Presidência da República

Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 832, DE 27 DE SETEMBRO DE 2006.

Senhor Presidente do Senado Federal,

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei nº 597, de 1999 (nº 3.073/00 na Câmara dos Deputados), que “Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação e à monitoração da glicemia capilar aos portadores de diabetes inscritos em programas de educação para diabéticos”.

Ouvidos, os Ministérios da Justiça, da Saúde e da Fazenda manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

Art. 2º

“Art. 2º As despesas decorrentes da implementação desta Lei serão financiadas com recursos dos orçamentos da Seguridade Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme regulamento a ser baixado pelo Ministério da Saúde, ouvida a Comissão Intergestores Tripartite instituída pela Norma Operacional Básica do SUS de 1993.”

Razões do veto

O presente projeto de lei, ao pretender criar restrições aos entes federados, na elaboração da peça orçamentária, viola, frontalmente, o princípio federativo inserto no art. 1º , caput, da Constituição da República, restringindo, assim, a consagrada autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assegurada, por sua vez, no art. 18, caput, da Carta Magna.

Outrossim, somente em sede constitucional podem resultar previstas as limitações na elaboração do orçamento, sob pena de violação ao princípio constitucional da separação de poderes (art. 2º da Carta Magna). Isso porque, historicamente, a concepção inicial do orçamento, decorrente do resultado político da crescente reação dos órgãos de representação popular contra o excessivo poder tributário dos soberanos, justificou a inclusão da matéria em alçada constitucional, em virtude da instauração do Estado de Direito (previsto no art. 1º da vigente Constituição da República), limitando os poderes dos monarcas absolutistas.

O professor Ricardo Lobo Torres, por exemplo, denomina de Estado Orçamentário ‘a particular dimensão do Estado de Direito apoiada nas receitas, especialmente a tributária, como instrumento de realização das despesas’, e que surge com o próprio Estado Moderno em substituição ao Absolutismo Monárquico. Esclarece, ainda, que com o ‘advento do liberalismo e das grandes revoluções é que se constitui plenamente o Estado Orçamentário, pelo aumento das receitas e despesas públicas e pela constitucionalização do orçamento na França, nos Estados Unidos e no Brasil (art. 172 da Constituição de 1824)’ (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1993, páginas 137 e 138).

Em se tratando o orçamento público de matéria reservada ou própria de seara constitucional, conforme se depreende da simples leitura do texto constitucional, de onde se extraem os princípios orçamentários (como, por exemplo, a exclusividade da matéria orçamentária, nos moldes do art. 165, § 8º , da Carta Magna) e as correspondentes vedações no âmbito do direito financeiro (art. 167 da Constituição da República), não pode a legislação infraconstitucional e, com maior razão, uma norma infralegal estabelecer condições ou limites em matéria orçamentária, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes.

Não é por outra razão, senão pela estrita observância do princípio da separação dos poderes e em atenção às características do Estado de Direito (arts. 1º e 2º da Constituição), que as previsões de aplicação mínima de recursos financeiros em matéria de saúde e educação encontram-se fixadas em sede constitucional, especificamente nos arts. 198, § 2º , e 212, do Estatuto Fundamental do Estado.

Nada obstante, por força do princípio constitucional da estrita legalidade (art. 37, caput, da Constituição), a A dministração Pública, de qualquer esfera federativa, diferentemente, do particular, somente pode realizar condutas descritas em lei. Ora, não se pode admitir como constitucional, por conseguinte, que a Administração pública federal, mediante edição de ato normativo infralegal (a ser expedido pelo Ministério da Saúde), imponha a forma de elaboração, administração e execução do orçamento dos demais entes federados, diante da cristalina violação ao princípio da autonomia federativa, consoante já ressaltado, e da legalidade administrativa, subprincípio densificador do Estado de Direito (arts. 1º e 37, caput, da Constituição da República).

Ensina o professor Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o princípio basilar do regime jurídico-administrativo:

‘O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do Direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contem abstratamente nas leis.’ (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, página 95).!”

Parágrafo único do art. 3º

“Art. 3º .........................................................

Parágrafo único. O gestor municipal do SUS é obrigado a ressarcir os gastos que o diabético comprovadamente houver efetuado com a aquisição dos medicamentos e materiais referidos, no caso de ausência de resposta e atendimento.”

Razões do veto

“O parágrafo único do art. 3º , contraria o princípio do pacto federativo, estatuído nos arts. 1º e 18, da Constituição Federal, pois, obriga o gestor municipal do SUS ‘a ressarcir os gastos que o diabético comprovadamente houver efetuado com a aquisição dos medicamentos e materiais referidos, no caso de ausência de resposta e atendimento’.

Dispõe o art. 198 da Constituição que ‘as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;’

Segundo esclarece o professor José Afonso da Silva:

‘O sistema único de saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais (DF) e municipais, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, do atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, e da participação da comunidade, que confirma seu caráter de direito social pessoal, de um lado, e de direito social coletivo, de outro.’

Como se verifica, a obrigação criada pelo projeto ao gestor municipal do Sistema Único de Saúde – SUS, configura ingerência inadmissível da União na esfera municipal, o que viola o pacto federativo.”

Art. 4º

“Art. 4º A inobservância do disposto nesta Lei por parte de servidor público configura crime de prevaricação, sujeitando o infrator às penalidades cominadas no art. 319 do Código Penal Brasileiro.

Parágrafo único. Independente das sanções civis, penais e administrativas, o Ministro de Estado e os Secretários responsabilizados pelo descumprimento das disposições desta Lei sujeitar-se-ão às penalidades previstas na Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, por cometimento de crime de responsabilidade.”

Razões do veto

“O parágrafo único e o caput do art. 4º incorrem em impropriedade o que impede sua aplicabilidade. Referidos preceitos dispõem sobre as penalidades a que estão sujeitos o servidor público, o Ministro de Estado e os Secretários no caso de descumprimento do disposto na Lei.

Ocorre que, mediante uma análise detida do projeto de lei, verifica-se que a propositura não cria obrigação/dever para esses agentes (exceto aquela conferida ao gestor municipal pelo parágrafo único do art. 3º , que seria, inconstitucional), e que, portanto, o preceito do art. 4º não se apresenta como norma válida. Além disso, por apresentarem conteúdo impreciso e indefinido, os dispositivos em comento, em última análise, também, afrontam o princípio da tipicidade penal, esculpido no art. 5º , inciso XXXIX, da Constituição Federal, que requer definição exata, com elementos descritivos precisos da conduta e da sanção correspondente.”

Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, 27 de setembro de 2006.

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 28.9.2006