SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

 EM Interministerial nº 186/2008 - MF/AGU

 Brasília, 10 de novembro de 2008.

 Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

1.          Submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência a minuta de Anteprojeto de Lei que dispõe sobre a cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências, elaborada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Conselho da Justiça Federal e acadêmicos da área jurídica, como resultado de vários meses de trabalho e discussões com vários setores da sociedade, da administração tributária e do Poder Judiciário.

2.          Atualmente, a execução fiscal no Brasil é um processo judicial que está regulado na Lei nº 6.830, de 1980. Nos termos desta Lei, todo processo, desde o seu início, com a citação do contribuinte, até a sua conclusão, com a arrematação dos bens e a satisfação do crédito, é judicial, ou seja, conduzido por um Juiz. Tal sistemática, pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial, apresenta-se como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência.

3.          Dados obtidos junto aos Tribunais de Justiça informam que menos de 20% dos novos processos de execução fiscal distribuídos em cada ano tem a correspondente conclusão nos processos judiciais em curso, o que produz um crescimento geométrico do estoque. Em decorrência desta realidade, a proporção de execuções fiscais em relação aos demais processos judiciais acaba se tornando cada vez maior.

4.          Note-se que o número de execuções fiscais equivale a mais de 50% dos processos judiciais em curso no âmbito do Poder Judiciário. No caso da Justiça Federal, esta proporção é de 36,8%, e retrata o crescimento vegetativo equivalente ao da Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

5.          Consoante o relatório "Justiça em Números", divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2005, a taxa média de encerramento de controvérsias em relação com novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e aponta um crescimento de 15% do estoque de ações em tramitação na 1ª instância da Justiça Federal. O valor final aponta para uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos em 1ª instância.

6.          Estima-se, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que, em média, a fase administrativa dura 4 anos, enquanto a fase judicial leva 12 anos para ser concluída, o que explica em boa medida a baixa satisfação eficácia da execução forçada (menos de 1% do estoque da dívida ativa da União ingressam nos cofres públicos a cada ano por essa via). O percentual do ingresso somente cresce com as medidas excepcionais de parcelamento adotadas (REFIS, PAES e PAEX) e com a incorporação dos depósitos judiciais, mas não ultrapassa a 2,5% do estoque.

7.          De fato, o estoque da dívida ativa da União, incluída a da Previdência Social, já ultrapassa a cifra de R$ 600 bilhões de reais e, uma vez incorporado o que ainda está em litígio administrativo, chega-se à impressionante cifra de R$ 900 bilhões de reais.

8.          São 2,5 milhões de processos judiciais na Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação no âmbito judicial, seja por meio dos embargos, seja por meio da exceção de pré-executividade.

9.          É importante destacar, ainda, que a baixa eficiência da cobrança forçada da dívida ativa não tem afetado apenas as contas do Fisco. Em verdade, tal situação produz graves distorções nos mercados, sendo profundamente danoso para a livre concorrência, uma vez que as sociedades empresárias que honram pontualmente suas obrigações fiscais vêem-se, muitas vezes, na contingência de concorrer com outras que, sabedoras da ineficácia dos procedimentos de cobrança em vigor, pagam ou protraem no tempo o pagamento de tributos, valendo-se da ineficácia dos procedimentos de cobrança em vigor.

10.          Ademais, o processo de globalização em curso oferece novas oportunidades para a fraude e a sonegação fiscal, facilitando que vultosos recursos possam, rapidamente, ser postos fora do alcance da Administração Tributária. Essa questão tem motivado países como Portugal e Argentina à promoção de importantes reformas em seus sistemas de cobrança forçada de tributos, de maneira a obter o máximo de eficiência.

11.          É nesse contexto que o modelo tratado no anteprojeto em causa faz-se necessário.

12.          A proposta ora apresentada orientou-se pela construção de um procedimento que propicie a integração da fase administrativa de cobrança do crédito público com a subseqüente fase judicial, evitando a duplicidade de atos e reservando ao exame e atuação do Poder Judiciário apenas as demandas que, sem solução extrajudicial, tenham alguma base patrimonial para a execução forçada.

13.          Conforme demonstraram os dados apresentados anteriormente, o sistema de cobrança judicial tem se caracterizado por ser moroso, caro, extremamente formalista e pouco eficiente. Isto decorre, em parte, do fato de não ser o Judiciário agente de cobrança de créditos, mas sim instituição dedicada a aplicar o direito e promover a justiça.

14.          No contexto atual, sabe-se que a paralisação dos processos executivos se deve, ou à falta de citação do devedor que se encontra em lugar incerto e não sabido, ou à ausência de indicação, pela exeqüente, dos bens penhoráveis.

15.          O novo rito proposto prevê, na fase administrativa de notificação ao devedor da inscrição da dívida, a interrupção da prescrição. Intenta-se, com tal disposição, um duplo objetivo:

          a) desobrigar o Fisco do ajuizamento de execuções fiscais destinadas apenas a obstar a consumação da prescrição, como atualmente ocorre; e

          b) interrompida a prescrição a partir da notificação administrativa, propiciar aos órgãos fazendários o tempo necessário à identificação do patrimônio penhorável do devedor, de forma a viabilizar, se for o caso, a execução forçada. Retira-se tal atividade da esfera judicial, que, portanto, somente será chamada a atuar se houver indicação, pela Fazenda credora, dos bens a serem penhorados.

16.          A petição inicial da execução fiscal será instruída com a certidão de dívida ativa, que dispensará, como hoje também ocorre, a juntada de cálculo demonstrativo do débito atualizado. Todavia, será indispensável a indicação dos bens a serem penhorados ou a possibilidade de penhora do faturamento. Realça-se, com isso, um ponto importante da proposta: o de que a utilização da via judicial somente será admitida se houver efetiva chance de êxito na execução forçada.

17.          O despacho que deferir a inicial importará em ordem para a convolação da constrição preparatória em penhora ou arresto, bem como em citação para opor embargos. A citação, a seu turno, será outro marco interruptivo da prescrição, preservando-se, no particular, o sistema atualmente adotado na legislação civil, processual e tributária.

18.          Para a defesa do executado adota-se o mesmo regime proposto na execução comum de título extrajudicial, onde os embargos podem ser deduzidos independentemente de garantia do juízo, não suspendendo, como regra geral, a execução.

19.          Prestigia-se, assim, o princípio da ampla defesa, que fica viabilizado também ao executado que não disponha de bens penhoráveis. Desaparece, por conseguinte, a disciplina da prévia garantia do juízo como requisito indispensável à oposição da ação incidental.

20.          Em contrapartida, a concessão de efeitos suspensivos aos embargos  ficará condicionada ao concurso dos seguintes requisitos: a) relevância dos fundamentos; b) perigo de dano de difícil ou incerta reparação. Intenta-se com estas restrições corrigir a atual situação, em que se constata a propositura, em larga escala, de embargos meramente protelatórios ou infundados, retardando injustificadamente a satisfação do crédito.

21.          O devedor poderá questionar a legitimidade da dívida também por ação autônoma, que será distribuída ao juiz da execução ou, se for o caso, ao que para ela seja competente. Há, neste ponto, reconhecimento da conexão entre a ação executiva e a ação de conhecimento que se refira ao crédito exeqüendo, o que determina a reunião de ambas. Afasta-se, com tal disposição, o risco de prestações jurisdicionais contraditórias e prestigia-se o princípio da economia processual pelo agrupamento de ações conexas.

22.          Propõe-se a aplicação do regime comum do Código de Processo Civil para disciplinar, na execução fiscal, os atos executivos de constrição (penhora, ordem preferencial de bens, avaliação, intimação e substituição do bem constrito).

23.          Propõe-se, no que tange aos atos de expropriação, seja também adotado o regime comum da execução dos títulos extrajudiciais, o que importa incorporar à execução fiscal os avanços que estão sendo propostos àquele regime, onde a realização do leilão público é a última opção, dando-se prioridade à adjudicação e à alienação particular.

24.          Ao prever a possibilidade da prática e comunicação dos atos processuais por meios eletrônicos, a proposta incorpora, à execução fiscal, a utilização de recursos tecnológicos, com promissores reflexos em celeridade e economia processual. Atribui-se aos tribunais, no âmbito de sua jurisdição, a disciplina da adoção destes meios, que, por certo, atentará para a capacidade operacional e as demais circunstâncias da comunidade jurisdicionada.

25.          Por fim, o anteprojeto prevê a criação do Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes. Muitos países desenvolvidos têm completo controle sobre as operações patrimoniais realizadas, vez que se trata de instrumento inibidor de fraudes tributárias e incrementa a arrecadação. O Brasil, apesar de prever no art. 185-A do Código Tributário Nacional a existência deste sistema, conta apenas com a DOI - Declarações de Operações Imobiliárias, atualmente lastreado nos arts. 8º e 9º da Lei n.º 10.426/02.

26.          No tocante ao exercício da ampla defesa e do contraditório por parte do executado, bem como quanto à garantia de acesso ao Judiciário, destacam-se os seguintes aspectos do modelo em foco:

          1) a desnecessidade de garantir o crédito para impugnar a execução no judiciário;

          2) maior prazo para apresentação dos embargos (até noventa dias contados da notificação da inscrição em dívida ativa);

          3) possibilidade de apresentar, no âmbito administrativo, impugnação de pré-executividade;

          4) a constrição de bens pela administração só ocorre após o executado deixar de apresentar garantia no prazo de sessenta dias da respectiva notificação; e

          5) possibilidade de o executado requerer e obter do juízo federal liminar para suspender o curso da execução.

27.          Quanto ao aprimoramento da eficiência e da eficácia da cobrança administrativa, salienta-se:

          1) a realização de determinados atos de execução (constrição patrimonial e avaliação de bens) diretamente pela Administração Tributária;

          2) a realização do ajuizamento da execução fiscal por parte da Fazenda Pública somente se houver efetiva constrição patrimonial;

          3) a utilização de meios eletrônicos, como a internet, para a prática de atos de comunicação, constrição de bens e alienação;

          4) a possibilidade de constrição de valores depositados em contas bancárias diretamente pela Fazenda Pública; e

          5) a concentração da defesa do contribuinte nos embargos, com a instituição de mecanismos de preclusão que buscam evitar a renovação de litígios já decididos em juízo.

28.          O sistema preconizado no modelo ora proposto busca, dessa maneira, alcançar uma situação de equilíbrio entre o Fisco e o contribuinte, aperfeiçoando a cobrança por meio da eliminação de controles de caráter meramente formal, ao tempo em que prestigia as garantias constitucionais dos contribuintes, que passam a dispor de meios de defesa bastante amplos e céleres.

29.          Ressalte-se, ainda, que a retirada de parte do trâmite das execuções fiscais do âmbito do Poder Judiciário terá importante impacto positivo na velocidade da própria prestação jurisdicional. Como já salientado, o Poder Judiciário vive momento de grave congestionamento a impedir uma prestação jurisdicional célere. A adoção da via administrativa para a execução fiscal aliviará o Poder Judiciário de pesado fardo, liberando importantes recursos materiais e humanos que poderão ser empregados na rápida solução de lides que, hoje, levam anos para serem julgadas.

30.          No que tange à competência, a proposta concentra na Justiça Federal todas as execuções fiscais da Fazenda Pública Federal. Isto porque a Justiça Federal já se encontra suficientemente interiorizada para processar estas demandas, as quais hoje são delegadas à Justiça Estadual, que não está habituada com as questões tributárias federais que são discutidas nestes feitos.

31.          Entende-se que, com a crescente interiorização da Justiça Federal, não mais se justifica a regra geral de delegação de competência à Justiça Estadual, prevista no artigo 15, inciso I, da Lei n.º 5.010, de 1966. Eventuais devedores domiciliados ou que tenham seus bens penhoráveis em comarcas onde não funcionem Varas Federais poderão ser alcançados, se for o caso, mediante execução por carta, nos termos do art. 1213 do Código de Processo Civil.

32.          Por fim, ressalta-se que a consolidação do presente trabalho deriva da iniciativa de várias instituições públicas e privadas, as quais trabalharam intensamente para que as idéias existentes na comunidade jurídica fossem sistematizadas e organizadas. As premissas utilizadas foram a eficiência e eficácia da execução fiscal, prestação jurisdicional célere sem descuidar das garantias dos executados, respeitando sempre a natureza jurídica do crédito público envolvido.

33.          A partir da Audiência Pública sobre a Execução Fiscal Administrativa realizada pelo Conselho da Justiça Federal em 2007, sob a coordenação do Ministro Gilson Dipp, Coordenador-Geral da Justiça Federal, foi iniciada a elaboração de um anteprojeto de Lei de Execução Fiscal judicial, que incorporasse as sugestões do anteprojeto de Lei de Execução Fiscal Administrativa da PGFN, do anteprojeto de Lei de Penhora Administrativa do Prof. Kioshi Arada, bem como as sugestões do Prof. Sacha Calmon Navarro Coelho, insigne tributarista presente naquele ato.

34.          Ademais, o modelo que ora se propõe tem respaldo no objeto da Consulta Pública n.º 01/2005, visando propor um anteprojeto de lei voltado à revisão da Lei n.º 6.830 de 22 de setembro de 1980, Lei de Execução Fiscal, apresentado pelo Conselho da Justiça Federal, tendo em vista o interesse geral de que se reveste a matéria, havendo sido elaborado a partir de proposta formulada por comissão formada no âmbito do Conselho da Justiça Federal, coordenada pelo Ministro Teori Zavascki e de idéias contidas no anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa idealizado pela PGFN, na pessoa do Procurador-Geral Dr. Luís Inácio Lucena Adams, no sentido de agilizar a cobrança da Dívida Ativa.

35.          O grupo de trabalho foi composto por representante da AJUFE, Juiz Federal Marcus Lívio Gomes e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Procurador da Fazenda Nacional Paulo César Negrão, sendo as conclusões apresentadas ao Presidente da Ajufe, Juiz Federal Walter Nunes da Silva Júnior e ao Procurador Geral da Fazenda Nacional, Dr. Luís Inácio Lucena Adams e ao Coordenador-Geral da Justiça Federal, Ministro Gilson Dipp.

36.          Alcançado o consenso em relação à maioria dos pontos controversos, o Coordenador-Geral da Justiça Federal, Ministro Gilson Dipp, aprovou a consolidação de um texto comum, que ora é apresentado ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República para ser encaminhado ao Congresso Nacional como Anteprojeto de Lei de Execução Fiscal fruto do consenso entre vários atores da sociedade.

37.          Estas são, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, as razões que fundamentam a proposta que ora submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência.

 

Respeitosamente,

 

Guido Mantega
Ministro de Estado da Fazenda

José Antonio Dias Toffoli
Advogado-Geral da União