Regula a Casa da Supplicação e dá providencias a bem da administração da Justiça.
Eu o Principe Regente faço saber aos que o presente Alvará com força de lei virem, que tomando em consideração o muito que interessa o estado e o bem commum e particular dos meus leaes vassallos em que a Administração da Justiça não tenha embaraços que a retardem e estorvem e se faça com a promptidão e exactidão que convém, e que afiança a segurança pessoal e dos sagrados direitos de propriedade que muito desejo manter como a mais segura base da sociedade civil; e exigindo as actuaes circumstancias novas providencias, não só por estar interrompida a communicaçao com Portugal e ser por isto impraticavel seguirem-se os aggravos ordinarios e appellações que até aqui se interpunham para a Casa da Supplicação de Lisboa, vindo a ficar os pleitos sem decisão ultima com manifesto detrimento dos litigantes e do publico que muito interessam em que não haja incerteza de domínios e se findem os pleitos quanto antes; como também por me achar residindo nesta Cidade que deve por isso ser considerada a minha Côrte actual ; querendo providenciar de um modo seguro estes inconvenientes e os que podem recrescer para o futuro em beneficio do augmento e prosperidade da causa publica; sou servido determinar o seguinte.
I. A Relação desta Cidade se denominará Casa da Supplicação do Brazil e será considerada como Superior Tribunal de Justiça, para se findarem alli todos os pleitos em ultima ínstancia, por maior que seja o seu valor, sem que das ultimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso que não seja o das revistas nos termos restrictos do que se acha disposto nas minhas Ordenações, Leis e mais disposições. E terão os Ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Supplicação de Lisboa.
II. Todos os aggravos ordinarios e appellações do Pará , Maranhão, Ilhas dos Açores e Madeira, e da Relação da Bahia que se conservará no estado em que se acha e se considerará como immediata à desta Cidade, os quaes se interpunham para a Casa da Supplicacão de Lisboa, serão daqui em diante interpostos para a do Brazíl e nella se decidirão finalmente pela mesma fórma que o erão até agora, segundo as determinações das minhas Ordenações e mais disposições regias.
III. Todos aquelles pleitos, em que houve interposição de aggravos, ou appellações que se não remetteram; e todos os que sendo remettidos, não tiveram ainda final decisão, serão julgados na Casa da Supplicação do Brazll, uns pelos proprios autos e outros pelos traslados que ficaram, pela maneira, com que o seriam na de Lisboa, por Juizes da Casa que o não foram nas primeiras sentenças. E os embargos que na execução se tiverem mandado remetter, se decidirão pelos mesmos Juizes que ordenaram a remessa, sem attenção ao despacho que a decretara, a fim de haverem final decisão, como cumpre ao bem publico.
IV. A Casa da Supplicação do Brazil se comporá além do Regedor que eu houver por bem nomear, do Chanceller da Casa, de oito Desembargadores dos aggravos, de um Corregedor de Crime da Côrte e Casa, de um Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda, de um Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda, de um Corregedor do Civil da Côrte, de um Juiz da Chancellaria, de um Ouvidor do Crime, de um Promotor da Justiça e de mais seis Extravagantes.
V. Governar-se-hão todos pelo Regimento da Casa da Supplicação, segundo é conteúdo nos titulas respectivos das Ordenações do Reino, Leis, Decretos e Assentos, guardando-se na ordem e fórma do despacho o mesmo, que alli se praticava. E guardar-se-ha tambem quanto está determinado no Regimento de 13 de Outubro de 1751 dado para a Relação desta Cidade, em tudo que não for revogado por este Alvará e não for incompativel com a nova ordem de cousas.
VI. Os logares dos Ministros da Casa não serão mais, como até agora eram os da Relação desta Cidade, contemplados de igual graduação; antes haverá a mesma distincção que ha na de Lisboa, para serem promovidos aos mais dintinctos e graduados, os Ministros que forem de maior graduação nos despachos que já tinham, e tiverem maior antiguidade, prestimo e serviços.
VII. Attendendo a que nem a multiplicidade dos negócios o exige, nem cumpre augmentar o numero dos Magistrados, tendo além disto mostrado a experiencia fazer-se sem dífficuldade e inconvenientes; servirão todos os Ministros de Adjuntos uns dos outros, como for necessario no despacho do expediente; e entrarão tambem nas serventias dos logares vagos, ou impedidos, quando não hajam para isto Extravagantes por occupados em outras serventias.
VIII. O Chanceller desta Casa sel-e-ha sómente; sem que sirva, como até agora o fazia o da Relação desta Cidade em alguns casos, de Chanceller Mór do Reino que fui servido crear. Na sua falta e impedimento servirá o Desembargador mais antigo da Casa, a quem se remetterão os sellos.
IX. Tendo mostrado a experiencia que da decisão de ser cumulativa a jurisdicção dos Magistrados Criminaes no conhecimento por devassa dos delictos commettidos nesta Cidade e 15 leguas ao redor, se tem seguido a prompta indagação dos autores delles sem disputas de jurisdicção sempre odiosas: hei por bem que o mesmo se continue a praticar, regulando-se pela prevenção, exceptuados os casos do § 6º do Regimento de 13 de Outubro de 1751, que devem ser privativos da jurisdicção do Corregedor do Crime da Côrte e Casa.
X. O Districto da Casa da Supplicação do Brazil, bem como o Termo da jurisdicção dos Ministros della, será o mesmo que era até agora o da Relação desta Cidade na fórma dos §§ 10 e 11 do Regimento della.
XI. Terão de ordenado o Chanceller 1: 300$000; e todos os mais Ministros que tiverem Officio na Casa, 1: 100$000; o Procurador da Coroa e Fazenda, além do ordenado que lhe competir segundo a graduação em que estiver, 500$000; os Extravagantes 900$000 que é o mesmo que até agora percebiam a titulo de ordenado e propinas os Desembargadores da Relação desta Cidade. E terão outrosim as mesmas assignaturas nos feitos que ate agora levavam, por serem as mesmas que competem aos Ministros da Casa da Supplicação.
XII. Os Officiaes desta Casa serão os mesmos que até agora serviam na Relação desta Cidade; e observarão no cumprimento dos seus Officios o que lhes é determinado no Regimento de 13 de Outubro de 1751 nos titulos 11 e 12.
XIII. Não podendo bastar para o expediente das Varas do Crime e do Civel um só Escrivão que para o diante será ainda de maior concorrencia : hei por bem crear mais um Escrivão para cada uma dellas, entre os quaes haverá a competente distribuição.
E este se cumprirá como nelle se contém. Pelo que mando á Mesa do Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens, ao Governador da Relação da Bahia; aos Governadores e Capitães Generaes; e todos os Ministros de Justiça e mais pessoas, a quem pertencer o conhecimento e execução deste Alvará, que o cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nelle se contém, não obstante quaesquer Leis, Alvarás, Decretos, Regimentos ou Ordens em contrario, porque todas e todos hei por bem derogar para este effeito sómente, como se delles fizesse expressa e individual menção, ficando aliás sempre em seu vigor. E este valerá como Carta passada na Chancellaria, ainda que por ella não ha de passar, e que o seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo das Ordenações em contrario : registrando-se em todos os logares, onde se costumam registrar semelhantes Alvarás.
Dado no Palacio do Rio de Janeiro em 10 de Maio de 1808.
PRINCIPE com guarda
D. Fernando Jose de Portugal.
Alvará com força de Lei pelo qual Vossa Alteza Real é servido regular a Casa da Supplicação do Brazil e dar outras providencias a bem da Administração da Justiça; na fórma que acima se declara.
Para Vossa Alteza Real ver.
João Alvares de Miranda Varejão o fez.
Este texto não substitui o publicado na CLBR de 1808
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