Presidência
da República |
EMI no
00053/2002-MJ/CCivil-PR/AGU
Brasília, 14 de outubro de 2002.
Excelentíssimo
Senhor Presidente da República,
Submete-se à elevada consideração de Vossa Excelência projeto de lei com o propósito de disciplinar o uso de assinaturas eletrônicas e a prestação de serviços de certificação.
2.
A Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, instituída
a partir da edição da Medida Provisória no 2.200-2, de 24
de agosto de 2001, é hoje uma realidade consolidada. Constitui exitosa
iniciativa de estruturação e regulação dos serviços de certificação
digital no País. Deve-se asseverar, contudo, que a Medida Provisória no
2.200-2, de 2001, embora de capital importância, consagrou texto normativo de
escopo restrito. Limitou-se, em linhas gerais, a estabelecer estrutura
administrativa adequada à prestação satisfatória desses serviços.
3.
Algumas questões ainda estão a reclamar tratamento legislativo
adequado, tais como a responsabilidade civil das prestadoras de serviços de
certificação, os procedimentos a serem observados na hipótese de falência de
uma certificadora e o valor jurídico dos certificados emitidos no exterior. O
presente projeto de lei tem por objetivo colmatar estas lacunas, inserindo a
legislação brasileira dentre as mais modernas do mundo. Sob esta perspectiva,
o projeto encontra inspiração nas principais leis sobre assinatura eletrônica
do mundo, em especial na Diretiva 1999/93/CE aprovada pelo parlamento europeu em
13 de dezembro de 1999.
4.
Desse modo, em seu art. 2º a proposta enfeixa várias definições de
elementos técnicos como assinatura eletrônica, certificado, dispositivo seguro
de criação de assinatura, chave de verificação de assinatura, chave de criação
de assinatura. Acolhe-se, ademais, nesse dispositivo, as categorias de
assinatura eletrônica e assinatura eletrônica qualificada, bem como as de
certificado e certificado qualificado. Objetiva-se, além de precisar os termos
técnicos adotados no texto proposto, compatibilizar terminologias, conceitos e
categorias com a legislação estrangeira.
5.
Contempla o projeto concretização – no âmbito da certificação
digital – do princípio constitucional da livre iniciativa insculpido no parágrafo
único do art. 170 da Constituição Federal. Nesse sentido, consagra o art. 3º
que a prestação de serviços de
certificação não se sujeita à prévia autorização pelo Poder Público.
Fica estabelecido, segundo o texto, um regime de livre competência na área da
certificação digital.
6.
A proposição, de outra parte, empresta disciplina legislativa mais
detalhada ao credenciamento de prestadores de serviços de certificação na
ICP-Brasil. Arrolam-se, nesse sentido, vários critérios técnicos e
operacionais a serem observados pelas prestadoras de serviços de certificação
que se submeterem ao processo de credenciamento na ICP-Brasil (p.ex. dispor de
profissionais de comprovada qualificação, assegurar que seus órgãos de
registro realizem a identificação e o cadastramento dos usuários mediante a
sua presença física, possuir sistema de proteção de dados adequado de modo a
impedir o uso indevido de informações e documentos, etc...).Segundo a exposição
de motivos que acompanha a Diretiva 1999/93/CE aprovada pelo Parlamento Europeu,
os regimes de credenciamento visando níveis mais elevados na oferta de serviço podem proporcionar
aos prestadores de serviços de certificação o quadro adequado para
desenvolverem os seus serviços de modo a atingirem os níveis de confiança,
segurança e qualidade exigidos por este mercado em evolução. Tais regimes
devem encorajar o desenvolvimento de boas práticas entre os prestadores de
serviços de certificação. Em caso de inobservância superveniente dos
requisitos técnicos e operacionais exigidos para o credenciamento, cancelar-se-á,
na forma do §4º do art. 5º, o ato de credenciamento, sem prejuízo da aplicação
outras sanções.
7.
Cumpre esclarecer que inexiste antinomia entre o regime de livre competência
na prestação dos serviços de certificação (art. 3º) e a previsão de um
sistema de credenciamento (art. 5º). A disciplina legal proposta – na esteira
do que já dispõe a Medida Provisória no 2.200-2/2001 –
atribui caráter eminentemente voluntário ao credenciamento na ICP-Brasil.
Conforme o texto do projeto, é lícito à certificadora não-credenciada
prestar serviços de certificação digital. Caso preencha os requisitos
exigidos para o credenciamento, poderá, se assim entender conveniente, requerê-lo
a qualquer tempo.
8.
Constitui decorrência do credenciamento a
emissão de certificado ao prestador de serviços de certificação pela
Autoridade Certificadora Raiz – AC Raiz da ICP-Brasil ou por prestadora de
serviços de certificação já credenciada. Trata-se de procedimento técnico
de segurança e confiabilidade do sistema decorrente do processo de
credenciamento, prática comum nos países mais desenvolvidos no setor de
certificação digital. É o que se depreende da Seção 16 da Lei da Alemanha (Gesetz
über Rahmenbedingungen für elektronische Signaturen und zur Änderung weiterer
Vorschriften vom 16. Mai 2001, BGBl. I, S. 876 – veröffentlicht am 21. Mai 2001), do art. 18, item 5 da Lei de Portugal (Decreto-Lei
nº290-D/99, publicado no Diário da República nº178, Série I-A, em 02 de
agosto de 1999), do §13 da Lei da Áustria (Bundesgesetz über
elektronische Signaturen –Signaturgesetz-SigG, Ausgegeben
am 19. August
1999), do art. 18 da Lei da Índia
(The information technology act, 2000 –
nº21 of 2000, on the 9th june, 2000), e do art. 41 da Lei de
Singapura (Electronic Transactions Act,
1998 – nº25 of 1998, on 3rd july, 1998).
9.
Do credenciamento de que trata o art. 5º do projeto também deriva a
atribuição do selo de qualidade da ICP-Brasil e o uso da designação
“Prestador de Serviços de Certificação Credenciado, conforme o disposto no
art. 7º do projeto. O uso do selo e da designação importa em revelar que os
serviços de certificação foram testados, auditados, fiscalizados e aprovados
técnica e operacionalmente, presumindo-se seguros e confiáveis. Tais
procedimentos em face do processo de credenciamento encontram inspiração na Seção
15 da Lei alemã de assinatura eletrônica (Gesetz über Rahmenbedingungen für elektronische Signaturen und zur Änderung
weiterer Vorschriften vom 16. Mai 2001, BGBl. I, S. 876 – veröffentlicht am 21. Mai
2001).
10.
O credenciamento de prestadores de serviços de certificação, na forma
do §3º do art. 5º do projeto, poderá
ser limitado no tempo e a determinados tipos de certificados. Daí decorre
que somente os certificados contemplados pelo ato de credenciamento serão
considerados certificados qualificados, na forma definida no art. 2º, VII.
11.
Assegura, de outro lado, o texto do projeto o mesmo valor jurídico e
probante da assinatura manuscrita à assinatura eletrônica avançada (cf. art.
4º, caput e §1º). A assinatura
eletrônica avançada constitui, na forma do inciso II do art. 2º, a assinatura
eletrônica que: (a) esteja associada inequivocamente ao seu titular, permitindo
sua identificação; (b) seja produzida por dispositivo seguro de criação de
assinatura; (c) esteja baseada em certificado qualificado válido à época de
sua aposição; e (d) esteja vinculada ao documento eletrônico a que diz
respeito, de tal modo que qualquer alteração subseqüente no conteúdo desse
seja plenamente detectável. Tais requisitos para a configuração de uma
assinatura eletrônica avançada conferem-lhe a segurança e a confiabilidade
necessárias, sobretudo porque terá por base certificado qualificado, emitido
por prestador de serviços de certificação devidamente credenciado.
12.
Quanto aos atos da vida civil em que a legislação exige forma especial
– principalmente os sujeitos aos serviços de que trata a Lei no
8.935, de 18 de novembro de 1994 –, o projeto estabelece que, na hipótese de
serem formalizados em meio eletrônico, devem ser assinados mediante a aposição
de assinatura eletrônica avançada. Trata-se de medida que visa manter a
segurança e certeza na realização de tais atos, tanto do ponto de vista jurídico
– forma especial – quanto do ponto de vista tecnológico – assinatura
eletrônica avançada. Além disso, tais atos, ao serem realizados sob forma
especial, normalmente produzem efeitos contra terceiros. Faz-se necessário,
portanto que – para que obrigue terceiros – a assinatura eletrônica
utilizada tenha, por força de lei, o mesmo valor que a assinatura manuscrita.
13
Não se nega, porém, efeitos jurídicos à assinatura eletrônica que não
observe todas as exigências de uma assinatura eletrônica avançada. Segundo o
§3º do art. 5º, a assinatura eletrônica não será
excluída como meio de prova em virtude de se apresentar em forma eletrônica,
de não estar baseada num certificado qualificado ou de não ter sido gerada
através de dispositivo seguro de criação de assinatura, desde que admitida
pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem foi oposta. A
assinatura eletrônica produz, fica evidente, efeitos jurídicos condicionados
à vontade das partes, ou seja, desde que haja concordância entre as pessoas
envolvidas, qualquer mecanismo ou tecnologia de assinatura eletrônica pode ser
válida como meio de comprovação de autoria de documentos em forma eletrônica.
Nesse sentido, também orienta-se a Diretiva 1999/93/CE aprovada pelo Parlamento
Europeu quando dispõe, em sua exposição de motivos, que não
é necessário um quadro regulamentar para as assinaturas eletrônicas
utilizadas exclusivamente no âmbito de sistemas fechados que assentam em
acordos voluntários de direito privado entre um número determinado de
participantes; a liberdade de as partes acordarem entre si os termos e condições
em que aceitam dados assinados eletronicamente deve ser respeitada, dentro dos
limites permitidos pela lei nacional; as assinaturas eletrônicas utilizadas no
âmbito de tais sistemas deverão produzir efeitos legais e ser admitidas como
meio de prova em processos judiciais.
14.
Instaura-se assim um regime dual relativamente ao valor jurídico e
probante das assinaturas eletrônicas. De um lado há a assinatura eletrônica
avançada que produz, por força da lei,os mesmos
efeitos jurídicos de uma assinatura manuscrita. De outro, tem-se a assinatura
eletrônica a que não se pode recusar valor jurídico e probante, desde que
admitida pelas partes como válida ou aceita pela
pessoa a quem foi oposta. Nesse caso, seu valor jurídico deriva da vontade das
partes. Esta disciplina dual do valor jurídico da assinatura eletrônica
encontra inspiração no art. 5º da Diretiva 1999/93/CE aprovada pelo
Parlamento Europeu e adotada na legislação de diversos países.
15.
Em seu art. 8º, o projeto estabelece o dever dos prestadores de
certificação de informar os usuários acerca das medidas de segurança para o
uso de assinaturas eletrônicas e para a verificação confiável das mesmas,
através do fornecimento de documento explicativo. Exige-se também, na forma
dos §§ 1º e 2º do texto proposto, além da prestação de informações
sobre o valor jurídico das assinaturas eletrônicas, que o par de chaves de
assinatura seja gerado sempre pelo próprio
titular, e que sua chave de criação de assinatura seja de
seu exclusivo controle, uso e conhecimento. Cabe ressaltar que o uso,
controle ou conhecimento da chave de criação de assinatura de uma pessoa por
outra permite que esta assine documentos em nome daquela. Tal princípio de
exclusividade constitui, portanto, postulado basilar de qualquer sistema confiável
de certificação digital.
16.
Disciplina, de outra parte, o projeto as causas de revogação de
certificados por uma prestadora de serviços de certificação. O art. 9º
determina que se revogue um certificado, (I) mediante
solicitação do seu titular, ou representante constituído; (II) caso
o certificado tenha sido emitido com base em dados falsos; (III) caso
o prestador de serviços de certificação tenha encerrado suas atividades sem
que fossem prosseguidas por outro prestador de serviços de certificação;
(IV) por determinação da AC Raiz da
ICP-Brasil, caso o prestador de serviços de certificação seja credenciado na
forma do art. 5º; e (V) em outros
casos definidos em regulamento e nas normas complementares a esta Lei.
17.
No art. 10, define-se as responsabilidades das prestadoras de serviços
de certificação. Nesse sentido, responderá a certificadora (I) diretamente
pelos danos a que der causa, (II) solidariamente,
pelos danos a que der causa os prestadores de serviços de certificação por
ele diretamente certificados, bem como os órgãos de registro e os prestadores
de serviços de suporte a ela vinculados. Os certificados digitais permitem,
ademais, que conste de suas extensões restrições relativas ao uso do
certificado, inclusive em relação aos valores das transações eletrônicas
nas quais pode ser utilizado. Desse modo, admite-se que, caso o certificado
contenha restrições, a prestadora de serviços de certificação responda no
limite das dessas restrições (cf. parágrafo único do art. 10). Sobre a
responsabilidade das certificadoras aplica-se, ademais, na forma do §3º do
art. 15 da presente proposta, a legislação de defesa do consumidor.
18.
O art.11 do projeto dispõe sobre os procedimentos a serem observados na
hipótese de encerramento das atividades de uma prestadora de serviços de
certificação. Admite-se, nesse caso, dois tipos de procedimentos. O primeiro
corresponde à sucessão de uma certificadora por outra. O outro procedimento
importa na revogação dos certificados emitidos e gerenciados pela prestadora
de serviços de certificação. Em ambas as hipóteses, a certificadora que
encerrará suas atividades, ainda que por motivo de falência ou liquidação
extrajudicial, deverá comunicar o procedimento adotado (I) às
pessoas a quem tenha emitido certificados que estejam em vigor; e (II) à
AC Raiz da ICP-Brasil, caso seja credenciada. Na hipótese de encerramento
das atividades de prestadora de serviços de certificação credenciada em que
inocorra sucessão por outra, os documentos relativos aos certificados emitidos
serão repassados à AC Raiz da ICP-Brasil (cf. §3º do art. 11).
19.
Por sua vez, os arts. 12 e 13 estabelecem critérios técnicos a serem
observados pelos componentes de aplicação de assinatura e pelos componentes técnicos
para serviços de certificação. Tratam-se de requisitos que garantem a eficácia
e o correto uso de certificados digitais e assinaturas eletrônicas.
20.
O texto proposto, segundo o parágrafo único do art. 14, permite que os
certificados emitidos no exterior produzam, no Brasil, os mesmos efeitos de um
certificado qualificado, desde que expressamente admitido por tratados e acordos
internacionais. Os certificados estrangeiros que não sejam contemplados por
acordos internacionais têm, no país, o mesmo valor jurídico e probante dos
certificados de que trata o art. 2º, inciso VII, do projeto.
21.
Na hipótese de infração do disposto nesta lei, propõe-se a sujeição
do responsável à multa variável entre cinqüenta mil a um milhão de reais,
na forma do regulamento (cf. art.15). A fiscalização e imposição de
penalidades às entidades credenciadas fica sob a responsabilidade da AC Raiz da
ICP-Brasil. O regulamento, sob este prisma, disporá sobre (I) a aplicação de
outras medidas administrativas cabíveis em caso de infração lei e sobre (II)
a possibilidade de supervisão da AC Raiz em relação aos demais prestadores de
serviços de certificação, nos moldes do supervisory
scheme adotado em vários países.
22
O projeto contempla ainda alguns comandos normativos que cuidam da
compatibilização do atual regime jurídico – notadamente a Medida Provisória
nº2.200-2, de 24 de agosto de 2001 – e a disciplina constante desta proposta
(cf. arts. 17 e 19). Delega-se à regulamentação a disciplina do uso de
certificação na emissão de passaportes, de documentos de identidade, de carteiras de
habilitação de condutores de veículos, de certificados de registros de veículos
e em outras aplicações, bem como sobre a emissão de certificados de atributos.
Essas, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, as razões que
nos fazem submeter, à Vossa elevada consideração, o anexo projeto de lei.
Respeitosamente,
|
|
|