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Presidência
da República |
DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
Processo nº 00688.000444/2024-49. Parecer nº JM - 06, de 3 de abril de 2024, do Advogado-Geral da União, que adotou, nos termos estabelecidos no Despacho do Consultor-Geral da União nº 00202/2024/GAB/CGU/AGU, o Parecer nº 00003/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU. Aprovo. Publique-se para fins do disposto no art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Em 10 de abril de 2024.
PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº: 00688.000444/2024-49
INTERESSADO: GABINETE DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
ASSUNTO: ESTABILIDADE DAS TRABALHADORAS GESTANTES INDEPENDENTEMENTE DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL À TESE DEFINIDA NO TEMA 542 DA REPERCUSSÃO GERAL
PARECER Nº JM - 06
ADOTO, para fins do art. 41 da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 00202/2024/GAB/CGU/AGU, de 03 de abril de 2024, o Parecer nº 00003/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, de 02 de abril de 2024, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40, § 1º, da referida Lei Complementar, tendo em vista a relevância da matéria versada.
Brasília, 03 de abril de 2024.
JORGE RODRIGO ARAÚJO
MESSIAS
Ministro Chefe da Advocacia-Geral da União
DESPACHO n. 00202/2024/GAB/CGU/AGU
INTERESSADOS: GABINETE DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO ASSUNTO: ESTABILIDADE DAS TRABALHADORAS GESTANTES INDEPENDENTEMENTE DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL. VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL À TESE DEFINIDA NO TEMA 542 DA REPERCUSSÃO GERAL.
Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União,
1. Aprovo, nos termos do DESPACHO n. 00098/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, o PARECER 00003/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, da lavra do Advogado da União Dr. Luciano Pereira Dutra.
2. Nestes termos, submeto as manifestações desta Consultoria-Geral da União à análise de Vossa Excelência, para que, em sendo acolhidas, sejam encaminhadas à elevada apreciação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para os fins dos artigos 40, § 1º, e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Brasília, data da assinatura eletrônica.
ANDRÉ
AUGUSTO
DANTAS
MOTTA
AMARAL
Advogado da União Consultor-Geral da
União
DESPACHO n. 00098/2024/GAB/CGU/AGU
Senhor Consultor-Geral da União,
1. Manifesto-me de acordo com o PARECER n. 00003/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU, elaborado pelo Advogado da União, Dr. Luciano Pereira Dutra.
2. Submeto o parecer à consideração superior.
Brasília, 25 de março de 2024.
Maria Helena Martins Rocha Pedrosa
Advogada da União
Consultora da União
PARECER N. 00003/2024/CONSUNIAO/CGU/AGU
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 842.844 COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. LICENÇA-MATERNIDADE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. TESE FIXADA PELO STF.
I - Apreciando o Tema 542 da Repercussão Geral, o STF negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 842.844 e, por unanimidade, fixou a seguinte tese: “a trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão, ou seja, contratada por tempo determinado”.
II - A referida tese se insere na jurisprudência do STF protetiva à maternidade e à infância.
III - A Constituição da República assegura, dentre os direitos sociais, a proteção à maternidade e à infância (art. 6º), inserindo, ainda, a “proteção à maternidade, especialmente à gestante” dentre os objetivos da previdência social, e a “proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” nos objetivos da assistência social (art. 201, inciso II, e 203, inciso I, ambos da Constituição Federal).
IV - No intuito de assegurar direitos constitucionais já reconhecidos pelo STF e de contribuir com a cultura de redução de litigiosidade, promovendo uma atuação coerente da Administração Pública federal, a referida tese deve ser observada pelos órgãos e entidades federais.
V - Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer poderá ser submetido à apreciação do Advogado-Geral da União e à aprovação do Presidente da República, e, uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, deverá vincular a Administração Pública federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento (artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993), a partir da data de sua publicação.
Senhor Consultor-Geral da União,
I - RELATÓRIO
1. Em 5 de outubro de 2023, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 542 da Repercussão Geral, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 842.844 e, por unanimidade, fixou a seguinte tese: “a trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.
2. Publicado o acórdão no dia 6 de dezembro de 2023, e transitada em julgado a decisão no dia 3 de fevereiro de 2024, o Consultor-Geral da União, por meio do DESPACHO n. 00143/2024/GAB/CGU/AGU (Seq. 1), solicitou a esta Consultoria da União “examinar a viabilidade da aplicação administrativa da tese fixada pelo STF no referido recurso extraordinário, independentemente de estarem ou não as servidoras formalmente alcançadas pela eficácia subjetiva da decisão judicial”.
3. Destaca-se, por oportuno, que a consulta foi formulada em caráter geral e abstrato, sem abordar qualquer situação concreta ou específica de pessoas determinadas, de modo que o tema será abordado em tese e de forma geral.
4. Nesse sentido, o presente parecer, elaborado com base nos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, para ser submetido à aprovação do Exmo. Sr. Presidente da República, tem o objetivo de demonstrar a importância e a necessidade de que todos os órgãos da Administração Pública federal observem, respeitem e efetivamente apliquem a tese consolidada pelo STF no RE nº 842.844.
5. Cabe informar que o assunto não é novo no âmbito da Advocacia-Geral da União. O PARECER n. 00107/2017/DECOR/CGU/AGU1, aprovado pela então Advogada-Geral da União, concluiu que prevalece no âmbito da Advocacia-Geral da União o entendimento de que a estabilidade prevista no art. 10, II, ‘b’, do ADCT, é aplicável a todas as servidoras públicas, independentemente da natureza do vínculo mantido com a Administração Pública.
6. Restou consignado no citado Parecer que a estabilidade provisória da gestante deve ser garantida, inclusive, àquelas servidoras admitidas a título precário, ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança, sem vínculo efetivo com a Administração Pública, e, ainda, às contratadas por prazo determinado, na hipótese prevista no inc. IX do art. 37 da Constituição Federal2, regulamentado pela Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993.
7. Em outro momento, a Consultoria-Geral da União reconheceu a estabilidade provisória da servidora temporária gestante, por meio da NOTA n. 00069/2021/DECOR/CGU/AGU, devidamente aprovada pelo então Consultor- Geral da União, nos termos do DESPACHO n. 00237/2021/GAB/CGU/AGU3.
8. Conforme prevê a referida Nota do DECOR/CGU, “em razão da emissão da Nota Técnica SEI nº 8472/2021/ME4, atesta-se que não mais subsiste qualquer descompasso entre esta AGU e o órgão central do SIPEC acerca da questão atinente à extensão da estabilidade da gestante às servidoras públicas contratadas temporariamente, com base na Lei nº 8.745/1993”.
9. Além disso, por meio do PARECER n. 00225/2024/CONJUR-MGI/CGU/AGU5, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos informou que “(...) por intermédio da Nota Técnica SEI nº 9101/2024/MGI6, vê-se que a Secretaria de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e da Inovação chancelou a orientação anterior da Nota Técnica SEI nº 8472/2021/ME, da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, do antigo Ministério da Economia” e concluiu, ante a análise dos atos administrativos sobre o tema, que “foi possível identificar uma tendência de ampliação na proteção dos direitos das servidoras gestantes pela Administração, reforçada pelo sentido de persuasão do precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 542 da Repercussão Geral”.
10. Considerada a estabilização do assunto na prática administrativa, e com o trânsito em julgado do Tema 542 da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, confirma-se o caminho que já vinha sendo adotado pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, o que permite avançar, com a vinculação definitiva da Administração Pública federal ao quanto decidido pela Suprema Corte, caso haja aprovação do presente parecer pelo Presidente da República, nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993.
11. Vale ressaltar, ainda, que, no intuito de ampliar o debate sobre o tema, foi oportunizada a manifestação das Consultorias Jurídicas junto ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, ao Ministério da Defesa, aos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ao Ministério do Planejamento e Orçamento, ao Ministério das Mulheres, ao Ministério da Previdência Social, bem como à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, à Secretaria-Geral de Contencioso, à Procuradoria-Geral da União e à Procuradoria-Geral Federal.
12. É o relatório. Passa-se à fundamentação.
II - FUNDAMENTAÇÃO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
13. A Constituição da República assegura, dentre os direitos sociais, a proteção à maternidade e à infância (art. 6º), inserindo, ainda, a “proteção à maternidade, especialmente à gestante” dentre os objetivos da previdência social, e a “proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” nos objetivos da assistência social (art. 201, inciso II, e 203, inciso I, ambos da Constituição Federal).
14. Além disso, a estabilidade provisória prevista no art. 7º, XVIII, da CF/19887, e no art. 10, II, “b”, do ADCT8, estendida às servidoras públicas ocupantes de cargo público, em razão do que previsto no art. 39, § 3º, da CF/19889, decorre da própria dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Brasileiro (art. 1º, III, da CF/1988), tutelando a gestante, e assegurando, com absoluta prioridade, a vida do nascituro e o desenvolvimento da criança em seus primeiros meses de vida.
15. Não é demais lembrar que o art. 227, caput, da CF/1988, determina que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
16. Esse o quadro normativo constitucional que, aliado às demais considerações tecidas nos itens subsequentes, norteia a conclusão deste parecer.
O DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE OBSERVAR AS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O DECRETO Nº 2.346, DE 1997
17. Inicialmente, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, recebeu das mãos do Poder Constituinte originário a nobre missão de guardar a Constituição Federal e assegurar a sua supremacia em face das demais normas e dos atos do Poder Público10.
18. Sendo assim, suas decisões influenciam não apenas os casos concretos sob julgamento, mas também a interpretação e aplicação do direito brasileiro de forma ampla. No desenho trazido pela Carta Magna, essas decisões podem ter caráter vinculante ou não vinculante.
19. As decisões com caráter vinculante e efeitos erga omnes são aquelas que, uma vez proferidas, devem ser obrigatoriamente seguidas por todas as demais instâncias judiciais, bem como pela Administração Pública direta e indireta, em casos semelhantes. Esse efeito vinculante busca promover uniformidade na interpretação da Constituição Federal, evitando decisões contraditórias sobre uma mesma questão constitucional, como ocorre nas ações de controle concentrado de constitucionalidade.
20. Noutro giro, as decisões sem caráter vinculante são aquelas proferidas pelo STF em casos que não produzem automaticamente obrigatoriedade de seguimento por outras instâncias ou pela Administração Pública. Estas decisões são importantes para o caso concreto analisado, mas não estabelecem uma regra obrigatória para casos futuros. É o que ocorre nos recursos extraordinários, que, muito embora possa estabelecer importantes precedentes, não possuem efeito vinculante. Ou seja, aplicam-se ao caso específico, servindo de orientação jurisprudencial para casos semelhantes, mas sem obrigar sua observância.
21. Sobre a importância do efeito vinculante, adverte Roger Stiefelmann Leal11:
[...] A vinculação dos órgãos e poderes do Estado aos motivos, princípios e interpretações acolhidos pelos órgãos de jurisdição constitucional em suas decisões privilegia a estabilidade das relações sociais e políticas em relação a uma pretensa necessidade de flexibilizar a interpretação da Constituição de modo a adotá-la à realidade de cada momento e corrigir eventuais equívocos ou injustiças. A sujeição dos demais poderes à Constituição e, por conseguinte, ao sentido que lhe empresta a jurisdição constitucional atua no sentido de eliminar eventuais divergências hermenêuticas, em nome dos princípios da segurança jurídica, da igualdade e da unidade da Constituição.
22. Da vinculação da decisão tomada pelo STF decorre a proibição de os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta das três esferas federativas de adotarem via interpretativa diversa da acolhida pelo órgão encarregado da jurisdição constitucional. Ocorre que as decisões proferidas em sede de recursos extraordinários, mesmo com repercussão geral reconhecida, não vinculam a Administração Pública brasileira.
23. Nesse cenário, foi editado o Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997, o qual consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública federal em razão de decisões judiciais do STF, que permanecem vigentes até os dias atuais. Editado em uma época na qual ainda não existiam os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, e sequer havia as Leis nº 9.868 e nº 9.882, ambas do ano de 1999, suas normas visam precipuamente implementar, no âmbito da Administração Pública federal, uma cultura jurídica em torno do dever funcional de observar, respeitar e fazer aplicar as decisões do Supremo Tribunal Federal. Em seu art. 1º, deixa-se explícito que:
Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.
§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal.
§ 3º O Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado, dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-Geral da União, poderá autorizar a extensão dos efeitos jurídicos de decisão proferida em caso concreto.
(grifamos)
24. A proposta oriunda da Advocacia-Geral da União, citada no § 3º supratranscrito, poderá ser consubstanciada em parecer jurídico elaborado para os fins do art. 40 da Lei Complementar nº 73, de 1993, atribuição que, de acordo com o art. 41 da mesma Lei, é da Consultoria-Geral da União. Transcrevem-se os mencionados dispositivos:
Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.
§ 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.
[...]
Art. 41. Consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, para os efeitos do artigo anterior, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República.
25. Assim, para cumprir os objetivos traçados pelo Decreto nº 2.346, de 1997, o Presidente da República poderá aprovar parecer elaborado pela Consultoria-Geral da União e aprovado pelo Advogado-Geral da União, o qual, uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, consubstanciará parecer normativo que, sob o aspecto formal, vinculará todos órgãos e entidades da Administração Pública federal, que ficarão submetidos à autoridade da interpretação da Constituição Federal definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de casos concretos. O presente parecer é elaborado exatamente com essa finalidade.
26. Como se demonstrará nos tópicos seguintes, a vinculação da Administração Pública federal à decisão do STF ora analisada seria extremamente profícua e contribuiria com o reconhecimento de direitos, com a eficiência administrativa e com a cultura de redução de litigiosidade sobre o tema.
O RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 842.844 NO CONTEXTO DA JURISPRUDÊNCIA PROTETIVA À MATERNIDADE E À INFÂNCIA
27. Trata-se, no caso, de recurso extraordinário interposto pelo Estado de Santa Catarina, com fundamento no art. 102, III, “a” e “c” da Constituição Federal12, em face de acórdão que julgou procedente ação rescisória. Essa ação rescisória tinha por objetivo reformar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que negou o direito à estabilidade provisória e à licença-maternidade, por entender que “a dispensa de empregada gestante ao término do prazo do contrato de trabalho não é ‘arbitrária ou sem justa causa’ (ADCT, art. 10, II, b). A gravidez não assegura a prorrogação do contrato ou o pagamento dos salários após o seu término”.
28. O Tribunal de origem, ao apreciar a ação rescisória, deu-lhe provimento. Na oportunidade, assentou que, independente da condição de contrato por tempo determinado, há um fato superveniente, a gravidez, que combinado com a condição de não ter dado causa à rescisão, garante-lhe a outorga da estabilidade provisória e do benefício da licença- maternidade, por força da Constituição.
29. Em face desse acórdão foi interposto o recurso extraordinário em análise que, nas suas razões, alega violação aos artigos 2º13 e 37, caput, II e IX14, da Constituição Federal. Sustenta-se, em síntese, que “a condição de contratação da recorrida foi para viger por tempo certo, determinado. Pretender elastecer seu termo final, a pretexto da estabilidade provisória concedida à gestante, é descaracterizar esta espécie de admissão, transmudando-a para prazo indeterminado, inviabilizando, em consequência, até mesmo os fins para os quais o Estado foi autorizado a admiti-la.”
30. O STF, no dia 4 de maio de 2012, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.
31. Assim, como se vê, a controvérsia posta referia-se à aplicação (ou não) do direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória à trabalhadora gestante, independentemente do regime jurídico de trabalho aplicável e da natureza do cargo.
32. Sobre o tema, por decisão unânime, apreciando o Tema 542 da repercussão geral, o STF conheceu do recurso extraordinário e negou-lhe provimento, fixando a seguinte tese: “a trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.
33. Eis o teor da Ementa15:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA GESTANTE. GRAVIDEZ DURANTE O PERÍODO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. VÍNCULO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR CARGO COMISSIONADO, NÃO EFETIVO, OU POR CONTRATO TEMPORÁRIO. DIREITO À LICENÇA MATERNIDADE E À ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ARTIGO 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 10, INCISO II, B, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS RECONHECIDAS A TODAS AS TRABALHADORAS. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. As medidas adotadas pelo Estado, como a proteção à maternidade, são de discriminação positiva, não constituindo prerrogativa injustificada ou abusiva, pois o Estado favorece as mães como forma de tratar as diferenças naturais e amplamente justas entre os sexos, além de proteger o nascituro e o infante.
2. O direito à licença-maternidade tem por razão o reconhecimento das dificuldades fisiológicas e sociais das mulheres, dadas as circunstâncias pós-parto, como a recuperação físico-psíquica da mãe e amamentação e cuidado do recém-nascido, além da possibilidade do convívio familiar nos primeiros meses de vida da criança.
3. A Constituição Federal de 1988 se comprometeu com valores como a igualdade de gênero e a liberdade reprodutiva, sendo certo que a condição da trabalhadora gestante goza de proteção reforçada, com respeito à maternidade, à família e ao planejamento familiar.
4. O Texto Constitucional foi expresso em ampliar a proteção jurídica à trabalhadora gestante, a fim de garantir como direito fundamental a licença maternidade (art. 7º XVIIII, CF/1988), além de assegurar a estabilidade provisória no emprego.
5. A licença-maternidade, prevista como direito indisponível, relativo ao repouso remunerado, pela Carta Magna de 1988, impõe importantíssimo meio de proteção não só à mãe trabalhadora, mas, sobretudo, ao nascituro, salvaguardando a unidade familiar (art. 226 da CF/1988), como também a assistência das necessidades essenciais da criança pela família, pelo Estado e pela sociedade (art. 227 da CF/1988).
6. O tempo de convívio familiar é uma das necessidades descritas no Texto Constitucional, na medida em que, por ocasião do recente nascimento, representa vantagens sensíveis ao desenvolvimento da criança, pois que a genitora poderá atender-lhe as necessidades básicas.
7. A licença-maternidade ostenta uma dimensão plural, recaindo sobre a mãe, o nascituro e o infante, além de proteger a própria sociedade, considerada a defesa da família e a segurança à maternidade, de modo que o alcance do benefício não mais comporta uma exegese individualista, fundada exclusivamente na recuperação da mulher após o parto.
8. A Constituição alça a proteção da maternidade a direito social (CF, art. 6º c/c art. 201), estabelecendo como objetivos da assistência social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice (CF, art. 203, inc. I). Assim, revelou-se ser dever do Estado assegurar especial proteção ao vínculo maternal.
9. A estabilidade provisória relaciona-se à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988), em vista que tal amparo abrange não apenas a subsistência da empregada gestante, como também a vida do nascituro e o desenvolvimento sadio do bebê em seus primeiros meses de vida.
10. A relevância da proteção à maternidade na ordem jurídica vigente impõe ao intérprete, dentre as diversas alternativas hermenêuticas possíveis, optar por aquela que confira máxima efetividade às finalidades perseguidas pelo Texto Constitucional, sendo que a tolerância à exclusão da proteção à maternidade ao argumento da precariedade dos vínculos com a Administração Pública vai de encontro aos objetivos constitucionais.
11. A garantia de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa tem por objeto primordial a proteção do nascituro, o que também acaba por salvaguardar a trabalhadora gestante beneficiária da condição material protetora da natalidade
12. O princípio da isonomia impede que haja diferenciação entre as modalidades contratuais de servidoras públicas gestantes, reconhecendo àquelas ocupantes de cargo em comissão ou em trabalho temporário os direitos de concessão da licença-maternidade e da estabilidade provisória.
13. O direito conferido pela Constituição Federal de 1988 à universalidade das servidoras é a proteção constitucional uniformizadora à maternidade. O estado gravídico é o bastante a se acionar o direito, pouco importando a essa consecução a modalidade do trabalho.
14. A proteção ao trabalho da mulher gestante é medida justa e necessária, independente da natureza jurídica do vínculo empregatício (celetista, temporário, estatutário) e da modalidade do prazo do contrato de trabalho e da forma de provimento (em caráter efetivo ou em comissão, demissível ad nutum).
15. O cenário jurídico-normativo exposto impõe ao Supremo Tribunal Federal um esforço de integração dos valores contrapostos. O direito à vida e à dignidade humana, como direitos fundamentais de salutar importância, sobrepujam outros interesses ou direitos, que, balizados pela técnica da ponderação, orientada pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, cedem lugar à proteção do nascituro.
16. Ainda que possa de certa forma causar restrição à liberdade decisória de agentes públicos, a proteção constitucional observa finalidade mais elevada: a de proteger a mãe e a criança. O custo social do não reconhecimento de tais direitos, uma vez em jogo valores os quais a Constituição confere especial proteção, é consideravelmente maior que a restrição à prerrogativa de nomear e exonerar dos gestores públicos.
17. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assegura os direitos às trabalhadoras gestantes ocupantes de cargos comissionados ou contratadas temporariamente, conforme demonstram os precedentes, impondo-se a sua observância para a inferência de que as garantias constitucionais de proteção à gestante e à criança devem prevalecer sob os efeitos da natureza de quaisquer vínculos com a Administração Pública.
18. Ex positis, conheço do recurso extraordinário e a ele nego provimento.
19. Em sede de repercussão geral, a tese jurídica fica assim assentada: A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado, nos termos dos arts. 7º, XVIII; 37, II; e 39, § 3º; da Constituição Federal, e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
34. A partir da leitura da Ementa supratranscrita, resta clara a posição do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal, valorizando a opção constitucional pela máxima proteção da maternidade e da infância, como direitos sociais expressamente trazidos pelo art. 6º, da CF/198816.
35. Como assentado pelo STF no leading case ora analisado, “o direito à licença-maternidade tem por razão o reconhecimento das dificuldades fisiológicas e sociais enfrentadas pelas mulheres durante o período do puerpério, considerando as circunstancias pós-parto, como a recuperação físico-psíquica da mãe, além da importância da amamentação nos primeiros meses de vida da criança”.
36. Para tanto, o Texto Maior assegura à trabalhadora gestante a licença-maternidade de 120 dias (art. 7º XVIIII, CF/1988), além de garantir a estabilidade provisória desde a ciência da gravidez até cinco meses após o nascimento da criança, prazo este vigente até que uma lei complementar disciplinasse definitivamente a matéria (art. 10, II, b , ADCT).
37. A licença-maternidade e a estabilidade provisória têm por objetivo principal a proteção da primeira infância e dos direitos fundamentais das mulheres mães, tanto gestantes quanto adotantes. Essa é a razão, pautada no direito à igualdade, de se estender os direitos sociais à licença-maternidade e à estabilidade no emprego também às servidoras ocupantes de cargos em comissão e às trabalhadoras contratadas temporariamente.
38. Sob a perspectiva do princípio da isonomia, na medida em que a Constituição Federal prevê essas proteções às trabalhadoras em geral, não há que se falar em diferenciação entre modalidades contratuais de servidoras públicas gestantes. Vale dizer, o reconhecimento das servidoras ocupantes de cargos em comissão ou em trabalhos temporários, no âmbito da concessão da licença-maternidade e da estabilidade provisória, tem por finalidade prestigiar o direito à igualdade material.
39. Nas palavras do STF, “a garantia emanada da norma constitucional em análise apresenta-se de maneira genérica e incondicional, atendendo-se, por corolário, o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, assegurando não apenas o emprego à trabalhadora gestante, mas uma gravidez protegida e digna ao nascituro. Pensar de modo diverso seria admitir que a servidora contratada a título precário jamais contaria com tranquilidade e segurança para adentrar na fase da maternidade. Estaria, essa trabalhadora, a mercê do desejo unilateral do patrão, que, em desrespeito à legislação em vigor e à dignidade da trabalhadora, poderia dispensá-la, ainda que constatado e confirmado o período gestacional”.
40. Essa decisão, como é certo, insere-se na crescente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal voltada à proteção da maternidade e da infância. Com efeito, a Suprema Corte tem construído um caminho jurisprudencial no sentido de reconhecer a extensão da licença-maternidade ao pai, genitor monoparental, servidor público (RE 1348854, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgamento em 12/05/2022, publicado em 24/10/2022); de considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período os benefícios, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no art. 392, § 2º, da CLT, e no art. 93, § 3º, do Decreto n.º 3.048/99 (ADI 6327, Relator: Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgamento em 24-10-2022, publicação em 07/11/2022); bem como de fixar que “os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações” e “em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada” (RE 778889, Relator: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgamento em 10/03/2016, publicado em 01/08/2016 e, em sentido semelhante, a ADI 6603, Relatora: Ministra Rosa Weber, julgamento em 14/09/2022, publicação em 29/09/2022). Ademais, conforme salientou a NOTA n. 00286/2024/PGU/AGU17, em relação aos contratos trabalhistas na seara privada, o Tribunal Superior do Trabalho já havia editado a Súmula 244, pacificando o entendimento de que “a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.
41. Além disso, a Suprema Corte fixou a tese segundo a qual “as contribuições ao salário-educação, SAT/RAT, SESI/SENAI/SESC/SENAC/SEBRAE não incidem sobre o salário-maternidade” (ARE n. 1344834 AgR, Relatora: Min. Cármen Lúcia, Relator para o Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgamento em 09/05/2022, Publicado em 26/05/2022).
42. Mais recentemente, ao julgar a ADO 20, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a omissão inconstitucional relativamente à edição da lei regulamentadora da licença-paternidade prevista no art. 7º, XIX, da Constituição Federal, concedendo ao Congresso Nacional o prazo de 18 (dezoito) meses para saná-la.
43. A Administração Pública não se queda inerte diante da evolução jurisprudencial. Por exemplo, ainda em 2016, a Advocacia-Geral da União elaborou e submeteu ao Presidente da República o Parecer n. 003/2016/CGU/AGU (Parecer n. GMF - 01), nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993, o qual vinculou toda a Administração Pública federal à tese fixada no Recurso Extraordinário nº 778.889/PE, segundo a qual “os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”.
RAZÕES PARA A INCORPORAÇÃO DO ENTENDIMENTO: O NECESSÁRIO RECONHECIMENTO DE DIREITOS E A CULTURA DE REDUÇÃO DE LITIGIOSIDADE, ESPECIALMENTE ANTE A FORMAÇÃO DE PRECEDENTES QUALIFICADOS
44. Em lapidar posicionamento, o Parecer nº GQ - 96 demonstrou a importância da Administração Pública em dar relevo ao interesse público primário e, nesse mister, cresce de importância a função institucional da Advocacia- Geral da União em reconhecer os direitos assegurados constitucionalmente, sobretudo quando a controvérsia já se encontra pacificada na Suprema Corte. Transcreve-se trecho do mencionado parecer vinculante, que, apesar de ter sido publicado em 11 de janeiro de 1996, permanece contemporâneo à proposta deste parecer. Vejamos:
Ao criar, na Lei Maior, a Advocacia-Geral da União, não no capítulo destinado ao Poder Executivo, mas no capítulo intitulado “Das Funções Essenciais à Justiça”, após o disciplinamento dos três Poderes do Estado, e ao determinar que lei complementar dispusesse sobre sua organização e funcionamento, o constituinte de 1987-1988, deu-lhe, sem dúvida alguma, status especial. É Instituição à qual cabe, além de outras funções, atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Nessa função, vela pelo interesse público que, em resumo, é o bem público, finalidade e razão de ser da sociedade política. E a Advocacia-Geral da União nasceu como Instituição forte, essencial à Justiça, aqui entendida na sua acepção ampla. Sua atuação, nas atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo, sobretudo pelo seu mais alto Órgão, o Advogado-Geral, visa a possibilitar a juridicidade plena do Poder Executivo na observância da legalidade, da legitimidade e da licitude, ou seja da conformidade dos atos da Administração com o sistema jurídico vigente e com os princípios morais, obedecendo, pois, ao anseio geral, que deseja, sem dúvida alguma, seja a atividade administrativa pautada pelo Direito e pelos princípios morais. Ao decidir questões surgidas nas suas relações com o particular (contribuinte), a Administração não deve agir com parcialidade, não deve ter em vista o seu interesse (o chamado interesse público secundário), mas deve visar ao interesse público primário, que se confunde com o bem público e que, em resumo, exige seja respeitado o direito de cada um. À Advocacia-Geral da União, cabe fixar a exata interpretação das normas jurídicas para que seja alcançado o ideal de justiça almejado por todos.
45. Além disso, a decisão fixada no caso sob análise constitui precedente qualificado. Como afirma Daniel Mitidiero, “os precedentes decorrem da interpretação do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça empreendida pelo colegiado de forma unânime ou por maioria a respeito de determinada questão controvertida”18.
46. Já no que diz respeito ao procedimento, o Ministro Luiz Fux afirma que “o rito dos precedentes qualificados tem o condão de conferir transparência, previsibilidade e razoável duração aos processos, ao mesmo tempo em que confere mais racionalidade e isonomia ao sistema processual, com a inibição de decisões múltiplas sobre a mesma temática”19. Em sentido semelhante, Marcelo Marchiori destaca que “com esse procedimento de formação dos precedentes qualificados, as disposições do Código de Processo Civil se voltam integralmente para a resolução do problema apresentado ao Judiciário e não somente para a questão pontual do litigante, principalmente em relação a processos que veiculem matéria jurídica repetitiva”20.
47. Portanto, no tema trazido à análise desta Consultoria-Geral da União, deve-se levar em consideração que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 542 da Repercussão Geral, terá inegáveis efeitos sobre o agir da União, ainda que em juízo. Isso porque, como afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, referindo-se à sistemática dos recursos repetitivos, “as razões oriundas do julgamento servem tendencialmente como precedente e, nessa linha, devem irradiar seus efeitos para todas as questões idênticas ou semelhantes”21.
48. Além disso, como bem salientado pela Procuradora Nacional da União de Servidores Públicos e Militares da Procuradoria-Geral da União (PNSM/PGU) na NOTA JURÍDICA n. 00818/2024/PGU/AGU, a formação dos precedentes qualificados possibilita prever o resultado de processos judiciais, consequentemente, pautar racionalmente a conduta do Poder Público. Confira-se, por oportuno, extrato da referida Nota Jurídica:
Diante do cenário de formação do precedente vinculante, é possível prever o resultado do processo judicial e com isso a possibilidade de pautar a conduta do Poder Público, dentro ou fora do cenário judicial.
Em relação ao cenário judicial, a AGU já autoriza o reconhecimento da procedência do pedido, com fundamento na Portaria n. 487/2016. Mas em relação à conduta fora do processo judicial? É esse ponto que está sendo objeto de atenção da Consultoria Geral da União.
Considerando que os precedentes judiciais possuem a missão de solução da controvérsia para além do processo, especialmente, no que tange à prevenção de litígios, uma vez que eles integram o ordenamento jurídico brasileiro na reconstrução das regras e criação das normas jurídicas que definem, dentre as interpretações jurídicas possíveis, a que deve ser seguida por todos, seja na relação entre indivíduos, seja na relação Estado e indivíduos, não podem ser desconsiderados na seara administrativa.
49. A PNSM/PGU também ressalta que a incorporação do Tema 542 à atuação administrativa por meio deste instrumento contribui para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 da ONU, o que corrobora a relevância da medida. Eis, neste ponto, o teor da mencionada Nota Jurídica:
É nesse cenário que se apresenta o precedente judicial normativo como ferramenta capaz de impulsionar o cumprimento da Agenda 2030 da ONU, que no caso concreto possibilita ao Estado Brasileiro cumprir, no mínimo dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável:
Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades - ao reconhecer o direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, a União promove o bem estar da mãe e do filho.
Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis - ao estender o precedente judicial na seara administrativa, a União atua com eficiência em prol da prevenção do litigio e com racionalidade.
Sendo assim, a incorporação do tema Tema 542 na seara administrativa, por parecer vinculante do Presidente da Republica, consagra a efetivação, de uma vez só, da meta 16.6 que busca desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis e o do ODS 3.
50. Dessa maneira, a vinculação da Administração Pública Federal ao quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal sobre a estabilidade da trabalhadora gestante, independentemente do regime jurídico aplicável, é medida que confere maior segurança jurídica à aplicação da tese e reflete o esforço internacional para pautar uma atuação mais racional, justa e eficaz do Poder Público.
51. Por tudo isso, considerando que o STF pacificou o assunto analisado no presente parecer, bem como que a Administração Pública deve seguir as decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, a interpretação do Texto Constitucional, inclusive no intuito de reduzir a litigiosidade sobre o assunto em questão, deve ser observada a tese fixada no Tema 542 da Repercussão Geral, no sentido de que “a trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão, ou seja, contratada por tempo determinado, nos termos dos arts. 7º, XVIII; 37, II; e 39, § 3º; da Constituição Federal, e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
III. CONCLUSÃO
52. Ante o exposto, conclui-se que a Administração Pública federal deve observar, respeitar e dar efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 842.844 (Tema 542 da Repercussão Geral), por unanimidade, fixou a seguinte tese:
A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado.
53. Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer poderá ser submetido à aprovação do Presidente da República, e, uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, deverá vincular a Administração Pública federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento (artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 1993), a partir da data dessa publicação.
54. À consideração superior.
Brasília, 21 de março de 2024.
(documento assinado eletronicamente)
LUCIANO PEREIRA DUTRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em https://supersapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00688000444202449
Notas
1. NUP 05100.204471/2015-75, Seqs. 21 a 25
2. Art. 37, IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
3. NUP 23077.003830/2021-33, Seqs. 11 a 14
4. Seq. 35
5. Seq. 39.
6. Seq. 44.
7. Art. 7º, XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.
8. Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:[...]II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:[...]b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
9. Art. 39, § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
10. Art. 102, da CF/1988. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]
11. LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, página 114.
12. Art. 102, III, da CF/1988 - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:a) contrariar dispositivo desta Constituição;[...]c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
13. Art. 2º, da CF/1988. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
14. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;[...]IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
15. RE 842844, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 05-12-2023 PUBLIC 06-12-2023
16. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
17. NUP 00405.024820/2024-10, Seq. 4
18. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, pp. 100-101.
19. FUX, Luiz. Apresentação. Em: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Precedentes Qualificados: bibliografia, legislação e jurisprudência temática. Brasília, 2021. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/anexo/PrecedentesQualificados.pdf>. Acesso em 05/03/2024.
20. MARCHIORI, Marcelo Ornellas. A Atuação do Poder Judiciário na Formação de Precedentes Definitivos - experiências e desafios. Salvador: JusPodivm, 2022, p. 111.
21. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Recurso Extraordinário e Recurso Especial: do jus Litigatoris ao Jus Constitutionis. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 253.
Este texto não substitui o publicado no DOU de 11.4.2024 - Edição extra