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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

EMI nº 57 /CC/AGU/MPS

Em 19 de novembro de 2003.

        Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

        Submetemos à apreciação de Vossa Excelência proposta de edição de Medida Provisória que tem por finalidade alterar dispositivos das Leis nº 8.213, de 24 de julho de 1991, a fim de ampliar prazos para a produção de efeitos do instituto da decadência por elas disciplinado e atender, de modo imediato e com maior adequação, ao interesse público no que se refere à aplicação do instituto da decadência, relativamente a direitos previdenciários.

        Trata-se de questão que, embora há muito venha reclamando reexame por parte do Poder Público, revela-se urgente à medida que se aproxima o início da eficácia plena de dispositivos que introduziram inovações na matéria cujos efeitos serão prejudiciais tanto aos cidadãos quanto à própria Administração.

        No que se refere ao art. 103 da Lei nº 8.213, de 1991, a Medida Provisória nº 1.523-9, de 27 de junho de 1997, inovou o direito previdenciário ao alterar esse dispositivo da Lei de Benefícios para instituir o prazo decadencial de dez anos para todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. No entanto, a Medida Provisória nº 1.663-15, de 22 de outubro de 1998, convertida na Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998, alterou novamente o dispositivo, para fixar em cinco anos o prazo decadencial.

        A inovação mostrou-se necessária à medida que a própria Administração deve seguir prazos para promover a revisão de seus atos, não sendo, portanto, adequado que inexistisse qualquer limitação à revisão de atos provocada pelo interessado. No entanto, houve excesso por parte do legislador, ao unificar os prazos dos institutos da decadência e da prescrição.

        No atual momento, o problema se acentua, em face da proximidade do vencimento do prazo decadencial ora em vigor que tem levado milhares de cidadãos a procurar as agências da Previdência Social e órgãos do Poder Judiciário, notadamente dos Juizados Especiais Federais. Há, por parte da sociedade em geral, em todo o país, clamor quanto aos efeitos que decorrerão da manutenção do prazo decadencial ora previsto, que atingiria milhares de cidadãos, os quais, por não terem oportunamente exercido seu direito de pleitear a revisão, por desconhecimento ou falta de acesso à Justiça e à Previdência seriam impedidos de fazê-lo posteriormente. Agrava o fato a circunstância de que em algumas localidades importantes, como é o caso do Estado do Rio de Janeiro, o último dia do prazo que vinha sendo noticiado pelo meios de comunicação será feriado local (dia 20 de novembro).

        Cumpre, todavia, esclarecer que o prazo decadencial, nos termos do próprio artigo 103 da Lei nº 8.213, de 1991, não se completa, para todos os segurados, em 20 de novembro de 2003, mas em cinco anos a contar da data em que o segurado tomou conhecimento de decisão indeferitória definitiva, no âmbito administrativo, ou a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação. Vale dizer, portanto, que para a esmagadora maioria, o termo final se daria, mantida a atual legislação, a partir de 1º de dezembro de 2003, como já tem alertado o próprio Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, aos segurados.

        Há que se registrar, contudo, que as inúmeras modificações ocorridas ao longo dos últimos anos na legislação previdenciária têm exigido grande esforço do Poder Judiciário e dos próprios segurados, no sentido de aquilatar a extensão de seus eventuais direitos. Tal situação tem gerado muitas demandas, as quais, na vigência do atual prazo, tendem a multiplicar – pela simples pressão de que haveria uma decadência do direito de revisão – a formulação de pedidos no exíguo prazo que estaria por findar.

        Ademais, é importante registrar que há, no âmbito do próprio Congresso Nacional, debates em torno da adequação da atual legislação, tramitando diversas proposições que visam rever a extensão do instituto da decadência no direito previdenciário, em favor, por exemplo, da extensão da garantia inserta no art. 5º, XXXV da Constituição Federal.

        Vale registrar, contudo, que, do ponto de vista da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não restam dúvidas de que a decadência é causa extintiva do próprio direito subjetivo. Nesse sentido o acórdão prolatado no julgamento do RE nº 71.682 (DJ de 09/08/71), como também o seguinte acórdão do STJ:

"PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO NÃO CARACTERIZADO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA MP 1.523/97 CONVERTIDA NA LEI 9.528/98 E ALTERADO PELA LEI 9.711/98.
I - Desmerece conhecimento o recurso especial, quanto à alínea ‘c’ do permissivo constitucional, visto que os acórdãos paradigmas se referem aos efeitos da lei processual, enquanto o instituto da decadência se insere no campo do direito material.
II - O prazo decadencial do direito à revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, instituído pela MP 1.523/97, convertida na Lei 9.528/98 e alterado pela Lei 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27.06.97, data da nona edição da MP 1.523/97. (...)" (RESP nº 254.186, DJ de 27/08/01, Rel. Ministro Gilson Dipp)

        As decisões do STJ lançam luzes, ainda, como no caso da decisão acima citada, sobre a extensão da decadência instituída pelo art. 103 da Lei nº 8.213, de 1991, que somente atingiria os benefícios concedidos após 27 de junho de 1997. Os seguintes julgados recentes reiteram a interpretação do STJ:

"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. CÁLCULO. SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. ÍNDICE DE 147,06%. INPC. ARTIGO 31 E 145, DA LEI 8.213/91.

- Divergência jurisprudencial comprovada. Entendimento do artigo 255 e parágrafos do Regimento Interno desta Corte.

- O prazo decadencial do direito à revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, instituído pela MP 1.523/97, convertida na Lei 9.528/98 e alterado pela Lei 9.711/98, não alcança os benefícios concedidos antes de 27.06.97. Precedentes. (...)" (RESP 429818 / SP ; DJ 11/11/2002, Rel. Min. Jorge Scartezzini)

"PREVIDENCIÁRIO. REAJUSTE DE BENEFÍCIO. ART. 103, DA LEI 8.213/91. LEI 9.528/97. PRAZO DECADENCIAL.

- O prazo de decadência instituído pelo art. 103, da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, não se aplica aos pedidos de revisão de benefícios concedidos antes de sua vigência, pois o novo regramento não tem aplicação retroativa.

- Recurso especial conhecido e provido." (RESP 410690 / RN ; DJ 05/08/2002, Rel. Ministro Vicente Leal)

"RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI Nº 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA MP Nº 1.523/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.728/97. APLICAÇÃO ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS CONSTITUÍDAS SOB A VIGÊNCIA DA NOVA LEI.

1. O prazo de decadência para revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário, estabelecido pela Medida Provisória nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, que alterou o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material.

2. Precedentes.

3. Recurso especial não conhecido." (RESP 479964 / RN ; DJ 10/11/2003, Rel. Min. Paulo Gallotti)

        Ainda que o entendimento possa não ser unânime, é de se considerar que melhor atende ao interesse público que se promova a dilação do prazo decadencial, evitando-se, por força de conflitos de interpretação, a aplicação imediata de interpretação restritiva, quer pelo Poder Judiciário, quer pelo Poder Executivo, razão pela qual impõe-se ampliar para dez anos o prazo de decadência ora firmado pelo art. 103 da Lei nº 8.213, na forma ora proposta.

        Finalmente, por respeito ao princípio da igualdade e para melhor resguardar o interesse da coletividade de beneficiários e contribuintes da previdência social, bem como para manter a coerência do sistema, também se altera o prazo decadencial para a Administração Previdenciária rever atos administrativos por ela editados.

        As presentes circunstâncias permitem depreender a presença dos pressupostos constitucionais para a edição de medida provisória. Insta registrar que a matéria em comento não integra o rol daquelas que não podem ser disciplinadas por medida provisória, constante do art. 62, § 1º, da Constituição Federal. Quanto à prescrição, leia-se a ementa do acórdão da Suprema Corte no AgR no AI nº 139.004 (DJ de 02/02/96):

"Agravo regimental. - A prescrição se situa no âmbito do direito material e não do direito processual. O que prescreve não é o direito subjetivo público de ação, mas a pretensão que decorre da violação do direito subjetivo. - Se a prescrição se consumou anteriormente a entrada em vigor da nova Constituição, e era regida pela lei do tempo em que ocorreu, pois, como salientado no despacho agravado, ‘não ha que se confundir eficácia imediata da Constituição a efeitos futuros de fatos passados com a aplicação dela a fato passado’. A Constituição só alcança os fatos consumados no passado quando expressamente o declara, o que não ocorre com referência a prescrição. Agravo a que se nega provimento."    

        No mesmo sentido os seguintes arestos do STF: AgR no AI nº 137.195, AgR no AI nº 143.714, AgR no AI nº 140.620.

        Em qualquer ramo do Direito, e não poderia ser diferente, os institutos da prescrição e da decadência são considerados de direito substantivo. Assim no Direito Tributário (cf. RESP nº 88.999 e RESP nº 140.172), no Direito Penal (AgR em AP nº 103, no STJ, e HC nº 75679, no STF), no Direito do Trabalho e, como já assinalado, também o Direito Civil. Além disso, como observa Arruda Alvim, prescrição e decadência são fenômenos que ocorrem extraprocessualmente (cf. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1. São Paulo: RT, 1996, p. 431), não se podendo olvidar a lição de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual:

"São normas jurídicas materiais (ou substanciais) as que disciplinam imediatamente a cooperação entre pessoas e os conflitos de interesses ocorrentes na sociedade, escolhendo qual dos interesses conflitantes, e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado. (...)

Pelo prisma da atividade jurisdicional, que se desenvolve no processo, percebe-se que as normas jurídicas materiais constituem o critério de julgar, de modo que, não sendo observadas, dão lugar ao error in iudicando; as processuais constituem o critério de proceder, de maneira que, uma vez desobedecidas, ensejam a ocorrência do error in procedendo." (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 88-9)

        Evidentemente, normas que fixam prazos decadenciais e prescricionais referem-se ao próprio direito material discutido, seja para extingui-lo, seja para torná-lo inexigível. Não por outro motivo o Código de Processo Civil determina a extinção do processo com julgamento de mérito, quando reconhecida pelo juiz a prescrição ou a decadência (art. 269, IV), que a doutrina em peso proclama serem exceções materiais, distinguindo-as das exceções processuais, como é a de incompetência.

        Ante as razões expostas, inexiste óbice à regulação, por medida provisória, de prazos de prescrição ou decadência.

        Estas são, Senhor Presidente, as razões que nos levam a submeter a anexa proposta de Medida Provisória ao descortino de Vossa Excelência.

Respeitosamente,

JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da
Presidência da República
RICARDO JOSÉ BERZOINI
Ministro de Estado da
Previdência Social


ALVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA
Advogado-Geral da União