Presidência
da República |
MENSAGEM Nº 260, DE 1º DE ABRIL DE 1996.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1o do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente, por considerá-lo contrário ao interesse público, o Projeto de Lei nº 17, de 1996 (nº 600/95 na Câmara dos Deputados), que "Concede anistia de multas cominadas pelo Tribunal Superior do Trabalho a entidades sindicais e associações a elas vinculadas, em virtude de sentença judicial".
A anistia seria justificável, segundo se sustenta, porque a decisão do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho teria aplicado, equivocadamente, sanção aos sindicatos, e não aos responsáveis pela greve, os próprios trabalhadores. Assevera-se, ainda, que o projeto teria por escopo afastar a penalidade imposta aos sindicatos de petroleiros, que, "no exercício de seu direito legítimo de reivindicação (...), conduziram o movimento paredista".
Evidente que, ao determinar que os responsáveis pelo abuso do direito de greve sejam responsabilizados, na forma da lei, não pretendeu o constituinte restringir essa responsabilidade apenas aos trabalhadores ou isentar as organizações sindicais de qualquer responsabilidade na matéria.
Se se entender que o direito de greve configura direito coletivo dos trabalhadores, promovido e dirigido pelas organizações sindicais, que, como se sabe, são as entidades com poder de negociação, não há como admitir que, em caso de conduta manifestamente abusiva, fiquem elas isentas de qualquer responsabilidade.
Isso é o que ensina Santiago Pérez del Castillo em passagem expressiva de sua conhecida obra sobre o direito de greve:
"É possível defender simultaneamente o direito do sindicato de organizar a greve e o direito dos trabalhadores de tomar parte nela. Sendo assim, o problema da titularidade desaparece. Resulta evidente indagar da natureza do mesmo, se o grevista só pode exercer seu direito a tomar parte na medida, se ela tiver sido convocada por um sujeito coletivo. Parece lógico, também, que seja o próprio sujeito coletivo a investir-se do poder-dever de conduzir a greve. De modo que convocatória e condução por uma entidade coletiva resultam nas tratativas para concluí-la, ou melhor, na negociação de novas condições que, implicitamente, acabariam com a greve, se alcançado o acordo.
Ressalte-se, neste aspecto, que o monopólio sindical da greve ou de outra versão análoga, o direito do sindicato a organizá-la, não contradiz a titularidade individual do direito constitucionalmente reconhecido.
Esta duplicidade traz consigo, também, a possibilidade de que os organizadores tenham obrigações a cumprir durante a greve. A posição jurídica do sindicato, ou mais precisamente, do sujeito coletivo, não termina na faculdade de convocar a greve. Deve organizá-la e responder pela condução da mesma. Daí a conveniência de se falar em poder-dever". ("O Direito de Greve", São Paulo, Ltr, 1994, p.97-98).
Acrescente-se que o que caracteriza o Estado Constitucional é que nele não existem nem podem existir soberanos: todos, entes públicos ou privados, restam vinculados à Constituição e à lei. Assim como não é dado a órgão do Poder Executivo ou do Poder Legislativo se insurgir contra decisões judiciais definitivas, também não podem os cidadãos ou as suas associações representativas se rebelar contra ordens emanadas de órgãos jurisdicionais.
Considerar "legítima" a insurreição das entidades sindicais contra a decisão do egrégio TST, como faz o presente projeto de lei, viola a idéia básica que preside o princípio do Estado do Direito, a idéia de respeito e de observância das normas de direito positivo e das decisões judiciais.
Todos os exercentes do direito de liberdade no contexto da vida social não podem perder de vista que liberdade implica responsabilidade, devendo aqueles que escolhem o caminho da violação da lei assumir diretamente as conseqüências pelos seus atos.
A sanção do presente projeto poderia, outrossim, comprometer a idéia de harmonia entre poderes, retirando toda e qualquer eficácia de decisão judicial tomada por Tribunal Superior no estrito exercício de competência que lhe é reconhecida constitucionalmente.
Convém ressaltar que a decisão judicial em apreço não constitui mera aplicação da lei a um caso concreto, em que o legislador poderia simplesmente mudar a lei a ser aplicada pelo Judiciário. Tratou-se de decisão em que o Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu sanção com o objetivo de assegurar a autoridade de suas decisões. Assim, fazer tabula rasa da decisão do TST seria retirar a autoridade de que se reveste aquele egrégia Corte de Justiça.
Essas razões afiguram-se suficientes para que se não empreste a anuência do Poder Executivo à proposta legislativa em apreço.
Todavia, não está o Executivo indiferente à possibilidade de inviabilização da atividade sindical no âmbito da categoria dos petroleiros em face do elevado valor das multas aplicadas, nem insensível aos reclamos de diferentes setores quanto à necessidade de que se confira uma regulação processualmente adequada à matéria concernente aos limites do direito de greve.
Assim sendo, determinei que os setores competentes do Governo envidem esforços com vistas a concluir projeto de lei que ofereça disciplina adequada ao tema. Além de criar maior clareza jurídica quanto à responsabilidade dos sindicatos pelo exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores por eles representados, a proposta de que se cogita deve oferecer parâmetros relativamente seguros aos órgãos jurisdicionais competentes na aplicação das sanções cabíveis em caso de eventual abuso.
Espero que nas próximas duas semanas já possamos encaminhar ao Congresso Nacional as conclusões sobre este estudo em forma de projeto de lei.
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 1 de abril de 1996.
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 2.4.1996