CASA CIVIL 
 
SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

 

EM Nº GM/SEDH n° 02                                                                                             

                            Brasília, 25 de fevereiro de 2005.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

           

                        Submeto à apreciação de Vossa Excelência o incluso anteprojeto de lei, objetivando instituir a proteção especial de crianças e adolescentes ameaçados de morte e criar o Programa Federal de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte.

2.                    
Como é do conhecimento de Vossa Excelência, o processo de consolidação da cidadania da criança e do adolescente obedeceu a uma trajetória de constantes mudanças de paradigmas e de busca de opções  para que se pudesse assegurar a respeitabilidade aos Direitos Humanos dessas pessoas em desenvolvimento na ordem do estado democrático brasileiro.

3.                     O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – é fruto da mobilização da sociedade civil brasileira, durante o processo constituinte, que resultou na Carta Política de 1988. O ECA é marcado pelo abandono do referencial sócio-jurídico da situação irregular e pela adoção da teoria da proteção integral, garantidora da prioridade absoluta das crianças e adolescentes no âmbito do Estado, da família e da sociedade.

4.                     Após 14 anos, o ECA tornou-se um instrumento essencial para a cidadania, convertendo-se numa referência internacional de respeitabilidade dos direitos humanos de um grupo vulnerável: as crianças e os adolescentes.

5.                     Na atualidade, novas formas de vitimização de crianças e adolescentes foram se consolidando no cenário nacional. Coube então aos operadores do Sistema de Garantias de Direitos, dentro de um juízo hermenêutico, identificar na estrutura política e jurídica do ECA instrumentos de salvaguarda dos Direitos Humanos frente a essas novas formas de vitimização.

6.                     Nesse contexto, identificamos
um crescente número de crianças e adolescentes vítimas de ameaças de morte que, por omissão do Estado, engrossam as estatísticas das execuções sumárias praticadas principalmente por grupos de extermínio, ação do narcotráfico e de quadrilhas e criminosos associados ao abuso e à exploração sexual. Ressalta-se ainda que várias crianças e adolescentes são alvos de ameaças de morte em meio a disputas entre grupos rivais, conflitos, rixas, conturbações no interior de unidades de internação ou quando tentam abandonar a participação em alguma atividade ilícita.

8.                     D’outra sorte, a perspectiva da proteção integral à criança e ao adolescente, prioridade absoluta, reconhecida juridicamente em nível internacional, constitucional e por lei ordinária, nos casos de ameaça a sua integridade física e/ou moral, demanda a construção normativa de um instrumento que garanta sua proteção quando ameaçados de morte.


9.                     Assim, Senhor Presidente, urge prover um mínimo de assistência e proteção às crianças e adolescentes ameaçados de morte, evitando que venham a ser novamente inseridos no círculo vicioso do aliciamento e posterior submissão à mesma condição.


10.                   A partir desta necessidade, formou-se um grupo de trabalho que desenvolveu este anteprojeto de Lei de Proteção de Crianças e Adolescentes ameaçados de morte, cuja finalidade é estabelecer parâmetros mínimos para a construção de programas de Proteção nas três esferas de governo.

11.                   O título “Da Proteção Especial de Crianças e Adolescente Ameaçados de Morte” foi escolhido com base na premissa de que este é o público alvo que prioritariamente necessita de proteção, mas não inviabiliza a inclusão de jovens maiores de 18 anos em caráter excepcional, de egressos de medidas sócio-educativas e de familiares de crianças e adolescentes ameaçados.

12.                   A Proteção em tela está construída com base nas seguintes premissas: 1 – Prioridade Absoluta para a criança e o adolescente. 2 – Doutrina da Proteção Integral (proteção física, psíquica e social) 3 – Execução das ações de proteção sob a responsabilidade de entidades executoras, públicas ou privadas, conveniadas com o Poder Público. 4 – Máximo sigilo sobre a localização dos protegidos. 5 – Não vinculação entre a concessão da proteção e eventual colaboração em processo judicial ou inquérito policial por parte do adolescente. 6 – Apoio à família. 7 – Possibilidade de manutenção da proteção enquanto durar a ameaça. 8 – Respeito ao interesse dos protegidos e de suas famílias na inclusão e permanência nos programas de proteção, sendo privilegiado o princípio do maior e melhor interesse da criança e do adolescente.

13.                   Cabe esclarecer que a premissa legal de não vincular a inclusão da criança ou adolescente nos Programas a eventual colaboração em processo judicial ou inquérito administrativo está embasada na percepção deste público como pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, de modo que devem ser protegidas independentemente de qualquer contraprestação ao Estado. Seria por demais imoral a rejeição da proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte que se recusassem, por medo ou incompreensão, a colaborar com a Justiça.

14.                   Quanto à Gestão dos Programas, a Lei cria a figura do Conselho Gestor, composto por, no mínimo seis membros com a atribuição de gerenciar cada programa de Proteção.


15.                   Dentre as ações para a proteção das crianças e adolescentes, ressalta-se a possibilidade de ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, a alteração do nome, a mudança do local de cumprimento da medida sócio-educativa para adolescentes em conflito com a lei e a transferência de residência, sendo resguardado o sigilo e o bem estar do protegido.

16.                   Como fecho, fica instituído o Programa Federal de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, a ser administrado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ou eventual Órgão que lhe sobrevenha em suas atribuições. 

17.                   Ressalta-se que a implantação de Programas de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte tem previsão orçamentária (2005), o Programa 0153 - Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ação 0730 – Apoio a Serviços de Atendimento Jurídico-Social a Crianças e Adolescentes Ameaçados, com a previsão de recursos no valor de R$ 2.450.269,00. Destaca-se ainda que a implantação de Programas de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte é uma das ações do Plano Presidente Amigo da Criança (Ação 172) dentro da Meta III: Proteção Contra Abuso, Exploração e Violência, Linha de Ação (A): Apoio à Criança e ao Adolescente em Situação de Vulnerabilidade Social. O Plano Plurianual 2004-2007 prevê os seguintes valores para a proteção de crianças e adolescentes ameaçados de morte: 2004 – R$ 2.500.000,00; 2005 – R$ 2.623.710,00; 2006 – R$ 2.742.268,00; 2007 – R$ 2.850.515,00. 

18.                   Portanto, percebe-se que a medida ora proposta representa uma chance concreta de ruptura do processo que leva a criança e o adolescente, mesmo que retirado de situação da prática de ato infracional, a retornar a ela por falta de alternativa para sobrevivência. Por conseguinte, à vista dos efeitos sociais inegavelmente benéficos da medida, bem como do seu reduzido impacto financeiro, torna-se recomendável a sua adoção imediata, sugerindo-se considerar a relevância e urgência da matéria para o encaminhamento do presente projeto de lei ao Congresso Nacional com regime de urgência.

19.                   O êxito do programa federal aqui apresentado passa por um intenso processo de articulação das ações governamentais em seus diversos níveis, bem como junto à sociedade civil. Trata-se de consolidar parcerias, fundamentais para o êxito do mencionado programa, fortalecer a atuação dos Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos – nacional, estaduais e municipais – para permitir uma melhor aplicação local das ações, e uma maior articulação e controle por parte do Conselho Gestor.

20.                   Ante ao exposto e ao fato de que a cada hora que passa crianças e adolescentes ameaçados de morte são executados por não contarem com a proteção do Estado, resta inconteste a urgência e imprescindibilidade da iniciativa ora proposta, de modo que solicitamos seja encaminhada ao Congresso Nacional em regime de urgência, conforme dispõe o artigo 64, § 1º da Constituição Federal.

22.                   São estas, Senhor Presidente, as razões submetidas a Vossa Excelência com a proposição de expedição da presente iniciativa e posterior encaminhamento em regime de urgência ao Congresso Nacional.

 

Respeitosamente,

    NILMÁRIO MIRANDA
Secretário Especial dos Direitos Humanos