Presidência da República |
EM n° 00045/2023 MF
Brasília, 24 de Abril de 2023.
Senhor Presidente da República,
Submeto à sua apreciação minuta de Projeto de Lei com o objetivo de aperfeiçoar os mecanismos de tutela privada de direitos de acionistas minoritários contra prejuízos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores de companhias abertas, visando a conferir maior segurança jurídica para investidores do mercado de capitais.
A proposta foi discutida com ampla gama de especialistas e entidades representativas de instituições do mercado de capitais, tendo como ponto de partida um estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em parceria com o Ministério da Fazenda e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O estudo fez um diagnóstico do modelo brasileiro, comparando-o com os modelos de outras jurisdições, e indicou aprimoramentos nos mecanismos de tutela privada de direitos de acionistas minoritários.
O projeto contribui para elevar os padrões de governança corporativa do mercado de capitais brasileiro, por meio de alterações legislativas na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das S.A.), visando expandir o sistema de tutela coletiva de direito societários; ampliar a publicidade em processos arbitrais; reequilibrar incentivos econômicos e riscos para as partes em processos judiciais ou arbitrais e limitar a exoneração de responsabilidade de administradores e fiscais na aprovação de contas.
O primeiro aspecto a ser considerado na proposta é a ampliação dos mecanismos destinados a reparar danos sofridos por investidores em decorrência de infrações à legislação ou regulamentação do mercado de valores mobiliários causados por abusos de controladores, administradores e intermediários em ofertas de títulos e valores mobiliários. Para tanto, foram incorporados os acionistas e investidores como legitimados a propor ação civil coletiva de responsabilidade, medida que guarda semelhança com a lógica já consagrada pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor para a tutela coletiva.
O projeto prevê, também, a publicidade em processos arbitrais para que haja transparência nos casos que tratem de direito societário. Tal medida justifica-se pois os conflitos societários entre acionistas minoritários e administradores ou acionistas controladores envolvem uma dimensão flagrantemente coletiva, sobretudo quanto aos direitos individuais homogêneos da comunidade de acionistas da companhia mas que, em sentido mais amplo, pode afetar os interesses de todos os participantes do mercado de valores mobiliários.
Dentre os problemas enfrentados por acionistas na busca de seus direitos contra abusos de administradores e integrantes do conselho fiscal, inclui-se a exigência de que o acionista minoritário ingresse previamente com uma ação de anulação da aprovação das contas para, somente então, buscar a responsabilização por danos causados à companhia. O tempo necessário para a tramitação desta ação prévia acaba por, na maioria dos casos, inviabilizar a própria propositura da ação de responsabilidade civil pelos danos causados por administradores e fiscais, diante do risco de prescrição. Assim, propõe-se alteração no sentido de prever expressamente que não há exoneração de responsabilidade como decorrência automática da aprovação das demonstrações financeiras anuais. Dessa maneira, a exoneração de responsabilidade de administradores e fiscais, por deliberação da Assembleia Geral de Acionistas, passa a depender de deliberação específica, com escopo limitado.
De acordo com a legislação atual, processos de responsabilização de administradores ou controladores, tanto arbitrais quanto judiciais, podem ser encerrados por acordo com a companhia, sem que os acionistas tenham conhecimento de seus termos, prejudicando a transparência e governança desses procedimentos, resultando em menor confiança dos participantes do mercado. Nesse sentido, propõe-se incluir, dentre as competências privativas da Assembleia Geral de Acionistas, que transação destinada a encerrar a ações de responsabilidade seja submetida à Assembleia Geral de Acionistas. Inclui-se também a previsão de veto ao acordo caso acionistas representando 10% do capital votante deliberem pela sua rejeição, hipótese em que o processo retomaria o seu curso natural até resolução de mérito por decisão judicial ou arbitral.
De modo a evitar a propositura de demandas frágeis, foram determinados critérios mínimos de participação societária a ser(em) preenchido(s) pelo(s) autor(res), além de estabelecer que a legitimidade para propositura deve ter por base a titularidade dos valores mobiliários no momento em que evento danoso teria ocorrido, não sendo relevante a manutenção da condição de acionista posteriormente.
Outro aspecto relevante a ser tratado é a readequação de riscos e benefícios para as partes em processos societários. Atualmente, são reduzidos os incentivos para que acionistas minoritários ingressem com ações reparatórias em nome da companhia, em função de um prêmio reduzido em caso de vitória, em contraste com o custo do litígio quando há derrota, o que acaba por inibir a propositura de ações desse tipo, afetando a confiança do mercado. Portanto, propõe-se alterar o prêmio concedido ao acionista que promove a ação em nome da companhia, de 5% para 20% do valor da indenização.
Busca-se conferir à CVM maior robustez institucional para lidar de forma mais eficiente com suas responsabilidades atinentes à matéria aqui tratada e ao mercado de capitais, de modo geral. Almeja-se ainda, nessa perspectiva, alterar a Lei nº 6385, de 07 de dezembro de 1976, para estabelecer a participação da CVM como amicus curiae em matérias submetidas a arbitragem, assim como já ocorre nos processos judiciários, de modo a obrigar as instituições arbitrais a intimarem a CVM para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos. Estas instituições poderão, ainda, estabelecer à CVM prazos e condições mais favoráveis aos previstos em Lei no âmbito de processos judiciais.
Além disso, propõe-se ampliar o poder da CVM para a realização de investigações, mediante inspeções e requisições de busca e apreensão junto ao Poder Judiciário. À Comissão também será delegada a possibilidade de modificar percentuais mínimos de participação para legitimar a propositura de ações e aprovação de transações que visem o encerramento de ações de responsabilidade, bem como permitir a utilização de outros parâmetros além do capital social como referência, levando em consideração a dinâmica do mercado de capitais.
Estas são, Sr. Presidente, as razões que justificam a elaboração do Projeto de Lei que ora submetemos à sua apreciação.
Respeitosamente,
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Fazenda