Presidência
da República |
E.M. no 38 - CCIVIL
Em 25 de setembro de 2003.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Entre as várias situações que requereram medidas precisas e corajosas do Governo de Vossa Excelência, quase que imediatamente após sua posse em 1o de janeiro de 2003, destaca-se a crise em relação à comercialização da soja, colhida pelos produtores rurais no início do ano e plantada, em algumas regiões do País, com a utilização de sementes geneticamente modificadas, sem o devido cumprimento dos requisitos legais, em especial os contidos na legislação ambiental.
Essa situação, decorrente de uma cultura de descumprimento, por muitos anos, da legislação vigente, potencializada por um arcabouço legal com muitos pontos conflitantes, pela omissão no controle e monitoramento de governos anteriores e pelo desaparelhamento estatal herdado pelo atual Governo, foi enfrentada com a adoção de algumas medidas que modificaram a própria legislação e, mais do que isso, estabeleceram novo patamar qualitativo no processo decisório de governo, focado na interação das diversas visões setoriais e na disposição de passar a controlar efetivamente o processo de liberação dos organismos geneticamente modificados (OGM) no meio ambiente e para consumo humano.
Dentre essas, merecem menção o Decreto no 4.602, de 21 de fevereiro de 2003, que instituiu Comissão Interministerial para construir uma visão integrada do Governo sobre o tema, a edição da Medida Provisória no 113, convertida na Lei no 10.688, de 13 de junho de 2003, que estabeleceu normas para a comercialização da produção de soja da safra de 2003, o Decreto no 4.680, de 24 de abril de 2003, que estabeleceu regras mais rígidas que as anteriormente existentes, no nível mais restrito na experiência internacional, sobre a rotulagem de produtos que contêm OGM e, por último, o encaminhamento ao Congresso Nacional da Mensagem Presidencial no 349, de 25 de julho de 2003, propondo a adesão do Brasil ao Protocolo de Cartagena, todas medidas voltadas a fortalecer o poder do Estado no exercício de suas competências sobre a matéria e atender aos interesses da sociedade.
O cenário construído nesses poucos meses difere muito daquele do início de 2003. Além de superar o risco de crise econômica, deu-se início ao redesenho da estrutura institucional do Governo e é iminente o envio, por parte do Poder Executivo, de projeto de lei ao Congresso Nacional, resultado de amplo processo de discussão, que traz nova formatação do marco regulatório sobre biossegurança de OGM.
Apesar dessa série de iniciativas e das restrições firmadas pela Lei no 10.688, de 2003, relativamente ao plantio de soja geneticamente modificada para a safra de 2004, algumas situações não foram alcançadas pelo exercício do poder de Estado, de forma a adequar a ação de todos os agentes envolvidos. Com efeito, as dificuldades são expressivas no que se refere à cultura de soja no País, cuja produção, nos últimos anos, apresenta índices crescentes de participação da soja geneticamente modificada, notadamente no Estado do Rio Grande do Sul, onde o ingresso de sementes foi favorecido pela proximidade geográfica com países que não impõem restrições ao seu uso.
Em função da situação pré-constituída e de razões econômicas e culturais, na maioria das vezes relacionadas à sua condição de pequenos proprietários, milhares de agricultores reservaram sementes da safra colhida em 2003, para plantio da futura safra, ainda que contrariando as disposições legais, situação que impõe ao Governo a reconsideração de parte dessas disposições, sob pena de agravamento da crise social nas regiões onde este fato ocorreu.
Não é demais lembrar a importância da cultura de soja para o País e, em função dela, considerarem-se as seguintes informações relativas ao seu cultivo e às condições dos agricultores alcançados pela medida provisória que ora se propõe a Vossa Excelência, para justificar a sua urgência:
a) a soja é a principal cultura agrícola do País, respondendo por parcela considerável do PIB agropecuário, e suas exportações lideram a pauta comercial brasileira; externalidades negativas nesta atividade podem gerar empobrecimento no campo e recrudescer o êxodo rural;
b) a produtividade dos cultivos de soja é significativamente afetada pelo calendário de plantio e atrasos fatalmente reduzem a produtividade a patamares antieconômicos;
c) a semente é insumo agrícola de caráter indispensável, sem a qual é impossível efetivar o plantio de qualquer cultura agrícola anual;
d) o índice de utilização de sementes salvas ou próprias é maior entre os agricultores de pequena e média escala. No Rio Grande do Sul, por exemplo, 95% dos plantadores de soja têm área de cultivo inferior a 50 hectares (IBGE, 1996) e a taxa de uso de sementes certificadas ou fiscalizadas além de ser tradicionalmente uma das mais baixas do País apresenta tendência de queda acentuada nos últimos anos: a Taxa de Uso de Sementes de Soja, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que era de 65% em meados da década de noventa, chegou a 43% na safra de 2000/2001 e a apenas 19% na safra 2002/2003, ou seja, mais de 80% dos agricultores gaúchos utilizaram sementes próprias de soja na última safra e presume-se, em escala significativa, transgênicas.
Assim, a presente proposta de medida provisória visa a atender, em caráter excepcional, situação específica vivenciada por número expressivo de pequenos produtores que reservaram, para uso próprio, sementes da safra de soja de 2003 e que, pelos motivos econômicos e culturais já mencionados, realizarão o plantio da safra de 2004, com risco de perderem-na integralmente, se não houver dispositivo legal que lhes garanta o plantio, a colheita e posterior comercialização.
Em síntese, propõe-se estender as determinações contidas na Lei no 10.688, de 2003, pelo prazo de um ano, mas exclusivamente aos produtores que se utilizam de sementes reservadas para uso próprio.
Para que essa concessão não se transforme em meio de reprodução da cultura de trabalho à margem da lei, são introduzidos mecanismos na proposta de medida provisória que permitem ao Estado aperfeiçoar sua ação controladora, estabelecendo-se a exigência ao produtor de subscrição de Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, fonte excepcional de informação ao Poder Público sobre a possibilidade de ocorrência de OGM na safra de soja de 2004, principalmente nas regiões que se presume haver maior incidência desses organismos. Desse termo constarão as obrigações estabelecidas pelos art. 1o, 2o, 5o, 8o e 9o da proposta de medida provisória, e, por conseqüência, também as constantes na Lei no 10.688, de 2003, destinadas a limitar a comercialização e uso dos grãos oriundos do plantio ora autorizado.
A fim de dispensar das exigências ora propostas os agricultores que cumpriram estritamente a legislação vigente, atribui-se ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tal como antes previsto na Lei no 10.688, de 2003, em seu art. 1o, § 6o, a possibilidade de excluir do regime de restrições estabelecido pela proposta as áreas do País em que comprovadamente não se verificou a presença de organismo geneticamente modificado. Do mesmo modo, estende-se a possibilidade, igualmente prevista na Lei no 10.688, de excluir dessas restrições os agricultores que obtenham certificação de ausência de organismo geneticamente modificado na soja plantada, assim como aqueles que comprovem, mediante notas fiscais ou comprovantes de compra, haver empregado, no plantio da safra de 2004, sementes fiscalizadas ou certificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Com o objetivo, ainda, de desestimular o descumprimento futuro das exigências legais, propõe-se vedação às instituições financeiras oficiais de crédito quanto à aplicação de recursos no financiamento da produção e plantio de variedades de soja obtidas em desacordo com a legislação em vigor, para a safra de 2005.
Além disso, manifesta-se, expressamente, a responsabilidade dos produtores que causarem danos ao meio ambiente e a terceiros, devendo eles responder, solidariamente, pela indenização ou reparação integral do dano, independentemente da existência de culpa. Do mesmo modo, explicita-se a responsabilidade exclusiva do produtor de soja quanto a direitos de terceiros decorrentes do plantio de soja autorizado pela medida provisória em tela.
Por outro lado, propõe-se vedar o plantio de sementes de soja que contenham organismo geneticamente modificado nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade, a fim de garantir-se maior proteção a essas áreas.
Propõe-se, ainda, a constituição de Comissão de Acompanhamento, composta por representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento Agrário, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Justiça, da Saúde, do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, coordenada pela Casa Civil da Presidência da República, destinada a acompanhar e supervisionar o cumprimento do disposto na medida provisória, com o fito de assegurar a sua aplicação e a adoção de medidas complementares, tempestivamente, de modo a que, doravante, não se reitere a prática ora excepcionalizada.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que se regulariza e viabiliza a utilização das sementes reservadas pelo próprio agricultor, sem se autorizar o comércio ou importação de sementes sem o cumprimento dos requisitos legais, estabelece-se medidas de desestímulo à continuidade da situação que, em caráter urgente, requer as providências propostas pelo presente projeto de medida provisória.
Por fim, Senhor Presidente, a definitiva revisão do arcabouço jurídico relativo a pesquisa, introdução, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados no Brasil, a ser oportunamente apresentada a Vossa Excelência na forma de anteprojeto de lei, dará solução a esta complexa situação, permitindo ao País superar os obstáculos hoje existentes, decorrentes da legislação inadequada e da insuficiência do aparato institucional destinado a assegurar a proteção do interesse público em matéria de biossegurança.
Respeitosamente,
SWEDENBERGER BARBOSA
Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da
Presidência da República, interino