Presidência
da República |
MENSAGEM Nº 1.364, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1997.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1º do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar totalmente, por ser contrário ao interesse público, o Projeto de Lei nº 3.849, de 1993 (nº 79/95 no Senado Federal), que "Dispõe sobre autorização para instalação e funcionamento de empresas destinadas ao desmonte de veículos automotores e dá outras providências".
Ouvido, o Ministério da Justiça manifestou-se sobre o assunto da seguinte maneira:
"Não há dúvidas quanto à importância e a necessidade de o poder público dispor de mecanismos intensivos de controle da atividade comercial caracterizada como de desmonte de veículos e comercialização de peças e sucatas, objetivando em conseqüência, a inibição de roubos e furtos de veículos e outros crimes que o seguem agregadamente, como, por exemplo, o tráfico de entorpecentes e armas.
O combate a essas práticas criminosas já há muito tem despertado a atenção e provocado a ação do Poder Executivo. Neste sentido, encontra-se em vigor a Lei nº 9.426, de 1996, que altera dispositivos do Código Penal Brasileiro para aumentar a pena dos crimes de furto e roubo de coisa móvel, quando se trata de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para exterior, bem como insere a receptação qualificada, tipificando, também, a desmontagem, montagem, venda, etc., em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deveria saber, o autor, ser produto de roubo.
O reconhecimento de tal necessidade provocou, também, reflexos no Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que acolheu praticamente todos os princípios definidos no projeto de lei em análise, no que diz respeito à ação regulamentadora, controladora e fiscalizadora do poder público.
No art. 126, tornou obrigatória a baixa do registro do veículo, irrecuperável ou definitivamente desmontado, por requerimento do proprietário, sendo que, quando destinado à desmontagem, a obrigação passa à companhia seguradora ou ao adquirente do veículo, caso não o tenha feito ainda o proprietário.
Já no art. 330 do referido Código, a matéria ganha maior semelhança ao que dispõe a proposição legislativa em apreciação, senão vejamos:
"Art. 330. Os estabelecimentos onde se executem reformas ou recuperação de veículos e os que comprem, vendam ou desmontem veículos, usados ou não, são obrigados a possuir livros de registro de seu movimento de entrada e saída e de uso de placas de experiência, conforme modelos aprovados e rubricados pelos órgãos de trânsito.
§ 1º Os livros indicarão:
I - data de entrada do veículo no estabelecimento;
II - nome, endereço e identidade do proprietário ou vendedor;
III - data de saída ou baixa, nos casos de desmontagem;
IV - nome, endereço e identidade do comprador;
V - número da placa de experiência.
§ 2º Os livros terão suas páginas numeradas tipograficamente e serão encadernados ou em folhas soltas, sendo que, no primeiro caso, conterão termo de abertura e encerramento lavrados pelo proprietário e rubricados pela repartição de trânsito, enquanto, no segundo, todas as folhas serão autenticadas pela repartição de trânsito.
§ 3º A entrada e a saída de veículos nos estabelecimentos referidos neste artigo registrar-se-ão no mesmo dia em que se verificarem assinaladas, inclusive, as horas a elas correspondentes, podendo os veículos irregulares lá encontrados ou suas sucatas ser apreendidos ou retirados para sua completa regularização.
§ 4º As autoridades de trânsito e as autoridades policiais terão acesso aos livros sempre que o solicitarem, não podendo, entretanto, retirá-los do estabelecimento.
§ 5º A falta de escrituração dos livros, o atraso, a fraude ao realizá-lo e a recusa de sua exibição serão punidas com a multa prevista para as infrações gravíssimas, independentemente das demais cominações legais cabíveis."
Como se pode depreender, em relação à abrangência da ação administrativa do poder público, no que diz respeito à matéria prevista no projeto de lei em apreciação, o Código de Trânsito Brasileiro deixa de tratar apenas da obrigatoriedade de autorização do órgão público para a instalação e funcionamento da empresa, das condições para prorrogação da autorização e da proibição de efetivação do desmonte sem que se realize a consulta prévia ao órgão oficial competente sobre a procedência do veículo.
Quanto à autorização prévia de órgão público para a instalação e funcionamento da empresa, consideramos conveniente a análise da razão de existir deste condicionamento e do conseqüente custo/benefício em relação ao combate à criminalidade nas modalidades que trata o projeto de lei.
A nosso ver, esta forma de controle se mostra ineficiente e dispendiosa para o Estado e, conseqüentemente, para a sociedade. A obrigatoriedade de controle prévio para o funcionamento da empresa pressupõe a disponibilização de uma estrutura administrativa, o que, necessariamente, implica custos. Por outro lado, nenhuma ação prática poderia ser adotada pela autoridade responsável pela autorização, que não a identificação da existência e do funcionamento das empresas desta natureza. Nesta condição, o órgão responsável pela autorização seria um mero cartório, a aumentar a burocratização e a agigantar o Estado.
Em outra perspectiva, a identificação de existência e funcionamento da empresa destinada a desmonte de veículos, necessária à fiscalização, inevitavelmente, dar-se-á quando da autenticação, pelos órgãos de trânsito, dos livros ou das folhas de registro de veículos desmontados, nos termos do art. 330 do Código Brasileiro de Trânsito, a ser regulamentado, bem como pelos assentamentos municipais, por ocasião da concessão do alvará de funcionamento do estabelecimento, e dos registros comerciais procedidos pela Junta Comercial, no âmbito do Estado.
No que diz respeito à autorização prévia do Poder Público para desmonte do veículo, da mesma maneira, a consideramos desnecessária, tendo em vista que já se impõe obrigatória a baixa do registro do veículo irrecuperável ou definitivamente desmontado, nos termos do art. 126 do referido Código Brasileiro de Trânsito.
Não nos parece razoável que, no âmbito de coerção aos crimes de furto e roubo de veículo pela via indireta da regulamentação do desmonte de veículos e comercialização de peças e sucatas, haja penalização criminal além do que já tipifica a legislação existente. Isto posto, as demais penalizações, além das condutas como receptação, aquisição, montagem, remontagem e venda como as outras tipificadas no art. 180 supra referido, como as eventualmente tipificáveis na dependência do caso concreto, para ser coerente com a tendência da política criminal, que vem sendo absorvida pelo Estado moderno, no sentido de estabelecer sanções diversas das penas previstas de liberdade, não devem extrapolar o âmbito administrativo. Neste sentido, o Código de Trânsito Brasileiro já dispõe, satisfatoriamente, quanto as penalizações administrativas. Além da apreensão do veículo, peças ou sucatas, as quais não tenham origem definida, prevê a aplicação de multa no montante daquelas previstas para as infrações gravíssimas, na hipótese de falta de escrituração, atraso, fraude ao realizá-lo e recusa de exibição dos livros de registros."
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 11 de novembro de 1997.
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 12.11.1997