SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES |
EM nº 096/GM
Brasília, 13 de novembro de 2003.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Em 1950, o Instituto de Malariologia, vinculado ao então Ministério da Educação e Saúde, visando à auto-suficiência na produção de pesticidas para controle de endemias transmitidas por vetores - malária, febre amarela e doença de Chagas - operou uma fábrica para a produção de Hexaclorociclohexano (HCH) e a manipulação de outros compostos organoclorados, como o diclorodifenilcloroetano (DDT), em oito pavilhões tomados por empréstimo da Fundação Abrigo Cristo Redentor, na localidade denominada Cidade dos Meninos, no Município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro.
Na segunda metade da década de 50, em decorrência da elevação dos custos econômicos da fabricação do HCH, iniciou-se processo de desativação progressiva da fábrica, culminando com o encerramento definitivo de suas atividades em 1962, sendo a produção remanescente estocada ao ar livre nas suas dependências.
Posteriormente, em 1989, surgiram denúncias na imprensa do Rio de Janeiro sobre a comercialização de pesticidas em feira livre de Duque de Caxias, originários dos depósitos existentes nas antigas instalações da indigitada fábrica, transformando suas instalações em área de foco principal de contaminação, situação agravada pela dispersão dos resíduos dos pesticidas por carreamento mecânico e uso humano inadvertido para sua aplicação como agrotóxico e material de aterro.
Em 1990, a Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro notificou o Ministério da Saúde (MS) quanto a inquérito instaurado, solicitando providências para desocupação da área onde se localizava a antiga fábrica (área foco principal), com a transferência dos moradores para locais próximos.
Vale ressaltar que a referida área era ocupada por diversos grupos de pessoas: menores internos da Fundação, funcionários da Fundação e funcionários do Instituto de Malariologia.
Em 1991, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou relatório sobre estudos clínico-laboratoriais realizados em 43 adultos e quatro crianças residentes em um raio de 100 metros do local da fábrica, sendo encontrado no sangue dos amostrados níveis 65% superiores à concentração do HCH presente no grupo controle (indivíduos não expostos), porém sem correlação com patologias.
Em 1993, após o reconhecimento da exposição da população local aos resíduos referidos, e com base nos resultados dos estudos da Fiocruz, o Juizado de Menores da Comarca de Duque de Caxias determinou a interdição das atividades da Fundação Abrigo Cristo Redentor e a imediata remoção dos menores, sendo o processo de desativação das atividades da Fundação iniciado em 1993 e concluído em 1996.
Embora tenham sido retirados todos os menores que eram internos da Fundação, permanecerem no local muitos dos seus funcionários e dos funcionários da antiga fábrica, acompanhados por seus familiares.
Em 1995, como tentativa de remediação da contaminação dos solos na área foco principal, foi realizado tratamento químico com adição de cal virgem e revolvimento do material na superfície do solo. Subseqüentemente à tentativa de remediação com cal, constatou-se, por meio de alguns estudos que analisaram amostras do solo local, que a referida tentativa não foi eficaz para promover a remediação e que, inadvertidamente, acabou resultando na formação de outras substâncias tóxicas decorrentes de reações químicas dos compostos organoclorados com cal.
Na atualidade, a área da Cidade dos Meninos tem uma população residente, em unidades domiciliares pertencentes à União, de 1.346 pessoas, agrupadas em 382 famílias, compostas principalmente por funcionários da ativa e aposentados do Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS (ou órgãos já extintos) e seus familiares. Além dessa população, reconhecidamente moradora na localidade, existem assentamentos populacionais de tamanho e duração diversos, configurando-se como áreas de invasão em alguns pontos das margens do terreno.
Estudo de avaliação de risco à saúde humana demonstrou a existência de uma mistura de concentrações diversas das seguintes substâncias: isômeros do HCH (alfa, beta, gama e delta), DDT e seus metabólitos (o,p - DDE, p,p - DDE, o,p - DDD, p,p - DDD, o,p - DDT, p,p - DDT), triclorofenol, triclorobenzeno, dioxinas e furanos.
Registre-se que os organoclorados são considerados compostos persistentes à decomposição, razão pela qual o decurso do tempo não pode ser considerado como fator descontaminante da região e que tais produtos apresentam características químicas que conferem alta persistência no ambiente devido à baixa biodegrabilidade, acumulando-se na cadeia alimentar, principalmente em alimentos de origem animal, como carne, sendo importante ressaltar que ovos e leite e seus derivados são os veículos mais freqüentes e importantes de exposição da população consumidora de alimentos provenientes da localidade.
Segundo recente revisão da literatura científica sobre os possíveis efeitos adversos à saúde humana associados à exposição aos organoclorados, ressalta-se a potencialidade de que esses compostos e os subprodutos de seu metabolismo sejam acumulados principalmente no tecido adiposo (gorduroso) do corpo, mas também no cérebro, rins, músculos, tecidos endócrinos e no sangue e que, dependendo do tipo de produtos e subprodutos, suas doses, duração da exposição, associado à suscetibilidade individual, tais substâncias acumuladas no corpo humano podem interferir nos sistemas digestivo, hematológico, neurológico, reprodutivo, imunológico e endócrino.
Diante da gravidade do problema, em 8 de setembro de 1993 foi firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Condutas e de Obrigações entre o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, a Legião Brasileira de Assistência, a Fundação Oswaldo Cruz, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e a Prefeitura de Duque de Caxias.
Na qualidade de sucessor do Ministério da Educação e Saúde, o Ministério da Saúde assumiu a responsabilidade pela “completa e permanente descontaminação da área da Cidade dos Meninos, bem como pela assistência à população exposta ao HCH, comprometendo-se a arcar com a totalidade dos recursos necessários à implementação das medidas propostas pelos órgãos técnicos”.
Entretanto, de todas as providências adotadas, a única que ainda não foi executada é a retirada dos moradores, objeto principal de todas as ações implementadas nos âmbitos judicial e administrativo.
Nessa linha de intelecção, impende esclarecer que a remediação da Cidade dos Meninos requer, como medida preliminar, a retirada completa de todos os moradores da indigitada região, de modo que o processo de remediação não exponha ainda mais a saúde da população.
Ressalte-se que a área ocupada é de propriedade da União, inexistindo qualquer título de posse que garanta a sua ocupação pelos moradores, sendo certo, ainda, que eventual ação de reintegração de posse implicará em demorado processo judicial que só iria agravar a situação dos habitantes da Cidade dos Meninos, uma vez que estariam expostos aos compostos organoclorados por tempo demasiadamente indefinido.
Em outra vertente, mesmo que sejam adotadas medidas judiciais visando à desocupação da área, ao argumento de que a permanência das pessoas na região apresenta risco à saúde, tal medida iria ocasionar a incômoda situação de colocar ao desabrigo mais de 1.300 pessoas. Em outras palavras, além da exposição aos compostos organoclorados, os moradores também ficariam desabrigados.
Os estudos existentes são suficientes para se concluir que a contaminação ambiental em Cidade dos Meninos é extensa, tendo sido a área foco principal a fonte de contaminação por pesticidas que hoje se encontram dispersos na região, tornando a área de risco para a saúde humana e que as evidências da existência atual de vias de exposição humana às substâncias tóxicas, agravadas pelas características de ocupação rural da região e o modo de vida da população, recomendam providências no sentido de viabilizar a retirada dos moradores da forma menos traumática possível.
Para alcançar esse desiderato, afigura-se mister e imperioso que os moradores da Cidade dos Meninos, que estiveram expostos aos compostos organoclorados, sejam indenizados pelos possíveis efeitos deletérios a sua saúde.
Ainda que inexista qualquer responsabilidade da União em custear novas moradias aos habitantes da Cidade dos Meninos, a responsabilidade do Governo Federal emerge do fato de ter abandonado, sem as devidas precauções, toneladas de produtos organoclorados ao ar livre, sem que tomasse as necessárias providências para que o produto não fosse livremente manuseado por pessoas desavisadas.
Ademais, a inércia da União em adotar as medidas necessárias à retirada dos moradores, poderá ocasionar condenações judiciais por sua conduta omissiva, no que tange à cessação da exposição dos moradores aos produtos organoclorados presentes na Cidade dos Meninos.
Frise-se que os moradores da localidade são de baixa renda, não possuindo condições financeiras para adquirirem novas habitações. Essa situação poderá ser minorada por intermédio de indenização ou até mesmo condicionada.
Nesse ínterim, considerando que a maioria dos habitantes da Cidade dos Meninos ocupa de forma irregular imóvel residencial da União, sendo certo que a quase totalidade usufrui dos imóveis de forma gratuita, esse fato deverá ser considerado no montante da indenização.
Tendo em vista a gravidade da situação, uma vez que está relacionada à saúde do cidadão, e o princípio básico de direito de que aquele que causar dano fica obrigado a repará-lo, sugiro tramitação célere para o projeto de lei que ora submeto à elevada consideração de Vossa Excelência.
Respeitosamente,
HUMBERTO SÉRGIO
COSTA LIMA
Ministro de Estado da Sáude