais especialmente graves, para os fins deste parecer:

Infração

Previsão na Lei n. 9.605/1998

Previsão no Decreto n. 6.514/2008

Hipótese de especial gravidade, para fins deste parecer

Incêndio/

Art. 41. Provocar

Art. 58. Fazer uso de fogo

Atingimento de área superior

queimada em mata ou floresta

incêndio em mata ou floresta:

Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e

em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida:

a 1.000 ha (mil hectares).

 

multa.

Multa de R$ 1.000,00 (mil

 

 

 

reais), por hectare ou

 

 

 

fração.

 

 

Art. 50-A. Desmatar,

Art. 51. Destruir, desmatar, danificar ou explorar floresta ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, em área de reserva legal ou servidão florestal, de domínio público ou privado, sem autorização prévia do órgão ambiental competente ou em desacordo com a concedida:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.

 

Art. 52. Desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente:

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração.

 

 

explorar

economicamente ou

 

 

degradar floresta,

plantada ou nativa,

 

 

em terras de domínio

 

 

público ou devolutas,

sem autorização do

 

 

órgão competente:

 

 

Pena - reclusão de 2

 

 

(dois) a 4 (quatro)

anos e multa.

 

Desmatamento de

floresta em terras públicas

§ Não é crime a conduta praticada

quando necessária à

Atingimento de área superior a 1.000 ha (mil hectares).

 

subsistência imediata

pessoal do agente ou

 

 

de sua família.

 

 

§ 2º Se a área

 

 

explorada for superior

a 1.000 ha (mil

 

 

hectares), a pena será

 

 

aumentada de 1 (um)

ano por milhar de

 

 

hectare.

 

Elaboração ou apresentação de

Art. 69-A. Elaborar  ou apresentar, no

Art. 82. Elaborar ou apresentar informação, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso, enganoso ou omisso, seja nos sistemas oficiais de controle, seja no

licenciamento, na concessão florestal ou em qualquer outro procedimento administrativo ambiental:

Multa de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Parágrafo único. Quando a infração de que trata o caput envolver movimentação ou geração de crédito em sistema oficial de controle da origem de produtos florestais, a multa será acrescida de R$ 300,00 (trezentos reais) por unidade, estéreo, quilo,

Existência de dano significativo ao meio

informação falsa,

licenciamento,

ambiente, em decorrência do

enganosa ou incompleta

concessão florestal ou qualquer outro

uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.

 

procedimento administrativo,

 

 

estudo, laudo ou

 

 

relatório ambiental total ou parcialmente

 

 

falso ou enganoso, inclusive por omissão:

 

 

Pena - reclusão, de 3

 

 

(três) a 6 (seis) anos, e multa.

 

 

(...)

 

 

§ 2º A pena é

 

 

aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois

 

 

terços), se dano significativo ao meio

 

 

ambiente, em

 

 

decorrência do uso da informação falsa,

 

 

incompleta ou enganosa.

 

 

 

metro de carvão ou metro

cúbico.

 

 

 

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos,

 

 

 

 

ferir ou mutilar animais silvestres,

 

 

 

 

domésticos ou

 

 

 

 

domesticados, nativos ou exóticos:

 

 

 

 

 

(...)

Art. 29. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou

 

 

 

Maus-tratos animais

 

 

de

 

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2

(dois) a 5 (cinco) anos, multa e

mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos:

Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais) por indivíduo.

 

 

Ser praticada contra cães e gatos e ocasionar a morte do animal.

 

 

proibição da guarda.

 

 

 

 

§ 2º A pena é aumentada de um

 

 

 

 

sexto a um terço, se ocorre morte do

 

 

 

 

animal.

 

 

76. É necessário esclarecer que não se trata, aqui, de antecipação de juízo criminal ou de processo administrativo ambiental sobre a conduta, mas de verificar a possibilidade de apuração própria, por ocasião do procedimento licitatório em sentido amplo ou execução contratual, conferindo-se à Administração Pública instrumento apto a se defender de contratar com pessoa natural ou jurídica, quando tiver tomado ciência do cometimento de infração especialmente lesiva ao meio ambiente. Esse é um esclarecimento necessário porque medidas análogas, relacionadas à proibição de licitar ou de contratar com o Poder Público, também podem resultar da imposição de penalidades previstas na Lei n. 9.605/1998 (arts. 10 e 22, III) e no Decreto n. 6.514/2008 (art. 20, V).

77. Nesses casos, como será abordado adiante, as apurações de responsabilidade podem ocorrer paralelamente e, em homenagem ao princípio da independência das instâncias, caminham de maneira autônoma, salvo nos casos em que vinculação, como nas hipóteses de inexistência do fato ou negativa de autoria[16].

78. Desse modo, a opção pela categoria da infração administrativa à qual corresponda um delito de maior potencial ofensivo se justifica pela equivalência da maioria das capitulações (o que justifica a concorrência de instâncias), bem como pela deferência à atuação da esfera judicial na apuração de condutas que sejam propriamente enquadráveis em tipos penais. Em outros termos, não se poderia considerar, no âmbito deste parecer, como inidoneidade ‘o cometimento de crime ambiental’, pois a verificação da conduta criminalmente relevante depende do término do processo judicial correspondente. No entanto, considerada a comum equivalência de tipos anteriormente referida, a Administração Pública pode e deve apurar as infrações de que tenha ciência. Vale ressaltar, ainda, que, conforme já se observou, “(...) na prática a imensa maioria das irregularidades ecológicas são identificadas pelos órgãos ambientais integrantes do Sisnama”[17]. É possível, portanto, que em diversas ocasiões, a Administração Pública tenha ciência da ocorrência de atos ilícitos antes dos demais órgãos fiscalizadores.

79. Por fim, é importante salientar que a utilização da presente classificação é adotada, exclusivamente, para os fins de aplicação de institutos da Lei n. 14.133/2021, nos termos adiante delineados, e não para a apuração, pelos órgãos do SISNAMA, de infrações ambientais. Em outros termos, adota-se o parâmetro para a atuação da Administração Pública, nos específicos casos em que agir promovendo procedimentos licitatórios ou celebrando contratos administrativos, a qual, como será adiante indicado, deverá ser pautada pela racionalidade, sobretudo quando houver outros procedimentos em curso ou concluídos sobre as mesmas condutas.

80. A gravidade das condutas delineadas no presente parecer refuta, desde logo, uma eventual alegação de restrição indevida ao livre exercício de atividades econômicas. Isso porque, em primeiro lugar, haverá de ser respeitado o devido processo legal, na forma do procedimento definido na própria Lei n. 14.133/2021 e atendendo-se às diretrizes básicas adiante descritas. Além disso, é necessário ressaltar que a livre iniciativa, como fundamento da ordem econômica e nos termos do artigo 170 da Constituição Federal, deve observância obrigatória à “função social da propriedade” e à “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. Dessa forma, é certo que o respeito ao meio ambiente é um elemento conformador do próprio princípio da livre iniciativa.

81. Em síntese, em relação à consulta realizada, é possível afirmar que as condutas tipificadas como infrações administrativas especialmente graves – assim consideradas as queimadas ilegais, incêndios ou desmatamentos em áreas superiores a 1.000ha (mil hectares); a elaboração ou fornecimento de documento falso, quando o seu uso ocasionar dano significativo ao meio ambiente e os maus-tratos de cães e gatos, quando haja a morte do animal – são marcadamente antijurídicas (na medida em que contrariam previsões normativas) e têm um grau de reprovabilidade singularmente significativo e abstratamente reconhecido pelo legislador, na medida em que afetam de maneira grave o bem jurídico tutelado, qual seja, o meio ambiente, cujo respeito norteia a atuação da Administração Pública na condução de licitações e contratos.

III.IV. Diretrizes procedimentais básicas para a aplicação da sanção de inidoneidade

82. É certo que a aplicação da sanção de inidoneidade – especialmente em razão de sua gravidade – deve obedecer ao disposto no artigo 158 da Lei n. 14.133/2021, observando-se as garantias constitucionais processuais.

a) Prazo prescricional

83. Neste ponto, deve-se atentar para o previsto no § 4º do referido dispositivo, que leva a refletir sobre que momento deve ser levado como termo inicial da contagem do prazo prescricional para a imposição da referida sanção, no caso da prática de crimes ambientais especialmente graves. Confira-se o teor do referido dispositivo:

Art. 158. A aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do caput do art. 156 desta Lei requererá a instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão composta de 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir.

(...)

§ A prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela Administração, e será:

I - interrompida pela instauração do processo de responsabilização a que se refere o caput deste artigo;

II - suspensa pela celebração de acordo de leniência previsto na Lei n. 12.846, de de agosto de 2013;

III - suspensa por decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa.

84. Dessa forma, para responder de maneira adequada à consulta formulada, seria necessário estabelecer o termo inicial da prescrição, que, conforme o dispositivo supratranscrito, é a ciência da infração ambiental especialmente grave pela Administração.

85. Em outras palavras, ciente a Administração Pública de conduta enquadrável como infração ambiental especialmente grave, seria possível a instauração do procedimento administrativo tendente à declaração de inidoneidade da pessoa física ou jurídica responsável pela sua prática.

86. Este momento, a toda evidência, deve ser considerado como o momento da lavratura do auto de nfração (cf. art. 96 do Decreto n. 6.514/2008, cujo caput prevê que “constatada a ocorrência de infração administrativa ambiental, será lavrado auto de infração, do qual deverá ser dada ciência ao autuado, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa”).

87. Como bem alertado pela PRONACLIMA, no PARECER n. 00013/2023/PNDCMA/AGU, “a autoridade administrativa tem o dever de divulgar dados acerca das autuações, conforme exige a Lei 10.650, de 2003, assim, definidos os tipos que darão ensejo à aplicação da penalidade, caberá ao gestor consultar as plataformas de consulta, no mínimo, dos órgãos ambientais federais, quais sejam, Ibama e ICMBio, disponível na rede mundial de computadores”.

b) Concorrência de instâncias

88. Neste ponto, é necessário esclarecer, mais uma vez, que a apuração realizada no âmbito do regime da Nova Lei de Licitações, a qual pode ensejar a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, não impede a atuação do Poder Judiciário, da administração ambiental, tampouco de outras instâncias que possam impor sanção semelhante.

89. Cite-se a possibilidade de o impedimento de licitar ser declarado em múltiplas instâncias, podendo decorrer, como acima exemplificado, da incidência do artigo 81, § 3º, da Lei n. 9.504/1997 (Lei das Eleições) e do artigo 46 da Lei n. 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU). Cada uma dessas hipóteses tem fundamento autônomo, de modo que não existe violação ao ne bis in idem em razão da eventual concorrência dessas instâncias.

90. Além disso, havendo decisão judicial ou oriunda da administração ambiental que aplicando os artigos 10 ou 22, inciso III e § 3º, da Lei n. 9.605/1998, ou o artigo 20, inciso V e § 1º, do Decreto n. 6.514/2008 – tenha imposto penalidades de proibição de licitar ou de contratar em prazo maior, o procedimento administrativo instaurado com base na Nova Lei de Licitações que eventualmente conclua pela ausência de inidoneidade não tem o condão de invalidá-las.

91. Da mesma maneira, eventuais decisões judiciais ou administrativas que deixem de aplicar as mencionadas penalidades não impedem que os administradores responsáveis pelo processo licitatório ou pela execução do contrato administrativo promovam a apuração, à luz da constatação da idoneidade do licitante ou do contratado.

92. Essa potencial multiplicidade de sanções revela-se possível não apenas em razão da autorização constitucional no sentido de que os ilícitos ambientais sejam apurados em esferas autônomas, mas também porque, no caso, mesmo considerando-se a concorrência de instâncias administrativas, há fundamentos distintos para a imposição das sanções. Nesse sentido, em sede doutrinária, o Ministro Gilmar Mendes, Bruno Buonicore e Felipe De-Lorenzi afirmam:

No que diz respeito à multiplicidade de sanções, embora seja possível cogitar de um sistema em que há total vedação de aplicação cumulativa de sanções penais e administrativas em relação ao mesmo fato, viu-se que os legisladores constituintes entenderam, ao menos em relação aos atos de improbidade e aos ilícitos ambientais, que deve haver aplicação conjunta das sanções nos dois âmbitos. É descabido, por isso, falar de uma completa vedação de múltiplo sancionamento no ordenamento brasileiro. Assim, a cumulação entre sanções pode ser admitida, desde que haja “diversidade de instâncias, de fundamentação e de função sancionatória”, de forma que se deve verificar, além da diversidade de autoridades responsáveis pelas punições, a existência de diferentes bases normativas para a imposição e de distintas funções cumpridas pelas sanções[18]. (Grifou-se).

93. Aliás, a possibilidade de concorrência de punições administrativas ambientais, quando há amparo legal, já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, que “consolidou entendimento no sentido de que a multa aplicada pela Capitania dos Portos, em decorrência de derramamento de óleo, não exclui a possibilidade de aplicação de multa pelo IBAMA” (AgInt no REsp 2032619/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento em 13/03/2023, Publicação em 16/03/2023).

94. Apesar disso, no presente caso, o quadro de multiplicidade de sanções possíveis, que têm gradação temporal e não meramente econômica, demonstra a necessidade de imprimir racionalidade à instauração do procedimento tendente à declaração de inidoneidade, especialmente porque as decisões judiciais podem, em tese, impor prazos maiores para a sanção de proibição de contratar, o que é mais evidente quando se trata da pena restritiva de direitos da pessoa jurídica. Confira-se:

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: (...)

III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

(...)

§ A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.

95. Nos casos em que já haja a referida imposição via decisão judicial pelas mesmas condutas potencialmente inidôneas de que tomou ciência a Administração Pública, não seria imprescindível a instauração do referido procedimento, pois o administrador pode considerar que a sanção aplicada judicialmente já protege a Administração Pública contra a contratação de empresas que tenham praticado as condutas versadas neste parecer.

96. Caso haja a referida instauração ou a verificação de comportamento inidôneo, será necessário que a Administração Pública, no momento de decretar a inidoneidade, considere demais sanções análogas, como determina o art. 22, §§ e 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

(...)

§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

97. Seria, assim, recomendável uma compensação de sanções, no que cabível. Em sentido análogo, tratando de compensações entre as esferas penal e administrativa, é o trabalho anteriormente mencionado:

A ideia de que haja uma compensação das sanções parece, de fato, a solução mais adequada. Isso porque, embora as sanções possuam finalidades diversas, é uma exigência da proporcionalidade – proibição de excesso – que o resultado global da intervenção estatal sobre um indivíduo (ainda que em âmbitos distintos), como resposta à prática de um mesmo fato, não supere a sua gravidade, a qual é levada em conta por cada uma das normas que o valoram. Nesse sentido, uma forma de concretização dessa ideia foi recentemente proposta por Marion Bach, que sugere uma compensação parcial, no momento da aplicação, pelo julgador, das sanções penais e administrativas. Essa compensação deveria se dar em ambos os sentidos, ou seja, a sanção administrativa acarretaria desconto na posterior sanção penal; e a penal, na administrativa que lhe seguisse. Além disso, ainda quando ambas as sanções fossem de mesma natureza (pecuniária, restritiva de certo direito etc.), não deveria haver uma simples subtração do quantum total da primeira na aplicação da segunda, mas antes uma mitigação parcial desta. Por exemplo, se aplicada uma multa administrativa de três mil reais e, posteriormente, há condenação em âmbito criminal, haverá mitigação da multa penal, mas essa compensação não significa desconto dos exatos três mil reais. Quanto à atenuação da sanção penal em razão de sanção administrativa prévia, defende a autora que poderia ocorrer de lege lata, instrumentalizada pela aplicação da atenuante inominada (art. 66 do CP)[19].

98. Ainda nessa linha de ideias, e com referência especial à multiplicidade de apurações administrativas (ambiental e licitatória/contratual), parece também necessário, em homenagem à segurança jurídica, estabelecer, desde logo, a precedência dos órgãos do SISNAMA para dar a última palavra acerca da configuração de infração administrativa ambiental.

99. Como se sabe, vigora uma independência mitigada entre as esferas penal e administrativa, a qual impõe a necessária vinculação das decisões criminais que constatem inexistência do fato ou negativa de autoria. Nesse sentido é a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se evidencia, por exemplo, no seguinte julgado:

Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Processo administrativo disciplinar. Cassação da aposentadoria. Constitucionalidade. Independência das esferas penal e administrativa. Precedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido da possibilidade de cassação da aposentadoria, em que pese o caráter contributivo do benefício previdenciário. 2. Independência entre as esferas penal e administrativa, salvo quando, na instância penal, se decida pela inexistência material do fato ou pela negativa de autoria, casos em que essas conclusões repercutem na seara administrativa, o que não ocorre na espécie. 3. Agravo regimental não provido, insubsistente a medida cautelar incidentalmente deferida nos autos. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, haja vista tratar-se, na origem, de mandado de segurança (art. 25 da Lei 12.016/09).

(RE n. 1044681 AgR, Relator: Ministro Dias Toffoli, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento em 06/03/2018, Publicação em 21/03/2018; grifou-se).

100. Comandos semelhantes, ou seja, que contemplam a independência mitigada entre instâncias de apuração jurídica, estão previstos, por exemplo, nos arts. 935 do Código Civil e 126 da Lei n. 8.112/1990.

101. Assim como ocorre entre a esfera penal e a administrativa, também é necessário estabelecer uma precedência nas hipóteses do presente parecer, nas quais é provável que haja uma concorrência de instâncias administrativas. Seria irracional admitir, por exemplo, que, no âmbito do processo administrativo de apuração de infração ambiental, reconheça-se a inexistência do fato ou a negativa de autoria e, no âmbito de apuração de conduta inidônea, imponha-se a sanção. A mesma conclusão, no entanto, não é extensível quando ocorrer, simplesmente, a prescrição intercorrente no processo administrativo ambiental.

102. Sendo assim, propõe-se adotar, para efeitos deste parecer, também em relação às duas esferas administrativas, a lógica de vinculação das decisões administrativas à esfera penal. Em outras palavras, eventual declaração de inidoneidade em razão de infrações administrativas especialmente lesivas ao meio ambiente, na forma definida neste parecer, terá seus efeitos cessados no caso em que, no âmbito criminal ou no âmbito do processo administrativo de apuração de infração ambiental regido pelo Decreto n. 6.514/2008, for reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria[20]. Nas demais hipóteses, deverá prevalecer a autonomia da instância licitatória/contratual.

103. Frise-se, neste ponto, que a lógica adotada nesta peça opinativa segue linha semelhante à do Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, na medida em que, ao entender pela possibilidade de que a participação em atos democráticos configurasse comportamento inidôneo para fins da Lei n. 14.133/2021, admitiu, implicitamente, que a apuração dessas condutas pudesse ocorrer – além de em sede judicial – em instâncias administrativas paralelas. Um exemplo seria um cidadão que, sendo servidor público à época, tenha participado dos atos ilícitos (e que poderá eventualmente responder em sede administrativa disciplinar) e, caso seja desligado do cargo tente participar de avença administrativa. Nada impediria, nessa hipótese, a apuração da conduta em mais de uma sede administrativa, cada qual com uma finalidade específica. Nesses casos, porém, especialmente quando se tratar de infração ambiental, a apuração deve respeitar o princípio da racionalidade da atuação administrativa, nos termos acima propostos.

104. Certo é, também, que, como determina o § do referido dispositivo, “a aplicação das sanções previstas no caput deste artigo não exclui, em hipótese alguma, a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública”. No caso de eventuais danos ambientais causados, essa afirmação deve ser complementada, consignando-se a completa higidez da obrigatoriedade de reparação integral do dano ambiental, assim como a imprescritibilidade da pretensão a ela relativa, nos termos do Tema n. 999 da Repercussão Geral.

c) Outras particularidades procedimentais

105. Vale salientar, ainda, que a aplicação da referida sanção, nos termos do artigo 156, § 6º, inciso I, da Lei n. 14.133/2021, no âmbito do Poder Executivo Federal, deve ser feita por ato de Ministro de Estado ou, sendo aplicada por autarquia ou fundação, por ato da autoridade máxima da entidade.

106. Além da observância de todos os procedimentos previstos na Lei n. 14.133/2021 para o adequado desenrolar do processo administrativo tendente à declaração de inidoneidade, será necessário observar, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que a referida sanção tem efeitos ex nunc, não se admitindo, no entanto, a eventual prorrogação contratual[21]. Apesar disso, é possível, como bem salientado no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, a rescisão de contratos, desde que observados os requisitos legalmente estabelecidos. Nesse sentido, a referida peça opinativa mencionou o AgInt no REsp 1.552.078/DF e o MS 14.002/DF, julgados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim como a Orientação Normativa n. 14/2014, desta Advocacia- Geral da União, firmada no sentido de que “a aplicação das sanções de impedimento de licitar e contratar no âmbito da União (art. 7º, da Lei nº 10.250, de 2002) e de declaração de inidoneidade (art. 87, inc. IV, da Lei nº 8.666, de 1993) possuem efeito ex nunc, competindo à Administração, diante de contratos existentes, avaliar a imediata rescisão no caso concreto”.

107. Portanto, para que a prática de ato caracterizado como infração ambiental especialmente grave ensejasse o encerramento do contrato administrativo, seria necessário subsumi-lo ao artigo 137, inciso VIII, da Lei n. 14.133/2021, segundo o qual constituem motivo para a extinção do contrato “razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante”.

108. Na hipótese submetida à consulta, a prática de atos especialmente graves à preservação do meio ambiente pode, em tese, caracterizar interesse público relevante, apto a ensejar – desde que respeitado o devido processo legal e havendo justificativa pela autoridade máxima do órgão ou entidade contratante –, o encerramento do contrato administrativo.

109. Neste ponto, cabe, mais uma vez, valer-se da advertência contida no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, no sentido de que a análise acerca da adequação da rescisão contratual deve ser feita caso a caso, observando-se as diretrizes do artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Confira- se:

146. Como já mencionado na introdução à presente manifestação jurídica, a presente análise está sendo feita em caráter geral e abstrato.

147. Daí que é possível cogitar de situações em que, a depender das características e da condição específica do contrato em concreto, a rescisão administrativa possa acarretar prejuízos financeiros à Administração Pública ou à prestação adequada do serviço público à coletividade, de maneira a, em última perspectiva, prejudicar o próprio interesse público que a rescisão contratual estaria se prestando a salvaguardar. (Grifou-se).

110. Feitas essas observações, pontue-se, também na linha dos itens 153 e seguintes do Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, que a Lei n. 14.133/2021 veda a aplicação combinada do seu regime jurídico com os das Leis n. 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2012. Por isso, não é possível a aplicação da penalidade de declaração de inidoneidade fundada exclusivamente na arquitetura da Lei n. 14.133/2021 àqueles que estiverem submetidos ao regime da Lei n. 8.666/1993.

111. No entanto, a prática de condutas que configurem infrações ambientais especialmente graves pode se amoldar ao disposto no artigo 47, inciso VI, da Lei n. 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações). Nesse caso, porém, conforme bem pontua o Parecer multiplamente referido: a) a abrangência da sanção será limitada ao âmbito do ente federativo em que é aplicada; b) o prazo prescricional é o previsto no artigo 1º da Lei n. 9.873/1999 (cinco anos a partir da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado); c) a autoridade competente para aplicar a sanção de impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública é a autoridade responsável pela celebração do contrato ou outra prevista em regimento, nos termos da Orientação Normativa n. 48 desta Advocacia-Geral da União e d) hão de ser respeitadas todas as garantias constitucionais informadoras do devido processo legal.

112. Ainda quanto aos demais regimes, é necessário estabelecer como deve se dar o tratamento dos contratos regidos pelas Leis n. 8.666/1993, 10.520/2002 e 12.462/2012, celebrados com pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela prática de infrações ambientais especialmente graves, nos termos definidos por este parecer.

113. Como bem salientado no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, “no que pertine à disciplina da extinção dos contratos administrativos, a disciplina da Lei n. 8.666/93 é aplicável aos contratos administrativos celebrados sob sua égide, bem como às avenças celebradas pelo regime das Leis n. 10.520/02 e 14.262/11”.

114. Sendo assim, seria possível, em tese, a incidência do artigo 78, inciso XII, da Lei n. 8.666/1993, segundo o qual constitui motivo para a rescisão do contrato “razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato”. Nesse caso, deve-se seguir a mesma lógica acima descrita em relação à Lei n. 14.133/2021.

115. Estabelecidos esses pressupostos, deve-se ressaltar que a aplicação das penalidades previstas nas Leis n. 14.133/2021 e 12.462/2011, assim como o encerramento de contratos administrativos, com base nas condutas ora referenciadas, é medida excepcional e que depende, logicamente, de comprovação da atuação do licitante ou do contratado com especial gravidade para a proteção do meio ambiente, nos termos anteriormente descritos.

116. Nesse caso, para subsidiar o processo administrativo, e também em consonância com os termos expostos no Parecer n. 00001/2023/CONSUNIÃO/CGU/AGU, é possível a utilização de prova emprestada de outros procedimentos em curso, quando existirem, respeitadas as garantias processuais constitucional e legalmente asseguradas aos administrados.

117. Por fim, considerando-se que a densificação do conceito de comportamento inidôneo feita neste parecer se propõe, acaso acolhida, alcançar condutas graves e de forma linear no âmbito da Administração Pública federal, faz-se necessário que a aplicação da interpretação ora fixada tenha efeitos prospectivos.

118. Essa é uma conclusão que se infere do dever de respeito à segurança jurídica nas relações com o Estado, inclusive em observância ao art. 30, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual "as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas". No mesmo sentido, a Lei n. 9.784/1999 prevê, dentre os princípios que devem ser obedecidos pela Administração Pública, o da segurança jurídica.

119. Sendo assim, é juridicamente adequado que a interpretação estabelecida neste parecer alcance apenas as infrações ambientais especialmente graves, na forma que define, cujos autos tenham sido lavrados após a publicação da peça opinativa.

IV. Conclusões

120. Ante o exposto, conclui-se:

1. O respeito ao direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é ínsito às contratações públicas e ao espírito da Lei n. 14.133/2021, com previsão expressa do desenvolvimento nacional sustentável como princípio e como objetivo;

2. O cometimento de infrações que abalam o meio ambiente de forma especialmente grave é conduta que agride valor essencial à Constituição Federal e cuja preservação é necessária para a manutenção da própria vida;

3. A prática de infrações ambientais especialmente graves pode se enquadrar na conduta “comportar-se de modo inidôneo”, prevista no artigo 155, inciso X, da Lei n. 14.133/2021 como infração administrativa e, consequentemente, atrair a aplicação da penalidade de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar”, prevista no artigo 156, inciso IV, da referida lei;

4. Consideram-se especialmente lesivas ao meio ambiente, para os efeitos deste parecer, as condutas tipificadas como infrações ambientais que, em tese, correspondam aos tipos penais considerados, por si, de maior potencial ofensivo, quando houver violação qualificada ao meio ambiente;

5. Será considerada violação qualificada ao meio ambiente: a) para as infrações de incêndio e desmatamento, a lesão a áreas superiores a 1.000ha (mil hectares); b) para a infração de elaboração ou apresentação de documento falso a órgãos ambientais, a presença de dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa, e c) para a infração de maus-tratos a cães e gatos, a ocorrência de morte do animal;

6. A aplicação de qualquer sanção mencionada neste parecer depende, para a sua validade, da observância dos princípios constitucionais relacionados ao devido processo legal;

7. Devem ser observadas todas as disposições legais referentes ao prazo prescricional, inclusive ao seu termo inicial, conforme determina o artigo 158 da Lei n. 14.133/2021, considerado o momento da lavratura do auto de infração, nos termos do art. 96 do Decreto n. 6.514/2008;

8. A possibilidade de apuração concomitante da infração revela a necessidade de, em tal hipótese, imprimir racionalidade tanto à instauração de procedimento tendente à declaração de inidoneidade quanto à aplicação das sanções, em harmonia com o artigo 22, §§ e da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro;

9. Eventual declaração de inidoneidade em razão de infrações administrativas especialmente lesivas ao meio ambiente, na forma definida neste parecer, terá seus efeitos cessados no caso em que, no âmbito criminal ou no âmbito do processo administrativo de apuração de infração ambiental regido pelo Decreto n. 6.514/2008, for reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria. Nas demais hipóteses, deverá prevalecer a autonomia da instância licitatória/contratual;

10. Em razão da autonomia das instâncias responsabilizadoras, a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar não exime os responsáveis do ressarcimento de eventuais danos ambientais causados à Administração Pública (artigo 156, § 9º da Lei n. 14.133/2021), e/ou ao meio ambiente, sendo, neste último caso, imprescritível a pretensão de reparação civil (Tema 999 da Repercussão Geral);

11. No âmbito do Poder Executivo federal, a aplicação da sanção de inidoneidade, nos termos do artigo 156, § 6º, inciso I, da Lei n. 14.133/2021, deve ser feita por ato de Ministro de Estado ou, no âmbito da Administração Indireta, por ato da autoridade máxima da entidade;

12. A prática de infração ambiental especialmente grave pode configurar razão de interesse público para fins de encerramento do contrato administrativo, nos termos do artigo 78, inciso XII, da Lei n. 8.666/1993, e do artigo 137, inciso VIII, da Lei n. 14.133/2021;

13. O enquadramento do cometimento de infrações ambientais especialmente graves como comportamento inidôneo alcança os licitantes submetidos ao regime jurídico da Lei n. 12.462/2011 (artigo 47, inciso VI), caso em que devem ser observadas as disposições específicas desse diploma legal, mormente no que diz respeito à abrangência da sanção, à sua duração, ao termo inicial do prazo prescricional e à autoridade competente para sua aplicação;

14. Em respeito à segurança jurídica, a interpretação fixada neste parecer deve ter aplicação prospectiva, alcançando as infrações ambientais especialmente graves cujos autos tenham sido lavrados após a sua publicação.

À consideração superior.

Brasília, 21 de novembro de 2023.

Maria Helena Martins Rocha Pedrosa

Advogada da União

Consultora da União

Notas

1. MS n. 22164, Relator: Ministro Celso de Mello, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 30/10/1995, Publicação em 17/11/1995.

2. RE n. 654833, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 20/04/2020, Publicação em 24/06/2020.

3. BRASIL. Agência Brasil. Alertas de desmatamento na Amazônia caem quase 70%. Publicada em 05/09/2023. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/node/1553468>. Acesso em 23/09/2023.

4. BRASIL. Agência Brasil. Alertas de desmatamento batem recorde no Cerrado. Publicada em 03/08/2023. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-08/alertas-de-desmatamento-batem- recorde-no-cerrado>. Acesso em 23/09/2023.

5. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Crise ambiental e democrática é tema de colóquio sobre justiça climática no STF. Publicação em 11/09/2023. Disponível em:<https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp? idConteudo=513781&ori=1>. Acesso em 23/09/2023.

6. Quanto à prática de atos antidemocráticos, o referido Parecer estabeleceu o seguinte: “22. Nesse diapasão, deve-se pontuar que, à luz dos valores éticos norteadores do princípio da "moralidade", estabelecido no o art. 37, caput, da Constituição Federal, resulta estranha a ideia de que o Estado brasileiro, através de sua administração, venha a celebrar ou manter contrato com as mesmas pessoas que atuam para a sua desconstrução. 23. Com efeito, seria possível considerar como "moral" possibilitar que as mesmas pessoas que atentam contra as próprias bases fundantes do Estado Democrático de Direito brasileiro - buscando colapsar as instituições que marcam o status civilizatório democrático historicamente conquistado pela sociedade brasileira - livremente possam contratar com a Administração Pública, a qual foi constituída justamente com o objetivo de viabilizar o funcionamento do modelo estatal delineado pela Carta da República? 24. Poderia ser considerado "moral" que o lucro decorrente de contrato administrativo possibilitasse incrementar o mesmo patrimônio utilizado para o sustento ou o financiamento daqueles que perpetram condutas ilícitas contra o regime democrático que serve de pressuposto para a própria existência e finalidade de funcionamento da Administração Pública republicana? 25. Indubitavelmente é negativa a resposta aos dois questionamentos acima. 26. Desse modo, é possível concluir da leitura da própria Constituição Federal que, em razão da natureza da ofensa analisada, isto é, atentar contra o próprio Estado Democrático de Direito mediante o ataque aos seus Poderes constituídos, a Administração Pública possa - e até deva - utilizar mecanismos administrativos para, no âmbito de sua atuação, repreender tais condutas e afastar-se da celebração de contratos com os responsáveis pelos atos antidemocráticos (Grifou-se).

7. Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 371.

8. FARIAS, Talden. Sanções administrativas ambientais. Consultor Jurídico, 2018. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2018-set-15/sancoes-administrativas-ambientais>. Acesso em 23/09/2023.

9. “Art. 76. Deixar de inscrever-se no Cadastro Técnico Federal de que trata o art.17 da Lei 6.938, de 1981:”

10. HC n. 111.017, Relator: Ministro Ayres Britto, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento em 07/02/2012, Publicação em 26/06/2012.

11. “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a ação atípica exige a satisfação de certos requisitos, de forma concomitante: a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. II – Paciente que sequer estava praticando a pesca e não trazia consigo nenhum peixe ou crustáceo de qualquer espécie, quanto mais aquelas que se encontravam protegidas pelo período de defeso. III - “Hipótese excepcional a revelar a ausência do requisito da justa causa para a abertura da ação penal, especialmente pela mínima ofensividade da conduta do agente, pelo reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e pela inexpressividade da lesão jurídica provocada” (Inq 3.788/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia). Precedente. IV - Agravo regimental a que se nega provimento.” (HC n. 181235 AgR, Relator: Ministro Ricardo Lewandowsi, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento em 29/05/2020, Publicação em 26/06/2020).

12. “Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.(...)”“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a    suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). (...)”

13. MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. a 120). Rio de Janeiro: Forense, 2020, pp. 183-184.

14. CNN. Desmatamento prejudica qualidade de vida na Amazônia, diz estudo. Publicada em 06/12/2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desmatamento-prejudica-qualidade-de-vida-na- amazonia-diz-estudo/>. Acesso em 23/09/2023.

15. BRASIL. Balanço de Execução PPCDAm e PPCerrado 2016-2020. Disponível em:

<http://combateaodesmatamento.mma.gov.br/images/Doc_ComissaoExecutiva/Balano-PPCDAm-e- PPCerrado_2019_aprovado.pdf>. Acesso em 23/09/2023.

16. “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERDA DE CARGO DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. ILÍCITO PENAL. ART. 316 DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. PROVAS EMPRESTADAS. POSSIBILIDADE OBSERVADO O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. NÃO VINCULAÇÃO DA ESFERA PENAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.1. Cinge-se a controvérsia dos autos a possibilidade de decretação de perda de cargo de promotor público, prática de concussão - art. 316 do Código Penal, em caso de absolvição da prática do crime por ausência de provas. 2. Não encontra guarida a alegação de que fere o princípio da inocência a utilização de provas emprestadas, uma vez que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que "observada a exigência constitucional de contraditório e ampla defesa não resta vedada a utilização da prova emprestada" (REsp 930.596/ES, Rel. Min. Luiz fux, Primeira Turma). 3. Se a absolvição ocorreu por ausência de provas, a administração não está vinculada à decisão proferida na esfera penal, porquanto a conduta pode ser considerada infração administrativa disciplinar, conforme a interativa jurisprudência desta Corte, no sentido de que, a sentença absolutória na esfera criminal somente repercute na esfera administrativa quando reconhecida a inexistência material do fato ou a negativa de sua autoria no âmbito criminal. Precedentes. 4. Como bem decidiu o Supremo Tribunal Federal, "há hipóteses em que os fundamentos da decisão absolutória na instância criminal não obstam a responsabilidade disciplinar na esfera administrativa, porquanto os resíduos podem veicular transgressões disciplinares de natureza grave, que ensejam o afastamento do servidor da função pública" (ARE 664930 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 16/10/2012, Acórdão Eletrônico DJe-221 DIVULG 08-11-2012 PUBLIC 09-11-2012). 5. Demais disso, ao órgão do Ministério Público não é permitido presunção de que seja probo, há de ser peremptoriamente demonstrado que sua conduta é acima de tudo isenta de cometimento de atos ilícitos. 6. Recurso especial improvido.” (REsp n. 1323123/SP, Relator: Ministro Humberto Martins, Órgão Julgador: Segunda Turma, Julgamento em 07/05/2013, Publicação em 16/05/2013; grifou-se).

17. FARIAS, Talden. Sanções administrativas ambientais. Consultor Jurídico, 2018. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2018-set-15/sancoes-administrativas-ambientais>. Acesso em 02/05/2023.

18. MENDES, Gilmar Ferreira; BUONICORE, Bruno Tadeu; DE-LORENZI, Felipe da Costa. Ne bis in idem entre direito penal e administrativo sancionador: considerações sobre a multiplicidade de sanções e de processos em distintas instâncias. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 192/2022, p. 75-122. Disponível em:

<https://www.thomsonreuters.com.br/content/dam/ewp-m/documents/brazil/pt/pdf/other/rbccrim-192-ne-bis-in- idem-entre-direito-penal-e-administrativo-sancionador.pdf>. Acesso em 23/09/2023.

19. MENDES, Gilmar Ferreira; BUONICORE, Bruno Tadeu; DE-LORENZI, Felipe da Costa. Ne bis in idem entre direito penal e administrativo sancionador: considerações sobre a multiplicidade de sanções e de processos em distintas instâncias. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Vol. 192/2022, p. 75-122. Disponível em:

<https://www.thomsonreuters.com.br/content/dam/ewp-m/documents/brazil/pt/pdf/other/rbccrim-192-ne-bis-in- idem-entre-direito-penal-e-administrativo-sancionador.pdf>. Acesso em 23/09/2023.

20. Isso sem prejuízo das demais hipóteses de vinculação à decisão criminal, como preveem, por exemplo, os artigos 65 e 66 do Código de Processo Penal.

21. “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. JULGADO DA PRIMEIRA SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25.5.2009). AGRAVO INTERNO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2). 2. É certo que a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça entende que a sanção prevista no art. 87, III da Lei 8.666/1993 produz efeitos não apenas no âmbito do ente que a aplicou, mas na Administração Pública como um todo (REsp. 520.553/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 10.2.2011). 3. A declaração de idoneidade não tem a faculdade de afetar os contratos administrativos aperfeiçoados juridicamente ou em fase de execução, sobretudo aqueles celebrados com entes públicos não vinculados à autoridade sancionadora e pertencente a Ente Federado diverso (MS 14.002/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 6.11.2009). 4. A sanção aplicada tem efeitos apenas ex nunc para impedir que a Sociedade Empresária venha a licitar ou contratar com a Administração Pública pelo prazo estabelecido, não gerando  como consequência imediata a rescisão automática de contratos administrativos em curso (MS 13.101/DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Min. ELIANA CALMON, DJe 9.12.2008).5. Agravo Interno da Sociedade Empresária a que se nega provimento.” (AgInt no REsp n. 1.552.078/DF, Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Órgão Julgador: Primeira Turma, Julgamento em 30/9/2019, Publicação em 8/10/2019).

Este texto não substitui o publicado no DOU de 22.12.2023 - Edição extra