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Presidência da República
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 1.807, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1o do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar, parcialmente, o Projeto de Lei no 17, de 1999 (no 2.872/97 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal".

Decidi vetar os dispositivos a seguir transcritos:

Inciso II do parágrafo único do art. 1o, § 4o do art. 5o e art. 9o

"Art. 1o ...............................................................................

Parágrafo único. ...................................................................

...........................................................................................

II - em face de interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas Casas, ou regimento comum do Congresso Nacional, no processo legislativo de elaboração das normas previstas no art. 59 da Constituição Federal."

"Art. 5o................................................................................

...........................................................................................

§ 4o Se necessário para evitar lesão à ordem constitucional ou dano irreparável ao processo de produção da norma jurídica, o Supremo Tribunal Federal poderá, na forma do caput, ordenar a suspensão do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira, ou ainda da promulgação ou publicação do ato legislativo dele decorrente."

"Art. 9o Julgando procedente a argüição, o Tribunal cassará o ato ou decisão exorbitante e, conforme o caso, anulará os atos processuais legislativos subseqüentes, suspenderá os efeitos do ato ou da norma jurídica decorrente do processo legislativo impugnado, ou determinará medida adequada à preservação do preceito fundamental decorrente da Constituição."

Razões dos vetos

Impõe-se o veto das disposições acima referidas por inconstitucionalidade.

Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à "interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional" prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1o. Tais questões constituem antes matéria interna corporis do Congresso Nacional. A intervenção autorizada ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas constitucionais. Essa orientação restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança no 22503-DF, Relator para o Acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ 06.06.97, p. 24872. Do mesmo modo, no julgamento do Mandado de Segurança no-22183-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal assentou: "3. Decisão fundada, exclusivamente, em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos (art. 8o). 3.1 O fundamento regimental, por ser matéria interna corporis, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário. 3.2 Inexistência de fundamento constitucional (art. 58, § 1o), caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário" (DJ 12-12-97, p. 65569). Dito isso, impõe-se o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do Supremo Tribunal Federal em matéria interna corporis do Congresso Nacional. No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do Supremo Tribunal Federal, seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão, em se tratando da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo.

A seu turno, impõe-se o veto do § 4o do art. 5o pelas mesmas razões aduzidas para vetar-se o inciso II do parágrafo único do art. 1o, consubstanciadas, fundamentalmente, em intervenção excessiva da jurisdição constitucional no processo legislativo, nos termos da mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O art. 9o, de modo análogo, confere ao Supremo Tribunal Federal intervenção excessiva em questão interna corporis do Poder Legislativo, tal como asseverado no veto oposto ao inciso II do parágrafo único do art. 1o. Com efeito, a disposição encontra-se vinculada à admissão da ampla intervenção do Supremo Tribunal Federal nos processos legislativos in genere. Assim, opostos vetos às disposições insertas no inciso II do parágrafo único do art. 1o e ao § 4o do art. 5o, torna-se imperativo seja vetado também o art. 9o.

Inciso II do art. 2o

"Art. 2o..............................................................................

.........................................................................................

II - qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público.

.........................................................................................."

Razões do veto

A disposição insere um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. Dúvida não há de que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia devem zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais. De resto, o amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas inscrito no art. 103 da Constituição Federal assegura a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania. Cabe igualmente ao Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes. Afigura-se correto supor, portanto, que a existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – torna desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicam os feitos a examinar sem que se assegure sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constitui inequívoca ofensa ao interesse público. Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento.

Parágrafo 2o do art. 2o

"Art. 2o ..............................................................................

..........................................................................................

§ 2o Contra o indeferimento do pedido, caberá representação ao Supremo Tribunal Federal, no prazo de cinco dias, que será processada e julgada na forma estabelecida no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal."

Razões do veto

A exigência de um juízo favorável do Procurador-Geral da República acerca da relevância e da consistência da fundamentação da representação (prevista no § 1o do art. 2o) constitui um mecanismo adequado para assegurar a legitimidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental. A legitimidade da exigência reside não só na necessidade de resguardar a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal – por meio da indagação substancial acerca da relevância e da consistência das questões a serem apreciadas – bem como em razão da inexistência de um direito subjetivo a essa prestação jurisdicional. Com efeito, ao apreciar o Mandado de Segurança no 23565-DF (Relator Ministro Celso de Mello), asseverou ainda o Supremo Tribunal Federal: "Em suma: a eventual pretensão de terceiro, em não sofrer os efeitos derivados de norma legal ou de emenda à Constituição, ainda em fase de elaboração, e alegadamente ofensiva de qualquer das cláusulas constitucionais, não se eleva, por si só, à condição de direito líquido e certo para fins do processo mandamental e de ativação da jurisdição do Estado, especialmente – tal como no caso ocorre – se a tutela jurisdicional é invocada para paralisar o curso regular de processo de reforma da Carta Política instaurado perante órgão competente". Por outro lado, a existência de amplo rol de entes social e juridicamente legitimados para a promoção do controle abstrato de normas assegura a adequada veiculação das questões constitucionais de fundamentação relevante e consistente, sem prejuízo do amplo acesso individual ao controle difuso de constitucionalidade. Nessa medida, inexistindo direito subjetivo a um acesso imediato ao Supremo Tribunal Federal ao mesmo tempo em que se asseguram outras e amplas vias para o processo e julgamento das controvérsias constitucionais pertinentes, a admissão de um recurso ao Supremo Tribunal Federal na hipótese de indeferimento da representação desqualifica o necessário exame de relevância e consistência pelo Procurador-Geral da República e cria, em verdade, procedimento adicional e desnecessário a demandar processamento e julgamento específico. Impõe-se, destarte, o veto da disposição por contrariar o interesse público.

Parágrafos 1o e 2o do art. 8o

"Art. 8o...........................................................................

§ 1o Considerar-se-á procedente ou improcedente a argüição se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos dois terços dos Ministros.

§ 2o Se não for alcançada a maioria necessária ao julgamento da argüição, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se sessão plenária na qual se atinja o quorum mínimo de votos."

Razões do veto

O § 1o do art. 8o exige, para o exame da argüição de descumprimento de preceito fundamental, quorum superior inclusive àquele necessário para o exame do mérito de ação direta de inconstitucionalidade. Tal disposição constituirá, portanto, restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e a eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. A isso, acrescente-se a consideração de que o escopo fundamental do projeto de lei sob exame reside em ampliar a eficácia e o alcance do sistema de controle de constitucionalidade, o que certamente resta frustrado diante do excessivo quorum exigido pelo dispositivo ora vetado. A fidelidade à Constituição Federal impõe o veto da disposição por interesse público, resguardando-se, ainda uma vez, a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal e a presteza nas suas decisões.

Opõe-se ao § 2o do art. 8o veto decorrente do veto oposto ao § 1o do art. 8o, de cujo conteúdo normativo o § 2o encontra-se inequivocamente dependente e de cujos vícios comunga.

Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 3 de dezembro de 1999.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.12.1999.