Presidência
da República |
MENSAGEM Nº 621, DE 11 DE JULHO DE 2002.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente, por ser contrário ao interesse público, o Projeto de Lei no 123, de 2001 (no 3.428/97 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre a elaboração, beneficiamento e comercialização de produtos artesanais de origem animal e vegetal e dá outras providências".
Ouvido, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento assim se manifestou:
"Embora o projeto em seu art. 1o diga que esta lei fixa normas para elaboração e comercialização de produtos oriundos da agroindústria, o mesmo está voltado mais para o setor animal, como se pode observar em seus arts. 5o, 7o e 10.
O setor de bebidas já possui a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, sendo que essa legislação não cria nenhum impedimento para registro de pequenas agroindústrias. Dessa maneira, não há necessidade de projeto de lei contemplando o setor, pois a Lei no 8.918/94, regulamentada pelo Decreto no 2.314, de 4 de setembro de 1997, já atende à proposta do projeto de lei.
O abate de animais para fins comerciais não pode e nem deve ser considerado uma atividade artesanal. Abater animais, que não seja para consumo próprio, impõe o cumprimento e o conhecimento de técnicas e normas sanitárias, além da presença de um agente de governo, preparado e especializado, por tratar-se de uma atividade complexa e que diz respeito à saúde pública e defesa do consumidor. Os animais são potencialmente portadores de doenças e infecções que podem ser transmitidas ao ser humano (zoonoses), bem como toxinfecções que levam facilmente à morte. Exigir do pequeno produtor preparo e educação sanitária no abate e processamento das carnes seria conceder-lhe responsabilidade para a qual nem sempre está preparado, além de se aduzir que nenhuma entidade oficial, quer municipal, estadual ou federal, teria condições de exercer de forma responsável qualquer atividade de controle sanitário em centenas de milhares de pequenos estabelecimentos espalhados pelos mais recônditos lugarejos deste imenso País.
Os órgãos de governo que cuidam da produção, industrialização e comercialização de alimentos (Ministérios da Saúde e Agricultura, entre outros), por contingência constitucional, dispõem de normas específicas que regulam a área, independentemente de tamanho, limite de produção ou maneira de fabricar os alimentos. Mesmo os produtos artesanais devem seguir tais diretrizes mínimas, quer quanto ao preparo, embalagem, rotulagem, etc.
O limite de produção estabelecido, tomando por exemplo a produção de carne de 200 Kg/dia (um boi) é irreal. Mesmo uma "agroindústria" artesanal limitada a essa produção não terá economia de escala para sustentar suas atividades nem qualquer competitividade. Atenta-se que o projeto ao fazer referência às obrigações inerentes à instalação do estabelecimento impõe gastos que, por si só, se cumpridas, serão bastantes onerosas e de produção que nunca se pagarão diante das limitações impostas.
Não está bem caracterizada a quem caberá a fiscalização dos estabelecimentos artesanais, se é que isso, será possível já que o projeto de lei prevê, inclusive, a inspeção ante e pós-morte. Lembramos que entre todas as legislações existentes que regem o controle da produção de alimentos (abrangentes e suficientes), uma define (no caso de produtos de origem animal carnes, laticínios, pescados, etc., produtos mais nobres, de maior complexidade de produção e com maior potencial de perigo ao ser humano) a competência das autoridades para a sua fiscalização, de acordo com o âmbito de comercialização dos mesmos (Lei no 7.889, de 23 de novembro de 1989). No caso do presente projeto, ora se fala que compete ao poder estadual a fiscalização, ora se depreende que cabe ao Governo Federal (Ministério da Agricultura) alguma responsabilidade. No caso de produtos artesanais produzidos pelo tipo de estabelecimento previsto, isto é, de diminuto porte, depreende-se que os mesmos comerciarão seus produtos a nível local e, portanto, como já prevê a legislação, sofrerão a fiscalização do Município onde estarão localizados."
O Ministério da Saúde acrescentou o seguinte parecer:
"A classificação de indústrias produtoras de alimentos quanto ao tamanho ou capacidade de processamento e quanto à necessidade ou não de se ter um sistema de garantia de controle de risco, como propõe o art. 5o do projeto de lei, não são critérios ajustados ao conhecimento científico atual para garantir a segurança alimentar, podendo expor a população a eventuais agravos de saúde.
Além disso, o projeto de lei cria um tratamento diferenciado para o processamento de alimentos, permitindo que empresas não adotem mecanismos para assegurar o controle sanitário de seus produtos, o que deve ser coibido, dificultando assim a aplicação da legislação sanitária quanto à responsabilização do fabricante pelo produto final exposto ao consumo.
O projeto também aborda questões de Boas Práticas de Fabricação (BPF), sem, no entanto, esgotar todos os pontos, conforme regulamento já aprovado e vigente no Brasil desde 1997, deixando lacunas indesejáveis do ponto de vista do processamento seguro de alimentos."
Por fim, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior concluiu:
Ao longo do projeto de lei há uma série de problemas. O primeiro deles diz respeito à parte conceitual, visto que uma agroindústria, entendida como a "indústria nas suas relações com a agricultura ou dependências desta, ou indústria que beneficia matéria-prima oriunda da agricultura", não se enquadra necessariamente como artesanal, diferindo em relação à escala e ao processo de produção.
O caput do art. 4o estabelece que "cabe exclusivamente aos produtores rurais, individualmente ou em associações e cooperativas, a condução do processamento das agroindústrias artesanais". Caso prevalecesse esse entendimento, os artesãos do País restringiriam-se apenas aqueles oriundos do meio rural, excluindo-se milhões de artesãos urbanos e, também, aqueles artesãos rurais que não são produtores das matérias-primas que utilizam em seu processo produtivo.
O parágrafo único do art. 4o também estabelece que "para os produtos de origem animal, a matéria-prima deverá ser de produção própria, admitindo-se, na elaboração dos produtos a utilização de matéria-prima adquirida de terceiros até o limite de 50% (cinqüenta por cento) da quantidade de matéria-prima de produção própria, desde que tenha comprovação higiênico-sanitária por órgão oficial". Nesse caso, o produtor da agroindústria artesanal teria que ser necessariamente produtor de pelo menos 50% da matéria-prima utilizada no seu produto final e teria que cumprir com uma série de exigências higiênico-sanitárias que não condizem com a realidade do pequeno produtor artesanal, o que geraria um aumento de custos e possivelmente inviabilizaria essa produção.
Além disso, ao definir a escala de processamento da agroindústria artesanal, no art. 5o, o projeto de lei fixa os limites máximos de matéria-prima que poderiam ser utilizados, não estabelecendo uma gradação e, portanto, mais uma vez, não diferenciando as escalas de produção, igualando a produção artesanal caseira à produção industrial.
Tendo em vista os pontos levantados acima sobre projeto e o fato de existirem outras incoerências ao longo da referida matéria, como as exigências contidas no art. 9o, por exemplo, o mesmo deve ser vetado na íntegra, uma vez que a própria definição conceitual da agroindústria artesanal, as restrições e as imposições legais viriam a prejudicar milhões de artesãos envolvidos com o beneficiamento e comercialização de produtos artesanais de origem animal e vegetal em todo o País."
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 11 de julho de 2002.