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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 641, DE 8 DE JULHO DE 1996.

        Senhor Presidente do Senado Federal,

        Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1o do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente o Projeto de Lei nº 57, de 1991 (nº 4.401/94 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre o exercício da profissão de Técnico em Turismo".

        Ouvido, o Ministério do Trabalho assim se manifestou sobre o assunto:

"Com o manifesto intuito de evitar criação de reservas de mercado, a Constituição (art. 5° , inciso XIII) fixa o princípio de liberdade profissional, com uma única restrição: "atendidas as qualificações profissionais que a lei exigir". A ressalva se destina exclusivamente a preservar o tomador do serviço, para assegurar que o profissional seja dotado da perícia necessária para bem executar o seu mister.

As diversas leis que fixam aquelas qualificações geralmente seguem o critério da formação educacional, ou acadêmica, que é bastante razoável em vários casos.

Resta saber se, fixada a regra geral de formação educacional como qualificação profissional -- instituída, lembre-se, em prol de tomador do serviço -- a lei pode abrir exceção a outro critério, como o exercício da profissão por determinado período, no passado, mesmo sem a formação educacional adequada, para reconhecer o direito ao desempenho da profissão em caráter definitivo.

Conquanto usual na legislação, entendemos que essa é uma postura discriminatória, inaceitável em face da Lei Maior. Se, além da formação acadêmica, o exercício de atividades próprias da profissão legitima o seu exercício, não há porque distinguir entre os que exerceram tais atividades no passado e os que a exercerão no futuro.

Em outras palavras, se o desempenho de atividades próprias da profissão autoriza o seu exercício, em definitivo, é porque o legislador reconhece que o critério da formação educacional não é decisivo: a prática seria tão importante quanto a formação acadêmica.

Poder-se-ia redargüir que o legislador não atribui tal importância à prática profissional, e que simplesmente preservou, para quem de fato exerceu aquelas atividades por mais de cinco anos, um "direito adquirido" ao exercício definitivo da profissão. Dizê-lo, contudo, é afirmar que o interesse do detentor da profissão em exercê-la está acima do interesse da comunidade de consumidores em que os serviços sejam prestados adequadamente, o que ofende o art. 5° , inciso XIII, da Carta Magna.

Não queremos com isso sustentar que a prática, ou o desempenho de atividades específicas da profissão, não deva legitimar o seu exercício em caráter definitivo. Dizemos, muito ao contrário, que se esse desempenho justifica o exercício da profissão -- como de fato parece justificar, no caso do turismo -- a regra da formação acadêmica é que foi mal adotada, por reconhecimento expresso do legislador."

Pronunciando-se acerca do sentido da cláusula em apreço, o Supremo Tribunal Federal, na Representação n° 930, examinou amplamente a matéria. Na oportunidade, o saudoso Ministro Rodrigues Alckmin assim se manifestou:

"Disse eu, então, ao apreciar o agora impugnado diploma legal, à luz da CF/1946:

"A Constituição Federal dispõe, em seu art. 141, parágrafo 14:

"É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer."

(Observo que o texto, na Constituição Federal de 1967, não alterado pela EC n° 1/69, é até mais amplo: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer").

Assegura a Constituição, portanto, a liberdade do exercício de profissão.

Essa liberdade dentro do regime constitucional vigente, não é absoluta, excludente de qualquer limitação por via de lei ordinária.

Tanto assim é que a cláusula final ("observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer") já revela, de maneira insofismável, a possibilidade de restrições ao exercício de certas atividades.

Mas também não ficou ao livre critério do legislador ordinário estabelecer as restrições que entenda ao exercício de qualquer gênero da atividade lícita. Se assim fosse, a garantia constitucional seria ilusória e despida de qualquer sentido.

Que adiantaria afirmar "livre" o exercício de qualquer profissão, se a lei ordinária tivesse o poder de restringir tal exercício, a seu critério e alvitre, por meio de requisitos e condições que estipulasse, aos casos e pessoas que entendesse?

É preciso, portanto, um exame aprofundado da espécie, para fixar quais os limites a que a lei ordinária tem de ater-se, ao indicar as "condições de capacidade". E quais os excessos que, decorrentes direta ou indiretamente das leis ordinárias, desatendem à garantia constitucional."(Rp. n° 930, Relator Ministro Rodrigues Alckmin, transcrição in: R.T.J. 110, pg. 945.)"

        A propósito, assevera o Ministério do Trabalho, verbis:

"A maior parte das atribuições cometidas pelo projeto (art. 4° ) ao técnico de turismo envolve atos profissionais que podem ser praticados, até com maior eficiência, por sociólogos (inciso I) economistas e profissionais da área de estatística (inciso II) administradores públicos (inciso III) e profissionais de propaganda (inciso IX). Técnicos de áreas diversificadas, particularmente economistas, sociólogos e administradores, por certo executam as atribuições dos incisos IV, I e VII. Também o inciso VI, no que se refere ao "adequado aproveitamento dos recursos naturais e culturais", seguramente requer a intervenção de outras áreas técnicas.

Conjugando-se tal dispositivo com o exercício privativo mencionado no art. 2° e com o registro profissional obrigatório do art. 3° , é fácil prever a proliferação de controvérsias sobre a necessidade de registro, como técnicos de turismo, por parte dos profissionais das mais diversas áreas -- fator de oneração de empresas e pessoas físicas, em desacordo com a política de redução dos encargos sociais.

Há, ainda, restrição incompreensível no art. 5° , quanto ao desempenho das atividades de técnico em turismo por pessoas físicas. A regra não condiz com a enumeração das atividades do artigo anterior, perfeitamente executáveis por pessoas físicas (inclusive, como se disse, estranhas à área de turismo).

O art. 6° , a seu turno, contempla uma remissão ao quadro de atividades e profissões da CLT que constitui a antítese da política governamental da área sindical, especialmente porque pretende ressuscitar a incumbência legislativa de definir a categoria, quando o art. 8° da Constituição estimula a definição pelos próprios trabalhadores interessados.

Nada há, enfim, que justifique a regulamentação. A fixação do piso salarial do art. 7° , sobre contrariar a política governamental e traduzir indevida vinculação de salários à norma do Executivo, perde sentido ante a carência de uma definição mais precisa das atribuições da profissão.

Por esses motivos, além dos outros que constam das recomendações ministeriais, o parecer é pela rejeição integral do projeto.

Vale acrescentar, por fim, que o art. 5° dispõe que "As atividades de Técnico em Turismo serão desenvolvidas em empresas privadas ou públicas, órgão ou entidades ...", ao passo que o art. 6° estatui que a categoria ora sob análise é acrescida ao Grupo de Confederação Nacional das Profissões Liberais, o que traduz uma flagrante contradição da norma, pois se o Técnico em Turismo é enquadrado naquela categoria de Profissional Liberal, o exercício de sua atividade não pode estar limitado às empresas, órgãos ou entidades. Ademais, como já dito, a única restrição imposta pela Constituição Federal diz respeito à qualificação profissional."

        Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em totalmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 8 de julho de 1996.

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 9.7.1996