SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES |
EMI N
º00011 2009 – CGU/MJ/AGU
Brasília, 23 de outubro de 2009
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Temos a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência proposta de regulamentação da responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira.
2. O anteprojeto tem por objetivo suprir uma lacuna existente no sistema jurídico pátrio no que tange à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial, por atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos.
3. Sabe-se que a corrupção é um dos grandes males que afetam a sociedade. São notórios os custos políticos, sociais e econômicos que acarreta. Ela compromete a legitimidade política, enfraquece as instituições democráticas e os valores morais da sociedade, além de gerar um ambiente de insegurança no mercado econômico, comprometendo o crescimento econômico e afugentando novos investimentos. O controle da corrupção assume, portanto, papel fundamental no fortalecimento das instituições democráticas e na viabilização do crescimento econômico do país.
4. As lacunas aqui referidas são as pertinentes à ausência de meios específicos para atingir o patrimônio das pessoas jurídicas e obter efetivo ressarcimento dos prejuízos causados por atos que beneficiam ou interessam, direta ou indiretamente, a pessoa jurídica. Mostra-se também necessário ampliar as condutas puníveis, inclusive para atender aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção.
5. Disposição salutar e inovadora é a da responsabilização objetiva da pessoa jurídica. Isso afasta a discussão sobre a culpa do agente na prática da infração. A pessoa jurídica será responsabilizada uma vez comprovados o fato, o resultado e o nexo causal entre eles. Evita-se, assim, a dificuldade probatória de elementos subjetivos, como a vontade de causar um dano, muito comum na sistemática geral e subjetiva de responsabilização de pessoas naturais.
6. Nesse cenário, torna-se imperativa a repressão aos atos de corrupção, em suas diversas formatações, praticados pela pessoa jurídica contra a Administração Pública nacional e estrangeira. Observe-se que a Administração Pública aqui tratada é a Administração dos três Poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário - em todas as esferas de governo - União, Distrito Federal, estados e municípios -, de maneira a criar um sistema uniforme em todo o território nacional, fortalecendo a luta contra a corrupção de acordo com a especificidade do federalismo brasileiro.
7. Além disso, o anteprojeto apresentado inclui a proteção da Administração Pública estrangeira, em decorrência da necessidade de atender aos compromissos internacionais de combate à corrupção assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
8. Com as três Convenções, o Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção, em especial o denominado suborno transnacional, caracterizado pela corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros e de organizações internacionais. Dessa forma, urge introduzir no ordenamento nacional regulamentação da matéria - do que, aliás, o país já vem sendo cobrado -, eis que a alteração promovida no Código Penal pela Lei n
º10.467, de 11 de junho de 2002, que tipificou a corrupção ativa em transação comercial internacional, alcança apenas as pessoas naturais, não tendo o condão de atingir as pessoas jurídicas eventualmente beneficiadas pelo ato criminoso.9. No que tange aos atos ilícitos a serem reprimidos, o anteprojeto possui um rol extenso de condutas puníveis capazes de lesar o Poder Público e a Administração estrangeira. As condutas lesivas descritas atendem à realidade vivenciada pela Administração e à necessidade de reprimir condutas lesivas que ainda não possuem previsão legal, quando praticadas em benefício ou em nome de pessoas jurídicas.
10. Observe-se que o presente projeto optou pela responsabilização administrativa e civil da pessoa jurídica, porque o Direito Penal não oferece mecanismos efetivos ou céleres para punir as sociedades empresárias, muitas vezes as reais interessadas ou beneficiadas pelos atos de corrupção. A responsabilização civil, porque é a que melhor se coaduna com os objetivos sancionatórios aplicáveis às pessoas jurídicas, como por exemplo o ressarcimento dos prejuízos econômicos causados ao erário; e o processo administrativo, porque tem-se revelado mais célere e efetivo na repressão de desvios em contratos administrativos e procedimentos licitatórios, demonstrando melhor capacidade de proporcionar respostas rápidas à sociedade.
11. Veja-se que a responsabilização de pessoas jurídicas na esfera administrativa não é novidade em nosso sistema jurídico. A Lei n
º8.884, de 11 de junho de 1994, vem sendo aplicada de forma exitosa por meio da atuação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência na repressão das infrações contra a ordem econômica. Importante destacar que os bons resultados apresentados por esse Sistema informam a redação de dispositivos da presente proposta legislativa, como os parâmetros monetários para a fixação da multa.12. Outrossim, embora a sistemática de responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas já exista na Lei n
º8.666, de 21 de junho de 1993, para as hipóteses de atos lesivos praticados em licitações e contratos administrativos, aquela legislação possui ainda lacunas que urgem ser supridas. As duas principais lacunas referem-se à previsão das condutas e às sanções. As condutas mais graves são tratadas apenas na seção sobre crimes da Lei nº8.666, de 1993, a qual não se aplica à pessoa jurídica que se beneficia da conduta ou que determina a prática do delito, e as sanções aplicáveis à empresa no âmbito da Lei de Licitações não atingem de modo eficaz o seu patrimônio, nem geram o efetivo ressarcimento dos danos causados à Administração Pública.13. Outro importante diploma legislativo que pode ser aplicado contra condutas lesivas praticadas contra a Administração Pública seria a Lei n
º8.429, de 2 de junho de 1992, Lei de Improbidade Administrativa. Todavia, em sua disciplina, a responsabilização da pessoa jurídica depende da comprovação do ato de improbidade do agente público, e as condutas descritas pela lei são de responsabilidade subjetiva, devendo ser comprovada a culpa dos envolvidos, com todos os inconvenientes que essa comprovação gera com relação às pessoas jurídicas.14. Observe-se, ainda, que nenhuma das leis supracitadas contempla as condutas praticadas contra a Administração Pública estrangeira.
15. O anteprojeto prevê também, como dito antes, a responsabilidade judicial da pessoa jurídica, que poderá ser operacionalizada por meio de ação civil ajuizada pelos entes federativos, entidades públicas e pelo Ministério Público, com o objetivo de aplicar sanções mais graves a pessoas jurídicas já sancionadas na esfera administrativa.
16. Assim, cria-se um sistema de cooperação entre os entes públicos e o Ministério Público no combate à corrupção, bem como mecanismos subsidiários de responsabilização da pessoa jurídica, buscando-se, pois, evitar e coibir omissões que possam gerar a prescrição dos atos ilícitos.
17. Tanto no referente às sanções administrativas quanto às civis, o anteprojeto estabelece sanções pecuniárias e não-pecuniárias. Em ambos os casos, busca-se não só reprimir o ato ilícito praticado, como também evitar a sua reiteração, seja por meio do caráter pedagógico do valor da multa e da publicação da decisão condenatória em meios de comunicação de grande circulação, seja por meio da proibição de receber incentivos governamentais e de contratar com o Poder Público.
18. As sanções previstas para a responsabilização judicial da pessoa jurídica têm, ao seu turno, o propósito também de complementar as penalidades aplicadas na esfera administrativa. Trata-se de penalidades mais graves que serão aplicadas após o crivo do Poder Judiciário, como a dissolução compulsória de pessoas jurídicas utilizadas para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos.
19. Importante destacar que a proposta leva em consideração os princípios da conservação da empresa e da manutenção das relações trabalhistas ao estabelecer as sanções administrativas e civis, princípios de extrema importância especialmente no quadro atual de crise econômica mundial. No âmbito administrativo, por exemplo, o anteprojeto estabelece parâmetros claros para a aplicação da sanção de multa, instituindo limites mínimos e máximos para o seu valor, de forma a contemplar a realidade de faturamento tanto de pequenas e médias empresas, como de grandes empresas, inclusive, exportadoras. Na esfera judicial, são previstas hipóteses específicas cuja gravidade justifica amplamente a sanção de dissolução compulsória da empresa.
20. Por outro lado, com relação à responsabilização na esfera administrativa, a presente proposta de legislação prevê meios para impedir que novas pessoas jurídicas constituídas no intuito de burlar sanções impostas administrativamente mantenham relações com a Administração Pública. Tal prática gera uma cadeia de empresas constituídas com o propósito único de fraudar e lesar a Administração Pública, o que deve ser impedido. Ademais, o anteprojeto cria mecanismos para combater a utilização de terceiros para ocultar os reais interesses da pessoa jurídica ou os verdadeiros beneficiários de determinadas condutas ilícitas.
21. Entre as medidas criadas para combater tais práticas ilícitas, destaque-se a previsão de desconsideração da personalidade jurídica em sede administrativa, na hipótese de se verificar abuso do direito para encobrir, dissimular ou facilitar a prática das infrações previstas pelo normativo ou para provocar confusão patrimonial entre os bens dos sócios e da empresa.
22. O efeito previsto para a desconsideração é a possibilidade de se aplicar aos sócios com poderes de administração e aos administradores da pessoa jurídica as mesmas sanções cabíveis contra ela, estendendo-se, por exemplo, a declaração de inidoneidade da empresa para as pessoas naturais envolvidas na prática dos ilícitos.
23. São, portanto, todas essas, medidas que visam a coibir, a prevenir e a combater a prática de ilícitos e a moralizar as relações entre empresas privadas e a Administração Pública.
24. Estas, pois, as razões que nos conduzem a submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a presente proposta de Anteprojeto de Lei.
Respeitosamente,
Jorge Hage Sobrinho
Ministro de Estado do Controle e da TransparênciaTarso Fernando Herz Genro
Ministro de Estado da JustiçaLuis Inácio Lucena Adams
Advogado-Geral da União