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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 884, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1992.

        Senhor Presidente do Senado Federal,

        Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1° do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente o Projeto de lei da Câmara n° 23, de 1992 (n° 4.590/90, na Câmara dos Deputados), que "Autoriza a Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS a transferir bens de sua propriedade, para o Estado de São Paulo".

        Ao expor as razões do veto, lembro inicialmente que:

        a) a área foi adquirida pela União, por desapropriação, mediante o pagamento da correspondente indenização;

        b) a gleba foi transferida pela União à PETROBRÁS, a titulo de propriedade para integralização de capital subscrito;

        c) de 1948 a 1970, ou seja, durante 22 anos, foi dada à área a destinação para a qual foi desapropriada.

        Ademais, há de se destacar que a área não foi desapropriada pela PETROBRÁS, mas pela União, que, ao transferi-Ia, não realizou operação típica de Direito Administrativo, e, sim, de Direito Comercial, mais propriamente de Direito Societário, pois o bem foi transferido à empresa como parte do adimplemento de obrigação assumida pelo Estado na sua condição de acionista, e não de Poder Público.

        Esse bem, portanto, passou a integrar o ativo imobilizado da companhia e, pelo seu valor de avaliação, o montante do capital social desta.

        Diante disso, a alienação da referida área somente poderá dar-se mediante a correspondente compensação financeira ou patrimonial, pena de constituir ato de liberalidade.

        Esta circunstância, considerando a informação constante da exposição de motivo que acompanha o projeto original, de que a área é bastante extensa e de elevada valorização, poderá ter significativo impacto no patrimônio liquido da empresa, com nefastos efeitos no valor de suas ações.

        Contabilmente, o bem integra o ativo imobilizado da Petrobrás. A sua doação, portanto, acarretará a sua baixa da rubrica "ativo imobilizado", fazendo com que o seu valor residual (valor original + reavaliação -- depreciação) passe para a conta de despesas (doações, etc.) da demonstração de resultados, reduzindo o lucro ou aumentando o prejuízo, reduzindo, pois, o Patrimônio Liquido da empresa, que, nos casos das ações cotadas em Bolsa de Valores pelo seu valor patrimonial, poderá afetar o valor de mercado dessas ações.

        Como as ações da Petrobrás são negociadas em Bolsa de Valores pelo seu valor patrimonial, a elevação do Patrimônio Líquido acarreta a elevação do valor patrimonial das ações e, em conseqüência, o valor de mercado das ações.

        Se, ao contrário, em razão de dotações significativas o Patrimônio Líquido da empresa se reduz, conseqüentemente, reduzir-se-á o valor patrimonial das ações e a sua cotação na Bolsa de Valores, com evidente prejuízo para os acionistas, quer pela diminuição do lucro a distribuir, quer pela diminuição do valor das ações que possuem.

        É verdade que, segundo o art. 154, § 4°, da Lei n° 6.404/76 (a"LSA"), os administradores podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício da comunidade de que participe a empresa.

        Entretanto, no caso em tela, em virtude da grande extensão (13.215.210 m2) e valorização da área, bem como perniciosos efeitos que a sua doação poderá acarretar ao valo do Patrimônio Liquido e das ações da empresa, não há como se defender a razoabilidade do eventual ato gratuito, pelo que os administradores poderão responder, perante os acionistas minoritários da empresa, por desvio de poder e malferimento do disposto no art. 154, § 2°, alína "a", da Lei n° 6.404/76, que veda a prática de ato de liberalidade às custas da companhia.

        Não se diga que. "in casu", a administração da Petrobrás poderia argüir, como matéria de defesa, que a doação teria sido determinada por lei.

        Entretanto, a Lei não pode intervir na propriedade individual, ex vi do art. 5º, incisos XXII e XXXVI, da Constituição Federal, salvo na hipótese do art. 5°, inciso XXIV, da mesma Carta Magna (desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social mediante Justa e prévia indenização). Essa vedação à intervenção do Estado, mediante Lei ou não, na propriedade privada e reforçada pelo disposto no art. 150, inciso IV (vedado que é o confisco, mesmo sob a forma de tributo).

        Ademais, em se transformando o PL em, lei, e sendo esta flagrantemente inconstitucional, cumprirá aos administradores da PETROBRAS adotar medidas judiciais tendentes à obtenção da declaração de inconstitucionalidade da mesma, providência que se exige de qualquer administrador de sociedade anônima, ex vi dos arts. 153 e 155, inciso II (1ª parte) da Lei nº 6.404/76.

        É preciso acentuar que, nos termos do art. 173, § 1°, da Constituição Federal, e do art. 5°, inciso II, do Decreto-lei n° 200/67, a PETROBRAS, na sua condição de sociedade e economia mista, e entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sujeita ao regime jurídico das empresas privadas, não se confundindo, em hipótese alguma, com a pessoa da sua acionista majoritária, a União Federal.

        Assim, não pode a União Federal, mediante ato legislativo ou mesmo no exercício do seu poder de controle, interferir na gestão da empresa, máxime para determinar a alienação de bens integrantes do seu ativo, mesmo a título oneroso (e a título gratuito, nem se fale), sob pena de responder pelos danos que vier a causar pela prática desse ato, nos estritos termos do art. 117 da Lei n° 6.404/76, combinado com o art. 116 do mesmo diploma societário.

        O fato de essa interferência na gestão da empresa vir a ocorrer por força de lei não tornará legítima, apenas deslocará a questão do seu vício jurídico para o campo inconstitucionalidade da Lei.

        A deliberação sobre a alienação de bens do ativo permanente é matéria de gestão interna dos negócios das companhias, sendo, portanto, da competência dos seus órgãos administração (LSA, art. 142, inciso VIII) e, em determinados casos, quando o Estatuto Social assim o estabelece, da própria Assembléia Geral de Acionistas; mas, em hipótese alguma, de acionista isoladamente, ainda que controlador da sociedade.

        Desse modo, se no caso a mens legislatoris for a transferência da área pela PETROBRÁS a título gratuito estará o PL eivado de inconstitucionalidade; mas também será inconstitucional, mesmo que a intenção do legislador seja compelir a PETROBRÁS a transmitir o bem a titulo oneroso. E tudo em razão dos fundamentos retroexpendidos.

        Finalmente, não se diga, em apoio à juridicidade e constitucional idade do PL, que, tendo sido a área desapropriada pela União Federal por motivo de utilidade pública ou interesse social, e não mais estando a mesma sendo utilizado pela PETROBRÁS nas finalidades que determinaram a sua expropriação, a permanência da área na propriedade da empresa estaria caracterizar desvio de finalidade, ensejador da retrocessão (CC, art. 1.150).

        Este argumento não procederia.

        Com efeito, a permanência da área sob a propriedade da PETROBRÁS, ainda que não mais sendo utilizada nas finalidades que determinaram a sua expropriação, não caracteriza desvio de finalidade porque:

        a) o ente expropriante foi a União Federal, não tendo sido esta efetivada em favor da PETROBRAS;

        b) entre os anos de 1948 e 1970, o Conselho Nacional de Petróleo e a PETROBRAS, esta a partir de 1954, durante 22 anos, portanto, efetivamente deram à área a finalidade motivou a sua desapropriação:

        c) ao ser incorporada ao patrimônio da PETROBRÁS, a titulo de integralização do capital da empresa subscrito pela União Federal, a referida área - mesmo hoje, quando nela não mais se realizam trabalhos, lavra e processamento de xisto pirobetuminoso, determinaram a sua desapropriação - continua a exercer a sua finalidade pública (no seu conteúdo genérico, eis que integra o patrimônio da empresa, que tem como seu objetivo precfpuo, nos termos do art. 2°, inciso II, da Lei n° 2.004, de 03.10.53 (que dispõe sobre a ,política nacional do petróleo e institui a PETROBRÁS) exercer no monopólio constitucional da União Federa as atividades descritas no art. 1° do mesmo diploma e no art. 177 da Constituição Federal; e na medida em que o Decreto-lei n° 395, de 29.04.38, declara de utilidade pública o abastecimento nacional do petróleo, que inclui as atividades integrantes do objeto social da empresa (art. 1º). Assim, todos os bens integrantes do ativo permanente da PETROBRAS cumprem finalidade pública, ainda que não de forma evidente.

        Em sendo assim, a permanência dessa área sob a propriedade da PETROBRAS, embora não cumprindo aquela finalidade pública que originariamente determinou a expropriação, não constituirá desvio de finalidade ("tredestinacão"), dado que continuará a atender a finalidade pública ínsita no objeto social da PETROBRÁS, o que afasta o risco da retrocessão e assim será, ainda que futuramente a PETROBRÁS venha vender, locar, permutar, etc, a área, à evidência de que tais operações serão realizadas em benefício da empresa e, por extensão, da execução do monopólio da União, que em nome desta exerce.

        Diante do exposto, somente pela via expropriatória, mediante justa e prévia indenização, poderá essa propriedade ser transferida para o Município de Tremembé, sendo o mencionado Pronto de Lei inconstitucional.

        Se, no entanto, a expressão "É... autorizada a ...", utilizada no art. 1° do PL, estiver a indicar que o legislador decidiu elaborar uma lei apenas autorizativa da transferência, nas condições a serem futuramente estabelecidas entre a PETROBRAS e o Município de Tremembé, com o objetivo exclusivo de proteger os administradores da empresa e resguardá-los de eventual responsabilização pela alienação, o ato legislativo será inócuo.

        Primeiramente, porque o Conselho de Administração da companhia tem competência legal para deliberar e autorizar a alienação de bens imóveis, nos termos do art. 42, inciso XIV, do Estatuto Social da entidade, aprovado pelo Decreto n° 81.217, de 13.01.78. e, se, a despeito desse dispositivo, se pretendesse dar maior resguardo aos administradores da PETROBRAS para a prática desse ato, bastaria submeter o assunto à sua Assembléia Geral de Acionistas, órgão deliberativo máximo da empresa, que, aprovando-o, deixaria a administração da companhia a salvo de qualquer responsabilidade pela alienação do imóvel. A lei, como vista anteriormente, não terá esse condão.

        Em segundo lugar, que é uma conseqüência da anterior consideração, porque faltará a essa lei em que se converteria a propositura a eficácia e a imperatividade que caracterizam as normas jurídicas em geral.

        Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o projete em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 15 de dezembro de 1992

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 16.12.1992