Crêa a divisão militar da Guarda Real da Policia no Rio de Janeiro
Sendo de absoluta necessidade prover á segurança e tranquillidade publica desta Cidade, cuja população e trafico têm crescido consideravelmente, e se augmentará todos os dias pela affluencia de negocios Inseparável das grandes Capitaes; e havendo mostrado a experiencia, que o estabelecimento de uma Guarda Militar de Policia é o mais proprío não só para aquelle desejado fim da boa ordem e socego publico, mas ainda para obstar ás damnosas especulações do contrabando, que nenhuma outra providencia, nem as mais rigorosas leis prohibitivas tem podido cohibir: sou servido crear uma Divisão Militar da Guarda Real da Policia desta Corte, com a possível semelhança daquella que com tão reconhecidas vantagens estabeleci em Lisboa, a qual se organizarà na conformidade do plano, que com este baixa, assignado pelo Conde de Linhares, do meu Conselho de Estado Ministro e Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros e da Guerra. O Conselho Supremo Militar o tenha, assim entendido e o faça, executar na parte que lhe toca.
Palacio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1809.
Com a rubrica do Principe Regente Nosso Senhor.
I. O Commandante desta Guarda será sujeito ao Governador das Armas da Corte, de quem recebera o santo todos os dias, e ao Intendente Geral da Policia para a execução de todas as suas requisições e ordens que irá em pessoa receber todas as manhãs; sendo obrigado a dar a um e a outro parte de todos os sucessos e novidades que tiverem acontecido no dia e noite precedente, além daquella que deve dirigir ao Ministro de Estado dos Negocios da Guerra, e ao dos Negocios do Brazil, que o é tambem da Fazenda.
II. Esta Guarda será formada dos melhores Soldados escolhidos entre os quatro Regimentos de Infantaria e Cavallaria de linha da guarnição desta Corte; não só pela preferencia da sua robustez indispensavel para as funcções do penoso e aturado serviço a que são destinados, mas ainda pela circumstancia de melhor morigeração e conducta: os respectivos Coroneis, segundo as ordens que receberem do General, farão pois esta exacta e escrupulosa escolha, e designarão assim, segundo a força actual dos seus Corpos, o contingente que tem de dar a formatura desta Guarda, devendo comtudo serem estes Soldados conservados no casco e serviço dos Regimentos, até que este Corpo, fornecido do seu armamento e fardamento, possa começar o seu particular serviço.
IIII. Existindo nos mesmos Corpos de linha da guarnição desta Corte alguns Officiaes Inferiores e Soldados que foram da Guarda Real da Policia de Lisboa, devem estes com preferencia ser chamados para este serviço que já tem a vantagem de conhecer, tornando-se assim mais facil a maneira de dar a este Corpo aquella disciplina particular do seu serviço detalhado de patrulhas e rondas.
IV. O uniforme e armamento deste Corpo serão completamente semelhantes aos da Guarda Real de Policia de Lisboa.
V. Além do soldo já mencionado na formatura deste Corpo, terá elle pelas respectivas repartições os vencimentos que se costumam fornecer aos mais Corpos de linha desta guarnição; mas o seu primeiro armamento e fardamento será apromptado pelo cofre da Policia, a cujo cargo está completamente esta creação.
VI. Devendo este Corpo ser estabelecido em quarteis collocados de maneira que possam abranger a guarda e vigia de toda a Cidade e seus contornos, serão as quatro Companhias que o compoem, estacionadas pela maneira seguinte: a de CavalIaria ficará no Campo de Sant'Anna; a primeira de Infantaria no sitio chamado do Vallongo, da esquina do Livramento para o Trapiche da Saude ; a segunda no logar da Prainha; e a terceira do Campo da Ajuda para a Lapa do Desterro: estes quarteis emquanto não são convenientemente formados, poderão ser arranjados em alguns pequenos predios que a Policia para isto possa preparar.
VII. Cada uma destas Companhias deve empregar diariamente em serviço a terça parte da sua força actual, que de dia occuparão o respectivo Corpo da guarda, e de noite sahirão em pequenas patrulhas para rondarem revesadamente aquella parte do Districto, que lhes está confiada; e de certos em certos períodos, quando o Commandante julgar conveniente, fará dar por todas as Companhias uma batida geral sobre o local que se tiver em suspeita.
VIII. Os Officiaes respectivos assistirão o mais perto que ser possa do alojamento das suas Companhias, para manter nestas aquella diciplina e boa ordem que convem, particularmente o de Cavallaria, que deve vigiar miudamente no trato e sustento dos Cavallos, em que a mais pequena negligencia deve ser asperamente castigada; e um Official Inferior assistirá sempre ao serviço da Cavallariça, por cuja ordem será responsavel, tanto de dia como de noite.
IX. Haverão ranchos em todas as Companhias; os respectivos Commandantes procurarão que sejam sufficientes e regulados de maneira que o Soldado ache o seu sustento a horas próprias, pois que o seu penoso exercicio exige esta providencia.
X. As revistas se farão de manhã e á noite, devendo ser punidos os que faltarem: e, se o aquartelamento o permittir, se exigirá, que não só todos os Soldados, mais ainda todos os Officiaes Inferiores pernoitem no Quartel, á porta do qual existirá sempre uma sentinella; a guarda se renderá todos os dias pelas sete horas da manhã.
XI. As patrulhas rondantes embaraçarão qualquer grande ajuntamento de noite; e prenderão por suspeita toda a pessoa que não obedecer á voz que se lhe der.
XII. Havendo uma hora determinada para se fecharem as vendas, casas de café, bilhares, etc. ; as patrulhas tomarão o nome da pessoa que infringir esta ordem e as indicações da casa e da rua, para depois darem parte ao Ajudante, encarregado de tomar relação dos acontecimentos da noite, fazendo assim depois um mappa por que devem formalisar-se as partes diarias ordenadas no artigo primeiro, e mais especificadamente a que se deve dar ao Intendente Geral da Policia.
XIII. Toda a patrulha que de dia ou de noite prender pessoas suspeitas, ladrões ou assassinos, os conduzirá logo á prisão determinada pela Policia, recebendo do Carcereiro o competente recibo.
XIV. As patrulhas de Infantaria de noite não andarão em continuado gyro, mas de espaço em espaço se occultarão em sitio mais reservado e no maior silencio, para poderem escutar qualquer bulha ou motim, e apparecerem repentinamente sobre o logar da desordem: a Cavallaria deve semelhantemente parar em differentes ruas e conhecer bem as travessas, para que possa cortar a fugida a qualquer delinquente que queira evadir-se.
XV. Em caso de incendio, seja de dia ou de noite, devem os corpos das Guardas postar-se junto aos seus Quarteis, deixando ao serviço dos Piquetes dos Regimentos a diligencia de acudirem ao fogo, não se distrahindo assim, para poderem melhor occorrer a qualquer disturbio que occasionalmente se manifeste, devendo dobrar-se então as patrulhas de Cavallaria.
XVI. Ficando por este modo convenientemente acautelada a guarda e vigia da Cidade, ficará cessando com este serviço o das rondas que se exigiam dos Corpos Milicianos e de Linha; conservando estes todavia nos seus Quarteis os Piquetes que devem auxiliar a Guarda da Policia em qualquer occurrencia em que se requeira a sua cooperação.
XVII. Qualquer Corpo da Guarda Real da Policia, encontrando o Santissimo Sacramento, seja de dia ou de noite, lhe renderá as honras devidas, mas nunca deixará o seu posto. Os Corpos das Guardas se porão em armas para qualquer Corpo de Tropa armada, que passar ao seu alcance. As sentinellas farão as honras do costume a todo o Official vestido do seu uniforme, e apresentarão as armas aos Officiaes Generaes para os quaes sahirem as guardas. Em concurrencia com qualquer outro Corpo de Tropas terá o logar de honra a Guarda Real da Policia, conforme a antiguidade da sua creação.
XVIII. Todo o Commandante de patrulha que por omissão deixar escapar um ladrão ou assassino, será demittido e posto em Conselho de Guerra.
XIX. Todo o Soldado que faltar ao seu dever, que não vigiar á roda do seu posto deixando de avisar a tempo, ou o que faltar á revista, será castigado pela primeira vez com oito dias de ser- viço effectivo no Quartel; pela segunda vez com 15 dias de prisão, e reincidindo, será expulso vergonhosamente, para ser julgado em Conselho de Guerra segundo o rigor das leis Militares.
XX. Todo o Official Inferior ou Soldado que for accusado de haver recebido qualquer premio para deixar escapar um culpado, será preso e posto em Conselho de Guerra.
XXI. Como um dos serviços a que esta Guarda particularmente se destina é o da extincção do contrabando, lhe pertencerão todas as tomadias que delle fizerem, depois de deduzidos os reaes direitos, que se devem receber na Alfandega e as despezas inherentes ao processo por que ellas devem ser julgadas perante o Superintendente dos contrabandos e descaminhos dos reaes direitos, o qual com mais dous Adjuntos julgarão em Relação todas as causas desta natureza; e por isto receberão seis por cento do valor das tomadias, dos quaes tres serão para o Juiz Relator, e os outros tres para os dous Adjuntos.
XXII. Devendo estes generos apprehendidos entrar na Alfandega como é costume, dalli se remetterá o seu importe liquido, depois da já referida deducção dos reaes direitos para o cofre da Policia, sendo dallí mesmo que os Juizes hão de receber o seu premio pela certidão da sentença, que o Superintendente deve enviar ao Intendente Geral da Policia; e então o liquido se entregará aos apprehensores, devendo o Escrivão, que será o da Correição do Crime da Corte e Casa, receber as custas da parte condemnada.
XXIII. Não sendo o trato deste indispensavel pequeno processo occupação propria de Soldado, deverá o Corpo da Guarda da Policia ter um Procurador, que solicite e promova estas causas, ao qual se dará o premio que parecer conveniente e proporcionado.
XXIV. Além das providencias que ficam assim ordenadas, cumpre ao Governador das Armas da Corte, e ao Intendente Geral da Policia, segundo o conhecimento que a experiencia for dando, indicar depois quaes sejam as modificações ou alterações que convenham fazer-se, para que este estabelecimento corresponda ao util fim a que se destina.
Palacio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1809.
Conde de Linhares.
Este texto não substitui o publicado na CLBR, de 1809
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