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Presidência
da República |
DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00400.000031/2023-52
INTERESSADO: PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL E OUTROS
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO
PARECER Nº JM - 02
ADOTO, para os fins do art. 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00280/2023/GAB/CGU/AGU, de 06 de abril de 2023, o Parecer nº 00004/2023/DECOR/CGU/AGU, de 01 de fevereiro de 2023, e o Parecer nº 00006/2023/DECOR/CGU/AGU, de 05 de abril de 2023, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
JORGE RODRIGO ARAÚJO MESSIAS
Ministro Chefe da Advocacia-Geral da UniãoDESPACHO n. 00280/2023/GAB/CGU/AGU
NUP: 00400.000031/2023-52
Manifesto o meu de acordo com as conclusões do Parecer nº 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), de autoria do Advogado da União Dr. Dennys Casellato Hossne, com os apontamentos e acréscimos do Parecer nº 00006/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU (Seq. 20), de autoria do Consultor da União Dr. Tulio de Medeiros Garcia, cujos termos e conclusões aprovo integralmente.
Resumo, assim, portanto, as conclusões de ambos os pareceres.
1. a) A participação prévia da PGFN nos atos de transação é obrigatória, em razão do necessário exame prévio de legalidade do ato, por força dos arts. 10-A e 13 da Lei nº 13.988/2020, combinados com o inciso IV do art. 12 da LC 73/1993 e com o artigo 131 da Constituição da República.
b) A PGFN representa os interesses da União no contencioso administrativo fiscal, por força do artigo 131, da Constituição, do artigo 12, V, da LC 73/1993 e das normas contidas no Decreto nº 70.235/1972. Em consequência, com idêntico fundamento ao da previsão do artigo 1º, da Lei nº 9.469/1997, impõe-se a manifestação da PGFN nos atos de transação, no contencioso administrativo fiscal, também, em face do disposto no artigo 131, da Constituição, combinado com os artigos 4º, VI e 12, V, da LC 73/1993 e dos diversos dispositivos do Decreto nº 70.235/1972 que tratam da representação extrajudicial da União, pela PGFN, no contencioso administrativo tributário.
2. Há expressa previsão legal, no parágrafo único do artigo 14, da Lei nº 13.988/2020, fixando a competência exclusiva da PGFN para definir o grau de recuperabilidade dos créditos em contencioso administrativo fiscal. Referida competência também encontra fundamento no artigo 131 da Constituição da República e nos artigos 4º, inciso VI, e 12, inciso V, da Lei Complementar nº 73/1993, como assentado no Despacho nº 00306/2022/DENOR/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União e pelo Advogado-Geral da União Substituto.
3. O legislador, ao se utilizar dos termos contencioso administrativo, contencioso administrativo tributário, ou contencioso administrativo fiscal, pretendeu-se referir aos procedimentos administrativos originados das manifestações do contribuinte de que trata, especificamente, o artigo 151, III, do CTN. Quais sejam, reclamações e recursos apresentados nos termos das leis reguladoras do processo administrativo fiscal, cuja consequência é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário discutido. Os recursos previstos na Lei nº 9.784/1999 não preenchem esses requisitos, seja porque não possuem efeito suspensivo, por expressa disposição do artigo 61, caput, da Lei nº 9.784/1999, seja porque esse diploma legal não pode ser considerado uma das leis reguladoras do processo administrativo tributário. Ou, por fim, porque os procedimentos regidos por essa norma não configuram os litígios de que trata a norma matriz da transação, qual seja, o artigo 171, do CTN.
Brasília, 05 de abril de 2023.
(assinado digitalmente)
ANDRÉ AUGUSTO DANTAS MOTTA AMARAL
Advogado da União Consultor-Geral da União
NUP: 00400.000031/2023-52
EMENTA: Direito administrativo e tributário. Entendimentos jurídicos divergentes entre a PGFN e a RFB acerca i) da necessidade ou não de submissão das transações tributárias à PGFN para análise de legalidade e os seus respectivos fundamentos legais; ii) do conceito de contencioso administrativo fiscal para fins de transação; bem como iii) do estabelecimento do grau de recuperabilidade do crédito para fins de transação.
Apenas os itens "i" e "iii", em face das características de relevância e transversalidade, abrem a competência do DECOR para manifestar-se (Decreto n. 1.328/2023 e Portaria Normativa n. 24/2021 da AGU), diante, inclusive, da própria razão de envio dos autos à AGU, alicerçada no argumento de que haveria correlação entre o exame de legalidade das transações e a fixação dos critérios de recuperabilidade dos créditos com o poder de representação extrajudicial da AGU.
O item "ii", além de insindicável definitivamente por este Departamento, parece estar inserido naturalmente nas competências típicas da PGFN plasmadas na LC n. 73/93.
No mérito, a representação extrajudicial da União pela Advocacia-Geral da União é exercida com exclusividade.
No entanto, a análise jurídica das transações pela PGFN não dimana diretamente do poder de representação extrajudicial, fenômeno reservado a situações distintas do mero desempenho das funções ordinárias pelos órgãos do Executivo.
Se de representação extrajudicial se tratasse, a PGFN seria responsável pela própria prática do ato, e não somente por sua precedente análise jurídica.
De todo modo, a submissão prévia das transações tributárias à PGFN é compulsória, sob pena de ilegalidade.
A transação, independente da natureza jurídica que a ela se atribua, pode ser qualificada como acordo caracterizado por concessões recíprocas para fins de atrair a imediata incidência do art. 12, IV, da LC 73/93, ainda mais em face da referência expressa constante na parte final do art. 10-A da Lei n. 13.988/2020.
Se qualquer contrato, acordo ou ajuste, nos termos da LC n. 73/93, reclama a atuação preventiva da PGFN no exame de legalidade, a fortiori ratione, na transação, caracterizada pela reciprocidade de concessões entre Estado e contribuinte, não há como apartar a necessidade de atuação do órgão jurídico.
A ratio essendi das normas que orbitam em torno da matéria habita na proteção ao Estado e ao erário, exigindo-se que, nessas situações, a prática do ato seja precedida de indescartável exame de legalidade.
Incumbe ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional, por ato próprio, a fixação dos critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, dos parâmetros para aceitação da transação individual e da concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança, conforme dispõe textualmente o parágrafo único do art. 14 da Lei n. 13.988/22.
Embora esse poder não deflua da condição de representante judicial da União, resulta de norma expressa e, para tanto, sobejam pressupostos de ordem lógica. Dessa maneira, qualquer ato normativo editado por autoridade diversa da apontada na norma em referência será revestido de nulidade resultante de vício de competência.
1. Cuida-se de entendimento jurídico divergente entre a Receita Federal do Brasil (RFB) e a Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca de "atos normativos que regulamentam ou que oportunizam transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal para avaliação concernentes à legalidade e aderência dos normativos à política pública da transação resolutiva de litígio" (Seq. 1).
2. Para melhor compreensão do processo administrativo em voga e da controvérsia em si, se faz necessário sumariar os principais documentos acostados aos autos e os seus respectivos conteúdos.
3. No sequencial 1 dos autos eletrônicos está o OFÍCIO SEI Nº 319680/2022/ME, de 29/12/2022, encaminhado ao Advogado-Geral da União pelo Secretário Executivo do Ministério da Economia, dando conta do Parecer Conjunto SEI nº 78/2022/ME, de lavra da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro de Estado da Economia, no qual se firmou entendimento acerca da aplicação de determinados dispositivos legais à transação tributária. Informa a autoridade, todavia, que, por meio do Ofício nº 842/2022 - GABINETE/RFB, a RFB solicitou a reavaliação do tema e a respectiva suspensão dos efeitos do despacho de aprovação ministerial ao Parecer da PGFN. Ao final, asseverou o Secretário Executivo que "a questão tangencia discussão acerca dos contornos constitucionais da atuação da própria Advocacia-Geral da União e a representação extrajudicial do ente, suas autarquias e fundações", encaminhando, bem por isso, a questão ao crivo desta Advocacia-Geral.
4. No sequencial 2 está encartado o OFÍCIO Nº842/2022-GABINETE/RFB, enviado pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil ao Secretário Executivo do Ministério da Economia, cuja relevância de seu conteúdo recomenda o seu integral traslado:
1. Trata-se de análise da repercussão, para as atividades da Receita Federal, do Despacho de 15 de dezembro de 2022 do Sr. Ministro da Economia, no Processo nº 10951.110509/2022-98, que APROVA, para fins do disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, o Parecer Conjunto SEI nº 78/2022/ME, de 14 de dezembro de 2022, que assentou a urgência de ajustamento dos atos relativos à transação tributária ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente ao disposto no art. 131 da Constituição Federal, na Lei Complementar nº 73, de 1993, e na Lei nº 13.988, de 14 de abril de 20202.
2. Tal parecer gera dificuldades para os procedimentos atuais adotados nas transações tributárias no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), criando procedimentos burocráticos e mais custosos para o contribuinte, além de insegurança jurídica quanto às transações já concluídas no âmbito da RFB. Como será a seguir demonstrado, entendemos ser cabível uma reavaliação do Despacho de aprovação a fim de que possamos aprofundar a questão dentro do Ministério da Economia.
3.A primeira questão reside na questão da representação judicial e extrajudicial da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), refletida nos itens 18 e 19 do parecer, que traz uma verdadeira interferência indevida nas atividades da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) e nas competências dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, responsáveis pelo deferimento de pedidos transações, nos termos da Portaria RFB nº 247, de 18 de novembro de 2022, conforme abaixo:
18.A Portaria RFB nº 247, de 2022, permanece em afronta à Lei nº 13.988, de 2020, nesse ponto, ao apartar integralmente a Advocacia-Geral da União e suas competências para representação extrajudicial da União da transação sobre créditos sob sua responsabilidade. A Portaria nº 247, de 2022, não foi submetida ao consultivo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e não faz qualquer referência a oitiva prévia da Advocacia Pública no exercício de sua competência para exame prévio da legalidade de acordos e a representação da União nas causas tributárias.
19.A mesma situação se observa na Portaria nº 248, de 2022, que institui a Equipe Nacional de Transação de Créditos Tributários. O termo de transação individual será, por essas normas, assinado pela equipe de transação, não havendo previsão da necessária e indispensável oitiva do órgão jurídico da União, em clara e direta afronta ao art. 12, IV, da Lei Complementar n. 73 de 1993.
4.O item 18 traz a submissão de atos da RFB para aprovação prévia da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no que se refere a transação, o que por si só já é uma afronta ao art. 37, inc. XVIII. Os atos da administração tributária não prescindem de avaliação de outros órgãos em controle preventivo. Já o item 19, nessa mesma linha de invasão de competências, a PGFN avoca a necessidade de oitiva antes do deferimento que é feito pela RFB. Esse passo a mais cria uma burocracia no processo de transação, além de resultar em tempo maior para análise e conclusão dos pedidos, deixando o contribuinte inseguro e aguardando a oitiva da PGFN, que tem uma quantidade de servidores muito menor que a RFB.
5. Deve-se entender que a representação extrajudicial dos interesses públicos defendidos pela PGFN e, também pela Advocacia-Geral da União (AGU) somente se justifica em questões que não estejam inseridas nas atribuições regulares do funcionamento ordinário desse órgão. Por exemplo, o órgão que dispõe de instâncias julgadoras de seus atos administrativos praticados contra os administrados pode vir a adotar meios alternativos para a resolução de conflitos. Em havendo essa atribuição no bojo das competências legais do órgão, não se torna necessária a representação extrajudicial da advocacia pública.
6. Nesse sentido, para ao caso em questão, cabe ressaltar que a RFB é o órgão específico e singular da estrutura do Ministério da Economia responsável pela administração dos tributos de competência da União, inclusive os previdenciários, e aqueles incidentes sobre o comércio exterior. Além de atuar no combate e na prevenção aos ilícitos fiscais e aduaneiros, a instituição também possui precedência constitucional dentro de sua área de competência e jurisdição, na forma da lei (art. 37, inciso XVIII, da Constituição Federal).
7. Portanto, a parte final do art. 1º da Lei Complementar nº 73, de 1993, deve ser interpretada como uma competência complementar, a ser exercida nos casos em que o órgão em questão não possua a atribuição ou não disponha de estrutura para, por si só, resolver conflitos com os administrados. Dessa forma, manutenção da transação tributária de créditos tributários em contencioso administrativo (que é a etapa anterior ao envio para inscrição em dívida ativa da União) na Receita Federal é eficiente do ponto de vista de gestão pública, bem como torna o procedimento mais simples e direto para o contribuinte.
8. Outro ponto está na discussão do alcance da transação tributária e a definição do contencioso administrativo fiscal. Essas questões estão sintetizadas nos itens 30 e 31, abaixo transcritos:
“30. Portanto, a Portaria RFB nº 247, de 2022, incorre em insanável ilegalidade ao prever: Art. 5º Instaura-se o contencioso administrativo fiscal com a apresentação, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de impugnação, manifestação de inconformidade ou de recurso previsto: (...) III -na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, quando referente a: a) compensação não declarada;
b) arrolamento de bens e direitos, quando a transação tratar de substituição da garantia; c) decisão de cancelamento ou não reconhecimento de ofício de declaração retificadora; e d) programas de parcelamento.
31. Importante alertar, que a desmedida ampliação do conceito de contencioso administrativo fiscal representa grave risco aos interesses da União. Ao deturpar esse conceito jurídico dando-lhe indevida e incabível elasticidade, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil fomenta interpretações de que qualquer manifestação baseada no direito de petição instaura contencioso administrativo fiscal atraindo, por exemplo, os efeitos do art. 151, III, do Código Tributário Nacional ou o conjunto normativo do Decreto nº 70.235, de 1972, burocratizando, atrasando e dificultando a cobrança do crédito público, ampliando a litigiosidade e fragilizando as ações da Administração Tributária na recuperação de seus créditos.”
9. Não há qualquer dispositivo da Lei nº 13.988, de 2020, que restrinja a sua aplicação ao litígio de natureza tributária regido pelo Decreto nº 70.235, de 1972. Na realidade, ocorre o inverso: a Lei nº 13.988, de 2020, autoriza a transação no contencioso administrativo fiscal de pequeno valor e, simultaneamente, afasta a aplicação do Decreto nº 70.235, de 1972, autorizando a sua incidência “apenas subsidiariamente”.
10. No âmbito da RFB, além do Decreto nº 70.235, de 1972, são aplicáveis diversas normas processuais, tais como: (i) Portaria ME nº 340, de 2020, que disciplina o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor; (ii) Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, que disciplina o processo administrativo de perdimento de mercadorias e de veículos; (iii) Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, que disciplina o processo administrativo de perdimento de moeda; e (iv) Decreto-Lei nº 97, de 1966, que disciplina o processo de exigência de crédito tributário constituído em termo de responsabilidade.
11. Em relação aos litígios de natureza tributária não regidos por norma processual específica, aplica-se a Lei nº 9.784, de 1999, que rege o processo administrativo federal. Por essa razão, a Lei nº 9.784, de 1999, encontra-se incluída no rol de dispositivos legais que possibilitam a transação de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal sob administração da RFB.
12. Outro ponto destacado no referido parecer, encontra-se no item 33, quanto à apresentação de benefícios na migração de parcelamentos para a transação, conforme segue:
“33. Esse entendimento tem por fundamento a absoluta inexistência de contencioso administrativo fiscal, previsto no art. 151, III, do Código Tributário Nacional, em razão da adesão do contribuinte a regramento de parcelamento anterior. A confissão da dívida, pressuposto do parcelamento, necessariamente põe fim a qualquer contencioso administrativo tributário.”
13. No caso de parcelamento, a princípio não haveria contencioso administrativo fiscal em curso, uma vez que se trata de uma causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, conforme art. 151, VI, do Código Tributário Nacional –CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966).
14. Entretanto, em atenção ao Tema 668 de repercussão geral julgado pelo Supremo Tribunal Federal, a PGFN manifestou-se, por meio do Parecer SEI nº 7.692/2021/ME a respeito da obrigatoriedade de contraditório prévio à exclusão do contribuinte de parcelamento:
“20. Ante o exposto, propõe-se a inclusão do tema objeto do presente parecer na lista de dispensa de contestação e recursos desta Procuradoria-Geral, (...), nos termos seguintes:
1.28 –Parcelamento g) Impossibilidade de exclusão do parcelamento mediante contraditório diferido(...)
Observação 2: O precedente se refere ao REFIS mas se aplica por extensão a todo parcelamento tributário que adote a mesma sistemática de exclusão, (...)
Observação 3: (...) devendo-se atentar para a possibilidade de a Administração promover os devidos ajustes nos regulamentos dos parcelamentos listados nesta dispensa para a observância do contraditório prévio. (grifado)”
15. Portanto, conforme definido pelo STF no tema 668, e incluído pela PGFN na lista de dispensa de contestação, com o esclarecimento de que o entendimento se refere aos diversos parcelamentos tributários, há contraditório prévio à exclusão de programas de parcelamento, podendo o contribuinte optar por regularizar as parcelas em aberto antes da conclusão do contencioso administrativo.
16. Por outro lado, o contribuinte pode discutir diversos pontos do parcelamento, como o valor das parcelas, a utilização de créditos de prejuízo fiscal de IRPJ ou base de cálculo negativa de CSLL, os descontos aplicáveis, a inclusão ou exclusão de determinados créditos tributários no parcelamento, observado o procedimento estabelecido na Lei nº 9.784, de 1999.
17. Na hipótese de recurso contra a rescisão de parcelamento, instaura-se um contencioso administrativo fiscal cujo objeto é a cobrança do crédito tributário, cabendo notar que o legislador não instituiu qualquer restrição ou critério quanto a essa situação. Dessa forma, na ausência de vedação expressa, entende-se viável a transação no contencioso administrativo instaurado quando da rescisão do parcelamento.
18. Outro ponto sensível encontra-se na questão dos critérios de aferição do grau de recuperabilidade da dívida e da revisão da capacidade de pagamento, que abrange os itens 39 a 51.
19. Entretanto, ao utilizar dados coletados e geridos pela RFB para a definição da capacidade de pagamento e do grau de recuperabilidade, sem participação deste órgão, assume-se o risco de estimar valores distantes da realidade: por mais acurado que seja o algoritmo preditivo criado, ele sempre trará resultados a posteriori, ou seja, serão necessários meses ou anos para capturar cada mudança na forma de coleta ou tratamento dos dados que alterem os seus significados.
20. O problema do atraso na acuidade da capacidade de pagamento e na incompreensão do significado dos dados utilizados somente deixará de ocorrer com a inclusão do órgão gestor dos dados no processo de cálculo da capacidade de pagamento e do grau de recuperabilidade, pois mudanças no significado dos dados poderão ser incorporados ao algoritmo mesmo antes de suas implementações.
21. Adicionalmente, a incompreensão dos dados utilizados pode levar a erro na utilização de critérios válidos para registrar a recuperabilidade para fins contábeis com a recuperabilidade e a capacidade de pagamento, para fins de concessão de descontos e prazos, conforme explicado a seguir.
22. A definição dos parâmetros e critérios para a classificação dos débitos inscritos em dívida ativa foi realizada por meio de Grupo de Trabalho constituído pela Portaria SE/MF nº 956, de 21 de outubro de 2016, com o objetivo de nortear as ações de cobrança da PGFN e a classificação dos débitos inscritos para fins de contabilização no Balanço Geral da União. Naturalmente, o referido Grupo de Trabalho contou com a participação da RFB.
23. A classificação desenvolvida pelo referido GT e adotada pela PGFN não visava e nem se presta para a definição de capacidade de pagamento e recuperabilidade do crédito tributário para fins de transação, pois é composta por variáveis que indicam o comportamento do contribuinte e não a sua real capacidade de pagamento.
24. Exemplificando, o contribuinte que decide não cumprir as suas obrigações tributárias, não declarando e não recolhendo os tributos, invariavelmente será classificado como de difícil recuperação até ser classificado como irrecuperável, independentemente da sua capacidade de pagamento real.
25. O equívoco na utilização das classificações realizadas, para fins diversos daqueles para os quais foram criados, demonstra a necessidade de participação constante da RFB na definição da capacidade de pagamento e do grau de recuperabilidade dos créditos tributários, quando estes são definidos com dados coletados e geridos pela própria RFB, visto que é necessário compreender os dados para a sua correta utilização.
26. Esta é a situação dos créditos tributários em contencioso administrativo há mais de dez anos. Se, até a presente data, não tiveram o seu julgamento priorizado, as perspectivas de serem julgados, definitivamente constituídos, inscritos em dívida ativa e sofrerem a cobrança forçada é no mínimo duvidosa, e certamente realizada após o decaimento das condições de pagamento do devedor na grande parte dos casos.
CONCLUSÃO
27. Como informação final, cabe destacar que desde a edição da Lei 13.988, de 2022, já houve mais de 15 mil pedidos de transação perante a RFB, resultando em valores negociados na ordem de mais de R$ 400 milhões de reais, abrangendo a transação de pequeno valor, de irrecuperáveis e de relevante controvérsia jurídica.
28. Destaque-se que a recente Lei nº 14.375, de 21 junho de 2022, ampliou a transação na RFB, ampliando essa negociação no contencioso administrativo fiscal. Ou seja, há menos de 6 (seis) meses. Para implementar essa novidade, já foram editados atos internos regulamentando os pedidos e constituindo equipe de análise desses pedidos.
29. É forçoso reconhecer qual a manutenção desse parecer ocasionará a suspensão de novos pedidos até que a RFB possa se debruçar e avaliar todos os demais impactos e, inevitavelmente, resultará em pedidos de esclarecimentos à PGFN, que levará algum outro tempo para responder Enquanto isso, os contribuintes ficarão impedidos de ter a resolução plena dos seus pedidos.
30. Ademais, conforme descrito acima, corre-se o risco de nulidade de todas as transações já concluídas na RFB, resultado em insegurança jurídica para os contribuintes, além de necessidade de cobrança dos valores negociados na transação e agora reativados, prejudicando sobretudo as pequenas e médias empresas, que representam a maior quantidade de pedidos de transação.
31. Por fim, entendemos que mais grave ainda poderá ser a repercussão negativa para a imagem desse instituto de resolução de litígios se os processos de transação na RFB forem suspensos e forem executadas tais cobranças retroativas dos valores negociados. Com efeito, por ocasião das discussões sobre o PLP Nº 147, tivemos notícia da publicação e divulgação de várias manifestações prolatadas por várias organizações públicas e privadas, tais como CFC, FENACOM, FIESP, CIESP, OAB/SP, ABRASCA, ABDF, entre outras, que demonstraram apoio à manutenção da transação no âmbito da Receita Federal. Isso nos leva a crer que a transação tem sido bem conduzida e que temos muito espaço ainda para avançar em conjunto com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em anexo a esse ofício, encaminhamos a manifestações de diversas entidades.
32. Diante de todo o exposto, pede-se a reavaliação do Despacho de 15 de dezembro de 2022 do Sr. Ministro da Economia, no Processo nº 10951.110509/2022-98, que aprovou o Parecer Conjunto SEI nº 78/2022/ME, de 14 de dezembro de 2022, e a suspensão dos seus efeitos até que a questão seja melhor discutida dentro do Ministério da Economia.
5. No sequencial 3, por seu turno, está o PARECER CONJUNTO SEI Nº 78/2022/ME, firmado a muitas mãos na PGFN e aprovado pelo respectivo Procurador-Geral, contando com o seguinte conteúdo:
1. Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio das Adjuntorias de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS, de Consultoria e Contencioso Administrativo Tributário e de Consultoria e Estratégia de Representação Judicial, expediu o Parecer Conjunto SEI n.63/2022/ME (Sei nº 28438116), aprovado pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional por meio do Despacho nº 432/2022/PGFN-ME (SEI nº28475870), de 30 de setembro de 2022.
2. O ato examinou, à luz da Lei n. 13.988, de 2020, com alterações promovidas pela Lei n. 14.375, de 2022, a Portaria RFB nº 208, de 2022 (SEI nº 27920476), concluindo que:
52. Ante o exposto, conclui-se que:
52.1. em face do disposto na parte final do art. 10-A da Lei nº 13.988, de 2020, com redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022, em conjunto com os arts. 4, inc. IV, e 12, inc. V, da Lei Complementar nº 73, de 1993, devem ser submetidos a prévia análise do órgão competente da Advocacia-Geral da União os atos normativos que regulamentam ou que oportunizam transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal para avaliação concernentes à legalidade e aderência dos normativos à política pública da transação resolutiva de litígio;
52.2. em razão do disposto na parte final do art. 10-A da Lei nº 13.988, de 2020, com redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022, em conjunto com os arts. 4, inc. IV, e 12, inc. IV, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, os acordos de transação individual que envolvam créditos ainda não inscritos, tendo em conta a exclusiva atribuição da advocacia pública para representação extrajudicial da União, devem ser submetidos a exame prévio de legalidade e aderência aos fins a que se destina a política pública da transação resolutiva de litígio;
52.3. constituem contencioso administrativo fiscal, para fins de transação tributária, a impugnação ou recurso com fundamento no Decreto nº 70.235, de 1972, sendo indevida a inclusão das petições previstas na Lei nº 9.784, de 1999, no conceito de “contencioso administrativo fiscal”, em contrariedade ao Decreto nº 70.235, de 1972, ao § 2º do art. 56 do Decreto nº 7.574, de 2011 e ao art. 24 da Lei nº 13.988, de 2020;
52.4. é inaplicável à transação tributária no âmbito da Receita Federal do Brasil o art. 11, § 11, da Lei nº 13.988, de 2022, ante a impossibilidade legal de celebração de acordo fora das hipóteses de contencioso tributário fiscal que, a seu turno, resta integralmente superado diante de parcelamento regular, o que recomenda a supressão do art. 15, § 4º, da Portaria RFB nº 208, de 2022;52.5. o Capítulo II da Portaria RFB nº 208, de 2022, padece de vício de incompetência pois trata de assunto reservado a ato próprio do Procurador-Geral da Fazenda Nacional; e
52.6. nos termos da Portaria PGFN nº 6.757, de 2022, editada com fundamento no parágrafo único do art. 14 da Lei nº 13.988, de 2020, a revisão da Capacidade de Pagamento para fins de transação tributária, em qualquer caso, deve ser realizada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e seus agentes, sendo descabida previsão normativa em sentido diverso, a exemplo do art. 28 da Portaria RFB nº 208, de 2022.
3.O Parecer Conjunto foi encaminhado à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em 3 de outubro de 2022, com o objetivo de que fosse a política pública implementada com governança e aderência à legislação de regência.
4.Pouco mais de um mês depois, por meio da Nota Conjunta Sutri/Suara/RFB nº 7, de 31 de outubro de 2022, a Secretaria Especial da Receita Federal concluiu que:
65. Por todo o acima exposto, conclui-se que a Portaria RFB nº 208, de 2022, deve ser revisada, exclusivamente, quanto aos seguintes aspectos:
65.1. Explicitar quais recursos, manifestações de inconformidade ou impugnações dos contribuintes realizados nos moldes da Lei nº 9.784, de 1999, constituem contencioso administrativo fiscal, excluindo-se a referência a petições;
62.2. Aperfeiçoar os dispositivos que tratam de parcelamento, a fim de restringir seu alcance aos parcelamentos com impugnação em andamento;
65.3. Considerar os critérios para aferição do grau de recuperabilidade utilizados pela PGFN, por ser sua competência legal;
65.4. Considerar a capacidade de pagamento estipulada pela PGFN, para manter um único critério para contribuintes com débitos inscritos e não inscritos;
65.5. Considerar eventuais garantias existentes para os créditos tributários objeto de transação; e
65.6. Conclui-se, também, que os demais dispositivos da Portaria RFB nº 208, de 2022, estão em conformidade com a legislação de regência.
5. Em 22 de novembro de 2022, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil veiculou no Diário Oficial da União as Portarias RFB nsº 247 e 248, ambas de 18 de novembro de 2022, que, respectivamente, regulamenta a transação de créditos tributários sob administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e Institui a Equipe Nacional de Transação de Créditos Tributários e altera a Portaria RFB nº 13,de 26 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre a atuação das Equipes de Gestão do Crédito Tributário e do Direito Creditório.
6. A Portaria RFB nº 247, de 2022, revoga a Portaria RFB nº 208, de 2022.
7. Este Parecer Conjunto dedica-se à análise da Nota Conjunta Sutri/Suara/RFB nº 7, de 31 de outubro de 2022, da Portaria RFB nº247, de 2022, e da Portaria RFB nº 248, de 2022.
IIII.1 REPRESENTAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL DA UNIÃO
8.Segundo defende-se no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116), inclusive com menção ao Parecer nº GQ - 163, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a representação da União, judicial e extrajudicialmente, cabe à Advocacia-Geral da União. Não por outro motivo, o legislador ordinário estabeleceu que as transações na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal devem observar o que dispõe a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
9.Diante dessas considerações, derivam as seguintes consequências: a) conjugadamente ou de forma isolada, os arts. 4, inc. VI, e 12, inc. V, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, impõem que os normativos que regulamentam ou que oportunizam em concreto modalidades de transação por adesão na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal devem ser previamente submetidos para avaliação pelo órgão responsável pela atividade de consultoria e assessoramento jurídico respectivo; e b) os arts. 4, inc. IV, e 12, inc. IV, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, exigem que acordos de transação individual que envolvam créditos ainda não inscritos, tendo em conta a exclusiva atribuição da advocacia pública para representação extrajudicial da União, devem ser submetidos a Exame prévio de legalidade e aderência aos fins a que se destina a política pública da transação resolutiva de litígio.
10.No entanto, defende a RFB:
12. Portanto, a parte final do art. 1º da Lei Complementar nº 73, de 1993, deve ser interpretada como uma competência complementar, a ser exercida nos casos em que o órgão em questão não possua a atribuição ou não disponha de estrutura para, por si só, resolver conflitos com os administrados.[...]
19. A referência à Lei Complementar nº 73, de 1993, efetivada pelo art. 10-A da Lei nº 13.988, de 2020, deve ser interpretada no sentido da impossibilidade de a RFB celebrar transação de créditos que sejam objeto de acordo, compromisso ou transação celebrados pela AGU com base na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, que regulamenta o disposto no art. 4º, inciso VI, da Lei Complementar nº 73, de 1993, segundo o qual é atribuição do Advogado-Geral da União desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente.
11. Vale considerar, contudo, que além do que estabelece o art. 4º, inc. IV, da Lei Complementar nº 73, de 1993, o 12, inc. IV, mencionado no Parecer Conjunto de origem, é enfático em estabelecer que “examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promover a respectiva rescisão por via administrativa ou judicial”.
12. As interpretações sugeridas pela Receita Federal do Brasil não guardam qualquer relação com a legislação vigente e, muito menos, com a prática jurídica e com a realidade dos fatos.
13. Em verdade, é a Constituição Federal - e não apenas a Lei Complementar n. 73, de 1993 - a determinar que a União seja, judicial e extrajudicialmente, representada pela Advocacia-Geral da União. O texto promulgado pelo constituinte originário não abre qualquer exceção ou condicionante. Independentemente de estrutura, expertise, capilaridade, condições operacionais ou qualquer outro elemento dos demais órgãos da União, caberá à AGU a representação da União.
14. Em nenhum artigo, parágrafo, inciso ou alínea a Lei Complementar nº 73, de 1993, ventila haver espaço para outro órgão representar extrajudicialmente a União e, se o fizesse, incorreria em inconstitucionalidade, por manifesta afronta ao art. 131 da Carta Magna. A Lei nº 13.988, de 2020, por sua redação originária e pela redação alterada pela Lei nº 14.375, de 2022, tomou o cuidado de, diversas vezes, alertar para o atendimento ao texto constitucional, remetendo à Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União.
15.A competência exclusiva da AGU é reiteradamente invocada pela Lei da Transação justamente porque a atuação do órgão jurídico constitui premissa inafastável para a delimitação, com segurança jurídica, do espaço dentro do qual poderá ser considerada hígida eventual disposição de direitos por parte da Fazenda Pública.
16.Também não há fundamento jurídico para o entendimento externado na Nota Conjunta Sutri/Suara/RFB nº 7, de 31 de outubro de2022, de que a Lei n. 13.988, de 2020, ao mencionar a Lei Complementar nº 73, de 1993, o faria apenas para prevenir a celebração de acordos contra as normas da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
17.O regime de transação tributária não se confunde com o regime de transação da Lei nº 9.469, de 1997. E, para ambos, em razão de norma de maior envergadura, permanece, como acima apontado, a exclusiva representação extrajudicial da União pela Advocacia-Geral da União, a quem cumpre realizar o balizamento seguro das concessões recíprocas que se mostrem necessárias para dirimir litígios.
18.A Portaria RFB nº 247, de 2022, permanece em afronta à Lei nº 13.988, de 2020, nesse ponto, ao apartar integralmente a Advocacia-Geral da União e suas competências para representação extrajudicial da União da transação sobre créditos sob sua responsabilidade. A Portaria nº 247, de 2022, não foi submetida ao consultivo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e não faz qualquer referência a oitiva prévia da Advocacia Pública no exercício de sua competência para exame prévio da legalidade de acordos e a representação da União nas causas tributárias.
19.A mesma situação se observa na Portaria nº 248, de 2022, que institui a Equipe Nacional de Transação de Créditos Tributários. O termo de transação individual será, por essas normas, assinado pela equipe de transação, não havendo previsão da necessária e indispensável oitiva do órgão jurídico da União, em clara e direta afronta ao art. 12, IV, da Lei Complementar n. 73 de 1993.
II.2 CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL: EXTRAPOLAÇÃO DO CONCEITO LEGAL
20. Segundo ponderado no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116):
14. Nesse aspecto, a Portaria RFB nº 208, de 2022, foi além dos limites do art. 10-A da Lei nº 13.988, de 2020 (incluído pela Lei nº14.375, de 2022), que autorizou, tão-somente, a transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal, observada a Lei Complementar nº 73, de 1993.
15. Não é qualquer petição apresentada à RFB que possui o condão de instaurar o contencioso administrativo fiscal. Apenas as impugnações e recursos interpostos nos termos do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 (PAF), têm o efeito de provocar e dar continuidade à “fase litigiosa do procedimento” (i.e., o contencioso administrativo), como disposto no art. 14 do PAF e, de forma mais explícita, no art. 56 do Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011:
21.O entendimento acima deriva da expressa menção da Lei nº 13.988/2020 à possibilidade de transação “na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal”. Ou seja, não é na pendência de qualquer contraditório, mas, especificamente, aquele a que submetidos os créditos tributários em contencioso administrativo fiscal.
22. Segundo diz a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil:
33. No âmbito da RFB, além do Decreto nº 70.235, de 1972, são aplicáveis diversas normas processuais, tais como: (i) Portaria ME nº340, de 2020, que disciplina o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor; (ii) Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, que disciplina o processo administrativo de perdimento de mercadorias e de veículos; (iii) Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, que disciplina o processo administrativo de perdimento de moeda; e (iv) Decreto-Lei nº 97, de 1966, que disciplina o processo de exigência de crédito tributário constituído em termo de responsabilidade.
34. Em relação aos litígios de natureza tributária não regidos por norma processual específica, aplica-se a Lei nº 9.784, de 1999, que rege o processo administrativo federal.[...]
36. No âmbito da RFB, a Lei nº 9.784, de 1999, aplica-se a diversos litígios de natureza tributária, por exemplo: (i) pedido de habilitação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado; (ii) compensação não declarada; (iii) arrolamento de bens e direitos; (iv)pedido de isenção de IPI, na aquisição de veículo destinado ao transporte individual de passageiros (táxi); (v) pedido de isenção do IPI e do IOF, na aquisição de veículos por pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas; (vi) regimes aduaneiros especiais; (vii) regimes especiais de fiscalização; (viii) regimes especiais de tributação; (ix) ressarcimento do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante; (x) manifestação de inconformidade contra decisão de cancelamento de ofício de declaração retificadora de DIRPF; e (xi) programas especiais de parcelamento.
23.Quanto ao item 33 da manifestação da Receita Federal do Brasil, ratifica-se o quanto foi veiculado no Parecer Conjunto SEI n.63/2022/ME (Sei nº 28438116). Apenas os créditos objeto de contencioso administrativo fiscal (Decreto nº 70.235, de 1972) são passíveis de transação, nos termos vigentes da Lei nº 13.988, de 2020.
[...]
27. Não à toa, o Decreto 70.235, de 1972 costuma ser invocado pelas normas que estabelecem peculiaridades para créditos de determinada natureza.
28. Por outro lado, as irresignações interpostas com fundamento na Lei nº 9.784/1999 definitivamente não instauram o contencioso fiscal e, portanto, não têm o condão de autorizar, quando presentes, a oferta e a aceitação de concessões recíprocas com fundamento no art. 10-Ada Lei nº 13.988/2020.
29. Não se pode, conforme defendido no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116), “confundir o “processo administrativo” da Lei nº 9.784, de 1999 com o “contencioso administrativo fiscal”, que representa um tipo específico de processo administrativo, disciplinado pelo Decreto nº 70.235, de 1972, e desenvolvido junto às Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (DRJ) e ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).”
30. Portanto, a Portaria RFB nº 247, de 2022, incorre em insanável ilegalidade [...]
II.3 APROVEITAMENTO DE BENEFÍCIOS NA MIGRAÇÃO DE PARCELAMENTO PARA TRANSAÇÃO
[...]
34. Sustenta a SRFB, contudo, que na “hipótese de recurso contra a rescisão de parcelamento, instaura-se um contencioso administrativo fiscal cujo objeto é a cobrança do crédito tributário [...].“
35. Em primeiro lugar, conforme sustentado no item anterior, não é qualquer dialética entre o contribuinte e a Administração Tributária que instaura o “contencioso administrativo fiscal” exigido como condição para transação dos créditos no âmbito da SRFB. Não tem o recurso interposto contra a rescisão de parcelamento, desta forma, o condão de instaurá-lo a ponto de suprir a exigência legal de contencioso.
36. Ademais, conforme estabelece a Lei nº 13.988/2020, também é pressuposto para o aproveitamento proporcional dos benefícios do acordo de parcelamento anterior à sua situação regular. Desta forma, de difícil compreensão fática como poderia um parcelamento estar ao mesmo tempo “regular” e submetido a contencioso (não contencioso administrativo fiscal) em razão do advento de causa de rescisão.
37. Esse entendimento da Receita Federal do Brasil foi estampado no supratranscrito art. 5º, III, “d”, da Portaria nº 247, de 2022, e em seu art. 14, § 4º. Esse último dispositivo imagina hipotética situação de um parcelamento regular e, ainda assim, submetido a contencioso administrativo.
38. Trata-se, como visto acima e no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116), de situação juridicamente impossível, porquanto mutuamente excludentes as duas condições.
II.4 AFERIÇÃO DO GRAU DE RECUPERABILIDADE DAS DÍVIDAS
39. Conforme sustentado no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116), “Pretendeu o legislador atribuir a apenas uma autoridade, integrante do órgão da Advocacia Pública e, por isso, detentora da legitimidade para reconhecer os limites das disposições de direitos que integrarão o conjunto de concessões recíprocas que embasará a formalização das transações, a competência para aferição do grau de recuperabilidade dos créditos elegíveis à transação, como forma de garantir governança no procedimento de identificação de hipóteses de redução.”
40. Em outras palavras, o legislador, cioso da necessidade de se estabelecer métrica única nos critérios de recuperabilidade das dívidas, estabeleceu que sua disciplina cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, razão pela qual o art. 19 da Portaria PGFN nº 6.757/2022 assim estabelece:
Art. 19. Serão observados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia os seguintes parâmetros, isolada ou cumulativamente, para a celebração de transação:
I - o tempo em cobrança;
II - a suficiência e liquidez das garantias associadas aos débitos; III - a existência de parcelamentos, ativos ou rescindidos;
IV - a perspectiva de êxito das estratégias administrativas e judiciais; V - o custo da cobrança administrativa e judicial;
VI - o histórico de parcelamentos dos débitos;
VII - o tempo de suspensão de exigibilidade por decisão judicial; e
VIII - a situação econômica e a capacidade de pagamento do sujeito passivo.
41. Em que pese na Nota Conjunta Sutri/Suara/RFB nº 7, de 31 de outubro de 2022 (SEI nº 29254481), se argumentar que “a lei [...]não faz menção à capacidade de pagamento e nem mesmo atribui competência exclusiva para a aferição da capacidade contributiva ou da capacidade de pagamento”, o parágrafo único do art. 14 é expresso em consignar que cabe ao Procurador-Geral disciplinar (i) critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, (ii) parâmetros para aceitação da transação individual e (iii) parâmetros para a concessão de descontos entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança.
42. Segundo se depreende, cabe a ato do Procurador-Geral estabelecer os critérios para aferição do grau de recuperabilidade e os parâmetros para concessão de descontos que são os dois pontos centrais da política pública de transação com descontos em juros, multa e encargos, afinal:
Art. 11. A transação poderá contemplar os seguintes benefícios:
I - a concessão de descontos nas multas, nos juros e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade competente, nos termos do parágrafo único do art. 14 desta Lei;
43. Neste sentido, diante do comando legal autorizativo, a Portaria PGFN nº 6.757/2022, além do dispositivo mencionado anteriormente, consignou que a capacidade de pagamento será uniforme no âmbito da Administração Tributária Federal, confira-se:
Art. 21. A capacidade de pagamento será uniforme no âmbito da Administração Tributária Federal, decorre da situação econômica do contribuinte e será calculada de forma a estimar se o sujeito passivo possui condições de efetuar o pagamento integral dos débitos, no prazo de 5 (cinco) anos, sem descontos.
§ 1º Quando a capacidade de pagamento não for suficiente para liquidação integral de todo o passivo fiscal e do FGTS, nos termos do caput, os prazos ou os descontos serão graduados de acordo com a possibilidade de adimplemento dos débitos, observados os limites previstos na legislação de regência da transação.
§ 2º Havendo mais de uma pessoa física ou jurídica responsável, conjuntamente pelo débito, a capacidade de pagamento do grupo poderá ser calculada mediante a soma da capacidade de pagamento individual de cada integrante do grupo econômico.
44. Sendo a atribuição para fixação de critérios e parâmetros uma atribuição da PGFN e tendo esta fixado que ela será uniforme no âmbito da Administração Tributária Federal, devem ambos os órgãos, nas tratativas para celebração de transações de seus créditos, observar a mesma métrica desenvolvida para estimação da capacidade de pagamento e os mesmos critérios que indicam irrecuperabilidade presumida (os últimos, indicados na Portaria PGFN nº 6.757/2022). [...]
46.A esse respeito, embora a Portaria RFB nº 247, de 2022, tenha andado bem ao revogar expressamente e não repetir as disposições da Portaria nº 208, de 2002, que tratavam da Capacidade de Pagamento, a nova norma persiste em invasão de atribuição legal do Procurador- Geral da Fazenda Nacional além de agir desamparada de qualquer permissivo legal ao classificar a irrecuperabilidade de créditos.
47.É necessário rememorar: o parágrafo único do art. 14 da Lei nº 13.988, de 2022, atribui ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional a disciplina dos critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas.
48.A despeito da clareza da norma, o art. 17, § 2º, da Portaria RFB nº 247, de 2022, houve por bem assentar que:
§ 2º Consideram-se irrecuperáveis os créditos tributários em contencioso administrativo há mais de 10 (dez) anos, observados como parâmetros:
I - o período de cobrança dos débitos;
II - a baixa expectativa de priorização de julgamento;
III - a baixa perspectiva de êxito das estratégias administrativas e judiciais de cobrança; e IV - o custo da cobrança administrativa e judicial.
49. Trata-se de dispositivo sem qualquer respaldo nas normas regentes dos créditos públicos e, por isso mesmo, de elevada gravidade. Tal como está, com origem em autoridade sem atribuição legal para dispor sobre grau de recuperabilidade de créditos, essa norma não apenas fere a Lei nº 13.988, de 2022, como também cria problemas de ordem orçamentária.
50. Os créditos irrecuperáveis são desreconhecidos como haveres da União para fins do Balanço Geral da União (BGU) devendo ficarem conta de controle até sua extinção. Dada a organicidade do ordenamento jurídico, esses créditos não são considerados para fins do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme preceito da Lei Complementar n. 174, de 2020.
51. Ao criar critério de irrecuperabilidade sem arrimo em qualquer outro dispositivo de maior envergadura e, por isso mesmo, sem qualquer previsão legal que o admita, a implementação deste inovador dispositivo fragiliza as contas de governo e com potencial elevado de gera entraves frente aos comandos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
52. Ante o exposto, em face da Nota Conjunta Sutri/Suara/RFB nº 7, de 31 de outubro de 2022, da Portaria RFB nº 247, de 2022, e Portaria RFB nº 248, de 2022, ratifica-se o Parecer Conjunto SEI
n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116) para assentar a urgência de ajustamento dos atos relativos à transação tributária ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente ao disposto no art. 131 da Constituição Federal, na Lei Complementar nº 73, de 1993, e na Lei nº 13.988, de 2020.53. Ressalte-se que, conforme art. 24, VIII, do Decreto nº 9745, de 8 de abril de 2019, compete à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional fixar, no âmbito do Ministério, a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a serem uniformemente seguidos em suas áreas de atuação e coordenação.
54. Desse modo, considerando que este Parecer Conjunto expõe a existência de posicionamento jurídico divergente entre órgãos singulares do Ministério da Economia, sugere-se seja este ato submetido à apreciação do Senhor Ministro de Estado da Economia, para fins do art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
6. O expediente aportou em 13/01/2023 nesta Consultoria-Geral, com distribuição para o Advogado da União que firma este Parecer no dia 16/01/2023.
7. Verificamos a ausência nos autos do Parecer Conjunto SEI n.63/2022/ME, muitas vezes referenciado no PARECER CONJUNTO SEI Nº 78/2022/ME, razão pela qual solicitamos ao Apoio Administrativo a sua obtenção e respectiva juntada aos autos.
8. A instrução foi complementada no dia 27/01/2022, com a juntada do opinativo em comento no sequencial 14, em relação ao qual, em face de haver diversos pontos de seu texto já trasladados no PARECER CONJUNTO SEI Nº 78/2022/ME, mencionamos apenas os excertos de maior relevo:
4. À propósito do assunto, na oportunidade da análise do Projeto de Lei de Conversão no 12/2022, que deu origem à Lei no 14.375, de 2022, a Adjuntoria da Dívida Ativa da União e do FGTS assim consignou, por meio do PARECER SEI No 9421/2022/ME:
8. No que tange ao primeiro grupo de alterações, o PLV atribui competência também à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil para formular transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal, o que deve se dar observando-se os preceitos da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar no 73/1993), ou seja, respeitando-se, mutuamente, as competências atribuídas pela legislação de regência.
[...] como consta expressamente dos arts. 10-A e 13, a ampliação da possibilidade de transação tributária por proposta individual ou por adesão para créditos em contencioso administrativo fiscal deverá ser realizada mediante observância da Lei no Complementar no 73, de 1993, o que assegurará a observância a critérios de governança estabelecidos pelo órgão competente para a representação extrajudicial da União, o que inclui a atribuição para transigir sobre direitos.
[...]39. Isto porque a competência para definição de parâmetros envolvendo negociação de dívidas, por implicar transação de direitos da União, é de competência privativa da Advocacia-Geral da União, a teor do art. 131, da Constituição Federal e dos arts. 4o, VI e 12, V, da Lei Complementar no 73, de 1993.
[...]
45. Adicionalmente, a realização de transação com base em critérios de recuperabilidade por dois órgãos que integram o mesmo fluxo procedimental é inapropriada. Isto porque, como os órgãos de fiscalização não podem praticar atos de cobrança forçada, mas apenas de cobrança amigável, é evidente que um crédito poderá ser irrecuperável para o referido órgão e recuperável para os órgãos encarregados da cobrança forçada.
46. Com efeito, um devedor que não seja sensível ao CADIN ou à negativa de certidão de regularidade poderá ser sensível às medidas que somente existem na fase de contencioso judicial (ex: serasa, spc, protesto, averbação pré-executória, bloqueio de bens, execução judicial, etc). Dessa forma, a transação se tornaria um instituto completamente disfuncional, com riscos sujeitos à atuação de órgãos de controle.
5. Segundo exposto anteriormente, portanto, tendo em vista o disposto no art. 131 da Constituição, cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, sendo esta atividade privativa de seus membros.
[...]
7. Portanto, as transações dos créditos tributários em contencioso administrativo fiscal devem observar as atribuições designadas à Advocacia-Geral da União, sobretudo a que estabelece ser privativa a atribuição de acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União (art. 4o, inc. VI, da LC 73/1993).
8. Ademais, soma-se a essa atribuição exclusiva aquelas indicadas nos incs. IV e V do art. 12 do mesmo diploma, que estabelecem competir à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional o exame prévio da legalidade de acordos e a representação da União nas causas de natureza fiscal, como forma de sedimentar a aderência dos normativos à legalidade e aos fins a que se destina a política pública da transação resolutiva de litígio.
9. Atento à impossibilidade de nenhum outro órgão poder promover a representação judicial e extrajudicial da União em substituição aos órgãos da Advocacia-Geral da União, o legislador ordinário estabeleceu que as transações na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal devem observar o que dispõe a Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993.
[...]
a) Contencioso administrativo fiscal: extrapolação do conceito legal [...]
22. Conclui-se, portanto, que o art. 5o da Portaria RFB no 208, de 2022, desbordou a competência regulamentar ao incluir as petições previstas na Lei no 9.784, de 1999, no conceito de “contencioso administrativo fiscal”, em contrariedade ao Decreto no 70.235, de 1972, ao § 2o do art. 56 do Decreto no 7.574, de 2011 e ao art. 24 da Lei no 13.988, de 2020.
23. Neste caso, vale registrar, a concessão de eventual desconto que transborde a previsão legal implicará renúncia de receita, com consequente violação à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar no 101/2000).
[...]
c) Aferição do grau de recuperabilidade das dívidas [...]
37. Pretendeu o legislador atribuir a apenas uma autoridade, integrante do órgão da Advocacia Pública e, por isso, detentora da legitimidade para reconhecer os limites das disposições de direitos que integrarão o conjunto de concessões recíprocas que embasará a formalização das transações, a competência para aferição do grau de recuperabilidade dos créditos elegíveis à transação, como forma de garantir governança no procedimento de identificação de hipóteses de redução.
[...]
39. O chamamento legislativo decorre, como frisado acima, do inarredável papel da advocacia pública federal na representação judicial e extrajudicial da União e da necessidade de uniformidade, por parte da Administração Pública, nos critérios de concessão de descontos e celebração de transação.
40. A lei invocou ato do chefe do órgão de representação jurídica da União em matéria fiscal para disciplinar tais critérios, atribuindo-lhe - e a ele só - a competência para estabelecer os parâmetros a serem utilizados na negociação com o contribuinte. Trata-se, vale frisar uma vez mais, de medida que dá concretude ao comando constitucional que garante apenas ao órgão jurídico os poderes de representação do ente e, por conseguinte, lhe assegura, com exclusividade, a capacidade de estabelecer balizas para que atos de disposição de direitos sejam validamente realizados.
41. A seu turno, ignorando a previsão legal, ainda que com repetição das normas trazidas pela Portaria PGFN no 6.757, de 2022, a Portaria RFB no 208, de 2022, dedica seu Capítulo II ao tratamento da Capacidade de Pagamento e sua revisão, estabelecendo hipóteses de irrecuperabilidade presumida em confronto com as normas estabelecidas pela PGFN.
42. Independentemente de seu teor, o Capítulo II da Portaria RFB no 208, de 2022, em flagrante usurpação de atribuição do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, incorre em vício de legalidade porque editada por autoridade sem atribuição legal para tanto.
9. É a síntese do necessário.
10. Emergem dos textos reproduzidos neste opinativo três questões apresentadas como controvertidas entre PGFN e RFB: i) a necessidade ou não de submissão das transações tributárias à PGFN e os seus respectivos fundamentos legais; ii) o conceito de contencioso administrativo fiscal para fins de transação; e iii) a autoridade competente para o estabelecimento do grau de recuperabilidade dos créditos para fins de transação tributária.
11. Consoante a literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 73/93, atribuem-se à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional as atividades de "consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito do Ministério da Fazenda e seus órgãos autônomos e entes tutelados". Bem por isso, entende-se a questão somente deve ser avaliada por esta Consultoria- Geral e por este Departamento no caso de evidente interesse direto da Advocacia-Geral da União, que transcenderia a discussão posta nos autos, por sua dimensão. No caso concreto, a representação extrajudicial da instituição como um todo considerada é matéria relevante e transversal, que diz respeito à toda a AGU e seus membros, de maneira a reclamar a manifestação deste órgão. A presença dessa transversalidade, enfatize-se, a desbordar do caso concreto, é necessária, inclusive, para a abertura do plexo competencial deste Departamento.
12. Sobre as atribuições do DECOR, há ainda a vigente Portaria Normativa n. 24/2021:
Art. 9º Compete ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos:
I - coordenar e orientar a atuação das Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios ou órgãos equivalentes e das Consultorias Jurídicas da União nos Estados e no Município de São José dos Campos, mediante resolução de controvérsias de ordem jurídica para fins de uniformização da jurisprudência administrativa;
II - identificar e propor preventivamente a uniformização de orientação jurídica de questões relevantes e transversais existentes nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, inclusive mediante a atuação das Câmaras Nacionais sob sua supervisão;
III - elaborar manifestações jurídicas para uniformização de controvérsias entre os órgãos jurídicos subordinados à Consultoria-Geral da União e os órgãos integrantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil, da Procuradoria-Geral da União, da Secretaria-Geral de Consultoria, da Secretaria-Geral de Contencioso e da Corregedoria-Geral da Advocacia da União;
IV - propor a edição de orientações normativas destinadas a uniformizar a atuação dos órgãos consultivos;
V - submeter à aprovação superior pareceres para os fins do art. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993;
VI - elaborar manifestações para dirimir os conflitos não solucionados no âmbito da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Federal, para os fins do disposto no § 1º do art. 36 da Lei nº 13.140, de 2015, nos casos em que houver controvérsia de ordem estritamente jurídica entre órgãos da Advocacia-Geral da União ou a ela vinculados;
VII - articular-se com os órgãos de representação judicial da União para a uniformização e a consolidação das teses adotadas nas atividades consultiva e contenciosa; e
VIII - solicitar, se necessário, manifestações jurídicas de órgãos da Advocacia-Geral da União ou a ela vinculados para análise de processos, podendo fixar prazo para atendimento.
13. O Decreto n. 1.328/2023 parece ter recepcionado a Portaria Normativa n. 24/2021 e não suprimiu a necessidade de que existam questões relevantes e transversais para a atuação do DECOR. No nosso ponto de vista, o inciso III do art. 39 apenas abriu a possibilidade de que tais questões também sejam resolvidas mediante a atuação de câmaras nacionais temáticas, não mitigando ou suprimindo a possibilidade da atuação ordinária, desvinculada das câmaras nacionais.
14. Nessa linha concatenada de ideias, se a ratio dinamizadora do envio dos autos à Advocacia-Geral da União reside no fato de que "a questão tangencia discussão acerca dos contornos constitucionais da atuação da própria Advocacia-Geral da União e a representação extrajudicial do ente, suas autarquias e fundações", parece-nos que não existe razão para que aqui se analise a segunda questão controvertida, relacionada ao conceito de contencioso administrativo fiscal e seus respectivos efeitos. Essas questões estão bem definidas intramuros no âmbito do Ministério da Fazenda e não vemos espaço para, com alicerce na justificativa constante da remessa do expediente para AGU, haver reanálise. Quanto a elas, ademais, não há abertura do plexo competencial do DECOR, nos estritos termos da Portaria normativa n. 24/2021.
15. Noutro giro, no que toca à necessidade de submissão da transação à PGFN, bem como à autoridade competente para a fixação do grau de recuperabilidade do crédito, considerando que as teses apresentadas se relacionam à função de representação extrajudicial outorgada à AGU e coincidem com exatidão às razões de envio do expediente, há pressupostos lógicos e jurídicos que recomendam a manifestação desta Consultoria-Geral e se faz presente a transversalidade necessária à manifestação por parte do DECOR.
16. Esclarecidos esses pontos, passa-se à análise da vexata quaestio.
2.2 Principais dispositivos legais atinentes ao tema
17. Por oportuno, eis os principais dispositivos legais atinentes à temática em voga:
CF
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
LC 73/93
Art. 1º - A Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente.
Parágrafo único. À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo, nos termos desta Lei Complementar.
[...]
Art. 12 - À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:
[...]
IV - examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promover a respectiva rescisão por via administrativa ou judicial;
V - representar a União nas causas de natureza fiscal.
[...]
Art. 13 - A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional desempenha as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito do Ministério da Fazenda e seus órgãos autônomos e entes tutelados.
CC
Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.
CTN
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
[...]
III - a transação
[...]
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.
Lei 13.988/2020
Art. 1 º Esta Lei estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária.
§ 1º A União, em juízo de oportunidade e conveniência, poderá celebrar transação em quaisquer das modalidades de que trata esta Lei, sempre que, motivadamente, entender que a medida atende ao interesse público.
[...]
Art. 10. A transação na cobrança da dívida ativa da União, das autarquias e das fundações públicas federais poderá ser proposta, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Procuradoria-Geral Federal, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, ou pela Procuradoria-Geral da União, em relação aos créditos sob sua responsabilidade.
Art. 10-A. A transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, observada a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022)
[...]
Art. 13. Compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional, quanto aos créditos inscritos em dívida ativa, e ao Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, quanto aos créditos em contencioso administrativo fiscal, assinar o termo de transação realizado de forma individual, diretamente ou por autoridade delegada, observada a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)
§ 1º A delegação de que trata o caput deste artigo poderá ser subdelegada, prever valores de alçada e exigir a aprovação de múltiplas autoridades. § 2º A transação por adesão será realizada exclusivamente por meio eletrônico.
Art. 14. Compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e no art. 131 da Constituição Federal, quanto aos créditos inscritos em dívida ativa, e ao Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, quanto aos créditos em contencioso administrativo fiscal, disciplinar, por ato próprio: (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)
[...]
Parágrafo único. Caberá ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional disciplinar, por ato próprio, os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação da transação individual e a concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022)
2.3 Sinopse da transação tributária e os múltiplos enfoques doutrinários
18. A transação, no âmbito do direito privado, consiste em um negócio jurídico caracterizado por concessões recíprocas, visando a prevenir ou encerrar um litígio (CC, art. 840).
19. A natureza jurídica do instituto, para Maria Helena Diniz, é sui generis, por consistir em uma modalidade de negócio jurídico "que se aproxima do contrato (RT, 277:266; RF, 117:407), na sua constituição, e do pagamento, nos seus efeitos, por ser causa extintiva de obrigações, possuindo dupla natureza jurídica: a de negócio jurídico bilateral e a de pagamento indireto." (DINIZ, 2022, p.1138)
20. A despeito dessa posição, conquanto houvesse alguma divergência acerca de sua natureza jurídica, se contratual ou forma de pagamento indireto, o Código Civil, "reconhecendo a natureza contratual da transação, retira-a do elenco de meios indiretos de pagamento para incluí-la no título dedicado às 'várias espécies de contratos'." (GAGLIANO, 2017, p.1181)
21. No mesmo sentido, Paulo Lôbo:
"A transação é o contrato no qual duas pessoas (transatores) resolvem encerrar litígio existente entre elas, ajuizado ou não, mediante concessões recíprocas. A transação pressupõe necessariamente a existência de uma relação entre as partes que transigem, a divergência e a vontade de resolvê-la, sem se aguardar decisão judicial. A transação substitui a decisão judicial ou arbitral e tem força equivalente à coisa julgada. São seus requisitos: acordo de vontades, litígio potencial ou instalado e concessões de parte a parte." (LÔBO, 2022, p.1095)
22. Já na esfera do direito público, Código Tributário Nacional acomoda a transação tributária na mesma prateleira de outras modalidades de extinção do crédito tributário:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e
149.
23. Na literatura há múltiplas visões acerca da natureza jurídica da transação tributária e de seus delineamentos. Regina Helena Costa, por exemplo, afasta da transação tributária a natureza contratual e afirma que, no âmbito tributário, ela somente se presta a encerrar litígios já existentes:
"A transação, no campo tributário, ostenta perfil bem diferente. A começar porque, por óbvio, não possui natureza contratual, como expressa o art. 171, CTN:
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso. Também, a transação no âmbito fiscal somente pode ser terminativa de litígio, o qual, a nosso ver, tanto pode ser de natureza judicial ou administrativa." (COSTA, 2022, p.524)
24. Leandro Paulsen aduz, consoante a literalidade do CTN, que a transação é uma forma de extinção do crédito tributário que depende de lei autorizativa para cada um dos entes políticos:
"A transação é a prevenção ou terminação de um litígio mediante concessões mútuas, nos termos do art. 840 do Código Civil. É da sua essência, portanto, que ambas as partes cedam em alguma medida e que, com isso, se coloque fim a um conflito de interesses.
Embora o art. 841 do Código Civil estabeleça que só se permitiria a transação quanto aos direitos patrimoniais de caráter privado, o CTN, que é norma geral de Direito Tributário com nível de lei complementar, prevê a transação como modo de extinção do crédito tributário.
Dispõe o CTN: “Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em terminação de litígio e consequente extinção de crédito tributário”. E complementa: “Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.
A transação, portanto, é possível em matéria tributária, mas depende de lei de cada um dos entes políticos, relativamente aos seus próprios créditos tributários, que, estabelecendo as condições a serem observadas, a autorize." (PAULSEN, 2022, p.709)
25. Luís Eduardo Schoueri enxerga na transação tributária a existência de novação:
"O raciocínio deve ser claro: a transação implica novação. Uma vez concluída, ela extingue o crédito tributário, por força do artigo 171 do Código Tributário Nacional. O que surge em seu lugar é um novo crédito, resultado da transação. Claro que esse crédito tem natureza pública, mas seu “fato gerador” é a própria transação." (SCHOUERI, 2022, p.2101)
26. Onofre Alves Batista (2002) defende que a transação tributária é um contrato de direito público.
27. Há quem advogue, como Natália Dacomo (2008), a configuração de um ato administrativo participativo.
28. Beatriz Biaggi Ferraz (2018), em extensa dissertação de mestrado sobre o tema, aponta a natureza tríplice da transação tributária, integrada por características, ao mesmo tempo, de ato administrativo e contrato fiscal, culminando na extinção do crédito tributário.
29. A doutrina também diverge a respeito de a transação efetivamente extinguir ou não o crédito tributário. Heleno Torres (2003), por exemplo, explica que a transação não é meio apto a promover a extinção do crédito tributário, sendo tão somente uma forma solução de conflitos voltada ao término de litígios. O crédito seria extinto, portanto, em um momento cronologicamente subsequente, o do cumprimento das obrigações assumidas na transação.
30. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também parece apontar que não é a transação em si mesma considerada suficiente para provocar a extinção do crédito tributário, ocorrendo e extinção com o cumprimento dos termos transacionados:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EFEITO CONDICIONADO AO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. TESE RECURSAL DEFICIENTE. INADMISSIBILIDADE.
(...)
3. Isso porque, à luz do art. 156 e 171 do CTN, não basta a celebração da transação para a extinção do crédito tributário, o que ocorre com o cumprimento das obrigações impostas pela legislação de regência. E, nesse contexto, se a legislação, ao tratar da "transação excepcional", estabelece os critérios, como a quitação da dívida tributária, de forma parcelada (art. 11 da Lei n. 13.988/2020, combinado com o art. 9º, inc. I, da Portaria PGFN n. 14.402/2020), não há como se compreender como a parte pretende extinguir o crédito tributário sem cumprir, até o fim, o que foi acordado.
(AgInt no REsp n. 1.997.435/AL, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 26/10/2022.)
31. Independentemente da natureza jurídica do instituto, Nunes (2022, p.821) argumenta que, na transação, "Fazenda e sujeito passivo deverão renunciar às suas expectativas de direito, visando a composição do litígio, porque não valerá a pena para ambos manter a discussão."
32. Demais disso, não se pode perder de vista, seja qual for a natureza jurídica atribuível, que a existência de concessões recíprocas pelo particular e pelo Estado é uma característica intrínseca à transação tributária, que lhe compõe a essência, de maneira a não haver espaço para menosprezar essa peculiaridade em qualquer análise que se faça a seu respeito.
33. Acerca desse predicado, Ricardo Lobo Torres sublinha a característica sempre presente da reciprocidade das concessões:
A transação implica no encerramento do litígio através de ato do sujeito passivo que reconhece a legitimidade do crédito tributário, mediante concessão recíproca da Fazenda Pública. O objetivo primordial da transação é, por conseguinte, encerrar o litígio, tornando seguras as relações jurídicas. O seu requisito essencial é que haja direitos duvidosos ou relações jurídicas subjetivamente incertas. Para que se caracterize a transação torna-se necessária a reciprocidade de concessões, com vista ao término da controvérsia (TORRES, 2006, p. 298)
34. Esclarecidos esses pontos, pode-se afirmar que a transação está há muito contemplada no Código Tributário Nacional como forma de extinção do crédito tributário. O art. 171 estabelece que a lei pode facultar, "nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário", devendo ainda a norma indicar autoridade competente para autorizar a transação.
35. A despeito da autorização genérica do CTN, na esfera federal, foi somente a Lei n. 13.988/2020 que conferiu concretude à possibilidade de realizar-se a transação, na qual se previa, no art. 13, que competia ao Procurador- Geral da Fazenda Nacional, diretamente ou por autoridade por ele delegada, assinar o termo de transação realizado de forma individual.
36. A Lei nº 14.375/2022 modificou a Lei n. 13.988/2020 em inúmeros dispositivos, permitindo a transação de débitos discutidos administrativamente. Destaquem-se o novel art. 10-A e a redação conferida ao art. 13:
Art. 10-A. A transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, observada a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
[...]
Art. 13. Compete ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional, quanto aos créditos inscritos em dívida ativa, e ao Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, quanto aos créditos em contencioso administrativo fiscal, assinar o termo de transação realizado de forma individual, diretamente ou por autoridade delegada, observada a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
37. Visto isso, passemos, no tópico subsequente, aos argumentos expendidos pelos órgãos interessados.
2.4 Exame dos argumentos da PGFN e da RFB: A representação extrajudicial da União, o exame preventivo de legalidade e a fixação dos critérios de recuperabilidade do crédito
38. Feita essa breve introdução, necessário rememorar os argumentos expostos por ambos os órgãos. De um lado, a PGFN assevera ser sua a competência para atuar na análise da legalidade da transação tributária realizada pela RFB, pois essa missão derivaria de sua condição de representante da União na esfera extrajudicial (CF, art. 131 c/c LC/73, art. 1º), bem como de sua competência de realizar a atividade de consultoria jurídica no âmbito do Ministério da Economia (LC n. 73/93, art. 12, IV). De outro, a RFB aponta como sua a atribuição para realizar a transação, independentemente de manifestação quanto à legalidade do ato pelo respetivo órgão de consultoria, argumentando que: i) a representação extrajudicial dos interesses públicos defendidos pela PGFN e pela Advocacia-Geral da União (AGU) deve ser interpretada como possível somente "em questões que não estejam inseridas nas atribuições regulares do funcionamento ordinário" de outro órgão; ii) haveria ofensa ao inciso XVIII do art. 37 da CF, "a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei"; e iii) tornaria mais burocrática a transação.
39. Pois bem, incumbe verificar a validade, à luz da hermenêutica jurídica, das razões lançadas pelos órgãos. Entre aquelas apresentadas, somente não será objeto de análise a elencado pela Receita no sentido de que o exame da juridicidade do ato por parte da PGFN tornaria a transação mais burocrática, uma vez que não se trata de argumento de índole jurídica, a escapar, portanto, da cognoscibilidade ordinária desta Consultoria-Geral.
40. O argumento de que a administração fazendária teria precedência constitucional sobre os demais setores administrativos também não carece de maiores digressões jurídico-intelectuais. É que, primo ictu oculi,não guarda relação de pertinência com as competências próprias do órgão ou da PGNF, nem tampouco com a possibilidade de a administração tributária eventualmente sublimar ou desapossar as competências legais de outros órgãos. A própria norma constitucional invocada declara expressamente que a referida precedência ocorrerá sempre "dentro de suas áreas de competência e jurisdição", de maneira que dela não é possível extrair os efeitos jurídicos pretendidos pela Receita.
41. E essa precedência refere-se, principalmente, à destinação de instrumentos e recursos que permitam o pleno e desembaraçado exercício do mister de arrecadar tributos, visando ao adequado funcionamento da máquina pública.
42. Não fosse isso suficiente, trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, dependente de lei, portanto, para atribuir à norma o potencial de produzir todos os efeitos que dela se espera.
43. No que concerne à representação, o mais expressivo debate a respeito do tema, sabe-se que ela é o fenômeno jurídico pelo qual determinada pessoa está autorizada a criar, modificar ou extinguir direitos da titularidade de outra, podendo resultar da lei ou da vontade das partes.
44. A representação judicial e extrajudicial da União pela AGU é ex lege e ex constituitionis . O art. 131 da Carta é explícito:
Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
45. Previsão do mesmo quilate inaugura o texto da Lei Complementar n. 73/1993:
Art. 1º - A Advocacia-Geral da União é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente.
46. Como se observa, a representação ou presentação (o debate acerca de tratar-se de um ou de outro é impertinente para a resolução da controvérsia) judicial e extrajudicial da União pela AGU e seus respectivos membros dimana imediatamente da própria Lex Fundamentalis (CF, art. 131). Dessa forma, para nós, não existe no mundo jurídico ato normativo abaixo da Constituição hábil a atribuir a outro órgão ou suprimir a tarefa de representar a União, quando, de fato, se esteja diante de hipótese que lhe dê ensejo.
47. Ademais, ainda na nossa visão, o legislador não fez qualquer ressalva ou distinção acerca do alcance dessa representação. Desse modo, no que concerne a quem detém a atribuição para representar extrajudicialmente a União, incide o axioma ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus, isto é, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. Isso faz com que seja juridicamente impróprio o argumento de que a atribuição ordinária de uma tarefa a determinado órgão tivesse a força de suprimir ou mitigar o mandamento constitucional. Houvesse norma nesse sentido, haveria incompatibilidade material entre ela e a Carta.
48. A mesma compreensão é compartilhada pelo Advogado-Geral da União na Orientação Normativa n. 28, de 9 de abril de 2009:
A COMPETÊNCIA PARA REPRESENTAR JUDICIAL E EXTRAJUDICIALMENTE A UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS, BEM COMO PARA EXERCER AS ATIVIDADES DE CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO JURÍDICO DO PODER EXECUTIVO FEDERAL, É EXCLUSIVA DOS MEMBROS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E DE SEUS ÓRGÃOS VINCULADOS.
49. Já dispunha dessa maneira o Parecer no GQ - 163, aprovado pelo Presidente da República:
III - A REPRESENTAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL DA UNIÃO REPRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL - COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA AGU
20. A representação judicial e extrajudicial da União é tão importante que o constituinte de 1987-1988 a erigiu em matéria constitucional, criando, na Carta atual, uma instituição destinada a esta relevante função. Dispõe a Constituição Federal:
"Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
[...]
22. A representação judicial e extrajudicial da União, diz a Carta no art. 131, caput, compete à Advocacia-Geral da União - AGU. A Constituição não prevê qualquer exceção. Em nenhum de seus artigos - nem expressa nem implicitamente - se encontra permissão para que outra Instituição ou mesmo alguma autoridade possa representar judicial e extrajudicialmente a União. Logo, só a Advocacia-Geral da União tem competência para a representação judicial e extrajudicial da União Esta competência é, conseqüentemente, exclusiva, quer dizer, própria da Advocacia-Geral da União, é peculiar à Instituição, com exclusão de qualquer outra instituição, de qualquer outro órgão, de qualquer autoridade que não integre a AGU.
50. A respeito do tema, há de se enfatizar a existência de dois pareceres de caráter vinculante, isto é, aprovados pelo Presidente da República nos termos do art. 40, §1º, da LC n. 73/1993, editados mais recentemente. O Primeiro deles é o Parecer JT-04, do qual destaco a excerto da ementa segundo a qual a representação extrajudicial da União "é exercida pela Advocacia-Geral da União, com exclusividade, quando se relacionar com a defesa dos interesses da União ou de seus órgãos perante as esferas extrajudiciais". Do seu corpo, impender trasladar os seguintes excertos, ad litteris et verbis:
31. A questão da representação extrajudicial da União já foi objeto de manifestação desta Consultoria-Geral da União. Trazem-se excertos da Nota no AGU/MS 17/2004 por fornecerem substrato suficiente para clarificar a questão, in verbis:
3. Agora, os autos me são encaminhados novamente para um exame mais aprofundado da expressão "representação extrajudicial da União", com o intuito de se definir sua abrangência em relação às atribuições da Advocacia-Geral da União.
[...]
5. Outrossim, reitere-se o teor das conclusões já aprovadas quando da análise da nota precedente, no que importa para o estudo presente
:- cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, bem como as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo;
- as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos desenvolvidas pela AGU se destinam apenas ao Poder Executivo;
- a representação extrajudicial de todos os Poderes da União é feita pela AGU, assim como a judicial.
6. Repita-se também o que se extrai da doutrina acerca do significado semântico da expressão "representação extrajudicial", conforme já assentado na nota anterior:
6. Resta ainda definir o que vem a ser a representação extrajudicial da União. Para De Plácido e Silva, representação "é a instituição, de que se derivam poderes, que investem uma determinada pessoa de autoridade para praticar certos atos ou exercer certas funções, em nome de alguém ou em alguma coisa"10, enquanto extrajudicial "é locução empregada para designar os atos, que se fazem ou se processam fora do juízo, isto é, sem a presidência do juiz... indica o mandato que é dado e passado para negócios ordinários, fora da ação judicial"11.
7. Para os advogados públicos, o mandato para atuar extrajudicialmente em nome da pessoa jurídica de direito público lhes é outorgado pela lei, no caso, a própria Constituição. Não obstante, não há que se confundir a representação extrajudicial da União com a sua representação legal e política, as quais são exercidas, dentro de suas competências, pelo Presidente da República e Ministros de Estado, pelo Procurador-Geral da República, pelos Presidentes dos Tribunais da União e dos Conselhos de Justiça, pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, ou por quem vier a recebê-las por delegação destes, nos termos da lei.
8. Destarte, não se compreende como atribuição exclusiva da AGU definida no artigo 131 da Carta de 1988 a representação legal e política da União, as quais competem aos chefes de Poder e seus auxiliares, representados, no âmbito do Poder Executivo, pelos Ministros de Estado (CF, artigo 76). Lembre-se, todavia, que o Advogado-Geral da União também é Ministro de Estado (Lei nº 10.683/2003, artigo 25, parágrafo único), ou seja, possui representação legal e política da União em relação às atividades de administração dos órgãos e serviços da própria AGU.
9. Assim, quando da assinatura de contratos, acordos, convênios e termos, ou quando da participação em assembléias por exemplo, em que as Casas do Legislativo, a Corte de Contas, os Tribunais, a Presidência da República, os Ministérios e seus órgãos representem, dentro de suas competências legais, a União, não se faz necessária a ação exclusiva da Advocacia-Geral da União, cuja atuação, nesses casos, em verdade, especificamente em relação ao Poder Executivo, precede à formalização desses atos, pois se direciona à prévia consultoria jurídica do administrador público a ser feita pelo respectivo órgão jurídico responsável, o que se aplica também aos Poderes Legislativo e Judiciário, dotados de órgãos próprios para a realização desse fim. Como visto, esses atos somente precisam ser da competência da AGU, em caráter excepcional, quando digam respeito à administração da própria AGU ou dos serviços jurídicos da União em sentido amplo, ou quando lhe tenham sido delegados.
10. Logo, via de regra, as funções reservadas com exclusividade à Advocacia-Geral da União pela Constituição quanto à representação extrajudicial da União se limitam, até por sua finalidade institucional, apenas às questões jurídicas relacionadas à administração pública federal, não incluindo as atividades de administração ordinária afetas a cada Poder, Ministério ou órgão em sua área de atuação legal.12 (grifou-se)
32. Para complementar a análise, traz-se trecho do Despacho do Consultor-Geral da União no 204/2005 que aprovou a Nota suso transcrita, et litteris: 5. [...] Assim, independentemente de possuírem ou não personalidade jurídica própria que os habilite a irem a juízo, os diversos órgãos ou entidades dos diferentes poderes podem relacionar-se mutuamente e diretamente nos limites da sua competência administrativa e através de seus representantes legais, devendo estes responderem pelos encargos respectivos e comprometerem-se com as conseqüências correspondentes. Por tal razão, tais órgãos ou entidades têm agentes que exercem representação extrajudicial perante outros, embora essa não seja a representação extrajudicial da União a qual só se revelará quando a União, como entidade e independentemente dos seus órgãos e instituições - ou perante terceiros particulares ou perante Estados, Municípios e o Distrito Federal, ou tribunais administrativos ou organismos respectivos e até mesmo perante organismos públicos ou privados ou assembléias e conselhos públicos ou privados de que participe com capital ou interesse - tenha de se fazer presente ou manifestar a sua vontade como Estado nacional ou como Federação fora dos juízos do Poder Judiciário.
[...] 7. Para tanto, parece possível assentar que a atuação extrajudicial da União pela AGU não prescinde da prévia atuação dos representantes legais dos diferentes órgãos ou instituições dos três Poderes, dentro das suas respectivas atribuições e competências enquanto órgãos públicos. 8. Assim, porque, repita-se, o dirigente de instituição ou órgão integrante da Administração dos três Poderes da União tem, legalmente a representação respectiva no âmbito de sua atribuição e competência sem prejuízo da posterior representação judicial e extrajudicial da União pela Advocacia-Geral da União quando for o caso. Daí a peculiaridade de que, entre uns e outros ou entre administração direta dos Poderes e indireta, a relação é entre órgãos representados por seus representantes legais, só surgindo espaço para a representação extrajudicial da União (pela AGU) quando a pessoa jurídica de direito público tiver de manifestar-se como tal. Enquanto pendentes diligências, ou instrução de processo administrativo, atua a Administração assim entendidos os órgãos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário como estabelece o art. 1º e § 1º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Aliás, essa lei, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal lança evidente esclarecimento sobre o assunto, de modo a deixar patente que são os respectivos órgãos ou administração própria por seus diretores que imediatamente defendem os respectivos interesses, pedindo o assessoramento jurídico (se do Poder Executivo) à AGU, quando verificada a hipótese de comprometimento da União ou entidade Autárquica como tal.
9. Parece certo, portanto, que a representação extrajudicial da União (tal como prevista nos arts.
131 da Constituição e 1º L. C. 73/93) não compreende a representação legal de órgãos ou entidades que se vejam envolvidos em processo administrativo para o que contam com seus próprios assessores técnicos ou o assessoramento jurídico das Consultorias Jurídicas dos Ministérios ou Núcleos de Assessoramento Jurídico para o Executivo, ou assessores jurídicos junto aos órgãos do Legislativo e Judiciário. A representação extrajudicial da União, pela AGU, fica reservada para a defesa dos interesses dela ou de seus órgãos perante Tribunais (Tribunal de Contas, por exemplo) ou Conselhos de contencioso administrativo ou quando o interesse de parte é da União não do órgão.13 (grifou-se)
33. De todo o exposto verifica-se que a Advocacia-Geral da União é representante extrajudicial da União. Entretanto, esta representação pode não ser exercida de forma exclusiva e, dependendo da situação em concreto, pode até mesmo não ser necessária, podendo ser exercida nestas situações diretamente por agentes públicos titulares dos seus respectivos órgãos ou que detenham poderes delegados para tanto.
34. Todavia, para firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta, uma vez que o objetivo deste instrumento é evitar demanda judicial ou, caso já proposta, por termo a contenta judicial e que, como dito, implicará em um gravame para a União, faz-se necessário que haja a intervenção da Advocacia-Geral da União, concomitantemente com o agente público titular do órgão compromissário, para que sejam antevistas todas as implicações e repercussões que a assinatura do referido instrumento implicará.
51. Esse opinativo assevera, em certo ponto, que a "representação pode não ser exercida de forma exclusiva e, dependendo da situação em concreto, pode até mesmo não ser necessária, podendo ser exercida nestas situações diretamente por agentes públicos titulares dos seus respectivos órgãos", em aparente contradição com o que está consignado na própria ementa do opinativo. No entanto, consoante transparece do corpo do texto, o que não se reveste de exclusividade é a representação legal (não judicial ou extrajudicial) dos órgãos, permitindo-se aos gestores "assinatura de contratos, acordos, convênios e termos, ou quando da participação em assembléias", sendo atuação da AGU necessária, "em caráter excepcional, quando digam respeito à administração da própria AGU ou dos serviços jurídicos da União em sentido amplo, ou quando lhe tenham sido delegados". Assim, reza o texto que "as funções reservadas com exclusividade à Advocacia-Geral da União pela Constituição quanto à representação extrajudicial da União se limitam, até por sua finalidade institucional, apenas às questões jurídicas relacionadas à administração pública federal, não incluindo as atividades de administração ordinária".
52. Por isso, a representação extrajudicial propriamente dita, nos termos previstos na Lex Fundamentalis e na LC n. 73/93, é exclusiva. Sem embargo, a despeito dessa característica, não há que se falar em representação extrajudicial no desempenho das funções ordinárias pelos órgãos do Executivo. Não por ser essa espécie de representação dispersa e fluida entre outros órgãos e carreiras, mas simplesmente por tratar-se de fenômeno jurídico diverso daquele concebido pela Constituição Federal.
53. Trazendo algumas alterações no parecer antecedente (ambos se referiam à celebração de TAC), calha trazer à colação, por absoluta pertinência, os contornos jurídicos da representação extrajudicial da União desenhados no Parecer nº 00076/2021/DECOR/CGU/AGU, de 18 de dezembro de 2021 e no respectivo Despacho nº 0003/2022/DECOR/CGU/AGU, de 05 de janeiro de 2022, tornados vinculantes após a chancela presidencial. Consta do despacho de aprovação do parecer, ad litteris et verbis:
Esta premissa - competência constitucional de representação (jurídica), em juízo e extrajudicialmente, da Administração (Art. 131), determina em regra a desnecessidade de subscrição de termos de ajustamento de conduta por membros da Advocacia-Geral da União, ou de seus órgãos vinculados, nas hipóteses em que o instrumento se perfectibiliza na esfera estritamente administrativa, ou seja, nos casos em que a Administração Pública se faz presentar diretamente pelas autoridades administrativas responsáveis no âmbito dos órgãos ou entidades competentes, não havendo, nessas hipóteses, a obrigatoriedade de firma pelos membros da AGU, ou de seus órgãos vinculados, porém, também nesses casos, como já consignado, o parágrafo único do art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 1997, e o art. 10 do Decreto nº 9.830, de 2019, impõem o prévio exame jurídico acerca da legalidade do termo e a autorização para sua celebração pelo Advogado-Geral da União, observadas as delegações e subdelegações em vigor.
15. Confirma-se, pois, a vigência do Parecer JT-04, uma vez que seus fundamentos e conclusões, a despeito de anteriores à edição do art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 1997, e do art. 10 do Decreto nº 9.830, de 2019, estão em sintonia com estas disposições, cumprindo apenas aclarar e delimitar que a intervenção ou intercessão da AGU, ou de seus órgãos vinculados, nos termos de ajustamento de conduta não enseja necessariamente a subscrição ou firma do instrumento pelos membros competentes em todos os casos, observadas as delegações em vigor, uma vez que tal medida se faz necessária tão somente nas hipóteses em que a AGU atua na condição de representante jurídica em defesa dos interesses do órgão ou entidade e em foro judicial ou extrajudicial.
16. Por fim, resta confirmar e corroborar os termos e fundamentos do Parecer nº 55/2020/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Despacho nº 396/2020/DECOR/CGU/AGU, e pelos Despachos subsequentes das autoridades superiores da CGU/AGU (seqs. 14 a 18 do NUP 33910.026773/2019-21), parafraseando nos parágrafos subsequentes algumas das considerações e conclusões lançadas, que se relacionam com o objeto destes autos.
19. Evidentemente, porém, a intercessão da Advocacia-Geral da União, inclusive mediante assinatura dos termos de ajustamento de conduta, limita-se à promoção da representação (jurídica) da Administração no foro judicial ou extrajudicial, e a questões relacionadas à legalidade da celebração do termo de ajustamento de conduta, em estrito respeito às competências que lhe são atribuídas pelo art. 131 da Constituição Federal, e considerando que o próprio parágrafo único do art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 1997, determina que "manifestação sobre a viabilidade técnica, operacional e financeira das obrigações a serem assumidas em termo de ajustamento de conduta deve ser prestada pelo órgão administrativo competente.
54. Destarte, sem a pretensão de exaurir as hipóteses de representação extrajudicial, tem-se certo que ela ocorrerá nas situações em que seja necessária a participação de um profissional do direito em foro estranho ao Poder Judiciário, como ocorre, por exemplo, na atuação perante os tribunais arbitrais, bem como nas hipóteses em que seja necessária a manifestação de vontade do ente perante tribunais administrativos não integrantes do Poder Executivo Federal, como nos processos em curso perante o Tribunal de Contas da União.
55. Sob essa perspectiva, com todas as vênias, nem a posição da Receita, nem a da PGFN, nos estritos termos em que foram apresentadas, parecem revestir-se de juridicidade.
56. A da RFB, como já dissemos, não prospera porque não faz o legislador qualquer distinção quanto à abrangência da representação extrajudicial da União. É dizer, se houver hipótese, de fato, a ensejar a representação extrajudicial da União, ela somente pode ser exercitada pela AGU. E a da PGFN, por seu turno, ao menos quanto ao argumento de que a atividade de análise jurídica das transações dimanaria da sua exclusividade na representação judicial da União, não convence, pois a realização da transação tributária não é instituto que dê azo à modalidade de representação prevista na Lei Maior e na Lei Complementar n.73/1993.
57. Aliás, é bom que se diga, fosse essa a hipótese (de representação extrajudicial), à PGFN não incumbiria somente realizar o exame de legalidade precedente à efetivação do ato. Teria ela que assumir a condição de autoridade competente para a sua própria produção. A prevalecer essa posição, a RFB, somente por delegação formal e específica, poderia realizar a transação. E, pelo que emerge dos autos, nem mesmo é isso que alega a PGFN, cuja compreensão simplesmente caminha no sentido de que lhe incumbe a análise de legalidade do ato a ser praticado.
58. Se se tratasse de representação extrajudicial, inclusive, haveria vício nos textos dos arts. 10-A e 13 da Lei n. 13.988/2020, cuja constitucionalidade se presume. O primeiro autoriza que a transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal seja proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. O segundo, por sua vez, estabelece a competência do Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, quanto aos créditos em contencioso administrativo fiscal, assinar o termo de transação realizado de forma individual, desde que, obviamente, ainda não inscritos em dívida ativa.
59. Mas prossigamos na análise do tema. Outra questão correlata e pertinente refere-se à melhor exegese do art. 10-A, in fine, é dizer, a expressão "observada a Lei Complementar n, 73, de 10 de fevereiro de 1993". Repise-se que a PGFN extraiu da parte final desse dispositivo a sua competência para o exame da legalidade da transação, por duas perspectivas, a da representação extrajudicial, a qual esse opinativo já afastou, e aquela talhada no inciso IV, do art. 12, relativa a sua inata atribuição para realizar a consultoria jurídica e assessoramento jurídico da pasta, que será analisada com mais vagar nas linhas que se seguem. A RFB, por seu turno, compreende que a referência normativa "deve ser interpretada no sentido da impossibilidade de a RFB celebrar transação de créditos que sejam objeto de acordo, compromisso ou transação celebrados pela AGU com base na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997".
60. Tratando inicialmente da interpretação da RFB, novamente com o devido respeito, compreendemos que ela divorcia das regras elementares da hermenêutica jurídica. Pretendesse a norma fazer alusão à Lei n. 9469/1997 e não ao conteúdo normativo imediatamente relacionado à própria LC n. 73/1993, o faria direta e objetivamente, não de maneira obscura e indireta. Afinal, consoante cediço, verba cum effectu sunt accipienda, é dizer, a lei não contém palavras inúteis.
61. Ao declarar o art. 10-A da Lei 13988/2020 a necessidade de observância da Lei Complementar 73/1993 em dispositivo no qual se passou a autorizar à Receita a realizar a transação tributária, está o comando normativo atraindo a incidência imediata justamente dos dispositivos da Lei Complementar que aludem à celebração de acordos, por absoluta pertinência ao tema. É que, por mais posições que existam acerca da natureza jurídica da transação tributária, é certo que ela se caracteriza como um acordo no qual ocorrem, inclusive, mesmo que em obediência aos parâmetros da lei, concessões recíprocas.
62. E, voltando os olhos para o incido IV do art. 12 da Lei Complementar n. 73/1993, observa-se que compete à PGFN, especialmente (essa é a expressão literal da norma), examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda.
63. Em sendo assim, não há espaço exegético para afastar a compreensão de que a transação, mesmo se se fecharmos os olhos para a parcela da doutrina que lhe atribui natureza jurídica contratual, amolda-se ao menos aos termos "acordos" e "ajustes", gramaticalmente pospostos à expressão contratos na legislação de regência. Revisitemos o texto:
Art. 12 - À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:
[...]
IV - examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida pública externa, e promover a respectiva rescisão por via administrativa ou judicial;
64. Explico. Acordos e ajustes (some-se a eles as avenças) são usualmente utilizados como sinônimos de contratos. Entretanto, se a própria lei - na qual não se contém palavras inúteis - se vale de todas essas expressões simultaneamente e no mesmo dispositivo (a norma estabelece como objetos do exame de legalidade os contratos, acordos e ajustes), isso estabelece, na nossa compreensão, uma gradação de amplitude, significando que, mesmo fenômenos jurídicos que não coincidam exatamente com os contratos (como os acordos ou ajustes), mas que com ele apresentem algum grau de parecença, devem ser submetidos ao exame de legalidade.
65. Dessa maneira, caracterizando-se ou não como um contrato (e a respeito disso já vimos que a doutrina diverge), o fato é que o seu amoldamento mínimo como acordo ou ajuste faz com que incida compulsoriamente o regramento referenciado na LC n. 73/1993.
66. A propósito, Anis Kfouri Jr (2018), com o qual concordamos, esclarece que a transação "consiste em acordo entre sujeito passivo e ativo, visando a extinção do crédito tributário, por meio de concessões mútuas, estando previsto no art. 171 do CTN".
67. A despeito da compreensão do doutrinador, é o próprio direito positivo que confere a alcunha de acordo à transação tributária, e o faz em mais de uma ocasião. A Lei n. 13.988/2020, no inciso I do § 1º do art. 19 afirma que o sujeito passivo que aderir à transação deverá "requerer a homologação judicial do acordo", para fins do disposto incisos II e III do caput do art. 515 do CPC. O mesmo diploma repete a fórmula no art. 26, ao dispor que "a proposta de transação poderá ser condicionada ao compromisso do contribuinte ou do responsável de requerer a homologação judicial do acordo".
68. Em sendo assim, se a norma especial a respeito da transação tributária a denominou de acordo, mesmo que parcela da doutrina possa vir a divergir a respeito da natureza jurídica do instituto, consoante já assinalado nas linhas antecedentes, não existe espaço para o intérprete validamente afastar o regramento talhado na LC n. 73/1993, no sentido de que incumbe à PGFN examinar previamente a legalidade dos "contratos, acordos, ajustes".
69. Não fosse isso suficiente, se qualquer contrato, acordo ou ajuste, nos termos da lei, reclama a atuação preventiva da PGFN no exame de legalidade da avença, a fortiori ratione, na transação, a qual se caracteriza pela reciprocidade de concessões entre Estado e contribuinte, não há como apartar a necessidade de atuação do órgão jurídico.
70. A ratio essendi da norma habita na proteção ao Estado e ao erário, exigindo-se que, nessas situações, a prática do ato seja precedida de indescartável exame de legalidade, para evitar que o gestor disponha indevidamente daquilo que não lhe pertence.
71. Resta induvidoso, por via de consequência, que a efetivação da transação tributária operada pela RFB deve ser precedida exame de legalidade por parte da PGNF, por força dos arts. 10-A e 13 da Lei n. 13.988/2020, combinados com o inciso IV do art. 12 da LC 73/1993 e com o próprio art. 131 da Constituição da República, que confere à AGU a tarefa indeclinável de examinar preventivamente a legalidade dos atos do Executivo. A ausência submissão ao exame preventivo de juridicidade das transações tributárias, portanto, implica irremissível mácula aos comandos normativos em referência e constitui ato omissivo ilícito, colocando em risco erário.
72. E nem seria necessário dizer que essas conclusões, ao contrário do aventado, não resultam na usurpação das nobilíssimas funções da RFB, porque a análise de compatibilidade dos atos e contratos administrativos para com o ordenamento jurídico foi estabelecido pela Lex Major, no âmbito federal, como uma das missões precípuas da Advocacia- Geral da União. A instituição analisa cotidianamente múltiplos contratos celebrados pela Administração em um leque agigantado de áreas e matérias, como energia, saúde, patrimônio público, defesa, meio ambiente e tantas outras, sem que isso resulte na supressão das atribuições de outros órgãos ou carreiras. Trata-se, consoante já assinalado, de proteção constitucional conferida ao próprio Estado e ao patrimônio público.
73. Assim, em que pese discordemos da PGFN no ponto em que invoca a sua condição de representante extrajudicial da União para atuar no controle preventivo de legalidade das transações tributárias efetivadas pela Receita, não há como afastá-las, seguindo a boa-técnica, do controle plasmado no art. 12, IV, da LC/73/93, sobretudo por força das remissões operadas pelos art. 10-A e 13 da Lei n. 13988/2020.
74. Noutro giro, que concerne a apontar qual é autoridade competente para estabelecer o grau de recuperabilidade de créditos, a questão não parece inçada de maiores dificuldades, uma vez que existe disposição legal expressa a respeito do tema. O parágrafo único do art. 14 da Lei 13.988/2020 assevera textualmente que caberá "ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional disciplinar, por ato próprio, os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas".
75. Discordamos, tão somente, das razões expostas pela PGFN para atribuir-lhe a competência. Pelo quanto já exaustivamente exposto neste opinativo, que não reproduziremos para não cansar a leitura, a atribuição para a prática do ato não é corolário lógico e natural do poder-dever de representação judicial da União, conferido pela Carta. Aquele instituto tem caracteres próprios e dissonantes da mera designação da autoridade competente para fixar o grau de recuperabilidade dos créditos.
76. De todo modo, manifestamente não é dado a RFB fazê-lo. Não fosse suficiente a literalidade ofuscante do parágrafo único do art. 14 da Lei 13.988/2020, o dispositivo tem por sustentáculo sólidas e múltiplas razões de ordem lógica. Entre elas, elenco três. A uma, se é a PGFN que representa a União nas demandas judiciais, é ela que tem contato exclusivo com os entendimentos das cortes de justiça sobre o tema. Atuando na execução judicial do débito, possui a PGFN uma visão induvidosamente mais ampla sobre a viabilidade da satisfação do crédito à luz das inclinações da jurisprudência. A duas, porque a execução judicial é caracterizada pela coercibilidade, pela invasão forçada no patrimônio do cidadão, aparelhada de medidas de bloqueio e constrição patrimonial que não podem ser adotadas sponte propria pelo Estado-Administração, mas somente com incursão do Estado-Juiz. Dessa maneira, parece evidente que somente a PGFN possui a exata dimensão das possibilidades de constrição judicial do patrimônio do devedor e de suas respectivas efetividades para a satisfação do crédito. A três, porque, em franca reverência ao princípio constitucional da isonomia, não pode haver critérios dissonantes acerca das hipóteses em que um determinado crédito é irrecuperável ou não, o que poderia favorecer um devedor em detrimento de outro.
77. Nessa perspectiva, qualquer ato normativo que venha a se imiscuir na atribuição exclusiva contemplada no parágrafo único do art. 14 da Lei n. 13.988/2020 de disciplinar, por ato próprio, i) os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, ii) os parâmetros para aceitação da transação individual e iii) a concessão de descontos, "entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança", será revestido de nulidade por vício de competência.
3. CONCLUSÃO
78. Posto isso, entendo que:
a) Das questões divergentes trazidas aos atos, apenas a necessidade ou não de análise prévia de legalidade pela PGFN e a autoridade competente para fixar o grau de recuperabilidade do crédito podem e devem ser analisados por este Departamento, por apresentarem elementos de transcendência, uma vez que parcela dos argumentos utilizados para sustentá-los se relacionam com a previsão legal e constitucional de representação judicial e extrajudicial pela Advocacia- Geral da União.
b) A respeito da transação tributária, embora não seja instituto cuja aplicação reclame o exercício, pela PGFN, da representação extrajudicial da União, é necessário que o órgão realize o exame prévio de legalidade do ato, por força por força dos arts. 10-A e 13 da Lei n. 13988/2020, combinados com o inciso IV do art. 12 da LC 73/1993 e com o próprio art. 131 da Constituição da República, nos termos dos argumentos técnico-jurídicos expendidos ao longo desse opinativo.
c) Acerca o segundo tema, conquanto a fixação do grau de recuperabilidade dos créditos também não se relacione à representação extrajudicial da União, há, nos termos do presente opinativo, regra expressa a respeito da competência do PGFN para fazê-lo, cujo berço é o parágrafo único do art. 14 da Lei 13.988/2020, e sobejam pressupostos lógicos para que seja atribuída a tarefa exclusivamente à referida autoridade.
79. É esta a minha opinião, que submeto à consideração superior, para chancela ou eventual revisão.
Brasília, 31 de janeiro de 2023.
DENNYS
CASELLATO
HOSSNE
ADVOGADO DA UNIÃO
Referências:
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-COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário. Saraiva, 2022.
-DACOMO, Natalia De Nardi. Direito tributário participativo: transação e arbitragem administrativas da obrigação tributária. 2008.
-DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Saraiva, 2022.
-FERRAZ, et al. Transação em matéria tributária. 2018. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica. São Paulo - em https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/21753/2/Beatriz%20Biaggi%20Ferraz.pdf.)
-KFOURI JR, Anis. Curso de direito tributário. Saraiva Educação SA, 2018.
-GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil. Saraiva, 2017
-LÔBO, Paulo. Direito Civil. Saraiva, 2022.
-NUNES, CLÉUCIO SANTOS. Curso completo de direito processual tributário. Saraiva, 2022.
-PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. Saraiva, 2022.
-SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. Saraiva, 2022.
-TÔRRES, Heleno Taveira. Princípios de segurança jurídica e transação em matéria tributária.
Os limites da revisão administrativa dos acordos tributários. Transação e arbitragem no âmbito tributário: homenagem ao jurista Carlos Maário da Silva Velloso, 2008.
-PARECER NO GQ - 163
-PARECER JT-04
-PARECER Nº 00076/2021/DECOR/CGU/AGU
PARECER n. 00006/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU
NUP: 00400.000031/2023-52
EMENTA: Direito administrativo e tributário. Entendimentos jurídicos divergentes entre a PGFN e a RFB acerca i) da necessidade ou não de submissão das transações tributárias à PGFN para análise de legalidade e os seus respectivos fundamentos legais; ii) do conceito de contencioso administrativo fiscal para fins de transação; bem como iii) do estabelecimento do grau de recuperabilidade do crédito para fins de transação.
Itens "i" e "iii" tratados, inicialmente, no Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU. Item "ii" considerado insindicável por aquele Departamento, em face do tema não guardar as características de relevância e trasversalidade e por estar inserido naturalmente nas competências típicas da PGFN nos termos da LC n. 73/93.
Limitação temática que não se aplica a esta Consultoria da União. Competência do Advogado- Geral da União para fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal. Necessidade de dirimir a controvérsia a fim de não prejudicar a implantação da política pública.
Conceito de contencioso administrativo fiscal fixado nos termos do artigo 151, III, combinado com o artigo 171, do CTN. Recursos regulados pela Lei nº 9.784/1999 não configuram o contencioso administrativo fiscal, tal como tratado na Lei nº 13.988/2020. Créditos insuscetíveis de serem incluídos na transação.
Considerações sobre os temas previamente enfrentados no Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU.
Representação extrajudicial da União, pela PGFN, no contencioso administrativo fiscal. Previsão no artigo 131, da Constituição, no artigo 12, V, da LC nº 73/1993 e em dispositivos do Decreto nº 70.235/1972. Necessidade de manifestação da PGFN na transação dos créditos em contencioso administrativo fiscal fundada não só no assessoramento jurídico pelos órgãos da AGU, mas também por representar extrajudicialmente os interesses da União nos litígios administrativos tributários, nos termos do artigo 4º, VI c/c o artigo 12, V, da LC nº 73/1993. Paralelismo à regra insculpida no artigo 1º, da Lei nº 9.469/1997. Atribuição que não se confunde com a de firmar os atos de transação, cominado pela Lei nº 13.988/2020 à Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Fixação dos critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, dos parâmetros para aceitação da transação individual e da concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança, conforme dispõe textualmente o parágrafo único do art. 14 da Lei n. 13.988/22.
Além da existência de norma legal expressa, a competência encontra fundamento no artigo 131 da Constituição da República e nos artigos 4º, inciso VI, e 12, inciso V, da Lei Complementar nº 73/1993, como definido no Despacho nº 00306/2022/DENOR/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União e pelo Advogado-Geral da União Substituto.
2. A questão aportou, originalmente, a esta Consultoria-Geral da União, nos últimos dias de 2022, por meio do OFÍCIO SEI Nº 319680/2022/ME (Seq. 1), firmado pelo então Secretário-Executivo do Ministério da Economia, cujo teor ora se transcreve:
1. Refiro-me ao Parecer Conjunto SEI nº 78/2022/ME, da lavra da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, devidamente aprovado pelo Ministro de Estado da Economia, que ao analisar questões pertinentes ao disposto no art. 131 da Constituição Federal, na Lei Complementar nº 73, de 1993, e na Lei nº13.988, de 2020, firmou entendimento acerca incidência dos dispositivos aos contornos da transação tributária no que tange ao contencioso administrativo.
2. Ainda acerca do tema, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, por meio do Ofício nº 842/2022 - GABINETE/RFB, solicitou reavaliação do Despacho de 15 de dezembro de 2022 do Sr. Ministro da Economia, que aprovou o Parecer Conjunto SEI nº 78/2022/ME, e a suspensão dos seus efeitos.
3. Considerando os efeitos vinculantes do referido opinativo, nos termos art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e em especial considerando que a questão tangencia discussão acerca dos contornos constitucionais da atuação da própria Advocacia-Geral da União e a representação extrajudicial do ente, suas autarquias e fundações, encaminho as manifestações supracitadas para conhecimento e eventuais providências.
3. O procedimento foi encaminhado, inicialmente, para o Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União - DECOR/CGU/AGU. Em resposta aos questionamentos postos, foi elaborado o Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), aprovado pela Diretora do DECOR/CGU/AGU e pelo Subconsultor-Geral da União de Políticas Públicas, no qual foram identificadas três questões controvertidas quanto aos entendimentos exarados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Secretaria da Receita Federal do Brasil. Quais sejam:
i) a necessidade ou não de submissão das transações tributárias à PGFN e os seus respectivos fundamentos legais;
ii) o conceito de contencioso administrativo fiscal para fins de transação; e
iii) a autoridade competente para o estabelecimento do grau de recuperabilidade dos créditos para fins de transação tributária.
4. Ao fim de minuciosa descrição do histórico de atos normativos e de manifestações dos órgãos envolvidos e após a apresentação de substanciosa doutrina e vasta fundamentação, apoiada, inclusive, em pareceres da AGU aprovados pelo Presidente da República, concluiu o parecer em questão:
Posto isso, entendo que:
a) Das questões divergentes trazidas aos atos, apenas a necessidade ou não de análise prévia de legalidade pela PGFN e a autoridade competente para fixar o grau de recuperabilidade do crédito podem e devem ser analisados por este Departamento, por apresentarem elementos de transcendência, uma vez que parcela dos argumentos utilizados para sustentá-los se relacionam com a previsão legal e constitucional de representação judicial e extrajudicial pela Advocacia- Geral da União.
b) A respeito da transação tributária, embora não seja instituto cuja aplicação reclame o exercício, pela PGFN, da representação extrajudicial da União, é necessário que o órgão realize o exame prévio de legalidade do ato, por força por força dos arts. 10-A e 13 da Lei n. 13988/2020, combinados com o inciso IV do art. 12 da LC 73/1993 e com o próprio art. 131 da Constituição da República, nos termos dos argumentos técnico-jurídicos expendidos ao longo desse opinativo.
c) Acerca o segundo tema, conquanto a fixação do grau de recuperabilidade dos créditos também não se relacione à representação extrajudicial da União, há, nos termos do presente opinativo, regra expressa a respeito da competência do PGFN para fazê-lo, cujo berço é o parágrafo único do art. 14 da Lei 13.988/2020, e sobejam pressupostos lógicos para que seja atribuída a tarefa exclusivamente à referida autoridade.
5. Quanto ao conceito de contencioso administrativo fiscal, para fins de aplicação da lei de transação tributária, entendeu o referido opinativo que a resposta à controvérsia extrapola a competência daquele Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União, por não apresentar elementos de transcendência, ou seja, não ultrapassar os limites de atribuição do próprio órgão consulente. Reconheceu, ainda, que o mérito da questão restou bem resolvida no âmbito interno do próprio Ministério da Fazenda, não demandando reanálise. Para melhor compreensão, transcreve-se:
Consoante a literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 73/93, atribuem-se à Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional as atividades de "consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito do Ministério da Fazenda e seus órgãos autônomos e entes tutelados". Bem por isso, entende-se a questão somente deve ser avaliada por esta Consultoria-Geral e por este Departamento no caso de evidente interesse direto da Advocacia-Geral da União, que transcenderia a discussão posta nos autos, por sua dimensão. No caso concreto, a representação extrajudicial da instituição como um todo considerada é matéria relevante e transversal, que diz respeito à toda a AGU e seus membros, de maneira a reclamar a manifestação deste órgão. A presença dessa transversalidade, enfatize-se, a desbordar do caso concreto, é necessária, inclusive, para a abertura do plexo competencial deste Departamento.
Sobre as atribuições do DECOR, há ainda a vigente Portaria Normativa n. 24/2021:
Art. 9º Compete ao Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos:
I - coordenar e orientar a atuação das Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios ou órgãos equivalentes e das Consultorias Jurídicas da União nos Estados e no Município de São José dos Campos, mediante resolução de controvérsias de ordem jurídica para fins de uniformização da jurisprudência administrativa;
II - identificar e propor preventivamente a uniformização de orientação jurídica de questões relevantes e transversais existentes nos órgãos jurídicos da Advocacia-Geral da União, inclusive mediante a atuação das Câmaras Nacionais sob sua supervisão;
III - elaborar manifestações jurídicas para uniformização de controvérsias entre os órgãos jurídicos subordinados à Consultoria-Geral da União e os órgãos integrantes da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil, da Procuradoria-Geral da União, da Secretaria-Geral de Consultoria, da Secretaria-Geral de Contencioso e da Corregedoria-Geral da Advocacia da União;
IV - propor a edição de orientações normativas destinadas a uniformizar a atuação dos órgãos consultivos;
V - submeter à aprovação superior pareceres para os fins do art. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993;
VI - elaborar manifestações para dirimir os conflitos não solucionados no âmbito da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Federal, para os fins do disposto no § 1º do art. 36 da Lei nº 13.140, de 2015, nos casos em que houver controvérsia de ordem estritamente jurídica entre órgãos da Advocacia-Geral da União ou a ela vinculados;
VII - articular-se com os órgãos de representação judicial da União para a uniformização e a consolidação das teses adotadas nas atividades consultiva e contenciosa; e
VIII - solicitar, se necessário, manifestações jurídicas de órgãos da Advocacia-Geral da União ou a ela vinculados para análise de processos, podendo fixar prazo para atendimento.
O Decreto n. 1.328/2023 parece ter recepcionado a Portaria Normativa n. 24/2021 e não suprimiu a necessidade de que existam questões relevantes e transversais para a atuação do DECOR. No nosso ponto de vista, o inciso III do art. 39 apenas abriu a possibilidade de que tais questões também sejam resolvidas mediante a atuação de câmaras nacionais temáticas, não mitigando ou suprimindo a possibilidade da atuação ordinária, desvinculada das câmaras nacionais.
Nessa linha concatenada de ideias, se a ratio dinamizadora do envio dos autos à Advocacia-Geral da União reside no fato de que "a questão tangencia discussão acerca dos contornos constitucionais da atuação da própria Advocacia-Geral da União e a representação extrajudicial do ente, suas autarquias e fundações", parece-nos que não existe razão para que aqui se analise a segunda questão controvertida, relacionada ao conceito de contencioso administrativo fiscal e seus respectivos efeitos. Essas questões estão bem definidas intramuros no âmbito do Ministério da Fazenda e não vemos espaço para, com alicerce na justificativa constante da remessa do expediente para AGU, haver reanálise. Quanto a elas, ademais, não há abertura do plexo competencial do DECOR, nos estritos termos da Portaria normativa n. 24/2021.
Noutro giro, no que toca à necessidade de submissão da transação à PGFN, bem como à autoridade competente para a fixação do grau de recuperabilidade do crédito, considerando que as teses apresentadas se relacionam à função de representação extrajudicial outorgada à AGU e coincidem com exatidão às razões de envio do expediente, há pressupostos lógicos e jurídicos que recomendam a manifestação desta Consultoria-Geral e se faz presente a transversalidade necessária à manifestação por parte do DECOR.
6. Com efeito, não só o conceito de contencioso administrativo fiscal, mas todas as questões trazidas à apreciação desta Consultoria-Geral da União, por delegação do Gabinete do Advogado-Geral da União, poderiam ter sido dirimidas no âmbito interno do próprio Ministério da Economia - ou da Fazenda, como, de fato, inicialmente, o foram, por meio da edição do Parecer Conjunto SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), aprovado pelo Sr. Ministro de Estado da Economia. Nenhuma delas, a rigor, reclamava a atuação necessária e imprescindível do Advogado-Geral da União.
7. Com absoluta razão, portanto, o Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), ao afirmar que a questão relativa ao conceito de contencioso administrativo fiscal, para fins de aplicação da lei da transação tributária, poderia ter sido dirimida nas instâncias internas do próprio Ministério da Economia (ou da Fazenda).
8. Foi, entretanto, do próprio Ministério da Economia, por meio de seu Secretário Executivo, então no exercício da titularidade daquele Ministério, a opção por encaminhar o caso para apreciação da Advocacia-Geral da União a respeito a divergência de entendimentos manifestados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Secretaria da Receita Federal do Brasil, por entender que "a questão tangencia discussão acerca dos contornos constitucionais da atuação da própria Advocacia-Geral da União e a representação extrajudicial do ente, suas autarquias e fundações." Ao mesmo tempo, noticia-se a suspensão dos efeitos do Parecer Conjunto SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), aprovado pelo Sr. Ministro da Estado da Economia, no aguardo do posicionamento técnico-consultivo da Advocacia-Geral da União.
9. Eventual ausência de manifestação da Advocacia-Geral da União sobre a controvérsia não colabora para por fim ao conflito de entendimentos reportado e o consequente impasse, podendo causar insegurança jurídica e, possivelmente, prejuízos à implantação da referida política pública.
10. Noutro giro, a Lei Complementar nº 73/1993 dispõe, em seu artigo 4º, X: Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:
(...)
X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;
11. Assim, se de uma lado não se vislumbra a competência do DECOR para manifestação sobre o tema, como corretamente assentado no Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU, o mesmo não se pode dizer da atribuição ampla do Advogado-Geral da União para fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal. No mesmo sentido, não se vislumbra óbice a que a questão seja apreciada no âmbito desta Consultoria da União, não se lhe aplicando as limitações incidentes sobre as atribuições do DECOR, na elaboração de minuta a ser apreciada e eventualmente aprovada pelo Consultor-Geral da União e pelo AGU.
12. Nessa ordem de ideias, passa-se a analisar o conceito de contencioso administrativo fiscal, bem como seus limites, para fins de aplicação da Lei de Transação Tributária.
2. PARECER
2.1 O contencioso administrativo fiscal e seu conceito na lei nº 13.988/2020
13. A instrução processual demonstra que Receita Federal do Brasil e PGFN possuem entendimento distintos sobre o alcance do termo contencioso administrativo fiscal, para fins de identificação das hipóteses em que a transação é possível, nos termos da lei nº 13.988/2020.
14. No entendimento sustentado da PGFN, somente o contencioso administrativo instaurado nos termos Decreto nº 70.235/1972, recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei ordinária, poderia dar ensejo à transação tributária de débitos não inscritos em Dívida Ativa da União.
15. A SRFB, por seu turno, vem conferindo à expressão conotação mais elástica, para incluir não só as reclamações e recursos descritos na lei do contencioso administrativo fiscal, o Decreto nº 70.235/1972, como também outras petições e manifestações, a exemplo das apresentadas nos termos da lei nº 9.784/1999. Na portaria RFB Nº 247, de 18 de novembro de 2022, editada já com acatamento parcial de algumas sugestões contidas no Parecer Conjunto SEI Nº 63/2022/ME (Seq. 15), consta a seguinte previsão:
Art. 5º Instaura-se o contencioso administrativo fiscal com a apresentação, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de impugnação, manifestação de inconformidade ou de recurso previsto:
I - no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972;
II - no Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011; ou
III - na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, quando referente a:
a) compensação não declarada;
b) arrolamento de bens e direitos, quando a transação tratar de substituição da garantia;
c) decisão de cancelamento ou não reconhecimento de ofício de declaração retificadora; e
d) programas de parcelamento.
16. No Parecer Conjunto SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), a PGFN contesta, especificamente, a inclusão, na Portaria RFB nº 247/2022, das manifestações e recursos previstos na lei nº 9.784/1999 - Lei do Processo Administrativo - como aptos a configurar o contencioso administrativo tributário, para fins de aplicação da Lei nº 13.988/2020. Segundo afirmado naquele opinativo, as insurgências do contribuinte contra atos da Administração Tributária, previstas no Decreto nº 7.574/2011, por outro lado, já se processam nos termos do Decreto nº 70.235/1972, sendo redundante e, portanto, sem efeito prático a referência expressa àquele ato normativo.
17. O mesmo não se pode dizer dos recursos previstos na Lei nº 9.784/1999. Trata-se, com efeito, de manifestações que instauram um procedimento diverso daquele previsto no Decreto nº 70.235/1972. E, nas palavras do Parecer Conjunto SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), não se configura, nesses casos, o contencioso administrativo fiscal:
26. Dessa forma, ainda que outros diplomas legais prevejam aspectos específicos de procedimentos administrativos, o Decreto 70.235, de 1972, é a norma geral do contencioso administrativo fiscal e, nessa qualidade, estipula o cabimento de impugnações e recursos para discussão da atividade fazendária no processo de constituição do crédito tributário.
27. Não à toa, o Decreto 70.235, de 1972 costuma ser invocado pelas normas que estabelecem peculiaridades para créditos de determinada natureza.
28. Por outro lado, as irresignações interpostas com fundamento na Lei nº 9.784/1999 definitivamente não instauram o contencioso fiscal e, portanto, não têm o condão de autorizar, quando presentes, a oferta e a aceitação de concessões recíprocas com fundamento no art.10-A da Lei nº 13.988/2020.
29. Não se pode, conforme defendido no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116), "confundir o 'processo administrativo' da Lei nº 9.784, de 1999 com o 'contencioso administrativo fiscal', que representa um tipo específico de processo administrativo, disciplinado pelo Decreto nº 70.235, de 1972, e desenvolvido junto às Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil(DRJ) e ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)."
30. Portanto, a Portaria RFB nº 247, de 2022, incorre em insanável ilegalidade ao prever:
Art. 5º Instaura-se o contencioso administrativo fiscal com a apresentação, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de impugnação, manifestação de inconformidade ou de recurso previsto: (...)III - na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, quando referente a:
a) compensação não declarada;
b) arrolamento de bens e direitos, quando a transação tratar de substituição da garantia;
c) decisão de cancelamento ou não reconhecimento de ofício de declaração retificadora; e
d) programas de parcelamento.
31. Importante alertar, que a desmedida ampliação do conceito de contencioso administrativo fiscal representa grave risco aos interesses da União. Ao deturpar esse conceito jurídico dando-lhe indevida e incabível elasticidade, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil fomenta interpretações de que qualquer manifestação baseada no direito de petição instaura contencioso administrativo fiscal atraindo, por exemplo, os efeitos do art. 151, III, do Código Tributário Nacional ou o conjunto normativo do Decreto nº 70.235, de 1972, burocratizando, atrasando e dificultando a cobrança do crédito público, ampliando a litigiosidade e fragilizando as ações da Administração Tributária na recuperação de seus créditos.(...)
18. A Receita Federal do Brasil, por seu turno, defende que ambas as normas legais são igualmente aptas a configurar o contencioso administrativo fiscal, haja vista a seguinte manifestação, extraída do Ofício nº 842/2022 - GABINETE/RFB (Seq. 2):
9. Não há qualquer dispositivo da Lei nº 13.988, de 2020, que restrinja a sua aplicação ao litígio de natureza tributária regido pelo Decreto nº 70.235, de 1972. Na realidade, ocorre o inverso: a Lei nº 13.988, de 2020, autoriza a transação no contencioso administrativo fiscal de pequeno valor e, simultaneamente, afasta a aplicação do Decreto nº 70.235, de 1972, autorizando a sua incidência“apenas subsidiariamente”.
10. No âmbito da RFB, além do Decreto nº 70.235, de 1972, são aplicáveis diversas normas processuais, tais como: (i) Portaria ME nº 340, de 2020, que disciplina o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor; (ii) Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, que disciplina o processo administrativo de perdimento de mercadorias e de veículos; (iii) Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, que disciplina o processo administrativo de perdimento de moeda; e (iv) Decreto-Lei nº 97, de 1966, que disciplina o processo de exigência de crédito tributário constituído em termo de responsabilidade.
11. Em relação aos litígios de natureza tributária não regidos por norma processual específica, aplica-se a Lei nº 9.784, de 1999, que rege o processo administrativo federal. Por essa razão, a Lei nº 9.784, de 1999, encontra-se incluída no rol de dispositivos legais que possibilitam a transação de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal sob administração da RFB.
19. Como se sabe, a Lei nº 9.784/1999 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Segundo dispõe o artigo 1º e seu §1º:
Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
§ 1o Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa.
(...)
20. Trata-se de norma de caráter geral, voltada a pautar todos os procedimentos administrativos na esfera da União, que não sejam objeto de lei especial. Nesse sentido, pode-se dizer que se trata de norma de aplicação subsidiária. Na ausência de norma especial a regular determinado procedimento, aplica-se a lei geral do processo administrativo, conforme disposto em seu artigo 69.
Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando- se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
21. Assim, a resposta à questão ora colocada passa por analisar se as hipóteses de insurgência do contribuinte, regidas apenas pela Lei nº 9.784/1999, cuja aplicação ao processo administrativo tributário é subsidiária, é suficiente para configurar o contencioso administrativo fiscal.
22. Por outro lado, para se extrair o exato conceito de contencioso administrativo fiscal, par fins de se determinar os limites de aplicação da Lei nº 13.988/2020, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.375/2022, necessário se faz uma breve digressão do histórico legislativo recente para melhor entendimento do modelo de transação tributária instituído por essas normas.
23. A Lei nº 13.988/2020, que dispõe sobre a transação tributária no âmbito da União, surgiu a partir da conversão em lei da Medida Provisória nº 899, de 16/10/2019. Originalmente, - e assim se manteve até a edição Lei nº 14.375/2022 - apenas incluía os créditos administrados pela Receita Federal do Brasil na modalidade de "transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica". Não havia, naquele primeiro momento, possibilidade de transacionar créditos que estivessem, pura e simplesmente, em contencioso administrativo fiscal. Somente se previa a possibilidade de transação, no contencioso administrativo tributário, nas matérias previamente definidas por ato do Ministro de Estado da Economia, na hipótese do artigo 16, do diploma legal em questão.
Art. 16. O Ministro de Estado da Economia poderá propor aos sujeitos passivos transação resolutiva de litígios aduaneiros ou tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica, com base em manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.
§ 1º A proposta de transação e a eventual adesão por parte do sujeito passivo não poderão ser invocadas como fundamento jurídico ou prognose de sucesso da tese sustentada por qualquer das partes e serão compreendidas exclusivamente como medida vantajosa diante das concessões recíprocas.
§ 2º A proposta de transação deverá, preferencialmente, versar sobre controvérsia restrita a segmento econômico ou produtivo, a grupo ou universo de contribuintes ou a responsáveis delimitados, vedada, em qualquer hipótese, a alteração de regime jurídico tributário.
§ 3º Considera-se controvérsia jurídica relevante e disseminada a que trate de questões tributárias que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
24. Inicialmente, portanto, o legislador considerou possível a transação na cobrança de créditos tributários da União somente a partir da suas inscrição em Dívida Ativa da União, conforme dicção do artigo 10, da Lei nº 13.988/2020, ainda em vigor:
Art. 10. A transação na cobrança da dívida ativa da União, das autarquias e das fundações públicas federais poderá ser proposta, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Procuradoria-Geral Federal, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, ou pela Procuradoria-Geral da União, em relação aos créditos sob sua responsabilidade.
25. Para melhor compreensão dessa opção legislativa, oportuno transcrever a exposição de motivos EMI nº 00268/2019 ME AGU, de 6 de setembro de 2019, assinada pelos então Ministro de Estado da Economia e do Advogado Geral da União, a qual encaminhou ao Senhor Presidente da República a proposta de Medida Provisória que deu origem à Lei nº 13.988/2020, posteriormente anexada à Mensagem Presidencial de envio da MPV nº 899/2019, ao Congresso Nacional (destaques acrescidos).[1]
Senhor Presidente da República,
Submetemos a sua apreciação proposta de Medida Provisória que estabelece os requisitos e as condições para que a União, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional(PGFN), e os respectivos devedores ou partes adversas, possam realizar transação, nos termos do art. 171 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, criando mecanismos indutores de autocomposição em causas de natureza fiscal.
2. As alterações propostas visam suprir a ausência de regulamentação, no âmbito federal,do disposto no art. 171 do Código Tributário Nacional e de disposições que viabilizem a autocomposição em causas de natureza fiscal, contexto esse que tem, respectivamente, impedido maior efetividade da recuperação dos créditos inscritos em dívida ativa da União, por um lado, e resultado em excessiva litigiosidade relacionada a controvérsias tributárias, noutra senda, com consequente aumento de custos, perda de eficiência e prejuízos à Administração Tributária Federal.
3. A transação na cobrança da dívida ativa da União acarretará redução do estoque desses créditos, limitados àqueles classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação,incrementará a arrecadação e esvaziará a prática comprovadamente nociva de criação periódica de parcelamentos especiais, com concessão de prazos e descontos excessivos a todos aqueles que se enquadram na norma (mesmo aqueles com plena capacidade de pagamento integral da dívida). O modelo ora proposto possui bastante similaridade com o instituto do "Offer in Compromise",praticado pelo Internal Revenue Service (IRS), dos Estados Unidos da América. Em suma, afasta-se do modelo que considera exclusivamente o interesse privado, sem qualquer análise casuística do perfil de cada devedor e, consequentemente, aproxima-se de diretriz alinhada à justiça fiscal,pautando o instituto sob o viés da conveniência e da ótica do interesse da arrecadação e do interesse público. Ressalta-se, inclusive, que a proposta decorre do amadurecimento de debates e estudos já objeto de outras proposições, em especial os Projetos de Lei nº 10.220, de 2018 e nº 1.646, de 2019,onde as potencialidades do instituto foram evidenciadas. De outro lado, conforme estudos realizados pela PGFN, os parcelamentos extraordinários, além dos seus efeitos deletérios, sequer atingem com efetividade a carteira de créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, principais destinatários da proposição, que perfazem cerca de R$ 1,4 trilhão de reais, montante superior à metade do estoque da Dívida Ativa da União.
4. A proposição prevê, ainda, modalidade de transação voltada à redução de litigiosidadeno contencioso tributário, afastando-se do modelo meramente arrecadatório. Objetiva-se, com aproposição, atacar o gargalo do processo contencioso tributário, cujo estoque, apenas no Conselhode Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), totaliza mais de R$ 600 bilhões de reais,distribuídos em cerca de 120 mil processos.
5. Soma-se a esse universo os processos judiciais em curso, cuja discussão se encontragarantida por seguro ou fiança, gerando custos aos litigantes, ou mesmo suspensas por decisõesjudiciais, que totalizam outros R$ 42 bilhões de reais.
6. Em ambos os modelos a transação é instrumento de solução ou resolução, por meioadequado, de litígios tributários, trazendo consigo, muito além do viés arrecadatório, extremamente importante em cenário de crise fiscal, mas de redução de custos e correto tratamento dos contribuintes, sejam aqueles que já não possuem capacidade de pagamento, sejam aqueles que foram autuados, não raro, pela complexidade da legislação que permitia interpretação razoável em sentido contrário àquele reputado como adequado pelo fisco.
7. Mediante concessões mútuas, credor e devedor, podem socorrer-se do instituto que pendia de regulamentação, obtendo solução adequada ao litígio tributário.
8. Todas essas propostas permitirão, ademais, que a PGFN concentre esforços noutras causas, litígios ou cobranças, promovendo incremento na arrecadação, a prevenção e a redução delitigiosidade, e ganhos de celeridade, eficiência e economicidade.
9. Ademais, a medida insere Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria-Geral da União no mesmo modelo de resolução de litígios, seja a primeira no trato da Dívida Ativa das autarquias e fundações públicas federais, na qual incluída dívida de natureza tributária (taxa), bem como a segunda que também exerce relevante papel de cobrança de valores devidos ao erário.
10. Estimativas conservadoras apontam como resultado da medida a arrecadação de R$1,425 bilhão em 2019, R$ 6,384 bilhões em 2020 e R$ 5,914 bilhões em 2021, sem prejuízo da economia de recursos decorrentes da solução dos litígios encerrados pela transação.
11. O grave quadro fiscal, bem como a urgente necessidade de enfrentamento dos problemas do contencioso administrativo tributário denotam a presença dos requisitos de relevância e urgência constitucionalmente exigidos para a edição da Medida Provisória que ora se propõe, repisando-se a imperiosidade da medida para o ingresso de receitas ainda no orçamento corrente e, sobretudo, trazendo novas estimativas de receita para os exercícios seguintes.
12. Essas, Senhor Presidente, são as razões que justificam a edição da Medida Provisória que ora submetemos a sua elevada apreciação.
26. Os trechos destacados acima sinalizam, com precisão, os objetivos buscados com a edição da norma, em especial quanto à cobrança de créditos da União.
27. Havia, portanto, naquele momento, a compreensão de que o equacionamento do estoque de créditos em cobrança, por meio do instituto da transação tributária previsto no artigo 171 do CTN, cuja regulamentação se propunha, devia estar centrado nos créditos inscritos em Dívida Ativa da União.
28. A situação do contencioso administrativo fiscal, como visto anteriormente, não restou ignorada. Entendeu-se mais adequado, entretanto, tratá-lo apenas no âmbito "da transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica", prevista no Capítulo III, da medida legislativa em questão.
29. Esse estado de coisas veio a se alterar com a edição da Lei nº 14.375/2022, resultado da conversão em lei da Medida Provisória nº 1.090/2021. Ao contrário da Lei nº 13.988/2020, entretanto, as alterações promovidas pela Lei nº 14.375/2022, na regulamentação da transação tributária, não constaram da Medida Provisória em questão e foram incluídas por emendas parlamentares, durante sua tramitação no Congresso Nacional.
30. Por esse motivo, não há menção às modificações promovidas na lei de transação na mensagem do Sr. Presidente da República de envido da Medida Provisória para o Congresso. Por seu turno, o Parecer de Plenário à MPV nº 1.090, de 30 de dezembro de 2021, pela Comissão Mista[2], da lavra do Deputado Relator Hugo Mota, relacionou apenas algumas das alterações propostas pelos legisladores.
Ademais, em alinhamento com o escopo da MP nº 1.090/2021, entendemos oportuno introduzir aperfeiçoamentos no regime geral de transação de créditos de interesse da União Federal. Nesse sentido, inserimos no PLV modificações pontuais na Lei n° 13.988/2020, que atualmente disciplina a matéria, em especial:
(i) a previsão de que a transação realizada no âmbito do contencioso administrativo fiscal também poderá ser proposta por iniciativa do devedor, e não apenas por adesão;
(ii) a extensão do regime da transação por adesão no contencioso tributário de pequeno valor – atualmente restrito aos débitos tributários administrados pela Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – às dívidas com as autarquias e fundações federais e às de natureza não tributária, de modo a contemplar os débitos relativos ao FGTS, proporcionando uma redução significativa em carteiras de créditos em que o custo da cobrança coercitiva para a administração é significativamente mais elevado do que o valor recuperável;
(iii) a ampliação dos prazos de pagamento admitidos no âmbito da transação e do percentual de descontos sobre os acessórios da dívida e, de modo a alcançar os devedores em grave situação econômico-financeira;
(iv) a possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas na transação de créditos da Fazenda Pública, tendo em vista que a aceitação de mais tipos de ativos do devedor como meio de pagamento amplia as possibilidades de satisfação dos créditos da Fazenda Pública e reduz a litigiosidade;
(v) a definição do tratamento tributário conferido aos descontos concedidos no âmbito da transação, evitando-se que, desse procedimento de composição de conflitos, decorram novos litígios.
2,3 O conceito de contencioso administrativo fiscal adotado pelo legislador
31. Conquanto não haja menção expressa à ampliação do escopo da transação na cobrança de créditos, para incluir aqueles em contencioso administrativo fiscal, é significativa a afirmação contida no item (i), acima reproduzido, a respeito da previsão da transação do contencioso administrativo fiscal passar a poder ser proposta, também, pelo devedor.
32. Ao introduzir essa possibilidade, o legislador certamente se ateve ao conceito de contencioso administrativo, pré-existente na norma original. De tal constatação resulta - e não poderia ser diferente - que o significado de contencioso administrativo fiscal, ou tributário, é único em todo o texto legal. O legislador não poderia ter utilizado, como não usou, o mesmo termo técnico com diferentes acepções nos diversos trechos do diploma legislativo.
33. Assim, o sentido da expressão contencioso administrativo fiscal utilizado nas modificações introduzidas pela Lei nº 14.375/2022, em especial no Capítulo II da Lei nº 13.988/2020, não pode ser outro, que não o conceito já presente no Capítulo III, desde a primeira edição da MPV 899/2019, convertida na Lei de Transação Tributária. Nesse ordem de ideias, transcreve-se, para posterior análise, os dispositivos do Capítulo III, da Lei de Transação, que abordam o contencioso administrativo (destaques acrescidos):
Art. 17. A proposta de transação por adesão será divulgada na imprensa oficial e nos sítios dos respectivos órgãos na internet, mediante edital que especifique, de maneira objetiva, as hipóteses fáticas e jurídicas nas quais a Fazenda Nacional propõe a transação no contencioso tributário, aberta à adesão de todos os sujeitos passivos que se enquadrem nessas hipóteses e que satisfaçam às condições previstas nesta Lei e no edital.
(...)
§ 3º A celebração da transação, nos termos definidos no edital de que trata o caput deste artigo, compete:
I - à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, no âmbito do
contencioso administrativo; e
II - à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nas demais hipóteses legais.
Art. 18. A transação somente será celebrada se constatada a existência, na data de publicação do edital, de inscrição em dívida ativa, de ação judicial, de embargos à execução fiscal ou de reclamação ou recurso administrativo pendente de julgamento definitivo, relativamente à tese objeto da transação.
(...)
Art. 22. Compete ao Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, no que couber, disciplinar o disposto nesta Lei no que se refere à transação de créditos tributários não judicializados no contencioso administrativo tributário.
34. O artigo 17, § 3º, I, fala em "contencioso administrativo" . Já o artigo 22 complementa o termo mencionando "contencioso administrativo tributário". O texto do artigo 18, entretanto, entrega pistas mais concretas do verdadeiro alcance da norma ao falar em "reclamação ou recurso administrativo pendente de julgamento definitivo".
35. A dicção desse último trecho da norma remete, claramente, ao disposto no artigo 151, III, do Código Tributário Nacional, que prevê:
Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;
36. Nessa linha de pensamento, é possível concluir que o legislador, ao falar em contencioso administrativo, contencioso administrativo tributário, ou contencioso administrativo fiscal, pretendeu-se referir aos litígios administrativos originados das manifestações do contribuinte de que trata, especificamente, o artigo 151, III, do CTN. Quais sejam, reclamações e recursos apresentados nos termos das leis reguladoras do processo administrativo fiscal; e cuja consequência é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário discutido.
Art. 5º Instaura-se o contencioso administrativo fiscal com a apresentação, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de impugnação, manifestação de inconformidade ou de recurso previsto: (...)III - na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, quando referente a:
a) compensação não declarada;
b) arrolamento de bens e direitos, quando a transação tratar de substituição da garantia;
c) decisão de cancelamento ou não reconhecimento de ofício de declaração retificadora; e
d) programas de parcelamento.
41. Com efeito, em nenhuma dessas hipóteses, a própria RFB reconhece aos recursos eventualmente interpostos o efeito de suspender da exigibilidade dos créditos. E de fato, nem poderia, a teor do artigo 61, caput, da Lei nº 9.784/1999. A menos que outra norma legal dispusesse em contrário, o que não se verifica.
42. Quanto à compensação não declarada, por exemplo, o artigo 78, da Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021, dispõe:
Art. 78. A compensação considerada não declarada implicará:
I - a constituição dos créditos tributários que ainda não tenham sido lançados de ofício ou confessados; e
II - a cobrança dos débitos já lançados de ofício ou confessados.
Parágrafo único. À compensação considerada não declarada não se aplica o disposto nos arts. 65, 73 e 140, sem prejuízo do disposto no art. 144.
43. Por sua vez, dispõem os artigos 65, 73 e 140, do diploma regulamentar em questão, os quais não se aplicam à compensação considerada não declarada:
Art. 65. A compensação declarada à RFB extingue o crédito tributário, sob condição resolutória da ulterior homologação do procedimento.
Parágrafo único. A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados.
Art. 73. O sujeito passivo será cientificado da não homologação da compensação e intimado a efetuar o pagamento dos débitos indevidamente compensados no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da ciência do despacho de não homologação.
§ 1º Se não ocorrer o pagamento ou o parcelamento no prazo previsto no caput, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para inscrição em Dívida Ativa da União, exceto no caso de apresentação da manifestação de inconformidade prevista no art. 140.
§ 2º O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação.
Art. 140. O sujeito passivo poderá apresentar manifestação de inconformidade contra a decisão que indeferiu seu pedido de restituição, de ressarcimento ou de reembolso, ou contra a decisão que não homologou a compensação por ele efetuada, no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da data da ciência da referida decisão, nos termos do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.
§ 1º A manifestação de inconformidade prevista no caput deverá atender aos requisitos de admissibilidade previstos no art. 16 do Decreto nº 70.235, de 1972.
§ 2º Caso seja apresentada manifestação de inconformidade contra a não homologação da compensação e impugnação da multa de ofício a que se refere o art. 74, os recursos deverão ser decididos, preferencialmente, de forma simultânea.
§ 3º No caso de apresentação de manifestação de inconformidade contra a não homologação da compensação, fica suspensa a exigibilidade da multa de ofício de que trata o inciso I do § 1º do art. 74, ainda que não impugnada a referida exigência.
§ 4º A competência para julgar manifestação de inconformidade é da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ), observada a competência material em razão da natureza do direito creditório em litígio.
§ 5º O disposto no caput aplica-se à manifestação de inconformidade contra a decisão que considerar indevida a compensação de contribuições previdenciárias.
44. A Instrução Normativa ora mencionada, portanto, nega à hipótese de compensação considerada não declarada, bem como ao eventual recurso apresentado nos termos do artigo 56, da Lei nº 9.784/1999, os efeitos e ritos próprios do processo administrativo tributário. Ao revés, estabelece um procedimento singelo de revisão dos atos pelo próprio órgão lançador, descrito nos seus artigos 144 a 147.
45. Tal procedimento diverge da sistemática do processo administrativo tributário da União, assim como da grande maioria, senão da totalidade dos estados e dos maiores municípios, nos quais as reclamações e os recursos são decididos por um órgão específico de julgamento, diverso do órgão lançador. Muitos desses órgãos julgadores administrativos, inclusive, possuem composição paritária entre fisco e contribuintes, como é o caso do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF.
46. Idêntica lógica aplica-se aos recursos contra decisão de cancelamento ou não reconhecimento de ofício de declaração retificadora.
47. Por essas razões, não é possível, em uma primeira conclusão, enquadrar como contencioso administrativo fiscal o procedimento iniciado pelos recursos apresentados nos termos da Lei nº 9.784/1999.
48. A uma, porque não possuem efeito suspensivo e, via de consequência, não se enquadram na hipótese do artigo 151, III, do CTN, cuja dicção foi, em parte, reproduzida pelo legislador na Lei de Transação Tributária.
49. A duas, porque não se pode considerar a Lei nº 9.784/1999 uma das leis reguladoras do processo tributário administrativo, nos termos do disposto no artigo 151, III, do CTN. Se ela própria, em seu artigo 69, determina sua aplicação apenas subsidiária aos processos administrativos específicos, do qual o processo administrativo fiscal é o exemplo mais evidente, não há como enquadrá-la nas hipóteses do artigo 151, III.
50. A três, porque o julgamento é feito pelo próprio órgão lançador ou, quando muito, em última instância, por um superior hierárquico, caso dos Superintendentes Regionais da Receita Federal do Brasil. A estrutura do processo administrativo tributário brasileiro - notadamente, o federal - consolidou-se pela divisão clara entre órgãos preparadores, de um lado, e órgãos julgadores de primeira e segunda instância, de outro.
51. Quanto aos recursos referentes a arrolamento de bens e direitos, quando a transação tratar de substituição da garantia, não são, igualmente, aptos a dar origem ao contencioso administrativo fiscal.
52. A transação, tal como prevista em sua norma matriz, o artigo 171, do CTN, deve importar no encerramento de litígios e se voltar à extinção do crédito tributário. Transcreve-se:
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.
53. Questões envolvendo substituição de garantia não configuram, por si, litígios a serem resolvidos por meio da lei de transação, haja vista não estarem direcionados à extinção de crédito tributário. Tanto é assim, que a Lei nº 13.988/2020 somente menciona a substituição de garantia ao dispor sobre os benefícios possíveis de serem contemplados na transação. Não como uma das hipóteses de litígio a ser dirimido.
Art. 11. A transação poderá contemplar os seguintes benefícios:
(...)
III - o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições.
(...)
§ 6º Na transação, poderão ser aceitas quaisquer modalidades de garantia previstas em lei, inclusive garantias reais ou fidejussórias, cessão fiduciária de direitos creditórios e alienação fiduciária de bens móveis ou imóveis ou de direitos, bem como créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União reconhecidos em decisão transitada em julgado, observado, entretanto, que não constitui óbice à realização da transação a impossibilidade material de prestação de garantias pelo devedor ou de garantias adicionais às já formalizadas em processos judiciais. (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022)
54. Quanto ao parcelamento, pedimos licença para transcrever trecho do parecer CONJUNTO SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), cujas considerações julgamos pertinentes.
II.3 APROVEITAMENTO DE BENEFÍCIOS NA MIGRAÇÃO DE PARCELAMENTO PARA TRANSAÇÃO
32. Quanto ao disposto no art. 11, § 11, da Lei nº 13.988, de 2022, sustentou-se no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116) que “tem aplicação restrita aos créditos que estão inscritos em dívida ativa da União, vale dizer, cujo iter processual da cobrança amigável, previsto na Portaria MF nº 447, de 2018, já restou exaurido.”
33. Esse entendimento tem por fundamento a absoluta inexistência de contencioso administrativo fiscal, previsto no art. 151, III, do Código Tributário Nacional, em razão da adesão do contribuinte a regramento de parcelamento anterior. A confissão da dívida, pressuposto do parcelamento, necessariamente põe fim a qualquer contencioso administrativo tributário.
34. Sustenta a SRFB, contudo, que na “hipótese de recurso contra a rescisão de parcelamento, instaura-se um contencioso administrativo fiscal cujo objeto é a cobrança do crédito tributário [...]."
35. Em primeiro lugar, conforme sustentado no item anterior, não é qualquer dialética entre o contribuinte e a Administração Tributáriaque instaura o “contencioso administrativo fiscal” exigido como condição para transação dos créditos no âmbito da SRFB. Não tem o recursointerposto contra a rescisão de parcelamento, desta forma, o condão de instaurá-lo a ponto de suprir a exigência legal de contencioso.
36. Ademais, conforme estabelece a Lei nº 13.988/2020, também é pressuposto para o aproveitamento proporcional dos benefícios doacordo de parcelamento anterior à sua situação regular. Desta forma, de difícil compreensão fática como poderia um parcelamento estar ao mesmo tempo “regular” e submetido a contencioso (não contencioso administrativo fiscal) em razão do advento de causa de rescisão.
37. Esse entendimento da Receita Federal do Brasil foi estampado no supratranscrito art. 5º, III, “d”, da Portaria nº 247, de 2022, e em seu art. 14, § 4º. Esse último dispositivo imagina hipotética situação de um parcelamento regular e, ainda assim, submetido a contencioso administrativo.
38. Trata-se, como visto acima e no Parecer Conjunto SEI n. 63/2022/ME (Sei nº 28438116), de situação juridicamente impossível, porquanto mutuamente excludentes as duas condições.
55. Por fim, contrariamente ao entendimento aparentemente demonstrado pela RFB, a Lei do Processo Administrativo Fiscal - Decreto nº 70.235/1972 - é, de fato, a norma reguladora, por excelência, do contencioso administrativo tributário federal. Tratá-la como mais uma das várias normas que disciplinam a matéria não corresponde à realidade da disciplina do processo administrativo tributário federal.
56. Quando a doutrina, a jurisprudência ou o mesmo o profissional comum do direito fala em contencioso administrativo tributário federal, certamente está a se referir ao processo administrativo fiscal regido nos termos do Decreto nº 70.235/1972 e suas várias alterações ao longo dos anos. A própria Receita Federal do Brasil, na sua página na internet[3], ao apresentar o fluxo simplificado do processo administrativo fiscal, não faz outra coisa senão traduzir em gráficos as etapas procedimentais da Lei do Processo Administrativo Tributário Federal. Abaixo:
57. Por todas as razões expostas, a interpretação da RFB para a expressão contencioso administrativo fiscal parece-nos um alargamento indevido do significado pensado pelo legislador, ao editar a Lei de Transação.
58. Nesse ponto, vale transcrever trecho de recente artigo escrito para o portal Jota, pelo professor e Procurador da Fazenda Nacional, Leonardo Alvim[4], em que ele critica interpretações da norma que desconsideram a política pública que se pretendeu implementar (destaques acrescidos).
"Por aqui, parece que cada intérprete, ante a abertura inevitável da linguagem, avoca para si o poder de atribuir a interpretação que para ele soa melhor, não aderindo a qualquer projeto legislativo. Os intérpretes pragmatistas, diante de uma nova lei, ignoram os formuladores da política pública e oferecem cada um o que lhes parece ser a melhor interpretação. São milhares de técnicos escalando sua própria seleção de normas, escolhendo os princípios que existiriam e os que não existiriam, hierarquizando estes mesmos princípios, segundo seus próprios valores, e fazendo o mesmo com a força de cada argumento, sempre conforme suas convicções pessoais.
Em países desenvolvidos, a interpretação é voltada para os objetivos pretendidos com ela pelo legislador e por quem elaborou a política pública. Vale dizer, as notas técnicas, os pareceres, as justificativas, exposições de motivos e outros elementos formais relacionados com a norma são os elementos principais para sua interpretação. Dworkin chega a dizer que “as declarações de propósitos oficiais, feitas de forma canônica estabelecida pela prática da elaboração legislativa, deveriam ser consideradas, elas mesmas, normas do Estado personificado”. Como ele explica, seria um absurdo considerar cada declaração feita por um legislador sobre a finalidade de uma lei como sendo, ela própria, a lei do Estado, “mas um relatório formal de comissão, ou a declaração inconteste do relator de um projeto de lei, é coisa diferente; podem-se considerá-los como uma parte daquilo que o processo legislativo realmente produziu, alguma coisa com a qual o conjunto da comunidade está comprometido. Podem ser vistos desse modo desde que a prática os considere especiais, como o faz a prática norte- americana”.
Essa prática provoca não somente segurança jurídica, ante a maior previsibilidade interpretativa, como controle dos efeitos pretendidos com a política pública. Claro, os formuladores de política precisam ser mais transparentes em relação aos seus objetivos e estes podem ser superados quando levarem a interpretações absurdas (golden rules), por exemplo. Mas a interpretação deve partir destes objetivos."
59. Ao se pretender ampliar, de forma quase ilimitada, as possibilidades de transação de débitos no âmbito da RFB, somado ao estabelecimento de critérios pouco assertivos na determinação do grau de recuperabilidade das dívidas, corre-se o risco de transformar a Lei de Transação exatamente naquilo que se pretendeu evitar com a sua edição, como alertado no seguinte trecho da mensagem conjunta do Ministro de Estado da Economia e do Advogado Geral da União, transcrita na íntegra em seguida ao parágrafo 25, deste parecer, e que demonstra, com exatidão, os contornos da política pública que se pretendeu implementar (destaques acrescidos).
"3. A transação na cobrança da dívida ativa da União acarretará redução do estoque desses créditos, limitados àqueles classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, incrementará a arrecadação e esvaziará a prática comprovadamente nociva de criação periódica de parcelamentos especiais, com concessão de prazos e descontos excessivos a todos aqueles que se enquadram na norma (mesmo aqueles com plena capacidade de pagamento integral da dívida)."
60. Por fim, entretanto, ainda que se desconsiderem, completamente, as finalidades e objetivos pretendidos pelo legislador na interpretação da norma em debate, a própria regra matriz do instituto da transação, qual seja, o artigo 171, do CTN afasta a possibilidade do elastecimento do conceito de contencioso administrativo tributário, para fins de aplicação da Lei nº 13.988/2020.
61. Segundo o artigo 171, do CTN, a preexistência de litígio, a ser encerrado, é elemento necessário para configurar hipótese de realização da transação. E a consequência da resolução do litígio, por seu turno, é a extinção do crédito tributário, ainda que não imediatamente.
62. O litígio judicial é de fácil compreensão e prescinde de maiores digressões. O litígio no âmbito administrativo, por seu turno, poderia abrir margem a interpretações mais ou menos ampliativas dos seus limites.
63. O próprio Código Tributário Nacional, entretanto, traz a solução interpretativa mais adequada e coerente. Ao reconhecer o efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário aos recursos e reclamações apresentados nos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário, o artigo 151, III, do CTN, acaba por veicular a definição de litígio administrativo tributário, ou de contencioso administrativo fiscal.
64. Não qualquer insurgência do contribuinte, mas a discussão por ele iniciada, ou mantida, por meio das reclamações e recursos previstos nas leis reguladoras do processo administrativo fiscal, cujo efeito é a suspensão da exigibilidade do crédito discutido. Fato que, a propósito, não passou despercebido pelo legislador da Lei de Transação Tributária, como já demonstrado anteriormente neste parecer.
65. Nesse sentido, não merece reparo o Parecer Conjunto SEI 78/2022/ME, aprovado pelo então Ministro de Estado da Economia, ao rejeitar os recursos previstos na Lei nº 9.784/1999 como capazes de estabelecer o contencioso administrativo fiscal e ensejar hipóteses de aplicação da Lei de Transação Tributária.
3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS OUTROS TEMAS TRAZIDOS À APRECIAÇÃO DESTA CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO, TRATADOS NO PARECER Nº 00004/2023/DECOR/CGU/AGU
66. Nesse ponto, apesar de não ter sido solicitada manifestação deste Consultor da União sobre as outras questões trazidas à apreciação desta CGU/AGU, parece-nos necessário tecer algumas considerações a respeito dos temas tratados, não no intuito de infirmar o muito bem lançado Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), mas para complementar suas razões, sob a ótica do quanto nos parece ser o conceito de contencioso administrativo tributário, ou fiscal, para os fins de aplicação da Lei nº 13.988/2020.
67. A questão a respeito da necessidade ou não de submissão à PGFN das transações tributárias a serem firmadas pela RFB, foi assim suscintamente descrita no Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16):
38. Feita essa breve introdução, necessário rememorar os argumentos expostos por ambos os órgãos. De um lado, a PGFN assevera ser sua a competência para atuar na análise da legalidade da transação tributária realizada pela RFB, pois essa missão derivaria de sua condição de representante da União na esfera extrajudicial (CF, art. 131 c/c LC/73, art. 1º), bem como de sua competência de realizar a atividade de consultoria jurídica no âmbito do Ministério da Economia (LC n. 73/93, art. 12, IV). De outro, a RFB aponta como sua a atribuição para realizar a transação, independentemente de manifestação quanto à legalidade do ato pelo respetivo órgão de consultoria, argumentando que: i) a representação extrajudicial dos interesses públicos defendidos pela PGFN e pela Advocacia-Geral da União (AGU) deve ser interpretada como possível somente "em questões que não estejam inseridas nas atribuições regulares do funcionamento ordinário" de outro órgão; ii) haveria ofensa ao inciso XVIII do art. 37 da CF, "a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei"; e iii) tornaria mais burocrática a transação.
68. Conforme se depreende das manifestações da PGFN e RFB sobre a questão, transcritas no mencionado parecer, a primeira entendia que a transação tributária dos créditos em contencioso administrativo fiscal atraía a representação extrajudicial União e, portanto, sua participação nos acordos de transação era mandatória, por força, inclusive, do artigo 131, da Constituição. Já a RFB, em sentido diametralmente oposto, entendia ter autonomia plena para levar a termo as transações no âmbito do contencioso administrativo fiscal, sem necessidade de submeter ato algum à apreciação da PGFN.
69. O argumento da RFB quanto a possível ofensa ao inciso XVIII do art. 37 da Constituição restou afastada, de pronto, haja vista o dispositivo invocado não guardar relação de pertinência com o tema em debate. Do mesmo modo, afastou-se a interpretação segundo a qual a referência à Lei Complementar nº 73/93 "deve ser interpretada no sentido da impossibilidade de a RFB celebrar transação de créditos que sejam objeto de acordo, compromisso ou transação celebrados pela AGU com base na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997", por não haver sequer referência a esse diploma legal na Lei de Transação, não havendo razão para o legislador, pretendo remeter a uma norma, não o fazer "direta e objetivamente, não de maneira obscura e indireta."
70. Quanto à pretensão da PGFN, entendeu o opinativo em questão:
"A respeito da transação tributária, embora não seja instituto cuja aplicação reclame o exercício, pela PGFN, da representação extrajudicial da União, é necessário que o órgão realize o exame prévio de legalidade do ato, por força por força dos arts. 10-A e 13 da Lei n. 13988/2020, combinados com o inciso IV do art. 12 da LC 73/1993 e com o próprio art. 131 da Constituição da República, nos termos dos argumentos técnico-jurídicos expendidos ao longo desse opinativo."
71. Quanto à atribuição da PGFN para realizar o exame prévio de legalidade dos atos relativos à de transação tributária, nos termos dos artigos 10-A e 13 da Lei n. 13988/2020, combinados com o inciso IV do artigo 12 da LC 73/1993 e com o artigo 131 da Constituição, o Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16) é absolutamente preciso e nada há a acrescentar.
72. Quanto à representação extrajudicial da União, por seu turno, parece-nos adequado tecer algumas rápidas considerações, notadamente em face das especificidades do processo administrativo tributário.
73. O Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16) assevera, em certo ponto (destaques acrescidos):
52. Por isso, a representação extrajudicial propriamente dita, nos termos previstos na Lex Fundamentalis e na LC n. 73/93, é exclusiva. Sem embargo, a despeito dessa característica, não há que se falar em representação extrajudicial no desempenho das funções ordinárias pelos órgãos do Executivo. Não por ser essa espécie de representação dispersa e fluida entre outros órgãos e carreiras, mas simplesmente por tratar-se de fenômeno jurídico diverso daquele concebido pela Constituição Federal.
(...)
Aliás, é bom que se diga, fosse essa a hipótese (de representação extrajudicial), à PGFN não incumbiria somente realizar o exame de legalidade precedente à efetivação do ato. Teria ela que assumir a condição de autoridade competente para a sua própria produção. A prevalecer essa posição, a RFB, somente por delegação formal e específica, poderia realizar a transação. E, pelo que emerge dos autos, nem mesmo é isso que alega a PGFN, cuja compreensão simplesmente caminha no sentido de que lhe incumbe a análise de legalidade do ato a ser praticado.
Se se tratasse de representação extrajudicial, inclusive, haveria vício nos textos dos arts. 10-A e 13 da Lei n. 13.988/2020, cuja constitucionalidade se presume. O primeiro autoriza que a transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal seja proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. O segundo, por sua vez, estabelece a competência do Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, quanto aos créditos em contencioso administrativo fiscal, assinar o termo de transação realizado de forma individual, desde que, obviamente, ainda não inscritos em dívida ativa.
74. A questão, colocada em tons brancos e pretos, talvez possa comportar algumas matizes de cinza. Dispõe o artigo 4º, VI, da Lei Complementar nº 73/93:
LC 73/93:
Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:
VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente;
75. Trata-se de dispositivo que concretiza, juntamente com outros incisos do mesmo artigo 4º, a norma constitucional que determina a representação judicial - e extrajudicial - da União, pela Advocacia-Geral da União, atribuindo ao titular do órgão as competências para transigir nas ações de interesse do ente federativo.
76. No intuito, entre outras coisas, de regulamentar o referido dispositivo da Lei Complementar, como se prova por sua ementa, ora transcrita, foi editada a Lei nº 9.469/1997 (destaques acrescidos):
Regulamenta o disposto no inciso VI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; dispõe sobre a intervenção da União nas causas em que figurarem, como autores ou réus, entes da administração indireta; regula os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária; revoga a Lei nº 8.197, de 27 de junho de 1991, e a Lei nº 9.081, de 19 de julho de 1995, e dá outras providências.
77. Em que pese ter sido editada, portanto, para regulamentar o dispositivo da LC 73/93 que dispõe sobre atribuições próprias do Advogado-Geral da União para transigir em ações de interesse da União, dispõe o artigo 1º, Lei nº 9.469/1997:
Art. 1º O Advogado-Geral da União , diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, poderão autorizar a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais.
78. Se decorre da representação judicial e extrajudicial da União a possibilidade do Advogado-Geral da União autorizar a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais, sem precisar firmá-los pessoalmente, ou por pessoa por ele delegada, não nos parece que eventual representação extrajudicial da União, pela PGFN, caso configurada no caso concreto, devesse impor, por consectário lógico, o mister de assinar todos os atos de transação, em substituição à Receita Federal do Brasil.
79. A representação extrajudicial da AGU, no caso, se perfaz na sua atribuição de simplesmente autorizar a transação, e se coaduna, tranquilamente, com a competência do representante legal do órgão diretamente envolvido no litígio para firmar os termos correspondentes.
80. A dicção do artigo 1º, da Lei nº 9.469/1997 é didática, ainda, porquanto confere os mesmos poderes cominados ao AGU aos dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, demonstrando que a representação extrajudicial da União pode, em certas circunstâncias, ultrapassar a competência de apenas atuar como procurador do ente federativo, no mister de advogar em suas causas, para, de fato, titularizar os interesse da União, a exemplo dos dirigentes máximos das empresas públicas, em relação a elas.
81. Voltando ao tema em discussão, dispõe o artigo 12, V e parágrafo único, da Lei Complementar nº 73/1993 (destaques acrescidos):
Art. 12 - À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:
V - representar a União nas causas de natureza fiscal.
Parágrafo único - São consideradas causas de natureza fiscal as relativas a:
I - tributos de competência da União, inclusive infrações à legislação tributária;
II - empréstimos compulsórios;
III - apreensão de mercadorias, nacionais ou estrangeiras;
IV - decisões de órgãos do contencioso administrativo fiscal; V - benefícios e isenções fiscais;
VI - créditos e estímulos fiscais à exportação;
VII - responsabilidade tributária de transportadores e agentes marítimos;
VIII VIII - incidentes processuais suscitados em ações de natureza fiscal.
82. Da mesma forma que o termo "ações de interesse da União" não limita a aplicação do 4º, VI, da Lei Complementar nº 73/93, apenas às ações judiciais, como prova a sua regulamentação pelos dispositivos da Lei nº 9.469/1997, com mais razão a dicção "causas de natureza fiscal", contida no artigo 12, V, não pode ser lida como exclusivamente direcionada à atuação em juízo.
83. E, com efeito, a PGFN detém a atribuição legal de representar a União, extrajudicialmente, nos órgãos do contencioso administrativo fiscal, como o CARF e o Conselho Superior de Recursos Fiscais, consoante previsão em vários dispositivos da Lei do Processo Administrativo Fiscal Federal - Decreto nº 70.235/1972, ora reproduzidos:
Art. Far-se-á a intimação:
(...)
§ 7o Os Procuradores da Fazenda Nacional serão intimados pessoalmente das decisões do Conselho de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais, do Ministério da Fazenda na sessão das respectivas câmaras subseqüente à formalização do acórdão. (Incluído pela Lei nº 11.457, de 2007)
§ 8o Se os Procuradores da Fazenda Nacional não tiverem sido intimados pessoalmente em até 40 (quarenta) dias contados da formalização do acórdão do Conselho de Contribuintes ou da Câmara Superior de Recursos Fiscais, do Ministério da Fazenda, os respectivos autos serão remetidos e entregues, mediante protocolo, à Procuradoria da Fazenda Nacional, para fins de intimação. (Incluído pela Lei nº 11.457, de 2007)
§ 9o Os Procuradores da Fazenda Nacional serão considerados intimados pessoalmente das decisões do Conselho de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais, do Ministério da Fazenda, com o término do prazo de 30 (trinta) dias contados da data em que os respectivos autos forem entregues à Procuradoria na forma do § 8o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.457, de 2007)
Art. 26. Compete ao Ministro da Fazenda, em instância especial:
I - julgar reursos de decisões dos Conselho de Contribuintes, interpostos pelos Procuradores Representantes da Fazenda junto aos mesmos Conselhos;
84. Nesse sentido, o contencioso administrativo fiscal possui peculiaridades que excepcionam algumas conclusões obtidas a partir dos opinativos citados no parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), como, por exemplo, a constante do trecho abaixo:
Destarte, sem a pretensão de exaurir as hipóteses de representação extrajudicial, tem-se certo que ela ocorrerá nas situações em que seja necessária a participação de um profissional do direito em foro estranho ao Poder Judiciário, como ocorre, por exemplo, na atuação perante os tribunais arbitrais, bem como nas hipóteses em que seja necessária a manifestação de vontade do ente perante tribunais administrativos não integrantes do Poder Executivo Federal, como nos processos em curso perante o Tribunal de Contas da União.
85. Embora os órgãos do contencioso administrativo fiscal federal componham a estrutura do Ministério da Fazenda, logo, do Poder Executivo Federal, a participação da PGFN e de seus membros funda-se, precisamente, na atribuição de representar extrajudicialmente os interesses da União.
86. Sua organização, notadamente a partir da segunda instância administrativa, com composição paritária entre representantes do Fisco e dos contribuintes, torna mandatória a representação dos interesses da União pelos Procuradores da Fazenda Nacional. Inclusive pela necessidade de equilíbrio de forças, já que as maiores empresas do país são, também, as maiores litigantes do contencioso administrativo tributário, em valores discutidos, e apresentam-se, via de regra, representados pelos mais destacados advogados tributaristas privados do país.
87. Disso não decorre, obviamente, a atribuição exclusiva da PGFN e de seus membros para firmar os termos de transação de créditos que estejam em discussão nos órgãos do contencioso administrativo fiscal. A Lei da Transação é clara em cominar essa atribuição à Secretaria da Receita Federal do Brasil. O que não nos parece possível é excluir a PGFN da apreciação dos atos e termos de transação, não só em face do necessário e legalmente previsto assessoramento jurídico prévio, como bem determinado nas conclusões do Parecer 00004/2023/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), mas também em face da atribuição, legal e constitucional, de representar os interesses da União nas causas de natureza fiscal, no âmbito do contencioso administrativo fiscal.
88. Não é outro o fundamento do artigo 1º, Lei nº 9.469/1997. Competindo ao AGU representar a União, judicial e extrajudicialmente (artigo 131, da Constituição), e, pois, sendo-lhe atribuído transigir nas ações de interesse da União (artigo 4º, VI, da LC nº 73/93), daí decorre sua competência para autorizar a realização de transação para prevenir ou terminar litígios.
89. Nessa mesma linha, a nosso juízo, deve caminhar a melhor interpretação para a menção à LC n 73/1993, contidas nos artigo 10-A e 13, da Lei nº 13.988/2020. Se a PGFN presenta, ou representa, os interesses da União no contencioso administrativo tributário, um ato de disposição deles, ou que se proponha a deles dispor, como se verifica nas concessões mútuas, típicas da transação, não pode prescindir da manifestação - que pode ser prévia ou mesmo concomitante à sua assinatura - do órgão que representa, por força da Constituição e da LC nº 73/1993, esses mesmos interesses. Manifestação esta cuja natureza jurídica é semelhante àquela do artigo 1º, da Lei nº 9.469/1997, por possuírem igual fundamento na Constituição e na Lei Complementar da AGU.
c) Acerca o segundo tema, conquanto a fixação do grau de recuperabilidade dos créditos também não se relacione à representação extrajudicial da União, há, nos termos do presente opinativo, regra expressa a respeito da competência do PGFN para fazê-lo, cujo berço é o parágrafo único do art. 14 da Lei 13.988/2020, e sobejam pressupostos lógicos para que seja atribuída a tarefa exclusivamente à referida autoridade.
91. Com efeito, surpreende que a questão tenha sido trazida à apreciação da Advocacia-Geral da União e, pois, desta Consultoria-Geral da União, haja vista a existência de regra expressa na Lei nº 13.988/2020 dispondo a respeito, como bem pontuado no opinativo. Igualmente muito bem colocado no parecer, são muitos os pressupostos lógicos a sugerir a atribuição exclusiva desse mister para a PGFN, como decidiu o legislador. Pela sua pertinência, vale transcrever os fundamentos abraçados pelo opinativo.
De todo modo, manifestamente não é dado a RFB fazê-lo. Não fosse suficiente a literalidade ofuscante do parágrafo único do art. 14 da Lei 13.988/2020, o dispositivo tem por sustentáculo sólidas e múltiplas razões de ordem lógica. Entre elas, elenco três. A uma, se é a PGFN que representa a União nas demandas judiciais, é ela que tem contato exclusivo com os entendimentos das cortes de justiça sobre o tema. Atuando na execução judicial do débito, possui a PGFN uma visão induvidosamente mais ampla sobre a viabilidade da satisfação do crédito à luz das inclinações da jurisprudência. A duas, porque a execução judicial é caracterizada pela coercibilidade, pela invasão forçada no patrimônio do cidadão, aparelhada de medidas de bloqueio e constrição patrimonial que não podem ser adotadas sponte propria pelo Estado-Administração, mas somente com incursão do Estado-Juiz. Dessa maneira, parece evidente que somente a PGFN possui a exata dimensão das possibilidades de constrição judicial do patrimônio do devedor e de suas respectivas efetividades para a satisfação do crédito. A três, porque, em franca reverência ao princípio constitucional da isonomia, não pode haver critérios dissonantes acerca das hipóteses em que um determinado crédito é irrecuperável ou não, o que poderia favorecer um devedor em detrimento de outro.
Nessa perspectiva, qualquer ato normativo que venha a se imiscuir na atribuição exclusiva contemplada no parágrafo único do art. 14 da Lei n. 13.988/2020 de disciplinar, por ato próprio, i) os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, ii) os parâmetros para aceitação da transação individual e iii) a concessão de descontos, "entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança", será revestido de nulidade por vício de competência.
92. Conquanto de acordo com as razões colocadas, apenas com a ressalva de que medidas coercitivas visando a recuperação de créditos podem, em alguns casos, prescindir do Estado-Juiz, como é o caso, por exemplo, do protesto extrajudicial, podem ainda ser apontados fundamentos de outra ordem para sustentar referida competência legal.
93. Com efeito, conforme extrai-se do Despacho nº 00306/2022/DENOR/CGU/AGU, de 15/07/2022, de aprovação do Parecer nº 00147/2022/DENOR/CGU/AGU, o qual recomendou a sanção integral do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 12, de 2022 (Medida Provisória n° 1.090, de 2021), ambos aprovados pelo Consultor-Geral da União e o Advogado-Geral da União Substituto, há razões outras, além da própria literalidade da lei e pressupostos lógicos, a sustentar a competência da PGFN para atestar o grau de recuperabilidade dos créditos. Transcreve-se o seguinte trecho do referido Despacho nº 00306/2022/DENOR/CGU/AGU (destaques no original)
2. Todavia, em complemento ao respeitável Parecer, friso a necessidade de sanção aos seguintes dispositivos do PLV 12, de 2022:
I - o art. 10, na parte que altera o inciso I do art. 11, bem como que acresce o parágrafo único ao art. 14, ambos da Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, mantendo com o Procurador-Geral da Fazenda Nacional a competência de: (a) estabelecer critérios para a concessão de descontos nas multas, nos juros e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação; e (b) disciplinar os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação da transação individual e a concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a sua temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança; e
II - o art. 16, na parte em que revoga o inciso V, do art. 14 da Lei n° 13.988, de 2020, uma vez que o referido inciso, na redação atual, prevê que ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional disciplinará "os critérios para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, os parâmetros para aceitação da transação individual e a concessão de descontos, entre eles o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança e a vinculação dos benefícios a critérios preferencialmente objetivos que incluam ainda a idade da dívida inscrita, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança judicial" e tal previsão - conforme acima mencionado - irá constar do novo parágrafo único do art.14 da Lei nº 13.988, de 2020, acrescido pelo art. 10 do PLV, não se submetendo a nova redação a ser dada ao caput do art.14 da Lei nº 13.988, de 2020, cindindo a competência de disciplinar assuntos relacionados à transação tributária, para prever que ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional compete disciplinar tais assuntos em ato próprio quanto aos créditos inscritos em dívida ativa e ao Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, quanto aos créditos em contencioso administrativo fiscal.
3. E deve ser sancionado os dispositivos do PLV acima mencionados não só diante do fato de que tais dispositivos não possuem inconstitucionalidade formal ou material, estando, inclusive, em acordo com as competências constitucionais da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional previstas no § 3º do art. 131 da Constituição Federal, uma vez que os critérios a serem disciplinados pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional estão diretamente
relacionados à possível cobrança, amigável ou judicial, de dívida ativa da União de natureza tributária, ou seja, ao grau de recuperabilidade das dívidas, mas também em virtude de que veto a qualquer um dos mencionados dispositivos inviabilizaria, na prática, conforme informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a transação tributária, pondo fim a um programa que, em pouco mais de dois anos, conduziu à regularização de mais de R$ 250 bilhões em débitos inscritos em dívida ativa da União, e acarretaria a necessidade de veto, por inconstitucionalidade material e formal, à alteração ao art. 14, caput, introduzida pelo art. 10, do PLV 12, de 2022.
4. Aqui, cabe, ainda, ressaltar que a competência para definição de parâmetros envolvendo negociação de dívidas, por implicar transação de direitos da União com base numa análise de recuperabilidade por meio de cobrança, inclusive judicial, é de competência privativa da Advocacia-Geral da União, a teor do art. 131 da Constituição Federal e dos arts. 4º, inciso VI
, e 12, inciso V, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
5. De modo que caso sejam vetados os dispositivos do PLV acima mencionados, estará ocorrendo invasão de competência e necessidade de veto às alterações pretendidas ao art. 14, caput, da Lei nº 13.988, de 2020, não só por afrontar o § 3º do art. 131 da Carta Magna, mas também por contrariedade ao interesse público, sob pena de subsistir no ordenamento previsões conflitantes, quais sejam, a nova redação do caput do art. 14 da Lei nº 13.988 e o disposto nos dos arts. 4º, inciso VI , e 12, inciso V, da Lei Complementar nº 73, de 1993, e porque haveria uma clara ofensa ao princípio da segregação de funções no âmbito da Administração Pública, com a concentração no mesmo órgão de poderes de aplicar a multa e de definir os parâmetros para negociar as multas aplicadas.
6. Isso, inclusive, pode, em tese, gerar um incentivo à aplicação de multas elevadas, já que o órgão de fiscalização poderia posteriormente, com base em seus critérios discricionários, reduzir a sanção aplicada em interação direta com o próprio contribuinte autuado, uma vez que o órgão sancionador atuaria sem qualquer instância de governança, causando insegurança jurídica.
7. Assim, para observância ao princípio da segregação de funções, é imprescindível que os poderes de aplicar multas e de negociar as multas geradas fiquem em órgãos diversos, sob pena de um retrocesso institucional.
94. O item 4, do trecho transcrito, corrobora, em relação à competência para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas, as mesmas razões que fundamentam, a nosso ver, a necessária manifestação da PGFN para os atos de transação de créditos em contencioso administrativo fiscal, tratados no item 3.1. deste opinativo.
95. Na linha do despacho acima reproduzido, seria, no mínimo, de duvidosa constitucionalidade a proposta que pretendesse retirar da PGFN a competência exclusiva para o mister previsto no artigo 14, parágrafo único, da Lei 13.988/2020.
96. Não bastassem os fundamentos jurídicos e os pressupostos de ordem lógica a recomendar a manutenção da competência da PGFN, ora tratada, a previsão do artigo 17, § 2º, da Portaria RFB nº 247/2022, demonstra, em concreto, que o legislador agiu corretamente ao editar a norma do artigo 14, parágrafo único, da Lei 13.988/2020. Transcreve-se, para melhor compreensão, o dispositivo regulamentar editado pela RFB:
§ 2º Consideram-se irrecuperáveis os créditos tributários em contencioso administrativo há mais de 10 (dez) anos, observados como parâmetros:
I - o período de cobrança dos débitos;
II - a baixa expectativa de priorização de julgamento;
III - a baixa perspectiva de êxito das estratégias administrativas e judiciais de cobrança; e IV - o custo da cobrança administrativa e judicial.
97. Com efeito, como apontado no Parecer Conjunto SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), não nos parece haver correlação necessária entre o tempo do processo no contencioso administrativo fiscal e a recuperabilidade ou irrecuperabilidade de créditos tributários. Como afirmando neste parecer, as maiores e mais sólidas empresas do país são, também, as detentoras dos maiores créditos em contencioso administrativo tributário e, muitas vezes, partes nos processos de maior complexidade técnica e maior volume de documentos. E o congestionamento dos órgãos de julgamento administrativo, razão principal pela qual muitos processos demoram anos para serem decididos, pode não ter relação alguma com a capacidade de pagamento dessas empresas.
98. Ao criar um critério desvinculado da real capacidade econômica de cada contribuinte, além de todas as questões levantadas no Parecer Conjunto SEI Nº 78/2022/ME (Seq. 9), a RFB não só invadiu a competência legal da PGFN, insculpida de maneira cristalina no artigo 14, parágrafo único, da Lei nº 13.988/2020, como deixou de observar os princípios da isonomia e da capacidade contribuinte, dispostos no artigo 1º, § 2º, do mesmo diploma legal.
99. O exemplo descrito corrobora, na prática, as razões de ordem jurídica que fundamentam a manutenção dessa atribuição no órgão que tem por atribuição constitucional a cobrança da Dívida Ativa da União, ou seja, a recuperação do crédito, tributário e não tributário, não adimplido espontaneamente pelo contribuinte-devedor, como bem apontado no citado Despacho nº 00306/2022/DENOR/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União e pelo Advogado-Geral da União Substituto.
4. CONCLUSÃO
100. Podemos resumir, assim, as conclusões deste parecer:
a) O legislador, ao se utilizar dos termos contencioso administrativo, contencioso administrativo tributário, ou contencioso administrativo fiscal, pretendeu-se referir aos procedimentos administrativos originados das manifestações do contribuinte de que trata, especificamente, o artigo 151, III, do CTN. Quais sejam, reclamações e recursos apresentados nos termos das leis reguladoras do processo administrativo fiscal, cuja consequência é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário discutido. Os recursos previstos na Lei nº 9.784/1999 não preenchem esses requisitos, seja porque não possuem efeito suspensivo, por expressa disposição do artigo 61, caput, da Lei nº 9.784/1999, seja porque esse diploma legal não pode ser considerado uma das leis reguladoras do processo administrativo tributário. Ou, por fim, porque os procedimentos regidos por essa norma não configuram os litígios de que trata a norma matriz da transação, qual seja, o artigo 171, do CTN.
b) A PGFN representa os interesses da União no contencioso administrativo fiscal, por força do artigo 131, da Constituição, do artigo 12, V, da LC 73/1993 e das normas contidas no próprio Decreto nº 70.235/1972. Conquanto os órgãos de julgamento administrativo pertençam à estrutura do Ministério da Fazenda, verifica-se legítima hipótese de representação extrajudicial da União. Também por essa razão, a transação de créditos no contencioso administrativo fiscal não pode prescindir de manifestação do órgão que representa os interesses sobre os quais se vai fazer concessões. A participação prévia da PGFN nos atos de transação é obrigatória, portanto, não somente em razão do necessário exame prévio de legalidade do ato, por força dos arts. 10-A e 13 da Lei nº 13.988/2020, combinados com o inciso IV do art. 12 da LC 73/1993 e com o próprio artigo 131 da Constituição da República, mas também por força do mesmo artigo 131, da Constituição, combinado com os artigos 4º, VI e 12, V, da LC 73/1993 e dos diversos dispositivos do Decreto nº 70.235/1972 que tratam da representação extrajudicial da União, pela PGFN, no contencioso administrativo tributário.
c) Quanto à competência para definir o grau de recuperabilidade dos créditos em contencioso administrativo fiscal, além de haver expressa disposição legal no parágrafo único do artigo 14, da Lei nº 13.988/2020, e de diversos pressupostos lógicos a recomendar a manutenção dessa regra, como bem pontuado no Parecer 00004/2023
/DECOR/CGU/AGU (Seq. 16), a previsão, a exemplo da questão anterior, também encontra fundamento no artigo 131 da Constituição da República e nos artigos 4º, inciso VI, e 12, inciso V, da Lei Complementar nº 73/1993, como assentado no Despacho nº 00306/2022/DENOR/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União e pelo Advogado-Geral da União Substituto. Do ponto de vista jurídico-formal, referida competência sustenta-se, portanto, não só na previsão legal expressa da própria Lei de Transação, como também na Lei Complementar nº 73/1993 e na própria Constituição da República.
101. É esta a minha opinião, que submeto à consideração superior, para chancela ou eventual revisão.
À consideração superior.
Brasília, 31 de março de 2023.
Assinado Eletronicamente
TULIO DE MEDEIROS GARCIA
Procurador da Fazenda Nacional Consultor da União
Notas
1. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP-899-19.pdf
2. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2171603& filename=PPP+1+MPV109021+%3D%3E+MPV+1090/2021
3. https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/julgamento-administrativo/fluxo- simplificado-do-processo-administrativo-fiscal
4. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/por-que-fisco-contribuinte-e-judiciario-interpretam-a-lei-cada- um-a-seu-modo-03022023
Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.4.2023 e retificado em 19.4.2023.