SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00083/GM/MS

Brasília, 26 de outubro de 2005.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

          

                        Tenho a honra de submeter à elevada apreciação de Vossa Excelência projeto de lei que dispõe sobre as restrições de exposição à venda e de entrega ao consumo de produtos de interesse para controle de risco à saúde da população, quais sejam, o álcool etílico hidratado e o álcool etílico anidro.

                        Diante da relevância da matéria, torna-se indispensável a sua regulação pela via legislativa a fim de evitar questionamentos sobre o mérito de atos regulatórios emanados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) sobre o tema, como vem ocorrendo, apesar das estatísticas que demonstram, à evidência, a eficácia da proibição da comercialização desses produtos, em especial no que se refere à apresentação na forma líquida, com uma significativa redução dos acidentes pela utilização na forma proposta.

                        O álcool líquido é classificado como um inflamável. Os combustíveis como a gasolina e o óleo diesel requerem manuseio, equipamentos e instalações específicos, assim como o próprio álcool carburante. Os combustíveis não podem ser comprados em pequenos volumes e só podem ser adquiridos nos postos distribuidores. Porém, o álcool líquido, que possui elevado risco, podia ser comercializado em supermercados, mercadinhos e outros, até a adoção da RDC-46/2002, para o público em geral, inclusive crianças.

                        O álcool líquido no Brasil vem se sobressaindo de maneira cada vez mais destacada, ocupando uma posição ímpar no mundo, sendo o nosso país o único com essa estatística, por um costume popular de se limpar tudo com álcool, que é responsável sozinho por quase 20% da totalidade das queimaduras que aqui ocorrem. Em nenhum outro país se encontra uma estatística de queimaduras por álcool, nem sendo mesmo mencionada pela comunidade científica internacional.

                        De acordo com as pesquisas da Sociedade Brasileira de Queimados (SBQ), o agente que mais causa acidentes são os líquidos superaquecidos, que abrangem 37% dos casos. O local em que mais ocorrem acidentes é a cozinha, e a faixa etária mais atingida é de até 12 anos, com 33% das ocorrências.

                        O produto álcool líquido foi incorporado aos hábitos brasileiros por questões culturais e de época, que hoje não têm mais fundamento. Assim, fica claro, diante da situação, que é necessário prover e implementar urgentemente a população de mecanismos legais que reduzam ou eliminem esse flagelo.

                        No Brasil, existem 56 Centros de Tratamentos de Queimados. Entretanto, várias capitais no País (especialmente nas Regiões Norte e Nordeste) não dispõem de atendimento especializado. Estima-se que no ano de 2001 aconteceram 1.000.000 de acidentes por queimaduras, sendo 150.000 causados por álcool líquido (15%) e 45.000 atingiram crianças de até 12 anos (30%).

                        A adoção do álcool etílico na forma física gel sobreveio da necessidade de redução do número desses acidentes. O álcool etílico, na forma líquida, quando atinge o corpo, espalha-se rapidamente, podendo, em poucos segundos, provocar graves queimaduras. Caso relatado pela classe médica trata de uma tentativa de suicídio com insucesso, na qual foi utilizado o produto na forma gel que, em virtude do tempo levado pela vítima para espalhá-lo por todo o corpo, causou apenas leves queimaduras. Como o álcool gel, por sua vez, não tem o poder de espalhar-se como o líquido, a área de queima é sempre bem menor num eventual acidente.

                        O álcool gel é mais seguro que o álcool líquido porque, fundamentalmente, é menor sua propagação, reduzindo assim a região atingida quando do derramamento do produto.

                        O uso do álcool líquido pela sociedade brasileira tem um aspecto cultural bastante considerável. A população credita a ele um alto poder de desinfecção e limpeza em geral. Do ponto de vista técnico, este produto é eficaz como desinfetante na concentração entre 68% a 72% (peso/peso) e como solvente em vários tipos de sujidades. Assim, existem outros produtos do ponto de vista prático e eficaz para atender a essas necessidades. O álcool líquido, por seu “consagrado uso”, é visto como uma “solução excelente” para essas aplicações, o que de fato não é verdadeiro.

                        Ele pode ser facilmente substituído por outros produtos, tais como os desinfetantes, que podem conferir até maior eficácia, quando se fala do espectro de alcance biocida do produto e, para limpeza, os detergentes, os limpa-vidros, os limpa-fórmica e outras categorias específicas com melhores resultados.

                        Comparativamente, o álcool na forma gel conserva suas propriedades quanto à inflamabilidade e à desinfecção. Em ambos os casos é mais eficaz do que o álcool líquido, uma vez que o tempo de evaporação do produto aumenta significativamente, melhorando assim o rendimento em sua utilização.

                        Na forma líquida, em volumes de 50ml, pode ser comercializado nas farmácias e nas drogarias, para as finalidades nas quais seja impossível a utilização de um substituto na forma gel, como, por exemplo, a desinfecção de canetas dentárias, entre outras.

                        O álcool etílico na forma líquida poderá ser utilizado em estabelecimentos de assistência à saúde desde que em concentrações superiores a 68% p/p, preservando assim a aplicação em ambientes hospitalares, clínicas e outros.

                        A desnaturação objetiva evitar que o álcool dedicado a outras finalidades e utilizações não seja consumido como bebida alcoólica, conforme algumas pesquisas demonstram.

                        Deve-se garantir que o álcool etílico industrial e o álcool etílico destinado a testes laboratoriais e a investigação científica não corram o risco de ser adulterados. Assim, a tampa com lacre de inviolabilidade garante, entre outras coisas, que uma farmácia de manipulação não utilize álcool de procedência duvidosa, colocando em risco os produtos por ela manipulados.

                        A introdução do álcool gel no mercado brasileiro mostra resultados positivos para a saúde pública. Pesquisa da Sociedade Brasileira de Queimados (SBQ), em 56 centros de tratamentos de queimados no Brasil, comprovou que depois da publicação da Resolução - RDC no 46, de 20 de fevereiro de 2002, o número de acidentes por álcool obteve uma redução entre 60% e 65%. No Estado do Ceará a redução foi de 80%.

                        A Resolução trouxe redução dos custos para o estado com tratamento de queimados, visto que esse tipo de acidente causa graves danos estéticos, psicológicos, e, em alguns casos, funcionais, freqüentemente irreversíveis. Segundo a SBQ, o custo do tratamento de um paciente “grande queimado” é de R$ 1.200,00 a R$ 1.500,00 por dia. Fala-se aqui em 150.000 acidentes por ano, sem levar em conta a reabilitação e os custos indiretos.  

                        Embora seja inconteste o poder regulatório da ANVISA, autarquia vinculada a este Ministério, como demonstram os artigos 7o, inciso IV, e 8o, da Lei no 9.782, de 26 de janeiro de 1999, o assunto tem se prestado a interpretações e avaliações equivocadas em procedimentos judiciais, obstando a aplicação efetiva da norma, consubstanciada em Resolução da Agência, precedida de amplos estudos e debates com os segmentos envolvidos.

Respeitosamente,

 Jose Saraiva Felipe
Ministro de Estado da Saúde