SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM nº 00053/MS

Brasília, 25 de julho de 2005.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

          Submeto à consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Anteprojeto de Lei que cria o Conselho Nacional de Bioética - CNBioética, um órgão de assessoramento ao Presidente da República sobre questões éticas decorrentes da prática em saúde, dos avanços científicos e tecnológicos nos campos da biologia, da medicina e da saúde, e das situações que ponham em risco a vida humana e o equilíbrio do meio ambiente.

          Nessa perspectiva, por uma iniciativa da Casa Civil da Presidência da República, foi delegada ao Ministério da Saúde a missão de constituir um grupo de trabalho para avaliar os modelos internacionais em vigor referentes a Comissões Nacionais de Bioética e propor um modelo de atuação para o País. Esse grupo foi estabelecido pela Portaria GM/MS no 2.265, de 27 de novembro de 2003, que o instituiu e determinou suas atribuições, e posteriormente foi complementado pela Portaria GM/MS no 627, de 12 de abril de 2004, que publicou a designação de outros representantes, e a Portaria no GM/MS no 2.081, de 28 de setembro de 2004, que formalizou a substituição de membro do grupo e prorrogou por 60 dias o prazo inicial para o término dos trabalhos, em virtude da realização do processo de consulta pública.

          Os modelos constituídos por outros países para as comissões nacionais de Bioética - basicamente os modelos francês, português, norte-americano, canadense e italiano - serviram como referência para a contextualização e o início da constituição de um modelo que fosse adequado à realidade brasileira. A partir dessa avaliação, concluiu-se pela necessidade de criação de um órgão à semelhança da maioria dos conselhos de outros países, que foram criados como órgãos de Estado e instituídos por lei.

          Decidiu-se, então, pela criação de um órgão de assessoramento ao Presidente da República, sem personalidade jurídica própria, mas com autonomia relativa para que disponha de uma dotação orçamentária, independentemente de programas de governo, com membros indicados pela sociedade civil e nomeados pelo poder público. Necessariamente, esse órgão possui atribuições que não apresentam sobreposição com outros ou instâncias consultivas ou deliberativas já existentes no País.

          O documento que resultou das atividades desenvolvidas pelo grupo de trabalho foi levado à consulta pública, que consistiu em uma ausculta via internet e em eventos realizados em todas as regiões do País, envolvendo gestores, instituições e profissionais de diversas áreas do conhecimento e com participação aberta à sociedade civil, tendo em vista tratar-se de um tema multidisciplinar de interesse de toda a sociedade brasileira.

          Em linhas gerais, o Conselho consiste em uma instância de referência para análise e discussão de temas da Bioética. Apesar de não ter ação normativa nem formuladora de políticas, tem como atribuição atuar como um balizador moral ao dar visibilidade e enunciar corretamente questões de difícil compreensão tanto para a sociedade como para os governantes e o País, revelando toda a complexidade de seus efeitos e implicações.

          Na elaboração deste Anteprojeto, a Bioética, principal conceito em questão, foi entendida em sua forma mais abrangente, que envolve a saúde, o meio ambiente e a qualidade de vida. Por se tratar de um conceito em evolução, é prudente que não conste da lei para que, futuramente, não limite a atuação do Conselho. Por esse motivo, a explicitação e o detalhamento do conceito de Bioética que orientará as atividades do Conselho será tarefa inerente ao próprio Conselho, na medida em que este for conformando o seu campo de atuação, em consonância com o que foi estabelecido como suas atribuições.

          Os princípios e objetivos de atuação constantes do artigo quarto do Anteprojeto de Lei podem ser traduzidos como os critérios substantivos que são os requisitos para o funcionamento do Conselho e que sintetizam as principais preocupações a serem por ele observadas no exercício de sua atividade. O estabelecimento desses princípios preserva os valores fundamentais que regem os posicionamentos do Conselho e possibilita o controle da sociedade sobre o produto dele próprio. Trata-se da “declaração de valores” do Conselho, em consonância com os valores que o País se comprometeu a resguardar em acordos em tratados internacionais e na Constituição Federal.

          Para que seu significado possa ser apreendido em toda sua acepção, algumas considerações devem ser tecidas a respeito de conceitos como “direitos humanos”, “dignidade da pessoa humana” e “autonomia”. Atualmente, há uma tendência crescente pela defesa da indivisibilidade dos direitos humanos, uma vez que existe uma divisão entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais, divisão esta que pode ser observada na essência dos acordos internacionais. A dignidade da pessoa humana, por seu turno, é entendida no texto como um conceito maior que o de autonomia.

          A limitação das possibilidades de consulta ao Conselho, sem prejuízo de suas competências de assessoramento ao Presidente da República, foi uma estratégia utilizada para garantir e orientar a atuação desse órgão, reservando à sua análise apenas as questões de relevância nacional. Somente os consulentes nominados no artigo 5º podem se dirigir diretamente ao Conselho, além de entidades da sociedade civil de caráter nacional e dos cidadãos, conforme a fórmula constitucional de iniciativa popular adaptada para este caso. Com esse instrumento, demandas prementes que emergem espontaneamente no meio social podem ser apresentadas formalmente ao Conselho, reforçando, assim, o seu papel essencial de discutir e dar visibilidade a questões que afetam a qualidade de vida da população e o meio ambiente.

          A composição do Conselho busca a criação de um ambiente favorável ao diálogo, no qual haja uma permanente situação em que diferentes setores reúnam-se em torno de um tema relevante de Bioética, de modo a resolver dilemas atuais ou prevenir danos futuros. Para que isso ocorra, o Conselho deve ter uma composição que observe a multidisciplinaridade, a diversidade de gênero e de etnia. Na busca da garantia do equilíbrio entre as diversas áreas do conhecimento, considerando-se como foco o desenvolvimento científico e tecnológico, os assentos foram divididos entre os saberes. A composição de vinte e um membros foi considerada a mais recomendável, com base nas experiências internacionais, pois garante a representatividade e permite a formação de maiorias significativas para a tomada de decisão por parte do conjunto de conselheiros.

          O número de membros que compõem esse Conselho é fator fundamental para sua viabilidade, representatividade e capacidade de resposta à demanda em tempo oportuno. A escolha por um colegiado de vinte e um membros, via de regra um número menor que o encontrado nos modelos internacionais, permitiu o estabelecimento de um fórum que propicia a manifestação individual e autônoma de cada membro, no qual o estabelecimento dos consensos possíveis deverá ser um processo construtivo e solidário. É pertinente registrar que a ausência de consenso entre os membros desse Conselho espelha a perplexidade que ronda a própria sociedade, não sendo possível uma posição que atenda aos diversos interesses envolvidos na questão. Essa ausência de consenso será, portanto, considerada uma das possíveis posições a serem tornadas públicas pelo Conselho, para as quais são definidos os instrumentos específicos explicitados no artigo terceiro.

          Considerando que a legitimidade da atuação do Conselho resulta da razoabilidade, da atualidade e da sincronia de suas decisões em relação à situação do País naquele momento, o conhecimento do tema, a representatividade e a credibilidade individual de seus membros são aspectos a serem valorizados pelas entidades que farão indicações para a composição desse Conselho. É fato que, apesar de as indicações serem institucionais, fazendo prevalecer o princípio democrático na forma de manifestação das forças sociais organizadas, a representação de cada conselheiro será pessoal, uma vez que esse Conselho se assenta sobre uma autoridade moral.

          O mandato de quatro anos com renovação de um terço ou dois terços dos conselheiros, a cada dois anos, permitirá a participação das diversas e mais importantes forças sociais que compõem a sociedade brasileira. Essa renovação em duas etapas permite a preservação da memória da instituição e garante a continuidade das discussões iniciadas em cada gestão.

     São esses, em resumo, os principais pontos constantes do Anteprojeto de Lei para a criação do Conselho Nacional de Bioética, reservando a ato posterior do Poder Executivo as questões relativas à composição, à organização e ao funcionamento do CNBioética. Esse Conselho irá contribuir para a consolidação de conceitos e para a criação de referências morais em nosso País, ao trazer à pauta de discussão os temas polêmicos resultantes dos avanços tecnológicos e avaliá-los sob o prisma da moralidade e da ética inerentes à sociedade brasileira.

Respeitosamente,

 Jose Saraiva Felipe
Ministro de Estado da Saúde