Presidência
da República |
MENSAGEM Nº 814, DE 29 DE AGOSTO DE 1996.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1o do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente o Projeto de Lei nº 199, de 1991 (nº 165/90 no Senado Federal), que "Acrescenta parágrafos aos arts. 1.553 do Código Civil e 91 do Código Penal".
Ouvido, o Ministério da Justiça assim se manifestou:
"A presente iniciativa, no dizer do autor, visa a suprir lacuna legislativa ordinária para tornar explícita a obrigação dos herdeiros do delinqüente de reparar os danos, respeitando a força do monte, e suportar o ônus da decretação da perda dos bens, igualmente limitada esta aos haveres deixados pelos de cujus, em razão do que dispõe o art. 5° , XLV, da Constituição Federal de 1988, que estabelece que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".
No que pertine à iniciativa para legislar, a proposta coaduna-se com os ditames dos arts. 22, I, 48, caput, e 61, caput, da Carta Política, não havendo, sob esse aspecto, qualquer óbice à sua adoção.
Entretanto, convém lembrar que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, examinando a propositura, a desaconselhou, uma vez que, além de não haver lacuna legal a suprir, o projeto apresenta várias imperfeições redacionais. Assim afirmou o Colegiado:
"b1) Em primeiro lugar, assinale-se que a lacuna legislativa, cujo preenchimento constitui a preocupação do projeto, na verdade não existe. A obrigação dos sucessores do agente de responder pela reparação dos danos provenientes do delito já vem estabelecida no art. 1.526, do Código Civil, dentro do Título VII - "DAS OBRIGAÇÕES POR ATOS ILÍCITOS", que dispõe:
"O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança, exceto nos casos que este Código excluir.
E não apenas torna a lei civil certa a obrigação dos sucessores do agente em responder pelas conseqüências do crime, como estabelece limites ao alcance e extensão dessa responsabilidade, dispondo nos artigos 1.587 e 1.796:
"Art. 1.587 - O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se existir inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados."
"Art. 1.796 - A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros cada qual em proporção da parte que na herança lhe cabe."
Portanto, a regra que pretende o projeto inserir no Código Civil já existe no seu corpo de normas e, ao que parece, nunca foi objeto de polêmica ou contestação.
O só fato de dispor a norma constitucional, em seu art. 5° , inciso XLV, que "nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento dos bens ser, NOS TERMOS DA LEI, estendidas aos sucessores...", não significa que deva ser editada uma nova lei nesse sentido, quando o que constitui objeto da preocupação do constituinte já está previsto e disciplinado na própria lei que se pretende alterar. Em hipóteses que tais, diz-se, com propriedade, que a lei anteriormente existente foi recepcionada pela nova ordem constitucional.
b2) Na parte criminal, propõe o projeto a inserção de parágrafo único no art. 91 do Código Penal, estabelecendo:
"A morte do agente não exime os herdeiros do dever de indenizar na forma da lei civil, nem impede a decretação da perda dos bens nas hipóteses previstas neste artigo."
O art. 91 cuida das conseqüências da condenação, dispondo que são dela efeitos: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
A colocação desse parágrafo, pretendida pelo projeto, constitui, por um lado, uma demasia e, por outro, um equívoco.
Demasia, porque se a morte do agente acontecer após a condenação trânsita em julgado, ocorrerá a extinção da punibilidade da pretensão executória, caso em que somente fica afastada a execução da pena, persistindo as conseqüências secundárias do delito, inclusive aquelas referentes à obrigação de reparar o dano, que se transmite aos herdeiros do condenado, na medida da força da herança. Assim, de posse da sentença penal condenatória poderão a vítima e seus sucessores promover a sua execução no Juízo Cível, conforme vem delineado nos artigos 63 a 68 do Código de Processo Penal.
Equívoco, porque se a morte do agente acontecer no curso da ação penal (e parece ser esta a preocupação do projeto, como se vê da justificativa) antes da condenação trânsita em julgado, acontecerá a extinção da punibilidade da pretensão punitiva, apagando, na área criminal, todos os efeitos do delito, tanto o primário, como os secundários. Em tal situação, não há como manter a referência do projeto. A vítima, seu representante legal ou seus sucessores deverão promover no Juízo Cível contra os sucessores do agente a ação própria para obter a reparação do dano, uma vez que a extinção da punibilidade não obsta essa pretensão, consoante os precisos dizeres do art. 67, inciso II, do Código de Processo Penal. Nesta parte, portanto, o parágrafo pretendido não casa com o "caput" do dispositivo, que fala em efeitos da "CONDENAÇÃO".
Deve-se apontar, também, a inadequação de, no Código Civil, ser inserido parágrafo único relativo à responsabilidade dos sucessores em artigo que trata da liquidação por arbitramento, como pretende o projeto.
Diante do exposto, tendo a propositura sido aprovada na forma original e, portanto, persistindo as impropriedades apontadas, deverá o projeto de lei receber o veto presidencial, nos termos do art. 66, § 1o, da Carta Política, por ser contrário ao interesse público."
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em totalmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 29 de agosto de 1996
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 30.8.1996