SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00012/MS

 

Brasília, 11 de abril de 2006.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

                        Submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência Anteprojeto de Lei que altera a Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos e outros produtos, dispõe sobre o fracionamento de medicamentos para dispensação e dá outras providências.

                        O Poder Executivo Federal regulamentou a dispensação de medicamentos de forma fracionada no País, por meio do Decreto no 5.348, de 19 de janeiro de 2005, em busca da promoção do uso racional de medicamentos e da defesa dos direitos econômicos e sanitários do consumidor e usuário de medicamentos, proporcionando grandes benefícios para a população brasileira.

                        O referido Decreto permitiu que as farmácias disponibilizassem medicamentos na quantidade prescrita pelo profissional competente, segundo as necessidades terapêuticas do consumidor e usuário de medicamentos, a partir de embalagens especialmente desenvolvidas para essa finalidade, devidamente aprovadas pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária, de modo a garantir a individualização da terapia medicamentosa e a manutenção das características de qualidade, segurança e eficácia dos produtos como estratégia de acesso e promoção do uso racional de medicamentos.

                        Antes do referido Decreto, outras iniciativas haviam sido deflagradas na tentativa de regulamentar a implantação do fracionamento de medicamentos no Brasil, a exemplo de outros países da América do Norte e da Europa, sem, contudo, obter grandes repercussões, como no caso do Decreto no 793, de 5 de abril de 1993, e da Portaria SVS/MS no 112, de 19 de novembro de 1993.

                         Decreto no 5.348, de 2005, por sua vez, ao vincular o fracionamento de medicamentos a requisitos especiais de embalagem e aos estabelecimentos tecnicamente qualificados para essa finalidade, sob a supervisão e responsabilidade direta do farmacêutico, trouxe novas perspectivas para a implantação da dispensação de medicamentos de forma fracionada no País, ajustando a experiência internacional à realidade brasileira e abrindo espaço para a adesão do setor produtivo e da sociedade mediante o estabelecimento de condições técnicas e operacionais que assegurem os dados de identificação e a rastreabilidade dos produtos, além da manutenção das características de qualidade, segurança e eficácia assegurados na embalagem original do produto registrado perante o órgão federal responsável pela vigilância sanitária.

                        A partir dessa iniciativa, buscou-se contribuir para a redução dos gastos e desperdícios do consumidor e usuário de medicamentos com relação ao tratamento de suas enfermidades, bem como minimizar e inibir os perigos decorrentes da automedicação e os acidentes de intoxicação ocasionados pelo armazenamento inadequado desses produtos nas residências, geralmente ao alcance de crianças e adolescentes, além dos danos provocados pelo descarte inadequado desses produtos no meio ambiente.

                        A quantidade de medicamentos contida na embalagem do fabricante, disponível nos estabelecimentos farmacêuticos para a população em geral, nem sempre corresponde às reais necessidades do consumidor e usuário desses produtos, atendendo, muitas vezes, a limitações tecnológicas dos equipamentos utilizados no processo produtivo ou mesmo a interesses meramente comerciais.

                        Por esse motivo, não raras vezes o consumidor e usuário de medicamentos vê-se obrigado a adquirir a medicação em quantidade além da realmente necessária, tendo que comprar uma caixa de medicamento a mais para completar a quantidade adequada ao seu tratamento, geralmente por causa de dois ou três comprimidos, acarretando-lhe prejuízos de ordem econômica e sanitária.

                        Ao ser obrigado a comprar uma quantidade de medicamento superior àquela que irá efetivamente utilizar, o consumidor e usuário de medicamentos é forçado a desperdiçar produtos e recursos financeiros além do necessário, pagando mais do que realmente precisaria para custear seu tratamento.

                        Os prejuízos econômicos decorrentes desse excesso são visíveis devido ao peso dos medicamentos no orçamento familiar, podendo inclusive comprometer a adesão integral ao tratamento, pois muitas vezes o consumidor deixa de comprar a segunda caixa de medicamento para completar o seu tratamento, interrompendo inadequadamente a terapia medicamentosa.

                        Pesquisa sobre a renda e a participação no mercado de medicamentos realizada pelo Ministério da Saúde já revelava em 1998 que 15% da população, com renda maior que 10 salários mínimos, possuía 48% da participação no mercado de medicamentos, ao passo que 51% da população, com renda inferior a 4 salários mínimos, respondia por apenas 16% dessa participação, demonstrando efetivamente que o acesso a medicamentos e a adesão ao tratamento sempre estiveram relacionados com o poder aquisitivo e o custo desses produtos no mercado.

                        Além do prejuízo econômico para os consumidores, os medicamentos que sobram acarretam prejuízos sanitários, pois são geralmente guardados inadequadamente em algum armário ou gaveta na residência das pessoas, propiciando a oportunidade para o uso irracional e indevido desses produtos ou futuros casos de intoxicações graves.

                        O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas revela que os medicamentos ocupam o primeiro lugar entre as principais causas de intoxicação em seres humanos desde 1996.

                        A CPI de Medicamentos realizada pela Câmara dos Deputados, no ano de 2000, atenta aos problemas da sociedade, deliberou pela regulamentação da prática da venda fracionada de medicamentos no País, na perspectiva de racionalizar e ampliar o acesso da população brasileira aos medicamentos e garantir a defesa dos direitos econômicos e sanitários do consumidor, individualizando a terapia medicamentosa, adequando-a às suas reais necessidades, e minimizando ou inibindo os perigos atribuídos ao consumo indiscriminado e aos acidentes de intoxicação ocasionados pela sobra ou pelo armazenamento inadequado desses produtos nas moradias, convergindo, portanto, para a defesa dos interesses de promoção e proteção da saúde da população.

                        A partir do Decreto no 5.348, de 2005, os laboratórios farmacêuticos vêm paulatinamente adequando suas embalagens ao fracionamento de modo que possam ser disponibilizados à população na quantidade adequada às necessidades do consumidor, segundo o tratamento clínico prescrito, garantidos os dados de identificação e as características de qualidade, segurança e eficácia asseguradas na embalagem original do produto registrado pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária.

                        Atualmente  no  País  existem  aproximadamente  20  produtos acondicionados em embalagens especiais destinadas ao fracionamento, segundo os critérios técnicos estabelecidos  pelo  órgão  federal  responsável   pela  vigilância sanitária,  a  partir  das  diretrizes  estabelecidas pelo Decreto no 5.348, de 2005, representados em mais de 90 apresentações comerciais, correspondentes a 7 classes terapêuticas, tais como: antibióticos; expectorantes; anti-hipertensivos diuréticos; inibidor de alfa-redutase; antilipêmicos e antiulcerosos.

                        Além disso, existe ainda uma série de outros produtos disponíveis no mercado, de laboratórios farmacêuticos que já detêm a tecnologia necessária para a produção de medicamentos destinados ao fracionamento, geralmente acondicionados em embalagens hospitalares que permitem a dispensação em doses unitárias ou individualizadas, com grandes benefícios para o planejamento da assistência farmacêutica hospitalar, bastando pequenos ajustes na rotulagem desses medicamentos para sua dispensação nos estabelecimentos farmacêuticos do País.

                        A determinação da produção e adequação de medicamentos destinados ao fracionamento por parte dos laboratórios farmacêuticos e da dispensação de medicamentos na forma fracionada nos estabelecimentos farmacêuticos do País revela-se de grande importância para a ampliação do acesso da população aos benefícios proporcionados por essa iniciativa, de modo a atender às expectativas dos usuários de medicamentos e profissionais de saúde acerca da dispensação de medicamentos na forma fracionada, não podendo esse direito permanecer condicionado ao interesse econômico ou à voluntariedade da adesão dos laboratórios e estabelecimentos farmacêuticos do País.

                        Pesquisa realizada pelo Departamento de Ouvidoria do Ministério da Saúde à época do Decreto no 5.348, de 2005, revela que 86% do público entrevistado é favorável ao fracionamento, confirmando a expectativa da sociedade com relação ao direito de adquirir medicamentos na quantidade estritamente necessária ao tratamento clínico prescrito, evitando desperdícios e gastos indesejados.

                        A assistência farmacêutica, na qualidade de componente do direito à assistência terapêutica integral, devido ao papel que os medicamentos alcançaram na terapêutica contemporânea e aliada ao caráter essencial desses produtos para a saúde e para a vida da população, não deve se limitar à aquisição e distribuição de medicamentos, cabendo ao poder público adotar medidas destinadas à promoção do uso racional desses produtos, tanto no setor público quanto no privado, haja vista a relevância pública de suas ações no campo da saúde.

                        O acesso racional pressupõe a obtenção do medicamento adequado para uma finalidade específica, em quantidade, tempo e dosagem suficientes para o tratamento correspondente, sob a orientação e a supervisão de profissionais qualificados, incluindo o recebimento de informações e o acompanhamento dos resultados inerentes à atenção à saúde. Sem tais características, o acesso a medicamentos torna-se irracional e indiscriminado, distanciando-se de sua finalidade terapêutica, com sérios riscos para a saúde e a vida das pessoas, atendendo exclusivamente a interesses meramente comerciais.

                        O dever constitucional de garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde e a necessidade de reduzir o risco de doenças e de outros agravos por meio de políticas sociais e econômicas, aliados ainda à relevância pública das ações e dos serviços de saúde e à função social da propriedade, indicam a importância de uma iniciativa do poder público voltada para a eficiência do sistema de distribuição de medicamentos e a promoção do uso racional desses produtos segundo as demandas epidemiológicas e sanitárias da população, em busca da resolutividade das ações de saúde e do pleno exercício desse direito fundamental do ser humano.

                        Essa iniciativa, portanto, constituiu um importante passo para a qualificação e a orientação das ações e serviços farmacêuticos do País, aproximando o profissional farmacêutico do cidadão e usuário de medicamentos e ajustando a terapia medicamentosa às suas reais necessidades, proporcionando grandes benefícios para o consumidor e usuário de medicamentos, tais como a redução no custo dos tratamentos, a diminuição dos casos de automedicação e intoxicações decorrentes das sobras de medicamentos nas residências das pessoas, além do estímulo ao uso adequado desses produtos, na exata quantidade prescrita pelos profissionais competentes, contribuindo para a adesão ao tratamento e para a melhor resolutividade das ações e serviços de saúde.

                        Esse componente da assistência farmacêutica voltado para a preocupação com o acesso racional a medicamentos aumenta a importância dos estabelecimentos farmacêuticos nesse processo de difusão do acesso e divide solidariamente a responsabilidade pela qualidade e segurança dos medicamentos com todos os elos da cadeia produtiva, da produção até o consumo, demandando a regulamentação específica do órgão federal responsável pela vigilância sanitária, no intuito de assegurar a factibilidade e exeqüibilidade da proposta, à luz de critérios técnicos e segundo as necessidades epidemiológicas e sanitárias da população brasileira, além do envolvimento de todos os segmentos da sociedade e de todas as esferas do governo.

                        A realização de campanhas educativas sobre o fracionamento e o uso correto de medicamentos também será de grande importância para a conscientização e a prevenção de agravos à saúde da população, na medida em que a construção efetiva da consciência sanitária constituirá um dos principais fatores para o êxito da política de fracionamento, proporcionando o acesso seguro a produtos de qualidade.

 

Respeitosamente,

 

José Agenor Alvares da Silva
Ministro de Estado da Saúde