Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

EM nº 00110/2023 MF

Brasília, 29 de Agosto de 2023

Senhor Presidente da República,

1.                Submeto a sua apreciação Projeto de Medida Provisória que revoga a dedutibilidade dos Juros sobre o Capital Próprio - JCP na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, instituída pelo art. 9º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

2.                À época de sua edição, a norma veio acompanhada de outras medidas de controle da inflação estabelecidas pelo Plano Real. Os efeitos da inflação no patrimônio das pessoas jurídicas eram corrigidos mediante mecanismo de atualização do valor dos bens e direitos registrados no ativo permanente, em contrapartida de conta credora de Receitas de Correção Monetária, e simultânea atualização do valor do capital, reservas e lucros acumulados registrados no patrimônio líquido, em contrapartida de conta de resultado devedora de Despesas de Correção Monetária.

3.                A estrutura patrimonial influía no resultado das atualizações promovidas. As pessoas jurídicas com capital circulante líquido, que ocorre quando o valor registrado no patrimônio líquido ésuperior ao valor registrado no ativo permanente, obtinham resultados negativos de correção monetária, enquanto as demais obtinham resultados positivos. O resultado positivo aumentava o lucrolíquido e, portanto, a remuneração do capital destinada aos sócios.

4.                Como forma de coibir o endividamento ou a imobilização excessiva do patrimônio, foi instituída forma de tributação específica do lucro inflacionário.

5.                A possibilidade da atualização patrimonial com base em índices de correção monetária e seus efeitos tributários foram revogados pelo art. 4º da Lei nº 9.249, de 1995.

6.                A dedutibilidade tributária do pagamento de Juros sobre o Capital Próprio - JCP teve como principal justificativa permitir que os sócios das empresas pudessem ser compensados pela perda da atualização monetária de seus direitos societários. Adicionalmente, o instituto pretendia aumentar a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro, cuja taxa de remuneração e riscos implícitos sempre foram mais vantajosos.

7.                Entretanto, a partir de análises das demonstrações financeiras das empresas brasileiras, verifica-se que o endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro.

8.                Passados mais de 25 anos de sua introdução, não há evidências de que a adoção dos Juros sobre o Capital Próprio - JCP reduza o endividamento e aumente investimentos. Na realidade, verificou-se que o instituto não influencia nem quantitativamente, nem qualitativamente, na conformação da estrutura de endividamento das empresas brasileiras.

9.                Análises apontam que a introdução dos Juros sobre o Capital Próprio - JCP na década de 90 não acarretou ajuste na estrutura de dívida das empresas se comparado ao período anterior à sua edição e que, na prática, a medida funciona como um sistema de dividendos dedutíveis, além de estimular as empresas a buscarem financiamento externo para remunerar o acionista. Há, ainda, apontamentos que revelam uma elevação na razão dívida/capital, em vez da redução esperada.

10.              Além disso, os Juros sobre o Capital Próprio - JCP não induzem o reinvestimento, já que consistem em forma de remuneração aos acionistas que concorre com o reinvestimento de lucros na empresa e com sua disponibilidade financeira para quitação de dívidas, uma vez que a empresa deve dispor de seu patrimônio para pagar os acionistas ou, de forma ainda mais prejudicial, contratar empréstimo para pagá-los, caso as taxas de juros e de retorno sejam vantajosas. Ademais, verifica-se que regulamentação vigente relativa à determinação de sua base de cálculo permite o aumento irregular do valor do benefício por meio de artifícios contábeis.

11.              Não há também limitações a respeito da data de ingresso do capital que serve de base de cálculo dos juros, ao contrário do que ocorre nos poucos países que instituíram instrumentos com finalidade semelhante. Nesses países, a base de cálculo restringe-se ao capital incrementado (new equity) ao longo dos anos ou é determinada a partir de um ano de corte (por exemplo, capital novo ingressado a partir de 2014). No Brasil, remunera-se o capital existente desde a constituição da empresa.

12.              Nas experiências internacionais, são utilizadas taxas de juros baixas e base de cálculo restrita, muitas vezes com limitações expressivas de valor, de forma a limitar o objetivo do instituto ao fomento de novos investimentos. Além disso, faz-se o uso de medidas antielisivas para evitar sua utilização abusiva.

13.              Ante o exposto, verifica-se que os Juros sobre o Capital Próprio - JCP revelam ser ineficientes para direcionar a escolha do financiamento pelo capital próprio em detrimento do capital de terceiros. No entanto, ao que parece, eles têm sido utilizados com o propósito exclusivo de redução da carga fiscal, especialmente em função da combinação existente entre a dedução da despesa pela pessoa jurídica e a tributação da pessoa física relativa à receita correlata, a uma alíquota reduzida (tributação na forma do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - IRRF à alíquota de 15%).

14.              Vale ainda destacar que a política é utilizada por poucas empresas, muitas de grande porte e bem-posicionadas no mercado brasileiro. Trata-se, portanto, de benefício fiscal concedido sem efetividade, que reduz a tributação incidente nesses poucos contribuintes e que gera relevante renúncia de receitas tributárias. Ademais, o benefício cria um sistema tributário regressivo, em que uma maior carga tributária é suportada por contribuintes cuja capacidade contributiva é inferior àquela dos beneficiados pela medida.

15.              No rol de pessoas físicas residentes no Brasil, verificou-se que os Juros sobre o Capital Próprio - JCP são pagos a pessoas com os maiores rendimentos do País. Entre 2016 e 2020, cerca de 2,8 milhões de pessoas físicas receberam essa remuneração, representando menos de 2% da população brasileira. O valor anual total recebido por esses beneficiários foi de cerca de R$ 30,6 bilhões, segundo informações extraídas das Declarações do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - Dirf.

16.              Em relação à faixa de renda dos beneficiários, dados extraídos das Declarações de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas – DIRPF do exercício 2021 (ano-calendário 2020) mostram que os contribuintes que recebem mais de R$ 240 mil de rendimentos totais anuais representam 31,3% dos que declararam ter recebido Juros sobre o Capital Próprio - JCP, mas obtiveram 96,6% do valor de JCP recebido por pessoas físicas.

17.              Além disso, devem ser considerados os impactos dessa remuneração no âmbito internacional, nos casos em que o pagamento é feito a residente no exterior. Os Juros sobre o Capital Próprio - JCP constituem instrumento sui generis de nossa legislação, que permite a distribuição aossócios de parte dos resultados da pessoa jurídica, ao mesmo tempo em que permite a dedução dos valores pagos na apuração do imposto sobre a renda.

18.              Sua classificação jurídica na esfera internacional não é pacífica, com extensas discussões acerca de eventual enquadramento na definição de juros ou de dividendos. Isso porque apresentam um elemento híbrido: conquanto sejam remuneratórios do capital aplicado (característica própria de instrumentos de dívida), são calculados sobre o patrimônio da pessoa jurídica e contingentes à existência de lucros.

19.              Essa natureza híbrida gera problemas na esfera internacional em razão das potenciais situações de dupla não-tributação, ensejadas pela dedução dos Juros sobre o Capital Próprio - JCP do pagamento efetuado pela pessoa jurídica no Brasil e a não tributação do rendimento correspondente na jurisdição do beneficiário, em razão da isenção concedida, por sua legislação doméstica, a rendimentos decorrentes de lucros e dividendos. Nesse caso, apesar de a legislação brasileira conferir tratamento fiscal de juros a essa remuneração, a legislação estrangeira a enquadra na definição de dividendos, o que acaba por isentar tais rendimentos.

20.              Assim, observam-se divergências na caracterização do rendimento, com possibilidade de dupla não-tributação da renda, prática combatida por diversos países e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Inclusive, há países que, para evitar o indesejável problema da dupla não-tributação, afastam a regra geral de isenção dos rendimentos de dividendos para os casos em que os pagamentos ensejam a dedução da despesa na jurisdição que os distribui.

21.              Por fim, cabe mencionar que, quando se trata de pagamentos efetuados a residentes em jurisdições com as quais o Brasil tenha acordo para evitar a dupla não-tributação, o benefício fiscal auferido pode ser ainda mais relevante, em razão das alíquotas reduzidas previstas nesses acordos, que substituem a alíquota ordinária de 15% incidente sobre esses rendimentos.

22.              A relevância e a urgência da medida estão demonstradas pela ineficiência relativa ao instrumento “Juros sobre o Capital Próprio - JCP” e pela renúncia de receita dele decorrente, cujo efeito deletério é agravado em um cenário em que o País necessita aumentar sua arrecadação e corrigir distorções no sistema tributário para torná-lo mais eficiente e isonômico.

23.              Dessa forma, o Projeto de Medida Provisória propõe a revogação do art. 9º da Lei nº 249, de 1995, de forma a vedar a referida dedutibilidade do lucro real e da base de cálculo da CSLL a partir de 1º de janeiro de 2024.

Respeitosamente,

Fernando Haddad
Ministro de Estado da Fazenda