SUBCHEFIA DE ASSUNTOS PARLAMENTARES

EM n.º 14 / 2010 – SDH-PR/MD/MJ/MP

  Brasília, 30 de Abril de 2010

 

 

             Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

 

            Temos a honra de submeter à apreciação de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República.

 2.          A criação de uma Comissão Nacional da Verdade com o objetivo estratégico de promover a apuração e o esclarecimento público das graves violações de direitos humanos praticadas no Brasil no período fixado pelo artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, em sintonia com uma das diretrizes constantes do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH - 3) publicado no final de 2009, responde a uma demanda histórica da sociedade brasileira.

3.          O reconhecimento da memória e da verdade como direito humano da cidadania é dever do Estado, reconhecido internacionalmente pela  Organização das Nações Unidas e pela Organização dos Estados Americanos.

4.          No mundo todo, foram constituídas mais de 30 Comissões da Verdade, em contextos de transição política, superação de conflitos armados internos ou de períodos ditatoriais, uma das ferramentas daquilo que é denominado “justiça transicional”. Apesar dos diferentes contextos históricos, políticos, sociais, legais e culturais e das diferentes dinâmicas e formatos adotados, todas as Comissões tiveram como objetivo principal promover a reconciliação nacional, por intermédio da revelação, registro e compreensão da verdade sobre o passado de violações de direitos humanos nos respectivos países.

5.          Como exemplos emblemáticos podemos citar a Comissión Nacional sobre la Desaparición de Personas, constituída na Argentina, que teve como escopo a investigação dos casos de desaparecimentos forçados, ocorridos durante o regime de exceção enfrentado por aquele país, e a Truth and Reconciliation Commission constituída na África do Sul com escopo de apurar violações de direitos humanos ocorridas no período do Apartheid, buscar indenizações e instaurar processos de anistia.

6.          No Brasil, transcorridos mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a democracia encontra-se consolidada e importantes passos foram dados no sentido de identificar e reparar vítimas e familiares das graves violações ocorridas durante a ditadura militar.

7.          Nesse sentido, merece destaque a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, criada pela Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995, com o objetivo de reparar as famílias de uma lista inicial de 136 pessoas e julgar outros casos apresentados para seu exame, além de empreender esforços na localização de restos mortais de pessoas desaparecidas. A criação dessa Comissão marca o reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de opositores ao regime instalado a partir de 1964.

8.          No mesmo sentido, a Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, que criou a Comissão de Anistia, no âmbito do Ministério da Justiça, com a finalidade de examinar os requerimentos de reparação econômica, de caráter indenizatório, aos anistiados políticos que sofreram prejuízos em razão de perseguições políticas, no período de 1946 a 1988. A referida Comissão desempenha importante papel na reparação daqueles que tiveram seus direitos violados por razões políticas, tendo julgado até 2009 mais de 54.803 processos.

 9.          Aliado ao trabalho desenvolvido pelas Comissões, o Governo Federal empreendeu esforços para garantir acesso aos arquivos públicos referentes ao regime de exceção instalado em 1964 a todos os cidadãos interessados. Como resultado, por determinação do Presidente da República, foram encaminhados ao Arquivo Nacional os arquivos dos extintos Serviço Nacional de Informações, Conselho de Segurança Nacional e Comissão Geral de Investigações, além dos arquivos do Departamento de Polícia Federal, do Gabinete de Segurança Institucional e de outros órgãos públicos. Os acervos recolhidos foram organizados e digitalizados e encontram-se disponíveis para consulta pelo público.

10.          Soma-se a essas medidas o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 5.228, de 2009, conhecido como “Projeto de Lei de Acesso a Informações”, cujo texto contempla a previsão do art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao garantir maior transparência à administração pública e reduzir a restrição de acesso a informações, viabilizando o exercício pleno da cidadania, de modo a contribuir para a consolidação da democracia e para a modernização do Estado brasileiro.

11.          Em complementação às medidas mencionadas, é imprescindível assegurar o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas no período anteriormente mencionado, de modo a evitar que os fatos apurados voltem a fazer parte da história de nosso país.

12.          O anexo Projeto de Lei propõe a criação da Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, composta por brasileiros, de reconhecida idoneidade, trajetória ética, e identificados com a defesa da democracia, escolhidos e designados pelo Presidente da República.

13.          A Comissão Nacional da Verdade terá como objetivos:

i.          esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos praticadas no período mencionado, de forma a promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior;

ii.          identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas à prática das violações de direitos humanos, suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;

iii.          encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995;

iv.          colaborar com todas as instâncias do Poder Público para apuração de violações de direitos humanos, observadas as disposições das Leis nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, nº 9.140, de 04 de dezembro de 1995 e nº 10.559, de 13 de novembro de 2002;

v.          recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violações de direitos humanos e assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e

vi.          promover, com base em seus informes, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.

 14.          Para a execução desses objetivos, a Comissão Nacional da Verdade poderá requisitar diretamente aos órgãos e entidades públicos, dados e documentos, ainda que classificados como sigilosos, promover audiências públicas, determinar a realização de perícias e diligências, requisitar o auxílio de entidades e órgãos públicos, promover parcerias para o intercâmbio de informações, convocar pessoas que possam guardar qualquer relação com os fatos e circunstâncias examinadas para colher testemunho, dentre outras prerrogativas.

15.          O Projeto de Lei estabelece ainda o dever dos servidores públicos e dos militares de colaborar com os trabalhos da Comissão da Verdade e fixa o prazo de dois anos para conclusão de seus trabalhos, prevendo a apresentação de relatório circunstanciado ao final, especificando as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e recomendações.

16.          Destaque-se ainda que a Comissão Nacional da Verdade não terá caráter jurisdicional ou persecutório, em coerência com seu objetivo de promoção do direito à memória e à verdade.

17.          A criação da Comissão Nacional da Verdade assegurará o resgate da memória e da verdade sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas no período anteriormente mencionado, contribuindo para o preenchimento das lacunas existentes na história de nosso país em relação a esse período e, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos valores democráticos.

18.          Para dar suporte técnico à Comissão Nacional da Verdade, serão criados, a partir de janeiro de 2011, quatorze cargos em comissão do grupo de Direção e Assessoramento Superior, sendo: um DAS-5; dez DAS-4; e três DAS-3.

19.          A Comissão Nacional da Verdade será composta de forma pluralista e será integrada por sete membros, designados pelo Presidente da República, entre brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos, os quais perceberão o valor mensal de R$ 11.179,36 (onze mil, cento e setenta e nove reais e trinta e seis centavos) pelos serviços prestados.

20.          São essas, Senhor Presidente, as razões pelas quais submetemos o anexo do Projeto de Lei à elevada apreciação de Vossa Excelência.

 

Respeitosamente,

 


Rogerio Sottili
Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Interino

Nelson Azevedo Jobim
Ministro de Estado da Defesa


Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Ministro de Estado da Justiça


Paulo Bernardo Silva
Ministro de Estado do Planejamento,
Orçamento e Gestão