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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 767, DE 11 DE JULHO DE 1995.

        Senhor Presidente do Senado Federal,

        Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1° do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente o Projeto de Lei n° 111, de 1992 (n° 2.805/92 na Câmara dos Deputados), que "Altera o art. 51 da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando recurso de oficio das sentenças concessivas de adoção de menor brasileiro por estrangeiro residente ou domiciliado no exterior".

        O Ministério da Justiça assim se pronunciou sobre o projeto:

        " A proposta objetiva alterar o § 4° e incluir § 5° no art. 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, que passará a vigorar com a seguinte redação:

        "Art.51 .......................................................................................

        .......................................................................................

        § 4° Antes de transitada em julgado a sentença concessiva da adoção, não será permitida a saída do adotando do território nacional.

        § 5° Da sentença favorável ao pedido de adoção formulado por estrangeiro residente fora do pais, deverá o juiz que a concedeu recorrer de oficio ao Tribunal de Justiça, nos Estados e no Distrito Federal, ou ao Tribunal Regional, nos territórios."

        Esclarece a Comissão Parlamentar de Inquérito que verificou "serem comuns as irregularidades nos processos de adoção internacional, existindo hoje verdadeiras "máfias" que se locupletam à custa da negligência ou corrupção dos juízes - particularmente em Comarcas afastadas das Capitais", o que recomendou a apresentação do projeto, ainda que o recurso proposto prolongue o curso do processo de adoção por estrangeiros.

        A alteração sugerida para o § 4° do art. 51 consiste, tão-somente, em substituir a expressão "consumada a adoção" por "transitada em julgado a sentença concessiva da adoção", o que, na prática, não importa em qualquer modificação do procedimento atualmente adotado. Na verdade, o art. 47 da Lei n° 8.069/90 já preceitua que "a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto na hipótese prevista no art. 42, § 5°, caso em que terá força retroativa à data do óbito".

        Ao contrário, a introdução do § 5º no art. 51, que prevê o recurso de ofício da sentença favorável ao pedido de adoção por estrangeiro residente fora do País, importa em substancial alteração da lei vigente, que deverá ser examinada à luz do interesse público.

        A Constituição Federal, em seu art. 227, § 5°, preceitua que "a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros".

        Prevê, também, a Carta Política, que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

        Com base nesses mandamentos constitucionais, erigiu-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujos beneficiários da norma gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-se-lhes todas as oportunidades e facilidades, com vista a se lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (art. 3° da Lei n° 8.069/90).

        A grande virtude do Estatuto, segundo Paulo Lúcio Nogueira, foi acabar com a forma de adoção plena, antiga legitimação adotiva, persistindo, apenas, a adoção simples, vestigio da legislação anterior, que ao prever mais de uma forma de adoção gerava controvérsias e situações incômodas (in "Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado", pág. 53/54).

        Cumpre registrar que toda criança tem direito a ser criada e educada no seio de sua família, e, excepcionalmente, em família substituta. No caso de família substituta, a colocação da criança poderá se dar por guarda, tutela e adoção (art. 28). Ocorre que, em se tratando de família substituta estrangeira, só é possível a adoção (art. 31), que "atribuiu condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais" (art. 41).

        Na lição de Paulo Lúcio Nogueira, "a adoção deve ser preferencialmente concedida a casais brasileiros, e só excepcionalmente a casais estrangeiros, quando se tratar de crianças abandonadas, pois as carentes, que possuam pais, devem ser mantidas com sua família" (in op. cit., pág. 39/400).

        Não é demasiado lembrar que, segundo o art. 46 do Estatuto, a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou o adolescente, por prazo fixado pela autoridade judiciária, devendo ser observadas as peculiaridades de cada caso, salvo na hipótese de o adotando não ter mais de um ano de idade, ou, qualquer que seja a sua idade, de já estar na companhia do adotante durante tempo sufciente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo. Entretanto, na adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do Pais, o Estatuto foi mais rígido, ao determinar que o prazo de convivência no território nacional seria de, no mínimo, quinze dias, para crianças de até dois anos de idade, e, de trinta dias, para aquelas acima de dois anos de idade.

        Deve-se registrar, por oportuno, que a adoção inernacional poderá ser condicionada ao estudo prévio e análise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente (art. 52), e que não será permitida a saída do adotando do território nacional antes de consumada a adoção, ou seja, antes do trânsito em julgado da sentença que a concedeu (art. 51, § 4°).

        Tem-se notícia nos autos de que já existem comissões judiciárias em dez Estados, dentre os quais São Paulo, onde foi criada a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional, por meio da Portaria n° 2.656/92, do Presidente do Tribunal de Justiça. Com isso, passou a ser condição para a adoção internacional, naquele Estado, o certificado de habilitação, válido por cento e oitenta dias, e renovável por igual período, para estrangeiros que, só então, poderão se candidatar perante as Varas, passando pelo crivo do juízo.

        O que o projeto pretende basicamente - sujeitar ao duplo grau obrigatório de jurisdição a sentença concessiva da adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do Brasil - poderá trazer sérios inconvenientes, no momento em que a demora no trâmite do processo poderá inviabilizar, na prática, a adoção internacional, haja vista que, em muitos casos, estarão os estrangeiros impossibilitados de permanecer no País pelo tempo prolongado a que, normalmente, se submetem as decisões de primeiro grau, quando delas se interpõem recursos, os quais, inclusive, no caso de sentença concessiva de adoção a estrangeiros, têm efeito suspensivo, a teor do art. 198, VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda que os interessados, especialmente o Ministério Público, que atua obrigatoriamente na defesa dos direitos e interesses de que cuida o Estatuto, nos processos e procedimentos em que não figura como parte (art. 202), deixem de recorrer, o processo de adoção terá de ser revisto pelo Tribunal de Justiça, em virtude do recurso de oficio que ora se quer implantar.

        Na verificação do atendimento ao interesse público deve-se ter sempre presente que a adoção deixou de ter a sua finalidade primitiva, a de dar filhos, ficticiamente, àqueles que não podem concebê-los, para tornar-se um instituto eminentemente assistencial, voltado ao amparo da criança e do adolescente, por laços efetivos (in op. cit. pág. 63).

        A lei em vigor cercou-se de cautelas para impedir que a adoção por estrangeiros tenha conseqüências danosas aos adotandos, cautelas essas, até, que poderiam ser aumentadas. Mas não é prudente perpetrar-se a situação precária do adotando e do adotante, a ponto de inviabilizar que os estrangeiros adotem no País, e, com isso, negar aos adotandos o convívio familiar a que todos tem direito, até mesmo porque a alteração proposta não é garantia irrefutável do destino que as crianças adotadas terão nos Países a que se dirigem os pais."

        Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar totalmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 11 de julho de 1995.