SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES |
EM nº 00024 - MJ
Brasília, 14 de março de 2007
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
1. Temos a honra de submeter à elevada
consideração de Vossa Excelência a presente proposta de projeto de lei
complementar visando dar cumprimento ao art. 134 e seus §§ 1º e 2º
da Constituição da República que prevêem autonomia funcional e administrativa às
Defensorias Públicas dos Estados da Federação e do Distrito Federal.
2. A Constituição da República estabelece no
art. 5º, LXXIV que o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Para dar eficácia a esse
preceito fundamental a Constituição instituiu a Defensoria Pública como garantia
constitucional do seu exercício. Essa temática vem sendo discutida para orientar
as políticas públicas que assegurem regularidade, abrangência e eficiência a
serviço público essencial, que diz respeito à própria cidadania.
3. O Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública, realizado em parceria com a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), sistematizou de forma científica a base de dados necessária para a promoção do fortalecimento dessa Instituição, como meio de dar efetividade ao direito universal de acesso à ordem jurídica.
4. A pesquisa constatou que o grau de cobertura das defensorias é de apenas 42% das comarcas brasileiras. Os estados que menos investem nas defensorias são os que apresentam os piores indicadores sociais - e que mais necessitariam dos serviços da instituição. O diagnóstico mostra que nos locais onde é menor a proporção de comarcas atendidas, é maior a realização de convênios, o meio de terceirização do serviço de assistência judicial. A par das considerações de natureza jurídica, legal e política, que desnaturam esses convênios e os desautorizam como instrumentos da assistência jurídica integral e gratuita preconizada pela Constituição, a avaliação do Estudo é de que a grande incidência convênios impede o fortalecimento da estrutura da Defensoria Pública e onera o serviço, realçada pelo fato de que onde não existem convênios chega a 71% o percentual de comarcas atendidas pela instituição.
5. O presente projeto, portanto, busca introduzir significativos avanços na legislação pertinente à Defensoria Pública abordando quatro principais aspectos: a indicação dos objetivos e a ampliação das funções institucionais; a regulamentação da autonomia funcional, administrativa e orçamentária; a democratização e modernização da gestão da Defensoria Pública e, por fim, a seleção e formação dos Defensores Públicos.
6. A Reforma do Judiciário (Emenda
Constitucional nº 45/2004) atribuiu à Defensoria Pública dos Estados
autonomia funcional e administrativa, a iniciativa de sua proposta orçamentária
(art. 134, § 2º) e o direito ao recebimento de duodécimos das dotações
orçamentárias (art. 168), nos moldes dos Três Poderes e do Ministério Público,
aprofundando a simetria estabelecida originariamente pelo Poder Constituinte e
ampliada pela Reforma da Previdência (EC nº. 41/03), que a vinculou ao
subteto de remuneração do Judiciário.
7. A autonomia administrativa pressupõe a capacidade de organizar os seus próprios serviços; a funcional a capacidade de definir as próprias políticas; a financeira a capacidade de dispor dos próprios recursos e a orçamentária a capacidade de estabelecer a sua proposta orçamentária.
8. O então Senador Bernardo Cabral, primeiro relator da Reforma do Judiciário, em seu parecer observou apropriadamente que “a atribuição da autonomia funcional e administrativa às Defensorias Públicas, e o poder de iniciativa de sua proposta orçamentária, conferirá a essas instituições uma importante desvinculação do Poder Executivo, com o qual não guardam qualquer relação de afinidade institucional, além de propiciar um fortalecimento da instituição e da conseqüente atuação institucional”.
9. O sentido da reforma, portanto, foi sedimentar a autonomia da instituição, livrando-a de ingerência do Estado e dotando-a dos instrumentos necessários ao cumprimento de suas atribuições constitucionais, de forma a assegurar a plenitude da igualdade jurídica e processual do hipossuficiente.
10. A Emenda Constitucional nº 45/04,
mais do que reformar o Poder Judiciário, foi um esforço de reforma do sistema
judicial, abrindo suas instituições para a sociedade, criando mecanismos de
controle, redefinindo competências e estabelecendo meios para torná-las
eficientes, onde se inserem as mudanças preconizadas no pacto firmado entre os
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário para agilizar a Justiça brasileira,
por meio de mudanças infraconstitucionais.
11. À luz da nova conjuntura, faz-se
necessário adequar a Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, ao
novo ordenamento constitucional, reformando os artigos incompatíveis,
incorporando os princípios e institutos decorrentes da autonomia da Defensoria
Pública e explicitando os instrumentos de compatibilização da Instituição com a
nova ordem.
12. O art. 2o do projeto denomina o Título I da LC 80/94 de “Disposições Gerais”, tendo em vista que as suas disposições dizem respeito à Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Estados, que passa a vigorar com alterações em seus artigos e acrescido dos artigos 3-A e 4-A.
13. Ao mesmo tempo em que se amplia a possibilidade de acesso ao Judiciário, há que assegurar o princípio da duração razoável do processo. É necessário desenvolver mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos, de forma a evitar demandas desnecessárias, onde a Defensoria Pública tem papel privilegiado, porque seus órgãos atuam com liberdade, sem vínculos de qualquer natureza com as partes envolvidas, o que lhes permite compor o litígio. De outro lado, os instrumentos processuais direcionados apenas para a solução dos litígios individuais perderam funcionalidade. A repetição de demandas da mesma natureza ou os fenômenos que atingem direitos ou interesses de um universo de sujeitos orientam para as medidas coletivas e para a tutela dos direitos metaindividuais.
14. Nesse escopo, a nova redação ao art. 1º
da LC 80/94 acentua a afirmação da proteção dos direitos humanos e de
exercício de cidadania.
15. No art. 2º se faz alteração
essencial, ao assemelhar a Defensoria Pública do Distrito Federal a dos Estados,
tendo em vista o âmbito de atuação e a natureza das suas atribuições.
16. O art. 4º, ao explicitar as
funções da Defensoria Pública, coerente com o conceito de assistência jurídica
integral, dota-a do seu papel de orientador de direitos, formador de cidadania e
garantidor dos direitos fundamentais, como na prevenção de qualquer forma de
abuso e no direito de comunicação imediata da prisão em flagrante pela
autoridade policial, quando o preso não constituir advogado, e na possibilidade
de prestar atendimento interdisciplinar, para o exercício de suas atribuições.
Além disso, prioriza as medidas extrajudiciais na composição dos conflitos,
cujos instrumentos terão força de título executivo extrajudicial; estabelece as
tutelas coletivas, inclusive impetrar mandado de segurança coletivo, podendo
promover ações civis públicas na defesa dos direitos difusos, coletivos ou
individuais homogêneos que possam beneficiar hipossuficientes ou patrocinar
entidades hipossuficientes ou filantrópicas que incluam entre suas finalidades
institucionais a defesa dos direitos protegidos pela Defensoria Pública. O §6º
do art. 4º afirma o caráter público e estatal da assistência jurídica ao
necessitado.
17. Inovador art. 4-A abre a Defensoria Pública para a sociedade, estabelecendo os direitos dos destinatários das suas funções institucionais, assegurando-lhes serviço público eficiente, racional e impessoal, e acesso à Ouvidoria encarregada de receber reclamações ou sugestões.
18. Segundo o art. 2o do projeto, o Título I da Lei Complementar no 80, 12 de janeiro de 1994, passa a ser denominado “Das Disposições Gerais” e a vigorar acrescido dos seguintes arts. 3o-A e 4o-A.
19. As inovações propostas por meio dos artigos 97-A e 97-B à LC 80/94 explicitam os instrumentos que darão efetividade à autonomia da instituição e delimitam o seu alcance, de forma a que possa organizar sua administração, suas unidades administrativas, praticar atos de gestão, decidir sobre situação funcional de seu pessoal e de seus serviços auxiliares, visando assegurar o predicativo institucional de exercer suas funções livre de ingerência de qualquer outro órgão do Estado.
20. A nova redação do art. 101
democratiza o Conselho Superior, ao estabelecer que é composto em sua maioria
por representantes da carreira, já aprovados em estágio probatório, eleitos pelo
voto direto, plurinominal e obrigatório de todos os integrantes da carreira, o
que está coerente com o seu poder normativo e moderador na Instituição,
explicitadas por meio dos §§ 1º e 2º introduzidos ao art. 102.
É assegurada a participação do Ouvidor-Geral como membro nato do Conselho.
21. O art. 4º do projeto
acrescenta a Seção III-A, denominada “Da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública”
e os artigos 105-A, 105-B e 105-C, ao Capitulo I do Título IV da LC 80/94.
22. Coerente com a Emenda Constitucional
nº 45/04, esse artigo introduz a Ouvidoria Geral na estrutura da
Defensoria Pública, como órgão auxiliar de acompanhamento da fiscalização da
atividade funcional dos seus membros e servidores (art. 105-A),
estabelecendo que o Ouvidor-Geral será nomeado pelo Defensor Público-Geral
dentre integrantes de lista tríplice formada pelo Poder Legislativo, na forma
disciplinada pela lei, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, em
regime de dedicação exclusiva (art. 105-B), para receber, encaminhar e
acompanhar reclamação e denúncia contra membro e servidor da Defensoria Pública,
podendo recorrer do arquivamento e propor medidas de aperfeiçoamento (art.
105-C).
23. O art. 5º do projeto
acrescenta o art. 106-A à Seção IV, do Capitulo I do Título IV da LC
80/94, preconizando a descentralização dos serviços da Defensoria Pública, a
inclusão do atendimento interdisciplinar e a atuação na tutela dos interesses
metaindividuais.
24. O art. 6º do projeto
introduz o art. 112-A à Seção I, do Capitulo II do Título IV da LC 80/94,
visando promover a aprovação e o preparo de candidatos a Defensor Público que
tenham conhecimento, o perfil e habilitação para o exercício do cargo.
25. Reformar a Lei Complementar nº
80, de 12 de janeiro de 1994, é medida basilar, para fazer cumprir a
Constituição Federal e proporcionar à Defensoria Pública o tratamento
igualitário às demais instituições garantidoras da ordem constitucional,
reconhecendo sua importância no ordenamento jurídico, de forma a dar efetividade
ao princípio da isonomia jurídica e a universalizar o exercício dos direitos e
garantias fundamentais do hipossuficiente.
26. Finalmente, destacamos que a aprovação desta Lei irá proporcionar, além de eficácia ao comando do artigo 134 e §§ da Constituição da República, uma considerável ampliação do acesso ao Judiciário por parte daqueles que em muitas situações se encontram impossibilitados de defenderem seus direitos diante da dificuldade que é a obtenção de um defensor.
São essas, Senhor Presidente, as razões pelas quais submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência a edição do Anteprojeto em apreço.
Respeitosamente,
Marcio
Thomaz Bastos
Ministro de Estado da Justiça