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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM DE 2 DE JANEIRO DE 1950.

         Veto a dispositivos do Decreto do Congresso. Nacional que dispõe sôbre consignações em fôlha de pagamento, publicado em obediência à parle final do § 1 °, do art. 70, da Constituição.

        Senhores Membros do Congresso Nacional:

        Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossas Excelências que, usando da atribuição que me confere o art. 87, item II, da Constituição, resolvi vetar parcialmente o projeto de lei nº 633-C/47, que dispõe sôbre consignações em fôlha de pagamento e regula as suas condições.

        O projeto ora submetido à minha sanção tem, inegavelmente um nobre objetivo: pretende ampliar as transações que constituem uma espécie de válvula de desafôgo à vida privada dos servidores públicos, permitindo-lhes encontrar com mais facilidade, nos momentos difíceis, sem constrangimentos ou vexames, o recurso que, por outra forma talvez, lhes seria impossível conseguir. Visa, ainda, exercer o mandato de assistência social mais completa, dever precípuo do Estado, facilitando aos seus servidores a educação dos filhos, a obtenção dos artigos de consumo indispensáveis ao seu uso e dos seus dependentes.

        Não é possível, todavia, escurecer que, a despeito das salutares cautelas previstas no texto legal em apreciação, dispositivos há dentro do mesmo que, se aprovados, constituiriam um perigo para a própria segurança econômica dos servidores do Estado e uma perene ameaça à paz de suas famílias.

        O presente projeto uma vez transformado em lei, representaria, praticamente, o restabelecimento da situação anterior ao Decreto-lei nº 312 de 1938, quando vigoravam os dispositivos do Decreto nº 21.576, de 1932, com as modificações que lhes foram introduzidas pelo Decreto 22.296, de 1933.

        A amplitude das transações permitidas aos servidores públicos, através consignações em fôlha de pagamento, por aqueles dois diplomas legais, a despeito das cautelas com que se tentou cerca-las, provaram à sociedade a necessidade de uma providência do Estado em defesa da econômia dos seus servidores cuia proteção lhe cabe assumir.

        Do estudo do assunto a que procedeu, na época, extinto Conselho Federal do Serviço Público Civil, destaco o seguinte trecho por sua inegável eloquüência e oportunidade:

        "56. Verifica-se, pelo exposto, que todos concordam em que o regime das consignações em fôlha de pagamento, com a largueza permitida no Decreto nº 21.576, de 27 de junho de 7932, não deverá continuar, porque já é forçoso considerar esse regime uma frustada iniciativa oficial em favor dos servidores e pensionistas do Estado".

        "...Examinando ser, porém, com sereno espirito público, o caso alarmante que ora solicita remédio, chegar-se-á à conclusão de que situação clamorosa se tornou por duas imprevidências: a do Estado, que confiou no tino econômico dos seus servidores e pensionistas, na honestidade dos que estariam sob sua proteção lega], emprestando dinheiro a juros, e na eficiência da fiscalização oficial contra os faltosos, e a dos próprios servidores e pensionistas que, diante da facilidade de jogar com o crédito, passaram a sacar sôbre o futuro, despreocupados dos dias vindoiros".

        Essa a situarão que se procurou sanar com o Decreto-lei nº 312, de 1938, ora em vigor. E é no intuito, de evitar voltem a imperar os abusos verificados então que resolvi apôr o meu veto aos itens IV, V e VI do art. 5º do projeto ora submetido à minha sanção, ou seja:

        "IV - Cooperativas de consumo com fins beneficentes, legalmente constituídas".

        A experiência de longos anos de vigência do antigo regime de consignações em folha de pagamento, demonstrou sobejamente que a facilidade de consignar em favor de cooperativas de consumo é uma porta aberta para a usura e a extorsão, dado que os servidores, especialmente os de nível mais modesto não hesitarão talvez em adquirir a crédito objetos de uso e logo adiante venderão ou empenharão por preços irrisórios, sujeitando-se ainda a juros extorsivos.

        "V - Associações de classe com caráter beneficente".

        Estender-se às associações de classe a faculdade de transigir com os servidores públicos mediante consignação em fôlha de pagamento, é dar prazo a toda espécie de abuso e explorações dificilmente controláveis. Uma vêz sancionado o projeto em exame, não tardarão certamente, a surgir numerosas dessas entidades que, mediante a instalação de modesto ambulatóri, adquirirão o caráter de "beneficentes". Não será mesmo de estranhar que até clubes esportivos, recorrendo a hábeis adaptações, consigam ser incluídos entre as associações visadas no projeto, multiplicando ainda mais o número de entidades legalmente investidas da faculdade de transigir mediante consignação em fôlha de pagamento. E não será de estranhar que dentro em breve, o número de associações de classe com caráter beneficente venha a reproduzir a situação anterior ao Decreto-lei nº 312, de 1938, quando proliferavam as caixas que, pretextando intuitos de beneficência ou de sócio financeiro, à sombra da lei das consignações, criaram o triste panorama da agiotagem agindo impunemente e prosperando à custa da imprevidência dos servidores públicos e com sacrifício das suas famílias.

        Objetar-se-á, não há dúvida, que as medidas acautelados previstas no projeto, restringindo a um máximo de 30 % dos salários, o limite das consignações para a maioria das transações, prevendo a aplicação dos juros legais e instituindo salutar fiscalização, constituirão uma garantia contra possíveis explorações.

        É preciso não esquecer, porém, que a elevação do custo de vida, as injunções do momento difícil que atravessa o país, já suscitara tantas e tão variadas solicitações por parte dos servidores públicos que, tudo leva a crer, muito difícil se tornará a existência das famílias cujos chefes se vejam, reduzidos a 70° dos seus Salários.

        Na defesa, ,pois, da instituição da família e da própria dignidade dos seus per servidores, cabe ao Estado evitar, por todos os meios, o _ressurgimento dos abusos apontados.

        "VI - Estabelecimentos de crédito legalmente constituídos, com capital não inferior a Cr$ 10.000.000.00 (dez milhões de cruzeiros) e tempo de funcionamento, não menor de cinco anos, sob a condição ainda de não fazerem do empréstimo consignado em fôlha a sua única ou principal atividade e de empregarem a metade, pelo menos, do seu capital em crédito comercial ou industrial".

        Os estabelecimentos de .credito a que alude êsse item são, praticamente, todos os bancos. O dispositivo ampliará de tal forma o campo de transações dos servidores por meio de consignação em fôlha de pagamento, multiplicando o número das entidades consignatárias, que a fiscalização prevista no próprio projeto tornar-se-ia impraticável.

        Nestas condições, a medida legal proposta, fugiria completamente ao seu salutar objetivo, que é o de amparo e auxílio aos servidores do Estado, transformando-se, lamentavelmente, em malefício para aqueles mesmo a quem pretendia beneficiar.

        Os servidores públicos, com as facilidades ampliadas através dos itens III, VII e VIII do art. 5º do projeto, já verão bem facilitadas a solução para emergências difíceis, e inevitáveis, uma vez que tais dispositivos representam inovações ao regime atuai, cuja rigidez se procura atenuar.

        Os itens citados parecem-me, porém, contrários aos altos interêsses nacionais, por isso que, os considero prejudiciais à segurança econômica dos servidores públicos, cuja salvaguarda constitui um dos deveres precípuos do govêrno uma vêz que dela depende, em grande parte, a eficiência do elemento pessoal, parte integrante e mesmo preponderante da máquina administrativa do país.

        Por essa razão nego minha sanção aos itens IV, V e VI do art. 5º do Projeto 633-C de 1947, por contrários aos altos interêsses nacionais.

        Estou certo de que ao elevado patriotismo e ao espirito esclarecido dos Srs. Membros do Congresso Nacional, não escapará a justeza dos argumentos expostos, que justificam o veto parcial que aponho ao Projeto de Lei nº 633-C de 1947.

Rio de Janeiro, em 2 de janeiro de 1950

G. Dutra

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 2.1.1950