DECRETO de 10 de MARÇO de 1821
Dá as Bases da Constituição Politica da Monarchia Portugueza.
A Regencia do Reino, em Nome de El-Rei o Sr. D. João VI, faz saber que as Côrtes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza tem Decretado o seguinte:
As Côrtes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza, antes de procederem a formar a sua Constituição Politica, reconhecem e decretam como Bases della os seguintes principios, por serem os mais adequados para assegurar os direitos individuaes do cidadão, e estabelecer organisação e limites dos Poderes Politicos do Estado.
1.º A Constituição Política da Nação Portugueza deve manter a liberdade, segurança, e propriedade de todo o cidadão.
2.º A liberdade consiste na faculdade que compete a cada um de fazer tudo o que a lei não prohibe. A conservação desta liberdade depende da exacta observancia das leis.
3.º A segurança pessoal consiste na protecção que o Governo deve dar a todos para poderem conservar os seus direitos pessoaes.
4.º Nenhum individuo deve jámais ser preso sem culpa formada.
5.º Exceptuam-se os casos determinados pela Constituição, e ainda nestes, o Juiz lhe dará em 24 horas e por escripto a razão da prisão.
6.º A lei designará as penas com que devem ser castigados não só o Juiz que ordenar a prisão arbitraria, mas a pessoa que a requerer, e os officiaes que a executarem.
7.º A propriedade é um direito sagrado e inviolavel que tem todo o cidadão de dispór á sua vontade de todos os seus bens, segundo a lei. Quando por alguma circumstancia de necessidade publica e urgente fôr preciso que um cidadão seja privado deste direito, deve ser primeiro indemnisado pela maneira que as leis estabelecerem.
8.º A livre communicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o cidadão póde conseguintemente, sem dependencia de censura prévia, manifestar suas opiniões em qualquer materia; comtanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos e na fórma que a lei determinar.
9.º As Côrtes farão logo esta lei, e nomearão um Tribunal Especial para proteger a Iiberdade da imprensa e cohibir os deIictos resultantes do seu abuso.
10. Quanto porém áquelle abuso, que se póde fazer desta liberdade em matérias religiosas, fica salva aos Bispos a censura dos escriptos publicados sobre dogma e moral, e o Governo auxiliará os mesmos Bispos para serem castigados os culpados.
11. A lei é igual para todos. Não se devem portanto tolerar nem os privilegios do fôro nas causas civeis ou crimes, nem commissões especiaes. Esta, disposição não comprehende as causas que pela sua natureza pertencerem a juizos particulares, na conformidade das leis que marcarem essa natureza.
12. Nenhuma lei, e muito menos a penal, será estabelecida sem absoluta necessidade. Toda a pena deve ser proporcionada ao delicto, e nenhuma deve passar da pessoa do delinquente. A confiscação de bens, a infamia, os açoutes, o baraço e pregão, a marca de ferro quente, a tortura, e todas as mais penas cruéis e infamantes ficam em consequencia abolidas.
13. Todos os cidadãos podem ser admittidos aos cargos publicos sem outra distincção, que não seja a dos seus talentos e das suas virtudes.
14. Todo o cidadão poderá apresentar por escripto ás Côrtes e ao Poder Executivo reclamações, queixas, ou petições, que deverão ser examinadas.
15. O segredo das cartas será inviolavel. A Administração do Correio, ficará rigorosamente responsavel por qualquer infraccão desta lei.
16. A Nação Portugueza é a união de todos os Portuguezes de ambos os hemispherios.
17. A sua religião é a Catholica Apostolica Romana.
18. a seu governo é a monarchia constitucional hereditária, com leis fundamentaes que regulem o exercicio dos tres poderes políticos.
19. A sua dynastia reinante é a da Serenissima Casa de Bragança. O nosso Rei actual é o Senhor D. João VI, a quem succederão na Coroa os seus legitimos descendentes, segundo a ordem regular da primogenitura.
20. A Soberania reside essencialmente em a Nação. Esta é livre e independente, e não póde ser patrimonio de ninguém.
21. Sòmente á Nação pertence fazer a sua Constituição ou lei fundamental, por meio de seus Representantes legitimamente eleitos. Esta lei fundamental obrigará por ora sómente aos Portuguezes residentes nos Reinos de Portugal e Algarves, que estão legalmente representados nas presentes Côrtes. Quanto aos que residem nas outras tres partes do mundo, ella se lhes tornarà commum, logo que pelos seus legitimos Representantes declarem ser esta a sua vontade.
22. Esta Constituição ou lei fundamental, uma vez feita pelas presentes Côrtes Extraordinarias, sómente poderá ser reformada ou alterada em algum ou alguns de seus artigos depois de haverem passado quatro annos, contados desde a sua publicação, devendo porém concordar dous terços dos Deputados presentes em a necessidade da pretendida alteração, a qual sómente se poderá fazer na legislatura seguinte aos ditos quatro annos, trazendo os Deputados poderes especiaes para isso mesmo.
23. Guardar-se-ha na Constituição uma bem determinada divisão dos tres poderes, legislativo, executivo, e judiciário. O legislativo reside nas Côrtes com a dependencia da sancção do Rei, que nunca terá um veto absoluto, mas suspensivo, pelo modo que determinar a Constituição. Esta disposição porém não comprehende as leis feitas nas presentes Côrtes, as quaes leis não ficarão sujeitas a veto algum
O poder executivo está no Rei e seus Ministros, que o exercem debaixo da autoridade do mesmo Rei.
O poder judiciario está nos Juizes. Cada um destes poderes será respectivamente regulado de modo, que nenhum possa arrogar a si as attribuições outro.
24. A lei é a vontade dos cidadãos declarada pelos seus Representantes juntos em Côrtes. Todos os cidadãos devem concorrer para a formaçãoda lei, elegendo estes Representanes pelo methodo que a Constituição estabelecer. Nella se há de também determinar quaes devam ser excluidos destas eleições. As leis se farão pela unanimidade ou pluralidade de votos, prededendo discussão publica.
25. A iniciativa directa das leis sómente compete aos Representantes da Nação juntos em Côrtes.
26. O Rei não poderá assistir ás deliberações das Côrtes, porém sómente á sua abertura e conclusão.
27. As Côrtes se reunirão uma vez cada anno em a Capital do Reino de Portugal, em determinado dia, que ha de ser prefixo na Constituição; e se conservarão reunidas pelo tempo de três mezes, o qual poderá prorogar-se por mais um mez, parecendo assim necessario aos dous terços dos Deputados. O Rei não poderá prorogar nem dissolver as Côrtes.
28. Os Deputados das Côrtes são, como Representantes da Nação, ínviolaveis nas suas pessoas, e nunca responsaveis pelas suas opiniões
29. A's Côrtes pertence nomear a Regencia do Reino, quando assim fôr preciso; prescrever o modo por que então se ha de exercitar a sancção das leis; e declarar as attribuições da mesma Regencia. Sómente ás Côrtes pertence tambem approvar os tratados de alliança offensiva e defensiva, de subsidios, o de commercio ; conceder ou negar a admissão de tropas estrangeiras dentro do Reino; determinar o valor, peso, lei, e typo das moedas; e terão as demais attribuições que a Constituição designar.
30. Uma Junta composta de sete individuos eleitos pelas Côrtes d'entre os seus membros, permanecerá na Capital, onde ellas se reunirem, para fazerem convocar Côrtes Extraordinarias nos casos que serão expressos na Constituição, e cumprirem as outras attribuições que ella lhes assignalar.
31. O Rei é inviolavel na sua pessoa. Os seus Ministros são responsaveis pela falta de observancia das leis, especialmente pelo que obrarem contra a liberdade, segurança, e propriedade dos cidadãos, e por qualquer dissipação ou mào uso dos bens públicos.
32. As Côrtes assignarão ao Rei e á Família Real no principio de cada reinado uma dotação conveniente, que será entregue em cada anno ao administrador que o mesmo Rei tiver nomeado.
33. Haverá um Conselho de Estado composto de membros propostos pelas Côrtes na forma que a Constituição determinar.
34. A imposição de tributos e a fórma da sua repartição será determinada exclusivamente pelas Côrtes. A repartição dos impostos directos será proporcionada, ás faculdades dos contribuintes, e delles não será isenta pessoa ou corporação alguma.
35. A Constituição reconhecerá a divida publica; e as Côrtes estabelecerão todos os meios adequados para, o seu pagamento, ao passo que ella se fôr Iiquidando.
36. Haverá uma força militar permanente de terra e mar, determinada pelas Côrtes. O seu destino é manter a segurança interna e externa do Reino, com sujeição ao Governo, ao qual sómente compete empregal-a pelo modo que lhe parecer conveniente.
37. As Côrtes farão e dotarão estabelecimentos de caridade e instrucção publica.
(Seguem-se as assignaturas de todos os Deputados presentes).
O presente Decreto se publique, registre, guarde no archivo Nacional da Torre do Tombo e por duplicado no das Côrtes, e se remetta por exemplares impressos a todas as Estações a quem competir, para ter desde logo prompto cumprimento, ficando as Bases que nelle se contém, servindo provisoriamente de Constituição, com declaração porém que os casos exceptuados de que trata o art. 5 serão interinamente os mesmos da legislação actual, e que a, execução dos arts 8, 9, 10 e 11 ficarà suspensa por depender de novas leis, que serão feitas immediatamente . A Regencia do Reino jure as referidas Bases, e faça expedir as ordens necessarias, para que em determinado dia sejam tambem juradas por todas as Autoridades Ecclesiasticas, Civis e Militares.
A mesma, Regencia o tenha assim entendido e faça promptamente executar. Paço das Côrtes em 9 de Março do 1821. – Manoel Fernandes Thomaz, Presidente. – José Ferreira Borges, Deputado Secretario.– João Baptista Felgueiras, Deputado Secretario.– Agostinho José Freire, Deputado Secretario. – Francisco Barrozo Pereira, Deputado Secretario.
Portanto manda a todas as autoridades, a quem competir o conhecimento e execução do presente Decreto, que assim o tenha entendido, e o cumpram e façam cumprir e executar, como nelle se contém; e ao Chanceller-Mór do Reino que o faça publicar na Chancellaria, o registrar nos livros respectivos, remettendo o original ao archivo nacional da Torre do Tombo, e copias a todas as estações do estylo ,
Palacio da Regencia 10 do Março do 1821.
Conde de Sampaio
João da Cunha Souto Maior.
Frei Francisco de S Luiz
José Luiz de Carvalho
Joaquim Pedro Gomes de Oliveira
Francisco Duarte Coelho
Anselmo José Braamcamp
Antonio Teixeira Rebello
Francisco MaximiIiano do Souza.
Este texto não substitui o publicado na CLBR, de 1821
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