|
Presidência da República |
DECRETO Nº 7.378, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2010.
Aprova o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal - MacroZEE da Amazônia Legal, altera o Decreto no 4.297, de 10 de julho de 2002, e dá outras providências. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de sua atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 9o, inciso II, da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981,
DECRETA:
Art. 1o Fica aprovado o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal -MacroZEE da Amazônia Legal, na forma do Anexo, como instrumento de orientação para a formulação e espacialização das políticas públicas de desenvolvimento, ordenamento territorial e meio ambiente, assim como para as decisões dos agentes privados.
CAPÍTULO I
DOS OBJETIVOS, DEFINIÇÕES E ESTRATÉGIAS
Art. 2o O MacroZEE da Amazônia Legal tem por objetivo assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento regional, indicando estratégias produtivas e de gestão ambiental e territorial em conformidade com a diversidade ecológica, econômica, cultural e social da Amazônia.
Art. 3o O MacroZEE da Amazônia Legal será articulado com os processos e instrumentos de planejamento estaduais, em especial com os Zoneamentos Ecológicos Econômicos.
Art. 4o Integra este Decreto o Anexo - MacroZEE da Amazônia Legal: Estratégias de Transição para a Sustentabilidade.
Parágrafo único. Os mapas temáticos, as figuras e o mapa final do MacroZEE da Amazônia Legal mencionados no Anexo serão disponibilizados no Sítio Eletrônico do Ministério do Meio Ambiente <www.mma.gov.br/zeeamazonia>.
Art. 5o Constituem estratégias para toda Amazônia Legal o conjunto de propostas gerais e específicas de desenvolvimento sustentável e de gestão ambiental e territorial contidas no Anexo .
CAPÍTULO II
DAS UNIDADES TERRITORIAIS E DA IMPLEMENTAÇÃO
Art. 6o Para cumprir os objetivos do MacroZEE da Amazônia Legal, ficam estabelecidas dez unidades territoriais denominadas segundo as seguintes estratégias principais de produção e de gestão ambiental:
I - fortalecimento do corredor de integração Amazônia-Caribe;
II - fortalecimento das capitais costeiras, regulação da mineração e apoio à diversificação de outras cadeias produtivas;
III - fortalecimento do policentrismo no entroncamento Pará-Tocantins-Maranhão;
IV - readequação dos sistemas produtivos do Araguaia-Tocantins;
V - regulação e inovação para implementar o complexo agroindustrial;
VI - ordenamento e consolidação do polo logístico de integração com o Pacífico;
VII - diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária;
VIII - contenção das frentes de expansão com áreas protegidas e usos alternativos;
IX - defesa do coração florestal com base em atividades produtivas sustentáveis; e
X - defesa do Pantanal com a valorização da cultura local, das atividades tradicionais e do turismo.
Art. 7o As estratégias gerais e específicas referidas no art. 5o e contidas no Anexo, sem prejuízo do previsto na legislação em vigor, deverão ser consideradas nos planos, programas e ações:
I - dos órgãos e entidades responsáveis pela proposição, planejamento e implementação de políticas públicas federais;
II - dos órgãos e entidades federais responsáveis pela destinação de incentivos fiscais, créditos governamentais e aplicação dos recursos de instituições financeiras oficiais; e
III - dos fundos ou agências de financiamento que operem na região amazônica.
Art. 8o Os órgãos da administração direta e as entidades da administração indireta, responsáveis pela formulação e execução das políticas públicas federais com incidência nos setores produtivos e na organização territorial da Amazônia Legal, promoverão ações visando a articulação e a compatibilização dessas políticas com as estratégias gerais e específicas do MacroZEE da Amazônia Legal, contidas no Anexo.
Art. 9o Caberá à Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional - CCZEE, de que trata o Decreto de 28 de dezembro de 2001, a proposição de medidas orientadoras aos órgãos e entidades da administração pública federal, visando a adequação de políticas, planos e programas com o estabelecido no MacroZEE da Amazônia Legal.
Parágrafo único. As medidas orientadoras, extensivas às carteiras de crédito das instituições financeiras oficiais, poderão incluir propostas sobre instrumentos econômicos e financeiros.
Art. 10. O Conselho Monetário Nacional estabelecerá as condições, critérios e vedações para a concessão de crédito rural e agroindustrial com vistas a restringir a expansão da pecuária e da monocultura em grandes áreas, nas unidades territoriais “defesa do coração florestal com base em atividades produtivas sustentáveis” e “contenção das frentes de expansão com áreas protegidas e usos alternativos”.
CAPÍTULO III
DO MONITORAMENTO, AVALIAÇÃO E DIVULGAÇÃO
Art. 11. A CCZEE promoverá, a cada dois anos, a partir da entrada em vigor deste Decreto, a realização de avaliação sobre os resultados da implementação do MacroZEE da Amazônia Legal, a que se dará publicidade e transparência.
§ 1o A CCZEE e o Grupo de Trabalho Permanente para a Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico, denominado Consórcio ZEE-Brasil, instituído pelo Decreto de 28 de dezembro de 2001, estabelecerão indicadores de monitoramento que servirão de parâmetros para a avaliação referida no caput, assim como para os demais processos de acompanhamento da implementação do MacroZEE da Amazônia Legal.
§ 2o Para a finalidade do caput, a CCZEE promoverá periodicamente reuniões extraordinárias nos Estados da Amazônia Legal.
§ 3o Com antecedência mínima de trinta dias das reuniões, será disponibilizado relatório preliminar contemplando as avaliações e avanços na implementação do MacroZEE da Amazônia Legal, indicadores de acompanhamento e estatísticas da região.
§ 4o O acompanhamento da implementação do MacroZEE da Amazônia Legal contemplará a participação da sociedade civil, por meio de organizações setoriais e regionais, na forma definida pela CCZEE.
Art. 12. O Ministério do Meio Ambiente divulgará os dados e informações que integram o MacroZEE da Amazônia Legal, assim como as avaliações de que trata o art. 11, em linguagem e formato acessíveis, inclusive na forma de ilustrações e textos explicativos, ressalvados os de interesse estratégico para o País e os indispensáveis à segurança e à integridade do território nacional.
CAPÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 13. A CCZEE promoverá a compatibilização e harmonização dos Zoneamentos Ecológicos-Econômicos realizados na Amazônia Legal, em diferentes escalas e esferas administrativas, com o MacroZEE da Amazônia Legal.
Parágrafo único. No cumprimento do disposto no caput, a CCZEE será apoiada por grupo de trabalho instituído pelo Ministério do Meio Ambiente.
Art. 14. A CCZEE poderá solicitar aos órgãos e entidades da administração pública informações que permitam o exame da compatibilidade e coerência de suas políticas, planos e programas ao estabelecido pelo MacroZEE da Amazônia Legal.
Art. 15. A CCZEE e o Consórcio ZEE Brasil elaborarão propostas de critérios técnicos e institucionais para a revisão, atualização e modificação dos Zoneamentos Ecológicos Econômicos elaborados no território nacional.
Art. 16. O Decreto no 4.297, de 10 de julho de 2002, fica acrescido do seguinte art. 13-B:
“Art. 13-B. Na elaboração do ZEE mencionado no inciso I do § 1o do art. 6o-A, os critérios para divisão territorial e seus conteúdos serão definidos com o objetivo de assegurar as finalidades, integração e compatibilização dos diferentes níveis administrativos e escalas do zoneamento e do planejamento territorial, observados os objetivos e princípios gerais deste Decreto.
Parágrafo único. Compete a Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional - CCZEE aprovar diretrizes metodológicas com o objetivo de padronizar a divisão territorial do ZEE referido no caput.” (NR)
Art. 17. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 1º de dezembro de 2010; 189o da Independência 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA
SILVA
Izabella Monica Vieira Teixeira
Este texto não substitui o publicado no DOU de 2.12.2010
ANEXO
ESTRATÉGIAS DE TRANSIÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE
LISTA DE siglas
AGU |
Advocacia-Geral da União |
Alunorte Ambev |
Alumina do Norte do Brasil S.A. Companhia de Bebidas das Américas |
Ambip |
Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio |
Amcel |
Amapá Florestal e Celulose S.A. |
ANA |
Agência Nacional de Águas |
Aneel |
Agência Nacional de Energia Elétrica |
ANP BAP |
Agência Nacional do Petroléo, Gás Natural e Biocombustíveis Bacia do Alto Paraguai |
BID |
Banco Interamericano de Desenvolvimento |
Cadam |
Caulim da Amazônia S.A |
CCZEE |
Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional |
Cfem |
Compensação Financeira pela Extração Mineral |
Cimi |
Conselho Indigenista Missionário |
CNA |
Confederação Nacional da Agricultura |
CNI |
Confederação Nacional da Indústria |
CNS |
Conselho Nacional das Populações Extrativistas |
CO2 |
Dióxido de Carbono |
CT&I |
Ciência Tecnologia e Inovação |
EDN |
Estratégia de Defesa Nacional |
Embrapa |
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária |
Empaer |
Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural |
EPE |
Empresa de Pesquisa Energética |
Faor |
Fórum da Amazônia Oriental |
Ferronorte |
Ferrovia Norte Brasil |
Fetaet |
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Tocantins |
Fiocruz |
Fundação Oswaldo Cruz |
Flona |
Floresta Nacional |
Flota |
Floresta Estadual |
GT |
Grupo de Trabalho |
GTA |
Grupo de Trabalho Amazônico |
IBGE |
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística |
Icomi |
Indústria e Comércio de Minérios |
IEPA |
Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológica do Estado do Amapá |
IIRSA |
Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana |
Incra |
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária |
INSS |
Instituto Nacional do Seguro Social |
MCT |
Ministério da Ciência e Tecnologia |
MIQCB |
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu |
MME |
Ministério de Minas e Energia |
OEA |
Organização dos Estados Americanos |
ONG |
Organização não Governamental |
P&D |
Pesquisa e Desenvolvimento |
PAA |
Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar |
PAC |
Programa de Aceleração do Crescimento |
PAS |
Plano Amazônia Sustentável |
PCH |
Pequena Central Hidrelétrica |
PCTAF |
Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares |
PDN |
Política de Defesa Nacional |
PDR |
Políticas de Desenvolvimento Regional |
PGPM |
Política de Garantia de Preços Mínimos |
PIB PIM |
Produto Interno Bruto Polo Industrial de Manaus |
PIN |
Plano de Integração Nacional |
PNAE |
Programa Nacional de Alimentação Escolar |
PNDR |
Política Nacional de Desenvolvimento Regional |
PNLT |
Plano Nacional de Logística de Transportes |
PNOT |
Política Nacional de Ordenamento Territorial |
PNPCT |
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais |
PNPSB |
Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade |
PPCDAm |
Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia |
PPCerrado |
Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado |
PRDA |
Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia |
Prodes |
Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia |
Pronaf |
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar |
REB |
Relação de Extrativistas Beneficiários |
REGIC |
Região de Influência das Cidades |
Resex |
Reserva Extrativista |
SAE |
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República |
Sebrae |
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas |
SFB |
Serviço Florestal Brasileiro |
SIN |
Sistema Interligado Nacional |
Snuc |
Sistema Nacional de Unidades de Conservação |
SPU |
Secretaria de Patrimônio da União |
Sudam |
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia |
Suframa |
Superintendência da Zona Franca de Manaus |
UC |
Unidades de Conservação |
UHE |
Usina Hidrelétrica |
Usaid |
United States Agency for International Development |
ZEE |
Zoneamento Ecológico-Econômico |
LISTA DE FIGURAS
(As figuras relacionadas a seguir encontram-se disponíveis no endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/zeeamazonia)
Figura 1: Arranjo institucional para o MacroZEE da Amazônia Legal;
Figura 2: Etapas de construção do MacroZEE da Amazônia Legal;
Figura 3: Unidade Territorial Fortalecimento do corredor de integração Amazônia-Caribe;
Figura 4: Unidade Territorial Fortalecimento das capitais costeiras, regulação da mineração e apoio à diversificação de outras cadeias produtivas;
Figura 5: Unidade Territorial Fortalecimento do policentrismo no entroncamento do Pará-Tocantins-Maranhão;
Figura 6: Unidade Territorial Readequação dos sistemas produtivos do Araguaia-Tocantins;
Figura 7: Unidade Territorial Regulação e inovação para implementar o complexo agroindustrial;
Figura 8: Unidade Territorial Ordenamento e consolidação do polo logístico deintegração com o Pacífico;
Figura 9: Unidade Territorial Diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária;
Figura 10: Unidade Territorial Contenção das frentes de expansão com áreas protegidas e usos alternativos;
Figura 11: Unidade Territorial Defesa do coração florestal com base em atividades produtivas;
Figura 12: Unidade Territorial Defesa do Pantanal com a valorização da cultura local, das atividade tradicionais e do turismo.
LISTA DE MAPAS
(Os mapas relacionados a seguir encontram-se disponíveis no endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/zeeamazonia)
Mapa 1: Fluxos do bovino;
Mapa 2: Fluxos do arroz;
Mapa 3: Fluxos da soja;
Mapa 4: Fluxos do algodão herbáceo;
Mapa 5: Fluxos do milho;
Mapa 6: Fluxos da madeira em tora.
Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal
Estratégias de transição para a sustentabilidade
APRESENTAÇÃO
O Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal foi elaborado mediante um amplo processo de discussão nos âmbitos da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional (CCZEE), composta por 13 ministérios e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, e do Grupo de Trabalho para a Elaboração do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, constituído por representantes dos nove estados da região e pelas instituições do Consórcio ZEE Brasil. Durante sua elaboração, foram realizadas as Mesas de Diálogo com representantes de vários segmentos da sociedade civil, notadamente dos setores da agropecuária, indústria, academia, ONGs e movimentos sociais. A proposta foi ainda submetida à consulta pública via internet. Críticas e propostas foram apresentadas e incorporadas.
Entre os desafios enfrentados na construção da proposta do MacroZEE, dois se destacaram: primeiro a definição de uma abordagem e perspectiva convergente no âmbito da CCZEE; segundo, o estabelecimento da relação do Macrozoneamento com os ZEEs estaduais, uma vez que os nove estados da região possuem ou estão concluindo seus respectivos zoneamentos. Trata-se de desafios conceituais, metodológicos e políticos, relacionados com a apreensão da realidade e com a orientação da ação estratégica para encaminhar as soluções dos mais importantes problemas socioambientais e econômicos da Amazônia.
Os desafios foram enfrentados e superados a partir da compreensão consensual de que o modelo vigente de ocupação e uso dos recursos naturais na Amazônia trouxe desenvolvimento, riqueza e bem-estar à população no cômputo geral, o que se refletiu na melhoria dos indicadores sociais, notadamente na última década. Todavia, a expansão da produção e a fixação dos novos contingentes populacionais na região deram-se, muitas vezes, de forma desordenada e insustentável, social e ambientalmente. O desenvolvimento não foi capaz de incluir algumas parcelas da população, em especial aquelas que já tradicionalmente ocupavam a região e que sofreram as consequências da exploração predatória dos recursos naturais, da violência contra os direitos humanos e da inadequação das instituições.
Dessa forma, a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável, voltado para atender as necessidades sociais e as exigências ambientais e econômicas, passa pela mudança da atual matriz produtiva para incluir critérios de sustentabilidade mediante processos de regulação e de instrumentos econômicos, assim como para alavancar transformações radicais das formas de organização da economia e da produção, onde as formas atuais se revelem incompatíveis com o novo modelo.
Outro ponto de convergência é a compreensão de que os problemas da Amazônia afetam cada vez mais a região e o País como um todo, sendo que alguns são de impacto global, como as emissões de dióxido de carbono (CO2) decorrentes das queimadas e do desmatamento, ainda que as taxas de desmatamento tenham sido reduzidas em mais de 60% nos últimos cinco anos. Por outro lado, dinâmicas que têm origem em outras regiões do País e no exterior também exercem influência sobre a Amazônia, tais como a pobreza, que favorece a disponibilidade e a mobilidade de populações rurais; os mercados globais, que provocam oscilações de preços nas commodities; ou, os esforços para a diminuição das pressões sobre a madeira com reflorestamentos fora da Amazônia. Ainda como dinâmica de origem externa, um leve aumento na temperatura global em 1 ou 2 graus Celsius poderá ter um impacto enorme em todo o sistema amazônico, alterando o fluxo hídrico e podendo trazer significativas perdas sociais, econômicas e em termos de biodiversidade. Assim, em termos de mudança do clima, a região amazônica poderá sofrer com impactos muito mais significativos devido às emissões globais originadas da queima de combustíveis fósseis em regiões muito distantes da Amazônia, do que aqueles provocados por ações locais. Nesta perspectiva, o foco do Macrozoneamento são as escalas nacional e regional, e os principais sujeitos da sua implementação são as instituições que formulam políticas e operam nesses espaços.
Muitas das soluções contidas nas estratégias do Macrozoneamento já estão em curso na Amazônia e têm valorizado, crescentemente, a dimensão territorial, agora apreendida e valorizada como crucial para os objetivos pretendidos. Isso porque, frente à diversidade sociocultural, ecológica e econômica da Amazônia, não há como elaborar estratégias válidas para todos os tempos, todos os lugares e todos os problemas. Algumas estratégias são respostas voltadas para as áreas mais antropizadas, sejam urbanas ou rurais. Outras focam as áreas onde predominam os ecossistemas naturais com sua sociobiodiversidade, ainda bastante preservados. E há aquelas voltadas para as frentes de expansão, que são áreas que concentram as principais dinâmicas e vetores da expansão predatória. Em qualquer caso, a meta sempre é o desenvolvimento, com apoio para a recuperação dos passivos e manutenção dos ativos ambientais, sem os quais não há sustentabilidade.
Nesse sentido, o Macrozoneamento dialoga e mantém uma relação de mão dupla com as principais iniciativas que já estão transformando a Amazônia e que contam com forte legitimação política e social, no geral referenciadas no Plano Amazônia Sustentável (PAS), tais como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm), a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT), as Políticas de Desenvolvimento Regional (PNDR) e de Defesa (PND), o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), o Programa Territórios da Cidadania, os Planos de Desenvolvimento Regionais, a exemplo dos Planos Marajó, BR-163, Xingu e Sudoeste da Amazônia, o Programa de Regularização Fundiária da Amazônia Legal (Terra Legal), a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei no 11.284/2006), o Programa de Manejo Florestal Comunitário e Familiar (Decreto no 6.874/09), o Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA), o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) e, assim que for lançado, o Plano Estratégico de Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas.
Há um consenso de que a implementação de todos esses planos e das estratégias do Macrozoneamento somente será plenamente alcançada se for impulsionada por um novo bloco de forças políticas, econômicas e sociais, comprometido com os princípios, critérios e práticas da sustentabilidade. Assume-se aqui o inexorável conflito entre o velho e o novo, sem maniqueísmos, uma vez que prevalece a ideia de uma transição de tempos, espaços e paradigmas, durante a qual os dois modelos convivem em tensão dialética. O Macrozoneamento volta-se para acelerar essa transição e a formação da nova hegemonia, fortalecendo as opções de desenvolvimento que interessam à maioria dos amazônidas e brasileiros de todas as partes.
O Macrozoneamento representa, assim, a síntese de uma construção pactuada no âmbito da CCZZE e de um entendimento bastante avançado com os Estados da Amazônia Legal. Ao mesmo tempo, expressa a vontade da sociedade brasileira de desenvolver a Amazônia sem destruí-la, uma perspectiva claramente manifestada durante o diálogo público e apreendida a partir das visões e dos projetos das principais organizações da sociedade civil que atuam em sua defesa.
Com sua aprovação, o MacroZEE da Amazônia Legal passa a compor a agenda do desenvolvimento regional, indicando para o poder público e para a sociedade as estratégias que reposicionam a Amazônia na vanguarda da transição para a sustentabilidade. A implementação do Macrozoneamento é uma tarefa de todos.
ANTECEDENTES
Na Amazônia Legal, pode-se afirmar que, de modo geral, o processo histórico de ocupação de seu espaço impactou severamente o meio natural, indicando a necessidade de modificação do padrão produtivo, que permita a ampliação e distribuição equitativa dos benefícios econômicos e sociais alcançados, e, ao mesmo tempo, afaste o risco de comprometimento irreversível da capacidade de suporte dos ecossistemas.
No esforço de entender a complexa realidade da Amazônia contemporânea, torna-se necessário trabalhar com uma concepção ampliada de espaço geográfico, de modo a desvendar, por detrás de cada situação configurada na diversidade atual desse vasto espaço regional, a verdadeira natureza do processo histórico em curso.
Nesse contexto, refletir sobre a configuração atual da região, em seus componentes econômico, social e ambiental, é, antes de tudo, rediscutir o processo de ocupação do vasto território amazônico nos últimos anos, processo esse que teve, e ainda tem, sua dinâmica interna apoiada em forte mediação do Estado, por meio do qual o território foi reavaliado continuamente, passando do vazio a ser conquistado a foco de atração de agentes sociais com interesses distintos, que acabaram por transformar direta ou indiretamente a realidade social preexistente, potencializando antigos e gestando novos conflitos.
Criando Terras Indígenas, Unidades de Conservação, abrindo estradas, assentando colonos, distribuindo incentivos fiscais e financeiros, construindo hidrelétricas, atraindo indústrias e acelerando a urbanização, enfim, valorizando diferenciadamente o espaço regional, o papel do Estado está na raiz da questão ambiental na Amazônia, questão essa que se desdobra em tantas quantas foram as Amazônias construídas nos últimos quarenta anos.
Com efeito, a abertura da rodovia Belém-Brasília sinaliza o momento da ruptura do isolamento do norte do País, representando não ainda o momento de integração nacionalista característico do período posterior, mas a afirmação do desenvolvimento econômico exigido por um novo Brasil que crescia cinquenta anos em cinco.
A construção dessa via de penetração levou a uma aceleração da expansão de frentes camponesas seguindo a rodovia em direção ao Araguaia e ao Xingu, começando a sinalizar sensíveis alterações na parte oriental da Amazônia. Essas, contudo, só se interiorizaram com maior intensidade uma década depois, com a abertura da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém e com os projetos de colonização oficial planejados ao longo da primeira e atrelados à Política de Integração Nacional (PIN).
Além da abertura dessas grandes vias de penetração, a expansão da fronteira agrícola, promovida por incentivos públicos, colaborou para uma mudança substantiva no perfil do desenvolvimento socioeconômico da região, carregando consigo as contradições do modelo de desenvolvimento já observado em outras partes do Brasil, quais sejam, melhoria das condições gerais de vida e de acesso à saúde, porém com aumento na desigualdade social e suas consequências, inclusive sobre populações que já residiam na região.
Os projetos de colonização do Incra em Rondônia e no Acre constituem um outro momento relevante de intervenção federal direta na ocupação do espaço amazônico, ao tentar promover o assentamento de pequenos produtores expulsos pela modernização do campo no sul do País e que se deslocaram, maciçamente, pelo corredor formado pela rodovia Cuiabá-Porto Velho.
Se a disputa pela terra constitui um dos aspectos mais polêmicos no processo de transfiguração deste recorte espacial, o uso do solo ocupa, certamente, um papel de destaque no decorrer desse processo. A reprodução nessa região de padrões de uso agrícola desenvolvidos em outros segmentos do território nacional, com domínios ecológicos distintos, demonstrou ao longo do tempo ser um dos mais graves erros cometidos.
Com efeito, apontada ainda na década de 60 como o elemento indutor da ocupação produtiva da fronteira amazônica, a atividade pecuária, implantada em grande parte de forma extensiva e com uma perspectiva meramente especulativa da terra, revelou-se um dos fatores responsáveis não só pela devastação de extensas áreas de floresta, como também pela acelerada degradação dos solos e, portanto, pela crescente insustentabilidade ecológica e econômica destes.
Dessa forma, como consequência da progressiva articulação ao espaço extrarregional, intensificou-se a desestruturação das atividades econômicas tradicionais, secularmente adaptadas ao ambiente amazônico, num movimento de contínua mobilidade populacional.
Essas mudanças refletem-se no desencadeamento de um progressivo processo de comprometimento dos recursos naturais locais, basicamente em função do ritmo e da extensão com que se processaram as novas formas de ocupação, associadas a recentes empreendimentos implantados. A pressão dessa ocupação projeta-se além dos espaços diretamente afetados por ela, em um contexto de apropriação especulativa e de reserva futura que transmite um amplo espectro de incerteza quanto ao futuro dessa vasta extensão do território brasileiro.
Colocada atualmente no centro do debate mundial sobre conservação ambiental e mudança do clima, a compreensão da Amazônia Legal exige, assim, uma visão integrada de uma realidade que, historicamente forjada na integração do homem com a natureza, só poderá ser entendida dentro dessa relação.
Tudo isso deixa patente a urgência da revisão do conceito de organização do espaço geográfico e das bases conceituais e metodológicas que a referenciam. Necessitam-se de análises das concepções regionais e locais quanto ao ordenamento do território, com vistas a se adotar princípios comuns que tenham particularmente como fim uma melhor definição de estratégias territoriais e de planejamento a serem adotadas. Nesta perspectiva, há que se revalorizar a percepção horizontal do território com todas as suas contradições e jogos de forças.
No início dos anos 1980, foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938/1981), com o objetivo de promover a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, e que estabeleceu, entre seus instrumentos, o zoneamento ambiental, regulamentado pelo Decreto no 4.297/2002, que o denominou de Zoneamento Ecológico-Econômico.
Foram desenvolvidos trabalhos na área de diagnósticos integrados e zoneamentos. Estes trabalhos foram conduzidos, inicialmente, pela equipe do RADAMBRASIL, um megaprojeto iniciado nos anos 1970 para mapear sistematicamente o País, incluindo uma avaliação do potencial dos recursos naturais da região amazônica. Desse esforço, foi gerada uma coletânea de mapas temáticos e relatórios, com base em imagens de radar, que conjugada ao documento Termo de Referência para uma Proposta de Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil, produzido pelo IBGE em 1986, podem ser considerados os primeiros esforços de ZEE mais consistentes no País.
Em março de 1990, por meio da Medida Provisória no 150/1990, depois convertida na Lei no 8.028, de 1990, criou-se a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) como órgão de assistência direta e imediata à Presidência. Entre a Medida Provisória e sua conversão em lei, foi instituído o Decreto no 99.193/1990, dispondo sobre o ZEE. Um grupo de trabalho foi instituído pelo Presidente da República com a responsabilidade de conhecer e analisar os trabalhos de ZEE, objetivando a ordenação do território e propondo, no prazo de 90 dias, as medidas necessárias para agilizar sua execução, com prioridade para a Amazônia Legal.
A Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional foi criada pelo Decreto no 99.540/1990, da qual a SAE tornou-se o braço executivo na coordenação. A CCZEE foi composta, inicialmente, por cinco órgãos federais, tendo como atribuições o planejamento, coordenação, acompanhamento e avaliação da execução dos trabalhos de ZEE, bem como a articulação com os estados, apoiando-os na execução dos seus respectivos ZEEs, com vistas à compatibilização com aqueles executados pelo Governo Federal.
Em 1991, o Governo Federal, por meio da CCZEE e da SAE, criou um Programa de Zoneamento para a Amazônia Legal, justificado pela importância de um conhecimento criterioso e aprofundado de seus espaços intrarregionais. O Programa constatou, então, uma diversidade de métodos, técnicas, conceitos e articulações institucionais entre as iniciativas dos estados na elaboração dos primeiros zoneamentos, em escala genérica de 1:1.000.000, e dos zoneamentos agroecológicos, em escala de maior detalhe.
Em 1995, foi elaborado o Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal, contendo um relatório, um banco de dados e um conjunto de mapas temáticos digitalizados, na escala 1:2.500.000 (base cartográfica, geologia, geomorfologia, vegetação, pedologia, socioeconomia, uso da terra, biodiversidade e antropismo), que poderiam ser cruzados com o banco de dados. Em 1997, atendendo à demanda dos estados amazônicos, foi publicado o Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal, elaborado por Bertha Becker e Cláudio Egler.
Em 1999, a Medida Provisória no 1.911-8 transferiu a responsabilidade pelo ordenamento do território para o Ministério da Integração Nacional e atribuiu ao Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade pelo ZEE, atribuição confirmada posteriormente pela Lei no 10.683, de 2003.
O ZEE também passou a integrar o PPA 2000-2003, sob a denominação de Programa Zoneamento Ecológico-Econômico (Programa 0512), tendo a então Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável, posteriormente denominada Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, a incumbência de coordenar os projetos de ZEE no País e de gerenciar o Programa no PPA.
O Programa realizou uma ampla articulação interinstitucional que resultou na criação de um consórcio de empresas públicas, regulamentado por meio do Decreto de 28 de dezembro de 2001. Batizado de Consórcio ZEE Brasil, a parceria disponibiliza a capacidade instalada e a expertise técnica dos órgãos envolvidos, maximizando a utilização dos recursos existentes (financeiros e humanos), para alcançar objetivos comuns. O Consórcio tem o objetivo de executar, sob a coordenação do MMA, o ZEE na escala da União e apoiar Estados, municípios e outros órgãos executores federais.
Após esse esforço, o Poder Executivo federal estabeleceu o Decreto no 4.297/2002, regulamentando o processo de implementação do ZEE em território nacional, como instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente. O Decreto estabeleceu os objetivos, as diretrizes, os produtos e as condições para execução de projetos em conformidade com o documento Diretrizes para o ZEE no Território Nacional, cuja última versão data de 2006. Outro aspecto fundamental para o fortalecimento das ações do Programa foi a reinstalação da Comissão Coordenadora do ZEE e a retomada de uma rotina nos seus processos de intervenção.
Nessa perspectiva, o passo inicial para o Macrozoneamento foi dado a partir do Mapa Integrado dos ZEEs dos Estados da Amazônia Legal, elaborado entre 2004 e 2005 por meio de uma parceria entre o MMA, o Consórcio ZEE Brasil e os estados da região. O reconhecimento das diferenças entre as escalas e situações dos diversos ZEEs nos estados (cujo estágio atual pode ser conhecido no quadro abaixo) demanda um sistema cuja normatização deverá incorporar cada produto, negociado com cada executor, segundo uma finalidade e uma função específica para a gestão do território.
Estado |
Situação do ZEE estadual |
Acre |
O Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre, na escala de 1:250.000, foi instituído pela Lei Estadual no 1.904, de 5 de junho de 2007, sendo implementado, dentre outros instrumentos, pelo Programa de Fomento Florestal e Recuperação de Áreas Alteradas ou Degradadas e a Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal. O Estado está realizando, agora, o detalhamento desse zoneamento em seus municípios e procedendo ao etnozoneamento nas Terras Indígenas localizadas em seu território. |
Amapá |
O Estado possui um macrozoneamento ecológico-econômico de todo o território, elaborado na escala de 1:1.000.000, com detalhamento para a área sul (Laranjal do Jari) na escala de 1:250.000. Contudo, a construção da ponte sobre o rio Oiapoque, ligando o Amapá à Guiana Francesa, irá abrir uma nova dinâmica de ocupação na fronteira, exigindo medidas de ordenamento e gestão territorial, o que demandará a conclusão do ZEE na escala de 1:250.000 em todo o Estado. |
Amazonas |
O Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Amazonas, elaborado na escala de 1:1.000.000, foi instituído pela Lei estadual no 3.417, de 31 de julho de 2009. Está em curso, agora, o detalhamento desse zoneamento nos 62 municípios do Estado, divididos em nove sub-regiões, na escala de 1:250.000, com previsão de conclusão na sub-região do Purus até o final de 2010. |
Maranhão |
O Comitê Executivo do Zoneamento Ecológico-Econômico do Maranhão, composto pelas Secretarias de Meio Ambiente e de Planejamento do Estado e pela Universidade Estadual do Maranhão (órgão executor central), está elaborando, em conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado, na escala de 1:1.000.000, cuja conclusão está prevista para o primeiro semestre de 2011. |
Mato Grosso |
O projeto de lei que institui a Política de Planejamento e Ordenamento Territorial do Estado de Mato Grosso, de modo geral, e o Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado na escala de 1:250.000, em particular, após submetido a quatorze audiências públicas e duas audiências direcionadas aos povos indígenas, sofreu diversas alterações durante o processo de apreciação pela Assembleia Legislativa mato-grossense. Um terceiro substitutivo integral à proposta apresentada pelo Poder Executivo está em discussão na Assembleia Legislativa e a previsão é que a votação seja realizada no segundo semestre de 2010. |
Pará |
O Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Pará, na escala de 1:1.000.000, foi instituído pela Lei Estadual no 6.745, de 6 de maio de 2005, com posterior detalhamento em regiões prioritárias, como a área de influência da BR-163 (cujo zoneamento ecológico-econômico, na escala de 1:250.000, foi instituído pela Lei Estadual no 7.243, de 9 de janeiro de 2009, e já foi referendado por Decreto presidencial) e as regiões da Calha Norte e da Zona Leste (cujos zoneamentos, também elaborados na escala de 1:250.000, foram instituídos pela Lei estadual no 7.398, de 16 de abril de 2010, e encontram-se em análise pelo MMA). Ademais, está em curso o desenvolvimento da metodologia para a elaboração do zoneamento costeiro do Estado, envolvendo 18 municípios paraenses. |
Rondônia |
O Zoneamento Ecológico-Econômico de Rondônia, na escala de 1:250.000, foi instituído pela Lei Complementar no 312, de 6 de maio de 2005, servindo hoje de subsídio, dentre outros, para os processos de licenciamento ambiental das propriedade rurais e de regularização fundiária no Estado. |
Roraima |
O Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado, na escala de 1:250.000, foi instituído pela Lei Complementar no 143, de 15 de janeiro de 2009, modificada pela Lei Complementar no 144, de 6 de março de 2009. Contudo, esse zoneamento encontra-se em revisão, com a participação do Consórcio ZEE Brasil, para sua adequação às diretrizes metodológicas estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente. A previsão é que os ajustes sejam concluídos no primeiro semestre de 2011, para posterior apresentação do ZEE à Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional. |
Tocantins |
Após a elaboração do Zoneamento Agroecológico de todo o Estado e do Zoneamento Ecológico-Econômico da região norte (Bico do Papagaio), aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente, está em curso a execução do ZEE para todo o Estado, na escala de 1:250.000, com previsão de conclusão para 2011. |
Quadro - Situação dos ZEE da Amazônia Legal.
Fonte: Programa ZEE Brasil.
Ainda assim, faz-se necessária a elaboração de um Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal que proporcione uma visão integrada da realidade socioambiental, econômica e territorial da região, capaz de oferecer um conjunto de estratégias e recomendações voltadas para ampliar a sustentabilidade das políticas, programas e projetos de desenvolvimento em curso na Amazônia, a partir de uma abordagem multiescalar que considere as diversas experiências de planejamento e ordenamento territorial já existentes.
Trata-se, em suma, de executar um Macrozoneamento que possibilite subsidiar estratégias de desenvolvimento regional e nacional, visando a compatibilização entre interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida das populações, com conservação e administração responsáveis dos recursos naturais, a partir do conceito de sustentabilidade.
PARTE I - macroZEE da amazônia legal: abordagens, perspectivas e desafios
1. o PAPEL DO MACROzee FRENTE AOS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE DA AMAZÔNIA
1.1.Contexto
Dotada de inestimável capital natural e riqueza cultural, a Amazônia Brasileira tem se tornado centro de interesses estratégicos que movem a política e a economia no mundo atual, visando a utilização dos recursos hídricos, minerais, fundiários, genéticos, energéticos, a produção de biocombustíveis e alimentos, e agora, também, a prestação de serviços ambientais.
Neste sentido, o País está vigilante na reafirmação incondicional de sua soberania sobre a Amazônia e repudiará, pela prática de atos de desenvolvimento e de defesa, qualquer tentativa de tutela sobre as suas decisões a respeito da preservação, desenvolvimento e defesa da Amazônia. Da mesma forma, não permitirá que organizações ou indivíduos sirvam de instrumentos para interesses estrangeiros - políticos ou econômicos - que queiram enfraquecer a soberania Brasileira. Quem cuida da Amazônia Brasileira, a serviço da humanidade e de si mesmo, é o Brasil.
Consciente da necessidade de um novo paradigma para a região, o País busca construir um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de implementar a utilização do inestimável capital natural e da riqueza cultural da Amazônia Brasileira sem destruí-los, visto que a intensa exploração predatória culminou em grande perda de recursos naturais na região.
Se há séculos se mercantilizam os elementos da estrutura dos ecossistemas, a novidade é a tentativa de mercantilização das funções dos ecossistemas. A crise ambiental, agravada pelas demandas globais relativas à mudança do clima, aponta para a Amazônia como foco duplo de preocupações: ora para sustar as emissões por queimadas e o desflorestamento, ora como região que será intensamente afetada pelos impactos da mudança do clima.
Simultaneamente afirmam-se a hegemonia de um mercado mundial unificado, sob o controle crescente do setor financeiro e a importância econômica e geopolítica da Amazônia. Esta importância é derivada da riqueza localizada no território, de um horizonte que se alarga com a perspectiva da integração sul-americana e de sua posição geográfica estratégica em relação à Europa, aos EUA e também à Ásia, sobretudo à China.
Neste contexto, registram-se igualmente conflitos sociais e ambientais na disputa pela destinação e uso da terra e dos recursos naturais, assim como novas formas e relações de produção são introduzidas na região, com registro de parcerias internacionais acopladas a projetos domésticos de diversas ordens. Na ausência de um padrão de desenvolvimento adequado à especificidade da região, por ela avançam rapidamente atividades predatórias, apesar de se ter em plena vigência, no âmbito global, novos modos de produzir, baseados na ciência e na tecnologia e que buscam otimizar o uso dos recursos naturais.
De modo a reverter este quadro, num esforço conjunto do Governo Federal e dos governos dos nove Estados da Amazônia Legal, foi elaborado o Plano Amazônia Sustentável (PAS), que propõe um novo modo de produzir, baseado na ciência e na tecnologia de ponta, que garanta o uso racional e sustentável dos recursos naturais nas atividades produtivas.
O PAS estabelece que projetos de infraestrutura estruturantes e indutores de grandes alterações na apropriação do espaço, caso não acompanhados de um planejamento estratégico das obras, podem implicar em riscos de ampliação do desflorestamento.
Entende-se que a infraestrutura é necessária ao desenvolvimento de qualquer região ou país, mas na Amazônia ela requer especificidades que devem ser atendidas. A região é extremamente carente em energia e transporte, bem como em insumos básicos tais como indústrias, serviços e ciência, tecnologia e inovação (CT&I). É necessário e possível conceber logística apropriada à região com base na CT&I e tal possibilidade é comprovada pela exploração da Petrobrás em Urucu e pela mineração na Floresta Nacional de Carajás e de Saracá-Taquera, com baixo impacto sobre a floresta.
O uso sustentável da água, a partir do planejamento de seus usos múltiplos e integrados, poderá gerar mais trabalho e riqueza, principalmente mediante a exploração de seu potencial como fonte de energia renovável e modal de transporte. Considerando as potencialidades da região, a biomassa também deve ser uma base essencial para seu desenvolvimento. Se os avanços do século XXI indicam que a competitividade se dará por soluções sustentáveis no uso de recursos, a Amazônia terá a vantagem de utilizar os seus sob novas formas de produção.
Salienta-se que a reconfiguração do planejamento da infraestrutura, do uso do capital natural e da logística, em geral, indispensáveis para um projeto de desenvolvimento regional que concilie as funções estratégicas internas e globais da Amazônia - com indicadores compatíveis com o desenvolvimento das forças produtivas da região e com os parâmetros da sustentabilidade –, pressupõe, necessariamente, a resolução da questão agrária, que deverá ser devidamente equacionada e enfrentada pelo Estado.
Superar definitivamente a carência histórica de desenvolvimento e de integração regional remete à organização da utilização do capital natural amazônico, de modo a gerar riqueza para as suas populações e para o País, assim como ampliar a presença e atividade do Estado Brasileiro na região. Se o Estado Brasileiro deixou de ter o comando exclusivo sobre o povoamento regional, seu papel continua a ser estratégico na consecução dos interesses gerais da Nação, sobretudo no que respeita à destinação das terras, aos fundos públicos e aos fundos específicos de financiamento das atividades econômicas.
Isso se evidencia pelo papel histórico das políticas públicas federais, como modeladoras do perfil do desenvolvimento regional, desde o ciclo da borracha, no início do século XIX, até a geopolítica dos anos 1960 de “integrar para não entregar”, passando pelas políticas da “Operação Amazônia”, da “colonização pela pata do boi”, até a estruturação da Zona Franca de Manaus, entre outros, todas elas capitaneadas pelo Estado Brasileiro. Assim, não é exagero afirmar que o atual modelo de desenvolvimento da Amazônia é, em grande parte, o reflexo dessas políticas. Portanto, isso abre a possibilidade para se pensar que um outro modelo é possível. Mas para que esta transição ocorra é necessário estabelecer os fundamentos do novo modelo e as condições para sua implementação, dentre os quais o MacroZEE e os ZEEs estaduais.
1.2.Fundamentos
Mais que um instrumento para a gestão, o MacroZEE constitui um processo de mudança institucional vale dizer, um processo de implementação de regras que conduzam à organização eficaz da sociedade e de sua base econômica, em conformidade com os princípios e práticas da sustentabilidade. Além do seu caráter técnico, é sobretudo um instrumento político, de negociação entre os diversos interesses envolvidos. Um instrumento não de exclusão de qualquer ator, mas sim de compatibilização entre eles.
E de compatibilização também com a natureza. A revolução científica e tecnológica transformando o conhecimento e a informação em maiores fontes de produtividade, abriu possibilidades de utilização da natureza em novos patamares, transformando o patrimônio amazônico - biodiversidade, águas, florestas, serviços ambientais - em capital. No entanto, perduram ainda na região práticas do século XIX que vêm destruindo o capital natural.
Efetuar a passagem da fronteira agropecuária para a fronteira do capital natural é passo decisivo para beneficiar todos os atores e promover o desenvolvimento regional. O que não significa considerar apenas as florestas. Um novo modelo de desenvolvimento baseado no conhecimento, capaz de sustentar produção crescente sem destruir a natureza é possível para todas as atividades, se forem elas reguladas e renovadas. Um modelo que impulsionará a organização de índios, de pescadores e de populações tradicionais e camponesas, que conhecem a região, mas que necessitam de escala mínima de produção e de acesso ao mercado; um modelo que garantirá aos pequenos agricultores e empresários uma maior estabilidade e crescimento com base em melhor tratamento dos recursos por eles utilizados, no momento em que a eles cabe papel importante.
Enfim, as regras do jogo para uma organização eficaz do território da Amazônia Legal não visam, de modo algum, deixá-la intocada e improdutiva. Pelo contrário, o que se pretende é superar a trajetória histórica que dificulta o seu desenvolvimento, inserindo-a no contexto do século XXI. Para tanto, o Estado é um agente crucial e um dos seus instrumentos é o MacroZEE.
Análises e estudos têm sido crescentemente realizados sobre a Amazônia. Embora focalizando diferentes dimensões e com opiniões diversas, todos eles revelam a preocupação com o futuro dessa região, afetada por intensos conflitos de interesse e pelo desflorestamento crescente, estando hoje novamente no centro do debate mundial por seu papel na mudança do clima.
A complexidade do contexto amazônico torna difícil a elaboração de um projeto nacional para a região que, no entanto, faz-se necessário. A decisão da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional de conceber e implementar o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal é um passo importante nesse sentido.
Se sempre foi necessário efetuar a análise local considerando o seu entorno e suas relações externas, hoje, com o acelerado processo de globalização baseado na conectividade e na informatização, é impossível entender um local sem situá-lo no contexto de sua articulação às diferentes escalas. Escalas gerando diferentes perspectivas, mas todas elas fundamentais para compreensão da dinâmica contemporânea e para estabelecer diretrizes de ação.
A perspectiva da escala macrorregional da Amazônia Legal é a do olhar da União, olhar que detecta a dinâmica desse extenso território da Nação para nele estabelecer uma diretiva capaz de ordená-lo e de dar-lhe a necessária coesão de um federalismo cooperativo. Não se trata, contudo, de desconsiderar os zoneamentos que estão sendo feitos pelos Estados, pelo contrário, pois que é da interação das diferentes escalas que decorrerá a compreensão básica que irá subsidiar as estratégias para implementar o Macrozoneamento da Amazônia Legal.
Compreensão que envolve os problemas inerentes à Amazônia Legal, bem como aqueles relacionados às suas relações com as forças globais e as políticas nacionais que nela incidem.
□ Desafios
O patrimônio natural tem sido o fundamento do crescimento econômico do País, numa relação sociedade-natureza caracterizada como economia de fronteira, em que o crescimento econômico, percebido como linear e infinito, é sustentado pela incorporação contínua de terras e recursos naturais percebidos igualmente como inesgotáveis (BOULDING, 1966). Tal paradigma expressa-se territorialmente pela expansão da fronteira móvel, agropecuária e madeireira.
Os avanços na modernização e nas políticas públicas não romperam o padrão da economia de fronteira, que alcançou o auge com o Programa de Integração Nacional (PIN). Visando a rápida modernização da sociedade e do território e a articulação de um mercado interno, o PIN promoveu a implantação de extensa infraestrutura, incentivos à produção de grãos no cerrado e apoio a projetos minerários, mas, ao mesmo tempo, subsidiou a expansão da fronteira móvel, associada a intensos desmatamentos e conflitos de terra.
A crise ambiental, reconhecida no final do século XX, por alguns considerada como o mais importante obstáculo ao desenvolvimento do sistema capitalista (DALY, 1991), acarretou a valorização da natureza da Amazônia segundo duas lógicas: a lógica social, com o objetivo de preservação da vida, e a lógica econômica, com o objetivo da acumulação, atribuindo à natureza amazônica a condição de capital natural.
Ambas as lógicas convergiram para um projeto conservacionista, que apoiado pela política ambiental estabelecida em contraposição ao desenvolvimento a qualquer custo, trouxe duas grandes novidades: (1) a formação de grandes áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas), com a finalidade de assegurar direitos e meios de vida de populações indígenas e tradicionais, além de garantir a conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais, que correspondem hoje a 40% do território da Amazônia Legal; e (2) uma maior atenção aos grupos sociais excluídos a partir da implementação de Reservas Extrativistas (Resex) e de projetos piloto, tais como os projetos demonstrativos para produção agrosilvicultural, do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), do Programa de Proteção para as Florestas Tropicais do Brasil, encerrado em setembro de 2009.
Se a política ambiental pareceu ter esmaecido o avanço da fronteira móvel na primeira metade da década de 90, coincidentemente com a crise econômica e do Estado no País, esta constatação foi logo posta em cheque por vários fatores, dentre os quais, a globalização econômica e a integração de mercados, em nível mundial, e a necessidade de retomar o crescimento econômico, no plano nacional.
A poderosa demanda por commodities em um mercado global estimula a crescente e acelerada produção, com expansão da fronteira móvel; por sua vez, embora não sendo mais o principal indutor da fronteira, o Estado Brasileiro, para retomar o crescimento econômico, reconhece a necessidade de apoiar a maior produção e a produtividade, por meio da intensificação das redes de circulação, comunicação e energia.
A valorização da base de recursos torna-se, assim, elemento crucial na retomada do crescimento, bem expressa no papel crescente das exportações de soja e carne no balanço de pagamentos. A fronteira móvel ressurge com extraordinário vigor. Se até o início do milênio a fronteira móvel havia se dado principalmente sobre o cerrado, hoje avança também sobre a floresta ombrófila aberta e a floresta ombrófila densa.
Com efeito, a fronteira agropecuária e madeireira localiza-se hoje, principalmente, no sudoeste do Pará e no norte de Mato Grosso, avançando pela Terra do Meio e pela rodovia Cuiabá-Santarém, no Pará, e pelo sul do Estado do Amazonas, a partir de Rondônia e do Acre.
Pecuaristas são atores tradicionais na apropriação da terra e no povoamento Brasileiro. Se até recentemente tinham como objetivo maior a apropriação da terra como reserva de valor, a demanda de carne tornou a produção rentável economicamente. O Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carne, gerada em grande parte pela expansão da pecuária na Amazônia nos últimos cinco anos e estimulada pela implantação de diversos frigoríficos nos estados da região. A produção leiteira por produtores familiares acompanhou a expansão da carne e, graças ao apoio do Governo Federal, se consolidou, com fluxos importantes na região.
Madeireiros e proprietários de serrarias são também atores históricos do povoamento territorial no Brasil, via de regra em complementaridade com a expansão da pecuária, pois que derrubam a mata para que se implantem as pastagens. A exploração madeireira intensificou-se com a expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, passando a madeira a atender o mercado doméstico, sobretudo São Paulo. Atualmente, tem se ampliado a proporção das exportações para os mercados globais.
Dados recentes do IBGE (REGIC, 2008) mostram que a expansão da exploração madeireira na Amazônia em áreas novas é ainda maior do que a da pecuária; essa expansão ocupa hoje todo o bioma amazônico, com intensidades variadas, à exceção do cerne do coração florestal, no centro do Estado do Amazonas, área ainda bastante despovoada. Tampouco a atividade é expressiva no bioma do Cerrado, nos estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, onde as territorialidades da soja e da pecuária são dominantes. O padrão territorial da exploração madeireira é acompanhado pelo da produção de lenha.
Uma grande disparidade, contudo, caracteriza a exploração madeireira. Enquanto a área ocupada pela atividade é imensa, os fluxos da produção são muito pequenos, simples e de pequeno volume. Em outras palavras, ao contrário do que ocorre na pecuária, não há formação de cadeias produtivas, fato que revela o caráter recente da exploração e, provavelmente, o contrabando, como é o caso da madeira extraída no vale do rio Javari, que é enviada para Iquitos, no Peru, e daí transportada pelo rio Amazonas, sendo exportada por Belém ou Macapá como madeira peruana. Vale observar, também, a maior intensidade da exploração da madeira em áreas de fronteira entre estados - Pará/Amapá e Rondônia/Amazonas - sugerindo uma localização mais distante das cidades e da fiscalização.
Por sua vez, as atividades econômicas mais estáveis e ditas modernas modernizaram-se, na verdade, na logística e na produtividade, mas não no sentido da verticalização das cadeias, permanecendo a exportação da produção sem agregação de valor. É o caso da soja, cujo cultivo iniciado no Mato Grosso, na década de 70, introduziu a agricultura capitalizada na Amazônia meridional, com elevada produtividade graças ao forte apoio do Estado. O plantio do algodão herbáceo seguiu aproximadamente o mesmo padrão de localização da soja, no centro do Estado de Mato Grosso, e agora também o do milho. Embora a produtividade dessas lavouras seja elevada, trata-se de um agronegócio, e não de uma agroindústria, pois que na região apenas se produz farelo e óleo bruto, localizando-se o processamento industrial da produção primordialmente nas regiões Sul e Sudeste ou no exterior. A produção da soja na Amazônia está inserida em grandes cadeias e redes nacionais e internacionais, das quais a região participa como segmento, apenas.
Da mesma forma, corporações mineradoras transnacionais implantaram, a partir dos anos 1970, sistemas logísticos modernos que, contudo, mantiveram o padrão primário das economias exportadoras de matéria-prima. Organizaram cadeias produtivas incompletas, na medida em que não havia uma política industrial que atraísse para a região os elos subsequentes à extração mineral, tais como a siderurgia integrada e a metalurgia. A carente infraestrutura de transportes e energia retardou a entrada da indústria de transformação, sobretudo a eletrointensiva, tornando o custo de oportunidade favorável à exportação e à agregação de valor ao minério no exterior, nos mercados de destino da produção.
Uma multiplicidade de fatores condicionou o processo de ocupação do território, bem como os conflitos sociais e o desflorestamento que o caracterizam. Dentre eles, destacam-se:
□ a fraca presença do Estado, permitindo que as disputas sejam confrontadas à margem da legislação vigente e do processo regulatório. Fiscalização deficiente e gestão ineficaz são características da ausência do Estado;
□ desordem fundiária, decorrência em grande parte da omissão do Estado, exemplificada pela sobreposição de territórios com diferentes destinações (Unidades de Conservação, Terras Indígenas e projetos de assentamento, por exemplo) e pela grilagem de terras públicas. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, existiriam 700 mil km² de terras griladas na Amazônia Legal, em 2004;
□ a frágil articulação institucional, com políticas públicas pouco integradas ou contraditórias, que atuam como fortes potencializadoras de conflitos. São marcantes, por exemplo, as contradições entre as políticas de crédito e de incentivos fiscais, de criação de Unidades de Conservação e de implantação de infraestrutura, com dissociação entre as esferas federal, estadual e municipal, e entre essas e os planos da iniciativa privada;
□ demanda internacional, que como visto acima tornou o Brasil o maior exportador mundial de carne e um dos líderes nas exportações de soja. O rebanho Brasileiro cresceu 15% entre 1995 e 2002 e a participação da Amazônia Legal no rebanho Brasileiro aumentou de 23% para 31%, crescendo de forma ainda mais acelerada a partir de então, com a recuperação da economia;
□ a implantação de infraestrutura, se feita a partir dos modelos convencionais, é reconhecida como fator acelerador do desflorestamento. O mero anúncio de uma obra atrai fortes correntes migratórias, promove a apropriação ilegal de terras públicas e contribui para a derrubada e queima da vegetação nativa, aumentando a emissão de gases de efeito estufa.
Enfim, frente a fraca organização da base econômica da Amazônia, desprovida de cadeias produtivas completas e de uma rede de cidades que impulsione a economia, os processos dominantes são os da expansão da fronteira móvel, que destroem o valioso capital natural gerando uma renda para a população regional que, no entanto, não poderá ser auferida continuamente. Um imenso cinturão boi-soja cerca a floresta ombrófila densa, configurando um conflito entre dois modos de uso do território baseados em formas de produção e ecossistemas distintos - um uso atual e um desejado para o futuro (BECKER, 2005):
□ o uso atual, comandado por grandes conglomerados internacionais e também nacionais da produção de grãos, baseado em poderosa logística, e por pecuaristas e madeireiros que tiram partido das estradas, mas usam também os rios. Sua demanda é expandir continuamente a produção e a logística, visando reduzir os custos de transporte para a exportação;
□ o uso do território que aponta para o futuro dos recursos dos ecossistemas e que demandam um modelo de uso capaz de gerar renda e trabalho para a população regional sem destruir a floresta, o que só poderá ser conseguido com o auxílio da CT&I.
A contenção do desmatamento torna-se, assim, o foco crucial da problemática regional, com vistas à conservação do patrimônio natural e aliada à geração de riqueza para as populações regionais. Foco que se torna ainda mais importante considerando a necessidade de se reduzir as emissões de CO2 pelas queimadas, questão que remete à Agenda Global da Sustentabilidade. O caso do Fundo Amazônia é um exemplo importante de mecanismos institucionais que devem ser criados e ampliados para o financiamento de ações de combate ao desmatamento.
□ A agenda global para a sustentabilidade
A concepção sobre desenvolvimento alterou-se rapidamente desde meados do século XX. A concepção baseada em estágios lineares de crescimento, que culminam na industrialização, foi superada frente a duas realidades cruciais: a primeira, referente ao fato de os países periféricos - sobretudo os da América Latina - não terem alcançado patamar elevado de desenvolvimento, apesar de terem se industrializado, e a segunda, referente à questão ambiental, tendo como marco o ano de 1972 quando o Clube de Roma publicou o relatório “Limits to Growth”, relatando a vulnerabilidade da vida no planeta frente às práticas predatórias, que alcançaram grande intensidade no século XX.
A ruptura do conceito de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico foi crucial para os países periféricos, porque expôs as consequências sociais e ambientais de sua trajetória baseada na economia de fronteira, em que o crescimento econômico infinito se dá à custa da incorporação contínua e infinita de terras e de recursos naturais.
Passou-se, então, a buscar um conceito de desenvolvimento que incorporasse as dimensões social e ambiental. Em 1987, o desenvolvimento sustentável é proposto no relatório “Nosso Futuro Comum”, conhecido como Relatório Bruntland.
Embora não seja um conceito claramente definido até hoje, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - a Rio 92 - consolidou a intenção de alcançar um desenvolvimento economicamente sustentável, socialmente justo e ambientalmente conservado. Documentos-chave foram então produzidos, constituindo referência para orientar as práticas ambientais de uma sociedade global, tais como a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Carta da Terra, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Convenção sobre Mudança do Clima e a Agenda 21.
Se até recentemente a degradação da biodiversidade era o foco das preocupações na agenda global, a esta soma-se, atualmente, a questão da mudança do clima, com a perspectiva de aquecimento global fortemente embasada em pesquisas ratificadas pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), afetando a agenda global da sustentabilidade.
Nesse contexto, as florestas tropicais, e, portanto a Amazônia, passam a ser foco no debate por constituírem grandes estoques de carbono, e também por contribuírem nas emissões de gases de efeito estufa pela derrubada da cobertura vegetal e pelas queimadas. A contenção do desflorestamento torna-se, assim, crucial, e diversos projetos globais têm sido elaborados com essa finalidade.
Como essa questão se relaciona com o MacroZEE pelo menos de três formas:
□ mediante ações adaptativas e mitigadoras a serem tomadas em certas áreas da região, que venham a ser indicadas pelas pesquisas como possivelmente mais afetadas pelo aquecimento global;
□ por meio de estratégias que contribuam para a contenção urgente do desflorestamento, com a utilização não destrutiva das florestas e visando o desenvolvimento da região e do País, de modo a colaborar com a vida no planeta;
□ nas opções pelos modos de conter o desflorestamento e manter a floresta em pé. Nesse sentido, é necessário qualificar as propostas que estão na mesa para o desenvolvimento da região, promovendo um novo modelo de desenvolvimento que mantenha a floresta em pé, por meio de sua valorização econômica com atividades produtivas que não a destrua e que promova, ao mesmo tempo, a recuperação dos passivos ambientais.
A melhor compreensão dessas propostas requer uma incursão, ainda que breve, na agenda econômica e política global e sua influência na questão ambiental.
□ Globalização da economia e do meio ambiente
Mercantilização da natureza
Não há um interesse único na floresta. A floresta, e a biodiversidade como um todo, são carregadas de normas de valor relacionadas a diferentes funções que, por sua vez, resultam em diferentes formas de uso. Existem, portanto, diferentes interesses e diferentes projetos para a floresta, correspondentes à diversidade de valores a ela atribuídos e de meios disponíveis em diferentes grupos sociais. Para os povos indígenas e populações tradicionais, o interesse na floresta reside na sua própria reprodução, enquanto para outros a floresta interessa como possibilidade de obter matéria-prima para exportar.
Ciência, tecnologia e inovação estão intimamente relacionadas ao processo de globalização econômica e política, assim como à questão ambiental. A tecnologia dos satélites, permitindo ao homem olhar a Terra a partir do espaço, deu-lhe consciência da unidade do planeta como um bem comum. Colocou-se, então, o desafio ecológico como dupla questão - a sobrevivência humana e a escassez de recursos –, e a Amazônia tornou-se símbolo desse desafio (BECKER, 2005).
Por sua vez, a revolução científico-tecnológica na microeletrônica e na comunicação gerou uma nova forma de produção, baseada na informação e no conhecimento, revalorizando a natureza como fonte de conhecimento e criando condições para utilizá-la em novos patamares tecnológicos, sem destrui-la (BECKER, 2004, 2005, 2009a).
Mas como já assinalado, a natureza - inclusive a Amazônia - passa a ser considerada como recurso escasso e como capital natural. Ao lado da preocupação legítima em evitar a degradação do planeta, os interesses econômicos e políticos afloram, revelados no processo de mercantilização da natureza (POLANYI, 1944; BECKER, 2001, 2009b).
Hoje, dilata-se a esfera da mercadoria e novas mercadorias fictícias tentam ser criadas. Uma novidade histórica ocorre no uso da natureza: se por séculos até agora, os homens utilizam elementos da estrutura dos ecossistemas - resultado de interações de elementos bióticos e abióticos - como matéria-prima, hoje há a tentativa de utilizar também as funções dos ecossistemas a que os homens atribuem valor, ou “todos os benefícios prestados pela natureza”, denominados de serviços ambientais ou ecossistêmicos.
Economistas esforçam-se para atribuir valor à natureza, seja pelo significado de uso, seja a cada um dos elementos de que é composta. Mercados reais se organizam para elementos naturais e/ou suas externalidades.
A complexidade de conceitos e valores atribuídos aos serviços ambientais pelos estudiosos da economia ecológica e da economia ambiental induz a buscar maiores esclarecimentos quanto aos serviços em outras disciplinas, sobretudo a sociologia, que vem sustentando a tese dos serviços para a produção, que se distingue dos serviços convencionais pelos mercados que servem: organizações - firmas privadas e entidades governamentais –, e não consumidores finais. Constituem insumos intermediários especializados, que sustentam produção e mercados crescentemente diferenciados.
A inovação institucional nas finanças - desregulação - e a inovação tecnológica na informação levaram à dispersão geográfica das atividades econômicas e dos serviços de produção, mantendo a integralidade do sistema através de redes de conectividade horizontal.
Percebe-se a tentativa de que os serviços ambientais passem a ser mercantilizados como insumos imateriais especializados para a produção; seriam utilizados na produção, mas não se tornariam parte do que é produzido. Basta ver como os serviços ambientais podem contribuir para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Os serviços ambientais constituem, certamente, uma oportunidade para a implementação de um modelo de desenvolvimento inovador na Amazônia. Para tanto estão em curso, no Congresso Nacional, diversos projetos de lei a esse respeito. Por outro lado, alguns municípios e estados já vêm trabalhando o pagamento por serviços ambientais a partir de marcos legais próprios.
A observação dos valores atribuídos aos diferentes tipos de serviços indica a tendência de se atribuir valor pelo não uso, cujos benefícios da conservação são potencialmente importantes globalmente, mas que podem restringir as opções de desenvolvimento no plano local. Esta lógica não interessa ao País.
Pesquisas teóricas e in loco no Estado do Pará demonstram que é necessário pensar políticas de contenção do desmatamento indissociavelmente ligadas a políticas de produção (MATTOS, 2008; COSTA, 2005).
Nesse sentido, a inovação institucional, por meio da mudança do marco legal, é fundamental para viabilizar os serviços ambientais como fator de desenvolvimento. Há um reduzido e incerto mercado voluntário, ou seja, não regulado por instituições oficiais (extra-protocolo de Quioto) que tenta trabalhar com projetos de conservação florestal (conservação do carbono). Porém, estes somente enxergam as florestas pela análise de carbono, compreendendo-a como uma commodity, e partir deste único critério para estabelecer seu preço. Trata-se então de uma valoração não só baixa, como extremamente limitada do capital natural amazônico.
Por outro lado, até o momento o único mercado institucionalizado, isto é reconhecido pelo governo do Brasil e pelas Nações Unidas é o que lida com os projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Em termos florestais somente são elegíveis neste mecanismo atividades de projetos que desenvolvam novos estoques florestais via atividades de reflorestamento ou florestamento em áreas que já foram desmatadas antes de 1989, seja para fins de produção de madeira ou para restauração de áreas degradadas.
Em relação ao MDL, os projetos desenvolvidos para a região amazônica ainda não aproveitam todo o potencial do mecanismo, em especial na realização de projetos ligados à geração de energia renovável. Segundo a Autoridade Nacional designada para o MDL (Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima), cerca de 40% dos projetos brasileiros são de pequena escala e quase 50% destes tratam da produção de energia renovável. Entretanto, os estados da região Norte apresentaram apenas 21 projetos no âmbito do MDL, 5% dos projetos brasileiros, para o primeiro período de creditação. A citada Comissão Interministerial estabelece que os participantes do projeto devem descrever se, e como, a atividade contribuirá para o desenvolvimento sustentável no que diz respeito aos seguintes aspectos: sustentabilidade ambiental local, contribuição para o desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de empregos, distribuição de renda, capacitação e desenvolvimento tecnológico, integração regional e articulação com outros setores. Portanto, há um grande espaço para que as comunidades e localidades amazônicas se beneficiem do MDL para geração de desenvolvimento sustentável, com projetos, por exemplo, de geração de energia renovável em assentamentos, assim como projetos florestais de recuperação de áreas degradadas.
Inovações institucionais são, portanto, necessárias para valorar os serviços ambientais mais justamente.
Conectividade intensificada: redes e cidades
Mas a incorporação das funções ecossistêmicas pelo processo de globalização econômica não significa deixar de continuar mercantilizando os elementos de suas estruturas; pelo contrário, a mercantilização se dá com maior velocidade e mais ampla escala e com grande impacto na Amazônia.
A partir dos anos 1980 ocorreu forte deslocamento da economia internacional para uma economia global. Na economia internacional, bens e serviços são comercializados por meio das fronteiras nacionais por indivíduos e firmas, e o comércio é regulado pelos Estados. Na economia global, bens e serviços são produzidos e comercializados por uma malha de redes corporativas globais sustentadas pela informatização, cujas operações, carentes em alguns casos de regulamentação, atravessam fronteiras nacionais.
Longe de ocorrer uma uniformização do planeta, contudo, particularidades regionais históricas persistem e têm padrões de urbanização a elas associadas, que urge serem conhecidos para embasar questões de desenvolvimento. É a conectividade que reconstitui as estruturas espaciais, favorecidas pela aceleração nas comunicações, e cidades mais bem sucedidas são as que têm fortes relações não locais, relações que podem ter várias formas, embora a mais importante seja a rede de cidades com interconexão estabelecida. Enquanto em países e regiões centrais formam-se grupamentos urbanos com centros conectados ao mundo e a eixos de rápida comunicação, nos países e regiões periféricos dominam as cidades locais - não conectadas em rede e mal conectadas às suas hinterlândias - e os eixos de comunicação são corredores de saída de matérias-primas para mercados mundiais, base do modelo exportador que neles domina, conduzindo rapidamente à produção de enclaves competitivos para o mundo. O que emerge para o futuro, são assim, os projetos de grandes infraestruturas, por vezes sem relação com as poucas redes existentes, ligando diretamente as grandes áreas produtivas na escala continental dos mercados mundiais.
Há que reconhecer que as cidades aparecem em dois processos que as diferenciam: (1) cidades locais atuam em nível local, conectadas à sua hinterlândia, para a qual prestam serviços locais, num processo econômico que não tem mecanismos para expandir a atividade econômica; (2) cidades dinâmicas que atuam em processos interurbanos que ligam cidades em rede por meio de várias regiões, definindo um amplo espaço para além de sua hinterlândia, onde se dá a expansão econômica por serem unidades econômicas complexas.
Cidades locais são relevantes para o planejamento administrativo, mas para o planejamento do desenvolvimento o foco central reside no espaço de fluxos e nas cidades dinâmicas. Não há como tratar das questões unicamente com uma visão local, sem considerar as forças atuantes em nível global, que constitui a outra face da agenda global de sustentabilidade.
E como a globalização econômica se relaciona com o MacroZEE na Amazônia, dominam as cidades locais e, via de regra, sem os serviços públicos necessários a efetivá-las como lugares centrais para suas respectivas hinterlândias. São, pois, necessários, tanto o planejamento administrativo como o desenvolvimento para gerar cidades dinâmicas. Vale observar que a estrutura produtiva em rede é a mais adequada à região, por possibilitar articular, em pontos, tanto população quanto atividades, resguardando amplos espaços florestais entre os pontos.
As considerações sobre os impactos da agenda da sustentabilidade e da reestruturação espacial nos leva a considerar as políticas públicas recentes mais importantes para a Amazônia.
□ As principais políticas públicas para a Amazônia
Para balizar o caminho de transição para o novo modelo de desenvolvimento, o MacroZEE considera, dialoga e se insere no conjunto de iniciativas que, direta ou indiretamente, já estão transformando a Amazônia. Nesse sentido, alguns planos, programas e políticas orientaram a definição das estratégias do Macrozoneamento, ao passo em que estas pretendem ampliar a visibilidade e fortalecer tais planos, programas e políticas.
O Plano Plurianual (PPA) é o núcleo diretor dos demais planos e políticas, que a ele devem se ajustar em âmbito nacional e regional. Embora correto em sua proposição, de crescimento com inclusão social, educação de qualidade e dinamização do consumo de massa, precisa avançar como instrumento da espacialização e territorialização da atuação governamental, que por vezes apresenta contradições em sua implementação ou não aproveita potenciais de sinergia entre ações.
Após múltiplas revisões, em sua proposta validada pelos nove governadores dos Estados da Amazônia Legal tem como peça-chave um novo modelo de desenvolvimento, baseado na expansão do mercado interno e condicionado à estabilidade macroeconômica e à sustentabilidade ambiental, rompendo com a percepção dominante no passado que entendia o meio ambiente como obstáculo ao desenvolvimento.
Quatorze compromissos sintetizam as diretrizes do PAS, com ênfase em processos institucionais, tais como: a presença do Estado em ações integradas aos três níveis de governo, à sociedade civil e aos setores empresariais; o fortalecimento dos fóruns de diálogo intergovernamentais, criando o fórum dos governadores da Amazônia Legal; a integração do Brasil com os países sul-americanos; organização de uma estrutura produtiva; garantia dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais; ampliação do crédito e do apoio para atividades e cadeias produtivas sustentáveis; melhoria do acesso aos serviços públicos e do suporte ao subdesenvolvimento rural; adoção de um novo padrão de financiamento. Ao Zoneamento Ecológico-Econômico é atribuído papel relevante, associado à regularização fundiária.
O resgate do PAS, incorporando as múltiplas revisões efetuadas e as mudanças ocorridas no mundo, no País e na região, estabelece, sem dúvida, uma nova diretriz para a região. Procura enfrentar a omissão do Estado na região e romper com a falsa dicotomia entre desenvolvimento e conservação ambiental, mediante um novo modelo de desenvolvimento.
Para a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT), o “ordenamento territorial é a regulação das ações que têm impacto na distribuição da população, das atividades produtivas, dos equipamentos e de suas tendências, assim como a delimitação de territórios de populações indígenas e populações tradicionais, e áreas de conservação no território nacional, segundo uma visão estratégica e mediante articulação institucional e negociação de múltiplos atores”. Nesse sentido, o MacroZEE constitui um dos principais instrumentos de ação da PNOT e, como tal, observa os seus objetivos gerais, quais sejam:
I - a garantia da soberania, com a preservação da integridade territorial, do patrimônio e dos interesses nacionais;
II - a promoção da qualidade de vida e de condições favoráveis ao desenvolvimento das atividades econômicas, sociais, culturais e ambientais;
III - a integração e a coesão nacionais, reduzindo as desigualdades regionais, valorizando as potencialidades econômicas e a diversidade sócio-cultural e ambiental do território nacional;
IV - fortalecer a integração do Brasil com países sul-americanos, contribuindo para a estabilidade e o desenvolvimento regionais;
V - fortalecer o Estado nas áreas de faixa de fronteira, águas jurisdicionais e espaço aéreo, propiciando o controle, a articulação e o desenvolvimento sustentável;
VI - orientar a racionalização, a ampliação e a modernização do sistema logístico físico do território Brasileiro;
VII - promover a justiça social e a redução de conflitos no uso e ocupação territorial;
VIII - promover a geração e integração de conhecimento multitemático, nas diversas escalas, para o ordenamento territorial como instrumento de tomada de decisão e de articulação intersetorial; e
IX - estruturar uma rede integrada de cidades de portes diversificados no território nacional.
O MacroZEE é ainda coerente com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), que em conjunto com a PNOT constitui importante pilar para uma ação coordenada do Estado na ordenação e na promoção do desenvolvimento das regiões brasileiras.
A Política de Defesa Nacional (PDN), instituída pelo Decreto no 5.484/2005, prevê em suas diretrizes a “implementação de ações para desenvolver e integrar a região amazônica, com apoio da sociedade, visando, em especial, ao desenvolvimento e à vivificação da faixa de fronteira”, o que constitui programa específico do Ministério da Integração Nacional, o “Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira”.
Por sua vez, a Estratégia Nacional de Defesa (END) destaca a Amazônia como “um dos focos de maior interesse para a defesa” que “exige avanço de projeto de desenvolvimento sustentável” e indica que o Estado está assumindo efetivamente a sua função reguladora baseada no zelo pelos interesses gerais da Nação.
A lei que cria a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), sancionada em 28 de dezembro de 2009, determina medidas para que as emissões de gases de efeito estufa sejam mantidas em níveis que não influenciem o sistema climático de forma perversa, o que levou o Brasil a estabelecer, em 2009, a meta de redução das emissões nacionais de gases de efeito estufa entre 36,1 % e 38,9% até 2020.
A discussão em torno da infraestrutura física de articulação interna proposta no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) constitui uma questão central de qualquer instrumento estratégico que proponha um uso não predatório das florestas, como é o caso do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal. Este MacroZEE é um instrumento político e técnico legitimado para colocar em pauta a necessária integração, em uma única base geográfica e numa perspectiva conjunta, das estratégias do PAC e também da Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana (IIRSA), iniciativas de indução direta de distribuição de atividades presentes e futuras nessa região de projeção nacional, continental e mundial.
A urgência dessa discussão no âmbito do MacroZEE passa por sua característica de instrumento de planejamento e gestão territorial e ambiental estabelecido pela Política Nacional do Meio Ambiente e, portanto, é indutor tanto de correções como de estímulos sobre o desenvolvimento regional que se quer sustentável e aberto à soberania e à cooperação.
A localização geográfica dos grandes projetos de infraestrutura representa um grande desafio para o MacroZEE da Amazônia Legal, uma vez que tais projetos podem interferir, diretamente, tanto nas formas de apropriação e uso presente e futuro do território amazônico, como no grau de impacto que eventualmente possam ter sobre o meio ambiente.
Pelo menos dois atributos do quadro natural deverão receber especial atenção na implementação desses grandes projetos: as bacias hidrográficas e a cobertura vegetal. Mas é possível conciliar, na Amazônia, os grandes projetos de infraestrutura com a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Para tanto, é necessário um amplo planejamento, contemplando ações de ordenamento do território, fomento às atividades econômicas sustentáveis e melhoria dos serviços públicos, ou seja, um conjunto de medidas que resultem, em última instância, na melhoria da qualidade de vida de toda a população. Neste sentido, o Governo Federal está articulando com os demais entes federados a elaboração dos Planos Regionais de Desenvolvimento Sustentável do Sudoeste da Amazônia (UHEs do rio Madeira e BR-319) e do Xingu (UHE de Belo Monte).
Não há como desenvolver um país ou uma região sem infraestrutura física, econômica e social. Mas há modos e critérios diferenciados a serem contemplados, conforme as características dos lugares, alguns dos quais podem ser citados:
□ o mosaico preventivo de áreas de proteção, à semelhança do que se fez ao longo da BR-163, é um dos mais aceitos critérios;
□ outra ordem de medidas de caráter preventivo a ser lembrada é o fortalecimento funcional dos pequenos e médios centros urbanos ao longo dos principais eixos viários;
□ a seleção de meios de transporte e de produção de energia adequados às características dos lugares é uma postura ativa, antecedente à decisão, bem melhor do que uma postura meramente corretiva;
□ é preciso priorizar as alternativas mais condizentes com a realidade local, em detrimento de escolhas adversas ao contexto em que será implementada a obra, sem prejuízo aos interesses nacionais.
A Lei no 11.952, de 25 de junho de 2009, que institui o Programa Terra Legal e estabelece a regularização fundiária em terras da União na Amazônia Legal em propriedades de até 1.500 hectares, é uma consequência direta do PAS, que reconhece a questão como prioritária na Amazônia. É, sem dúvida, uma das mais importantes e ousadas medidas de mudança institucional estabelecidas para a região, após intenso debate.
Os Planos de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e no Cerrado (PPCDAm e PPCerrado) têm como objetivo geral promover a redução das taxas de desmatamento por meio de um conjunto de ações integradas - de ordenamento territorial e fundiário, monitoramento e controle, fomento a atividades produtivas sustentáveis e infraestrutura com base em parcerias entre governo, sociedade civil e setor privado. A expectativa é reduzir os índices de desmatamento e queimadas, de grilagem de terras públicas e de exploração madeireira ilegal, e aumentar a adoção de práticas sustentáveis e a capacidade institucional na implementação integrada de medidas de prevenção e na viabilização de atividades produtivas sustentáveis.
O Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163 tem por objetivo aliar o asfaltamento desta rodovia a um plano de desenvolvimento capaz de lidar com as possíveis consequências socioambientais provocadas por novos processos de migração desordenada, grilagem e ocupação irregular de terras públicas, concentração fundiária, desmatamento, aumento da criminalidade e agravamento das condições de saúde pública. Assim como as iniciativas descritas anteriormente, prevê investimentos em ações de ordenamento e gestão territorial, fomento a atividades produtivas sustentáveis, inclusão social e infraestrutura, com a participação efetiva dos atores sociais e coordenação institucional para a integração das ações do poder público em sua região de abrangência.
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e o Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade (PNPSB) são também expressões do desafio de conciliar o desenvolvimento com a inserção social e a conservação ambiental.
A Política, instituída pelo Decreto no 6.040, de 2007 evidencia o comprometimento do Estado em assumir a diversidade da realidade social Brasileira, promovendo a inclusão política e social dos povos e comunidades tradicionais, além de estabelecer, dentre seus objetivos, o reconhecimento das territorialidades e o acesso aos recursos naturais tradicionalmente usados. Nas diretrizes da PNPCT foram estabelecidas ações em quatro eixos estratégicos: (1) acesso aos territórios tradicionais e aos recursos naturais; (2) infraestrutura; (3) inclusão social e (4) fomento à produção sustentável.
No eixo de fomento e produção sustentável, desenvolvem-se ações para o fortalecimento das cadeias produtivas dos recursos da sociobiodiversidade, com vistas à inclusão produtiva dos agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais, permitindo aliar a conservação dos ecossistemas ao desenvolvimento econômico. As ações são desenvolvidas no escopo do Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade, lançado em abril de 2009, que busca reforçar a articulação entre o nível federal e os estados e destes com os municípios, estabelecendo uma rede que propicie e facilite o acesso daqueles que trabalham com os produtos da sociobiodiversidade às políticas públicas.
Registra-se, ainda, o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, instituído no PPA 2004-2007, que marca a introdução de políticas específicas para a economia solidária em âmbito nacional e reconhece a necessidade de apoio à estruturação de formas alternativas de organização do mundo do trabalho. Os princípios da economia solidária concorrem para a autogestão, a cooperação e a solidariedade como base para a organização de formas de produção, distribuição, consumo e acesso a crédito, dos mais variados bens e serviços.
Seus objetivos alinham-se aos do MacroZEE e visam, dentre outros, contribuir para a redução das desigualdades regionais por meio do desenvolvimento local e territorial integrado e sustentável e o respeito ao equilíbrio dos ecossistemas, com a promoção de práticas produtivas ambientalmente sustentáveis. Apostando e incentivando a criação de formas associativas e cooperativas de organização e sua integração a redes e cadeias de produção, comercialização e consumo, a disseminação da economia solidária pode contribuir para a inclusão, a potencialização e a compatibilização das estratégias do MacroZEE entre os diversos atores presentes na Amazônia Legal.
Dados recentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) indicam que na Amazônia existem aproximadamente 4.200 empreendimentos de economia solidária, sendo que 72% deles atuam na área rural ou rural e urbana. Tem-se ainda que 62% dos empreendimentos de economia solidária são também participantes de organizações sociais e populares, indicando uma forte relação entre os dois movimentos; contudo, a maioria dos empreendimentos (67%) declara encontrar dificuldades para comercialização da produção e 62% informam não terem tido acesso a crédito no ano anterior.
A implementação do MacroZEE contribuirá para a necessária inovação institucional que permitirá a articulação das ações públicas para alcançar um modelo de desenvolvimento pautado no uso sustentável dos recursos naturais amazônicos. Seu sucesso estará, dentre outros, no comprometimento e na melhoria da atuação das diversas instituições federais e estaduais responsáveis pela sua implementação, que refletirá na maior presença do Estado na região.
1.3.Objetivos
No contexto de construção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia Legal, o MacroZEE estabelece os seguintes objetivos:
Gerais
□ Conceber uma proposta para a Amazônia Legal capaz de superar o padrão tecnoprodutivo regional dominante e de promover um novo modelo de desenvolvimento e de integração regionais a partir da realidade regional diversificada, rompendo com o planejamento baseado em uma ótica externa dominante;
□ Constituir uma mudança institucional efetiva, inserida em uma estratégia mais ampla, respaldando o e respaldado pelo Plano Amazônia Sustentável (PAS) e contribuindo para seu aprofundamento mediante a inclusão de novas questões nele não previstas.
Específicos
□ Ser aplicado como instrumento político e de negociação;
□ Transcender a fragmentação dos ZEEs estaduais em termos de diretrizes e de coesão nacional, aí incluída a questão do destino das terras públicas;
□ Assegurar a permanência da grande extensão florestal ainda existente, sobretudo da floresta ombrófila densa;
□ Reconhecer a diversidade regional e viabilizar suas potencialidades produtivas sob condições de conservação - não destruindo ecossistemas ou recompondo-o em áreas alteradas;
□ Atualizar o significado do ZEE frente ao avanço da ciência e da ocupação agropecuária na Amazônia contemporânea;
□ Estimular a formação e regulação de um sistema de cidades dotadas de serviços e indústrias capazes de atender à população, dinamizar a economia e assegurar a ampliação da articulação intra e extra regional.
2.MARCO CONCEITUAL E METODOLÓGICO
1.4.O desafio conceitual: como identificar as Unidades Territoriais da Amazônia Legal?
Para responder a esse desafio, resgatam-se conceitos e formulam-se novos, tendo em vista que nos vinte anos decorridos desde o início da preocupação com o zoneamento ecológico-econômico no Brasil intensas transformações ocorreram no planeta e na própria Amazônia, cujo povoamento é hoje bem mais diversificado e complexo.
Assumem-se como critérios que fundamentam a partição regional: significado do ZEE; o território como protagonista; nova forma de Estado e seu papel no planejamento; reestruturação escalar como base das unidades de análise e o zoneamento da natureza.
□ Qual a finalidade do ZEE e qual seu significado institucional?
Decorridos vinte anos é necessário atualizar a compreensão de sua finalidade. Passo importante nessa direção foi dado com o documento de 1997mas, hoje, é possível aprofundar o seu entendimento. Resgata-se, assim, a contribuição de 1997 quanto à finalidade do ZEE como instrumento de gestão do território e acrescenta-se o seu significado político mais profundo como mudança institucional, condição do desenvolvimento regional.
No Programa Zoneamento Ecológico-Econômico o governo Brasileiro definia o ZEE como um instrumento para racionalizar a ocupação do espaço, um subsídio à estratégia e ações pelo desenvolvimento, cuja finalidade seria dotar o governo de bases técnicas para espacialização das políticas públicas visando o ordenamento do território. Por sua vez, o ordenamento do território foi entendido tal como definido na Carta Europeia de Ordenação do Território (1983), como: “expressão espacial das políticas econômica, social, cultural e ecológica”, definição, aliás, pouco clara.
O documento Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal (1997) contribuiu para superar a forte concepção biofísica do ZEE que dominava na ocasião, entendendo-o como um instrumento inovador no novo contexto histórico marcado pela revolução científico-tecnológica que, gerando um novo modo de produzir baseado no conhecimento e na informação, atribui novo significado à natureza como capital natural de realização atual ou futura. O ZEE foi, então, definido como um instrumento político e técnico do planejamento, cuja finalidade última é otimizar o uso do território e as políticas públicas. Esta otimização é alcançada pelas vantagens que ele oferece, tais como:
□ é um instrumento técnico de informação sobre o território, necessária para planejar a sua ocupação racional e o uso sustentável dos recursos naturais: provê uma informação integrada em uma base geográfica; e classifica o território segundo suas potencialidades e vulnerabilidades;
□ é um instrumento político de regulação do uso do território: permite integrar as políticas públicas em uma base geográfica, descartando o convencional tratamento setorizado de modo a aumentar a eficácia das decisões políticas; permite acelerar o tempo de execução e ampliar a escala de abrangência das ações, isto é, aumenta a eficácia da intervenção pública na gestão do território; e é um instrumento de negociação entre as várias esferas de governo e entre estas, o setor privado e a sociedade civil, isto é, um instrumento para a construção de parcerias;
□ é um instrumento do planejamento e da gestão territorial para o desenvolvimento regional sustentável: não deve ser entendido como um instrumento apenas corretivo, mas também ativo, estimulador do desenvolvimento.
O ZEE, portanto, não é um fim em si, nem mera divisão física, e tampouco visa criar zonas homogêneas e estáticas cristalizadas em mapas. Trata-se sim, de um instrumento técnico e político do planejamento da diversidade, segundo critérios de sustentabilidade, de mediação de conflitos, e de temporalidade, que lhe atribuam o caráter de processo dinâmico, a ser periodicamente revisto e atualizado, capaz de agilizar a passagem para um novo padrão de desenvolvimento.
Ao analisar as instituições como cerne do desenvolvimento, Douglass North desvela o poder dessas (1990). Afirma que a verdadeira causa do desenvolvimento é a organização eficiente, implicando em arranjos institucionais e direitos de propriedade que incentivam o esforço dos indivíduos em atividades que aproximam as taxas privadas e as taxas sociais de retorno. Não são capacidades inovadoras, democratização do ensino, acumulação de riquezas, que causam o desenvolvimento - esses processos são o desenvolvimento. O desenvolvimento é o resultado histórico de certas formas de coordenação. Em outras palavras, o desenvolvimento reside nas instituições, nas formas de coordenar ações individuais e grupos.
Instituições são as regras do jogo - não só escritas, mas também valores e representações - que reduzem a incerteza; as organizações delas geradas são os jogadores. A mudança institucional pode ser realizada pelas organizações mediante escolhas técnicas apoiadas em conceitos científicos, e dependem de vasta rede social que envolve a aprendizagem de um conjunto de atores e um processo permanente de adaptação. Mas, mecanismos como a acomodação, após ter sido alcançada uma solução, e sobretudo a trajetória dependente de condições históricas originais, constituem poderosos fatores de inércia contra a mudança institucional e são centrais no comportamento das organizações.
A cada passo histórico há escolhas políticas e econômicas, alternativas reais, nem sempre assumidas devido àqueles fatores de inércia.
Desnecessário explicitar como a análise de North se aplica à Amazônia, e atribui ao ZEE o significado de mudança institucional. Mudança institucional que exige reconhecer a viabilidade de várias formas de acesso aos recursos naturais, entendendo o arcabouço legal como suporte a esse reconhecimento.
□ Que níveis de complexidade diferenciam hoje o território regional?
O processo de reestruturação geoeconômica global iniciado no último quartel do século XX trouxe à tona novos atores sociais, rompendo com a concepção dominante do Estado e do território nacional como únicas fontes de poder e única representação do político. Emergem, assim, múltiplos atores com respectivos territórios que não só o nacional (BECKER, 1988).
O planejamento territorial abandona suas bases centralizadas e funcionais, aproximando-se dos espaços vividos. A democracia consolida-se. Enfim, o território torna-se protagonista, e não mais objeto instrumentalizado (BECKER, 2009). Na Amazônia, a intensificação da ação antrópica nas últimas décadas resultou também em forte diversificação de atores e de usos da terra. Níveis de complexidade social e técnica diversos requalificam o espaço regional.
O conceito de zona associado ao conceito geográfico de zonalidade - uma certa uniformidade ecológica em função da distribuição de energia na superfície da Terra - permanece válido. Mas ele não pode mais ser aplicado às áreas onde a intensidade do povoamento, ou seja, onde a dimensão econômica do ZEE impõe-se sobre a dimensão ecológica.
A intensificação da conectividade global trouxe um novo elemento na formação do território: as redes e o movimento. Redes são um modo de organização e rede geográfica pode ser definida como um conjunto de ligações geográficas interconectadas entre si por um certo número de ligações.
Se as redes sempre existiram, no passado eram elementos constituintes do território, mas hoje são elementos constituidores do território. O território, portanto, não está relacionado apenas à fixidez e à estabilidade, mas incorpora como um de seus constituidores fundamentais, o movimento, diferentes formas de mobilidade. Em outras palavras, ele não é apenas um território-zona, mas, também, um território-rede (HAESBAERT, 2005).
Trata-se de um processo de organização em rede, emergente com os avanços tecnológicos nos anos 1990, que permite aos agentes econômicos no campo articularem-se e estruturarem-se para atender tanto ao mercado interno, quanto, principalmente, ao mercado externo, fazendo com que ocorra a ampliação da ação dos capitais privados bem como a margem de manobra para suas políticas territoriais.
A densidade de diferentes tipos de redes e fluxos - naturais, técnicas, de comunicação, econômicas e políticas - pode esboçar uma tipologia de territórios.
Menos analisadas, mas de crucial importância, são as redes políticas, instâncias e procedimentos de coordenação horizontal e descentralizada. Têm um papel estratégico nas relações de poder, gerando simultaneamente ordem/desordem, conexão/exclusão, integração/partição. São as redes políticas territorializadas que conectam e solidarizam poderes locais entre si, redesenhando contornos e forjando novas territorialidades.
Territorialidade é um conceito que remete ao de território, entendido este como o espaço da prática (BECKER, 1988). Por um lado é um produto da prática espacial: inclui a apropriação de um espaço, implica a noção de limite - um componente de qualquer prática –, manifestando a intenção de poder sobre uma porção precisa do espaço. Por outro lado, é também um produto usado, vivido pelos atores, utilizado como meio para sua prática (RAFFESTIN, 1980).
E a territorialidade humana é uma relação com o espaço que tenta afetar, influenciar ou controlar ações por meio do reforço do controle sobre uma área geográfica específica, o território (SACK, 1986). É a face vivida do poder, e se manifesta em todas as escalas. Ela se fundamenta na identidade e pode repousar na presença de um estoque cultural de base territorial que resiste à reapropriação do espaço.
A malha territorial vivida é, assim, uma manifestação das relações de poder, da oposição do local ao universal, dos conflitos entre a malha concreta e a malha abstrata, concebida e imposta pelos poderes hegemônicos.
Novas territorialidades na Amazônia têm importância crucial no sentido de fazer ouvir reivindicações de atores até há pouco sem voz alguma na cena política, com impacto positivo rumo à mudança institucional. Têm surgido com maior nitidez nos interstícios das esferas do poder das instituições estatais.
O protagonismo do território e da territorialidade é reforçado pelo novo regionalismo, que reconhece duas tendências na formação contemporânea das regiões:
□ um processo de cima para baixo, em que a região é integrada por redes, nós urbanos e fluxos, compondo a cidade-região global, sobretudo pela estratégia pós-fordista das corporações, em rede;
□ um processo de baixo para cima, em que o fator de integração são laços sociais entre agentes e instituições locais, organizados em redes sociais.
A formação de regiões pelo processo de baixo para cima associa-se à territorialidade.
Não existem na Amazônia cidades-região globais, mas já se verifica a formação de algumas regiões urbanas pela presença de múltiplos centros próximos entre si, bem como grupamentos de dois ou três núcleos ou cidades, conformando um incipiente policentrismo e constituindo territorialidades.
Se aos zoneamentos estaduais cabem as análises e definições mais diretas quanto ao uso da terra e à questão fundiária, isto é, os estudos mais detalhados voltados às formas de povoamento do território-zona, ao Macrozoneamento cabe definir estratégias mais abrangentes de estruturação do território amazônico que envolvam, necessariamente, a logística de transporte e a rede de cidades, isto é, o território-rede, e as territorialidades, que podem ou não coincidir com o território-rede.
O entendimento conjugado desses ângulos de observação é que deverá demarcar a diferenciação regional ao privilegiar não só a contiguidade geográfica e as divisões político-administrativas, como, principalmente, os diversos fluxos (materiais e imateriais) e as redes políticas que se constituem, refletindo os diversos interesses internos e externos aí presentes.
Com grande força discriminatória na diferenciação regional proposta, será considerada, também, a delimitação de terras públicas enquanto marco territorial de referência, na definição das grandes extensões florestais pouco ocupadas e que devem, portanto, ser o foco das políticas privilegiadoras do uso da “floresta em pé”.
Assim, ao contrário do planejamento territorial feito no passado recente, quando o espaço amazônico era quase que unicamente abordado a partir de suas articulações externas (Eixos de Integração do Avança Brasil - PPA 2000-2003), o Macrozoneamento ora proposto pretende avançar, com igual ênfase, na direção das articulações internas, fundamentais para a regulação atual das atividades econômicas no território amazônico, que, ao contrário do passado, possui fortes interesses econômicos estruturados na própria região (FIGUEIREDO, 2009).
A fluidez e a dinâmica atualmente existentes no uso do território amazônico colocam, como questão crucial, em termos conceituais e metodológicos, o desafio de se lidar, simultaneamente, com vários ângulos, atores e escalas de análise.
□ Como se dá hoje o governo do território?
O Brasil tem sido um caso exemplar do planejamento centralizado no mundo entre o pós-guerra e 1970. Mas no último quartel do século, dadas a privatização de ativos nacionais, a expansão das corporações em rede, os movimentos sociais e as crises financeira e fiscal do Estado, o planejamento centralizado entra em crise; o termo gestão emerge, expressando a parceria público-privada, e políticas de descentralização são formuladas, como bem ocorreu no Brasil pós-1980 (BECKER, 1988).
Nesse sentido, seja qual for o grau de predomínio da esfera federal sobre a estadual e a municipal, na federação Brasileira, o que importa hoje é a capacidade de articulação da ação pública, seja na elaboração legislativa, seja em sua formulação política e/ou aplicação prática.
Tornam-se incertos os poderes do Estado e do planejamento. Esta questão é crucial para o Brasil e para a Amazônia. Quem governa hoje o território? Mesmo tendo consciência de que o Brasil e muito menos a Amazônia não são a Europa, é lícito conhecer o que se passa naquele continente onde ocorreu grande realinhamento da governança urbana e da política espacial.
Na Europa Ocidental, o projeto de pós-guerra de equalização do território nacional e redistribuição socioespacial é superado por estratégias qualitativamente novas nas escalas nacionais, regionais e locais, visando colocar as maiores economias urbanas em posição vantajosa nos circuitos globais e supranacionais do capital (BRENNER, 2004).
Tal processo revela que o território nacional não é mais a escala privilegiada de ação, favorecendo, no debate contemporâneo sobre a globalização, o argumento da maioria quanto à previsão do colapso ou o declínio do Estado, e o deslocamento do poder para a escala supranacional. Alguns poucos contra-argumentam demonstrando que os Estados nacionais estão sendo qualitativamente transformados, e não destruídos nas condições geoeconômicas contemporâneas. Em resposta, as diversas arenas de poder do Estado nacional, bem como as políticas e as lutas sociais, estão sendo redefinidas. E a governança urbana, entendida como a regulação da urbanização, torna-se o mecanismo político crucial por meio do qual vem ocorrendo a profunda transformação institucional e geográfica na transformação do Estado Nação de 1970.
Os acontecimentos recentes associados à crise financeira global confirmam o argumento da permanência do Estado como ator fundamental.
Significa que foi desestabilizada a primazia da escala nacional com novas hierarquias escalares da organização das instituições estatais e das atividades regulatórias do Estado. Mas as instituições do Estado nacional continuam a ter papel chave na formação das políticas urbanas, ainda que a primazia da escala nacional na vida político-econômica seja descentralizada.
As funções do poder do Estado estão, assim, passando por um processo de transformação qualitativa por meio de seu reescalonamento. Em contraste com as previsões de desnacionalização e da redução da capacidade regulatória do Estado, permanecem as instituições nacionais espacialmente reconfiguradas, como as mais importantes animadoras e mediadoras da reestruturação político-econômica em todas as escalas geográficas.
A noção de reescalonamento do Estado caracteriza, assim, a forma transformada do Estado no capitalismo contemporâneo. Se no século XX as estratégias políticas tinham como foco estabelecer uma hierarquia centralizada do poder, hoje elas estão superadas, na medida em que uma configuração do estatismo mais policêntrica, multiescalar e não isomórfica está sendo criada (BRENNER, 2004).
É o que se verifica na política regional europeia que, visando mais crescimento e emprego para todas as regiões e cidades, estabelece como escalas de ação as (1) ZIEM - Zona de integração econômica mundial: subespaços interregionais e transnacionais; (2) FUA - Área funcional urbana: núcleo urbano e área do entorno integrada pelo trabalho; (3) MEGA - Área de crescimento sub-metropolitano, que envolve 76 FUAS; (4) PUSH - Área de potencial urbano com horizonte estratégico; e (5) PIA - Área potencial de integração policêntrica, que envolve a PUSH (CARRIÈRE, 2006).
Para evitar os riscos de fragmentação territorial, a política regional destina quase 82% dos recursos para a política de coesão, assim garantindo a complementaridade e competitividade das regiões.
A transformação do Estado no Brasil foi considerável. De uma atuação que concebeu, financiou e executou a integração nacional entre 1965-1985, com grande impacto na Amazônia, o Estado tenta atuar por meio de agências reguladoras, permanecendo com ação direta, sobretudo, no setor energético, da infraestrutura pesada, no financiamento da produção e nas políticas municipais de educação e saúde. Regularização fundiária e revisão do Código Florestal são novas atuações específicas para a Amazônia.
Depreende-se que a construção de um sistema de cidades na Amazônia se impõe. Não apenas pela urgência em oferecer os serviços básicos à população e dinamizar as economias locais, mas também para fortalecer e qualificar as tarefas regulatórias do Estado por meio do seu reescalonamento.
Um sistema de cidades com distintas especializações econômico-funcionais competitivas e enraizadas na diversidade natural e histórica da região. Nas áreas alteradas, é necessário o planejamento coordenado dos centros estratégicos nos segmentos que comandam o setor mineral e agroindustrial e energético, cujas logísticas interferem nas áreas florestais. Nestas, é urgente equipar centros para articular o “complexo urbano-industrial com o complexo verde” mediante a valorização econômica da floresta em pé e a valoração dos serviços ambientais (BECKER, 2008), e a criação de complexos para verticalizar cadeias como as da madeira, carne, couro, frutos, dentre outras, bem como aqueles que possam favorecer a integração com os países vizinhos. Neste contexto, a produção local de alimentos para abastecimento de centros populacionais deverá ser contemplada.
O conceito de policentrismo, explicitando uma determinação política de intervenção no sistema urbano numa dada região, visando regular a difusão de atividades em áreas de menor dinamismo ou de características específicas de ordem natural e/ou legal, é bastante útil para a Amazônia (CONTI, 2007, apud FIGUEIREDO, 2009).
A erosão do keynesianismo, em outras palavras, a erosão do papel central do Estado nacional, não gerou um processo de descentralização em que uma só escala esteja substituindo a escala nacional como nível mais importante de coordenação político-econômica. Pelo contrário, verifica-se amplo realinhamento das hierarquias e das interações escalares, por meio das instituições do Estado em todas as escalas - supranacional, nacional, regional e urbana.
Tais análises mostram a necessidade de repensar e reconceituar escala.
□ Que unidades devem fundamentar a análise?
Múltiplos atores, novo modo de atuação do Estado e múltiplos territórios, colocam em pauta a questão da escala de análise.
A Nova Economia Política da Escala (SMITH, 2004; JESSOP, 2002) constitui uma das maiores inovações da pesquisa contemporânea para análise do território (BECKER, 2009).
Termos como local, urbano, regional, nacional são usados como estáticos, perenes, congelados no espaço geográfico e para demarcar “ilhas” de relações sociais, escalas específicas para atividades sociais, mascarando a profunda imbricação mútua de todas as escalas.
Reconhece-se o escalonamento de processos sociais; as escalas geográficas não são dadas, nem fixas. São socialmente produzidas e, portanto, periodicamente modificadas na e por meio da interação social (SWYNGEDOUW, 1997). As características e a dinâmica de qualquer escala geográfica só podem ser entendidas em termos de seus laços com outras escalas situadas dentro da ordem escalar em que ela está inserida.
Ademais, a paisagem institucional do capitalismo não se caracteriza por uma única englobante pirâmide escalar em que todos os processos sociais e formas institucionais estão inseridos. Diferentes tipos de processos sociais têm geografias muito diferentes e nem todas cabem no mesmo conjunto de hierarquias embutidas. Cada processo social ou forma institucional pode estar associado a um padrão diferente de organização escalar, configurando um mosaico escalar.
As grandes formas institucionais do capitalismo moderno - firmas e Estados - contudo, produzem estruturas da organização aninhadas hierarquicamente (HARVEY, 1982). Estas emolduram a vida social em, “escalas fixas”, provisoriamente solidificadas correspondentes a hierarquias geográficas temporariamente estabilizadas, que prevalecem sobre outras. O reescalonamento ocorre, assim, por meio da interação de arranjos herdados com outros emergentes apoiados em novas estratégias, em meio a intensas pressões para reestruturar uma dada ordem decorrente das resistências da antiga ordem dominante.
A Nova Economia Política da Escala contrasta com a “velha”, que envolvia debates epistemológicos quanto à unidade de análise para a investigação sócio-científica desde a institucionalização dessas ciências no fim do século XIX. Só recentemente os cientistas sociais reconheceram explicitamente o caráter historicamente maleável e politicamente contestado da organização escalar.
Cabe, assim, entender como, porque e quando o processo social ou a forma institucional se subdividiu em uma hierarquia vertical de escalas separadas, mas intervenientes. E a partir daí, considerar as unidades espaciais relevantes.
Entendida como processo, a análise da escala demanda metodologias que enfatizem relações e transformações multiescalares, e não apenas uma só escala.
Reconhecendo a retomada da potencialidade social e política do espaço no último quartel do século XX, conceituamos escala como uma arena política, definida por níveis significativos de territorialidade, expressão de uma prática espacial coletiva fundamentada na convergência de interesses, ainda que conflitiva e momentânea (BECKER, 1988). Constituídas por redes políticas, estas territorialidades, criam novas escalas geográficas, novas escalas territoriais de poder, enfim, novas arenas políticas na Amazônia.
Processou-se, na região, sem dúvida, um reescalonamento das instituições estatais, como também processos sociais induzidos pelo Estado ou por ele apoiados, e processos espontâneos, tanto de empresários como de movimentos sociais, gerando novas territorialidades que compõem escalas de diferentes dimensões. O papel desempenhado pelas associações municipais é crucial nessa ruptura de escalas estabelecidas, pela insinuação de escalas insurgentes entre as escalas local e regional. Trata-se de redes associativas e federadas em sua própria natureza, e é o princípio federativo que tende a fortalecer alianças de um pacto local projetado regionalmente (LIMA, 2004). Da mesma forma, grupos indígenas e seringueiros sempre habitaram suas terras, mas só recentemente passaram a ter seus territórios demarcados e se organizaram, manifestando suas territorialidades.
A escala macrorregional foi, assim, rompida, e subdividida em várias outras. Tal rompimento é bem simbolizado na extinção e retorno da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), ao lado do fortalecimento do ente municipal, mas não se reduz à essa simplicidade.
Mais uma vez, as cidades despontam cruciais como centros de articulação entre as escalas e as redes.
□ Como conciliar o desenvolvimento com o zoneamento da natureza?
Ecossistemas são complexos, constituindo-se de estrutura e funções interdependentes. A estrutura refere-se aos elementos bióticos e abióticos, compondo estoques de capital natural, e as funções são resultantes das interações entre os elementos estruturais. Enquanto os ZEEs dos estados amazônicos consideram os elementos estruturais, na escala macrorregional considera-se, sobretudo, a cobertura vegetal como indicador síntese dos ecossistemas. Ademais, a cobertura vegetal expressa, também, a potencialidade dos serviços ambientais.
Mapas do IBGE representando a cobertura vegetal original da Amazônia e sua cobertura em 2006 trazem importantes revelações. Até o momento, a floresta ombrófila densa e seus grandes vales - o coração florestal da Amazônia - permanecem relativamente preservados (BECKER, 2009a) constituindo um fixo escalar de grande magnitude.
Tal revelação implica em outras de grande significado político. Dentre elas, o reconhecimento da grande extensão do desmatamento regional e da urgência em garantir a permanência dessa imensa e preciosa extensão florestal; por sua vez, tal revelação indica onde ainda cabe a política de preservação, contra-argumentando com a ideologia preservacionista indiscriminada que propõe a região, toda ela, como um fixo escalar em nome de um desenvolvimento sustentável que não tem ocorrido.
O coração florestal dispõe-se, grosso modo, como uma diagonal que parte da porção ocidental do Estado do Acre, passando pelo sul do Estado do Amazonas até a costa do Estado do Amapá e parte do Estado do Pará, estendendo-se para o norte e oeste pela Amazônia sul-americana. Por características que lhe conferem unidade e diferenciação baseadas na extensão florestal, na circulação fluvial e na baixa densidade da população - que, à exceção da calha do rio Amazonas, concentra-se em cidades estagnadas –, o coração florestal constitui um fixo escalar, isto é, uma escala hierárquica temporariamente solidificada.
A natureza criou seu próprio zoneamento, profundamente desrespeitado pela ação humana. Trata-se da sucessão, do norte para o sul, das zonas de floresta ombrófila densa, floresta ombrófila aberta e cerrado. À exceção do nordeste do Pará, o povoamento a partir de meados do século XX envolve, sobretudo, as áreas de tensão: o cerrado e a maior parte da floresta ombrófila aberta, onde hoje a fronteira agropecuária vem dizimando seus remanescentes.
Torna-se, assim, clara a distinção básica da região, em geral pouco reconhecida, mas essencial ao ZEE: a Amazônia com Mata (correspondente, grosso modo, à floresta ombrófila densa) e a Amazônia sem Mata. Seja porque nunca teve floresta, ou porque ela tenha sido em boa parte destruída, a Amazônia sem Mata constitui hoje grande parte da Amazônia Legal. Tal distinção corresponde a um macrozoneamento primário que embasa a partição da região em Unidades Territoriais mais detalhadas, indicativas de processos diferenciados.
Coloca-se, assim, a questão de como garantir a permanência do fixo escalar constituído pelo coração florestal, componente maior da Amazônia com Mata, ao mesmo tempo em que se fortalecem os mecanismos de preservação e recuperação das demais formações vegetacionais, todas elas abrigando uma das mais ricas biodiversidades do mundo.
Sua presença influi decisivamente na partição regional. Se é do conhecimento geral que as estradas induzem o desmatamento, o que não é tão conhecido é o papel da natureza no traçado das estradas, e, portanto, no povoamento. Os grandes eixos rodoviários implantados na região seguiram as linhas de menor resistência através do cerrado e da floresta ombrófila aberta, e a Transamazônica está localizada no contato da floresta ombrófila aberta com a floresta ombrófila densa, como se a própria natureza tivesse tido, até agora, o poder de barrar a expansão do povoamento (BECKER, 2009a). Assim, pouco povoada e transformada, a floresta ombrófila densa mantém-se em sua maior parte como território-zona.
O que não significa mantê-la à margem do desenvolvimento. A defesa desse fixo escalar decorrerá de sua utilização inovadora e não do seu isolamento produtivo. E deverá ter impacto em seu entorno, barrando a expansão do povoamento predatório, pois que é nele que se poderá iniciar um modelo inovador de desenvolvimento, utilizando o capital natural com base em CT&I da fronteira da ciência.
As grandes zonas de floresta ombrófila aberta e de cerrado, já muito alteradas, requerem observar o grau de compatibilidade entre as atividades que vêm sendo desenvolvidas e as condições ambientais das terras que ocupam, permitindo sugerir sua consolidação, recuperação e/ou preservação.
□ Procedimentos e conceitos para identificar as Unidades Territoriais
A identificação das Unidades Territoriais indicativas do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal baseou-se nos conceitos expostos e nas informações e procedimentos operacionais que se seguem.
A Questão da Escala
Cumpre tornar claro que MacroZEE exige uma metodologia diferente daquela utilizada nos zoneamentos dos estados amazônicos, em decorrência de questões vinculadas às escalas diferenciadas de ação, tal como exposto a seguir:
□ a escala como arena política: enquanto os ZEEs elaborados nos estados analisam situações contidas nos seus limites institucionais com detalhamento de suas características, potencialidades e limitações, o MacroZEE analisa a Amazônia Legal - cerca de 60% do território Brasileiro - como um todo e, portanto, necessariamente sem atentar para detalhamentos;
□ os interesses: é natural e desejável que os estados elaborem seus ZEEs de acordo com seus interesses que, espera-se, sejam definidos mediante o diálogo entre todos os segmentos sociais que atuam em seus territórios. O MacroZEE na escala da Amazônia Legal transcende os interesses individuais dos estados, buscando diretrizes para o conjunto do extenso território de modo a favorecer a articulação e a coesão. Tal busca exige situar a Amazônia Legal como um todo, como parte integrante do País e do globo, considerando, as tendências de mudança em curso. Nesse contexto, é fácil entender que o MacroZEE trata-se muito mais de uma diretiva apoiada na dimensão puramente política do que na dimensão técnica do ZEE;
□ os limites: nos estados, baseados em seus interesses e características, os ZEEs atuam necessariamente dentro dos limites institucionais estabelecidos. O MacroZEE, ao analisar a dinâmica e as tendências de transformação da Amazônia Legal, não pode e não deve obedecer a limites rígidos nem estaduais nem a qualquer outro limite administrativo (município, mesorregião), pois que os componentes da dinâmica, via de regra, superpõem-se, não obedecendo a qualquer desses limites;
□ a articulação estadual/macrorregional: nesse contexto é que se situa a crucial articulação entre os ZEEs estaduais e o macrorregional. Por um lado, o MacroZEE, ao buscar a dinâmica do conjunto, tem como base de conhecimento as características dos estados; por outro lado, os estados devem considerar suas vulnerabilidades e potencialidades frente às tendências de transformação da Amazônia Legal, do País e do mundo.
Indicadores
Foram selecionados indicadores disponíveis e passíveis de rápida elaboração, sobretudo os já representados em mapa, compondo camadas de processo de complexidade, sobre os temas:
□ vegetação - a vegetação foi utilizada como indicador ecológico básico na escala macrorregional, na medida em que é a resultante das múltiplas interações naturais e desta com a ação humana;
□ um outro lado da dimensão territorial diz respeito à geografia das terras públicas e devolutas, aí incluídas as Áreas Protegidas (glossário), hoje um atributo da Amazônia e uma condição da dinâmica regional, além dos assentamentos rurais e terras arrecadadas pelo Incra. Trata-se de verdadeiro zoneamento prévio da região;
□ infraestrutura de transporte e energia - componente básico da diferenciação regional quanto à acessibilidade ao desenvolvimento;
□ localização dos empreendimentos agropecuários e uso da terra - estes dois mapas, baseados no Censo Agropecuário 2006 do IBGE, estabelecem a diferenciação sócioeconômica básica na Amazônia Legal ao representar onde se localizam a efetiva ocupação e as principais atividades no território. Definem, em linhas gerais, os limites de áreas de povoamento contínuo pela atividade agropecuária, os de ocupação linear e os espaços descontínuos;
□ fluxos dos mais importantes produtos representados em conjunto, e mapas de produção, fluxos e centros de destino dos principais produtos regionais - bovinos, madeira, soja, algodão herbáceo, leite, milho e arroz - obtidos pelo IBGE com a pesquisa sobre área de influência urbana (REGIC, 2008), foram cruciais para detectar a dinâmica econômica. Eles são reveladores da dinâmica territorial em dois aspectos: extensão territorial e grau de organização da atividade;
□ áreas de influência das principais cidades (REGIC, 2008) constituem indicador essencial para a delimitação fluida das Unidades Territoriais;
□ distribuição territorial das redes sociopolíticas, reconhecidos como atores regionais;
□ povoamento e macrorregionalização, mapa que consta na primeira versão do PAS, foi essencial como base de comparação da situação atual com a de 2003, quando foi elaborado.
Dados disponibilizados e consultados
Inúmeros outros dados foram também utilizados para fundamentar a caracterização e as estratégias para as Unidades Territoriais estabelecidas, tais como:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
□ Mapa de localização dos empreendimentos agropecuários: Censo Agropecuário
□ Mapa de uso da terra: Censo Agropecuário
□ Mapa de fluxos dos mais importantes produtos: REGIC
□ Mapas da produção, fluxos e centros de destino dos principais produtos regionais: bovinos, madeira extrativa, soja, algodão herbáceo, leite, milho, arroz. REGIC
□ Densidade demográfica por setor censitário: Censo demográfico de 2007
Ministério dos Transportes
□ Plano Nacional de Logística de Transportes - PNLT
Ministério de Minas e Energia
□ Mapa de áreas de relevante interesse mineral da Amazônia Legal: SGM/MME, 2009
□ Mapas de províncias metálicas e auríferas: SGM/MME, 2009
□ Mapas dos títulos minerários da Amazônia Legal: SGM/MME, 2009.
□ Mapa de bacias sedimentares na Amazônia Legal, blocos licitados e áreas de interesse para petróleo e gás natural: ANP, 2009.
□Estatística sobre o potencial hidrelétrico, estudos e logística da energia na Amazônia Legal: AGH/Aneel, 2009.
□ Mapa do Plano Decenal de Energia Elétrica 2008-2017: EPE/MME.
□ Mapa do potencial hidráulico: MME, 2009.
Ministério do Meio Ambiente
□ Distritos Florestais e Unidades de Conservação
□ Glebas Públicas: Programa Terra Legal
Ministério do Desenvolvimento Agrário
□ Territórios Quilombolas, Glebas Públicas e Assentamentos: Incra
Redes Sociopolíticas
□ Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e Grupo de Trabalho Amazônico (GTA): Internet
□ Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
□ Comissão Pastoral da Terra
□ Associações e Consórcios Municipais
Outras pesquisas
□ Mapa Povoamento e Macrorregiões - B. Becker e C. Stenner, 2003 - elaborado para primeira versão do Plano Amazônia Sustentável (PAS, 2004)
□ Corredores/fronteira da Vale do Rio Doce - Maria Célia Nunes Coelho
O exame dos indicadores e dos demais dados consultados indicou a análise das informações em conjuntos, tendo sido produzidos os seguintes mapas temáticos para subsídio ao MacroZEE da Amazônia Legal:
1. Terras públicas na Vegetação Natural
2. Incorporação de Terras
3. Fluxos da Produção Agropecuária
4. Tipologia de Uso da Terra
5. Logística do Território
6. Densidade Demográfica
7. Institucionalidade Municipal e Organização da Sociedade
Critérios de partição e conceitos estabelecidos
O desafio metodológico enfrentado foi o de pretender conjugar as características de contiguidade do território e os diversos fluxos (materiais e imateriais) que o transformam e lhe imprimem descontinuidades. Cumpre assinalar que o traçado não implica em limites rígidos, em limites de municípios e nem em limites de mesorregiões. A delimitação fluida das Unidades Territoriais se fez a partir da justaposição dos mapas temáticos elencados, com base em referências espaciais estratégicas, sejam as derivadas da ação humana, sejam os elementos naturais.
Ressalte-se que a análise das principais ações governamentais para a Amazônia - Plano Amazônia Sustentável, Programa de Aceleração do Crescimento, Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana, Políticas de Regularização Fundiária, Plano Nacional sobre Mudança do Clima - foi também importante para balizar a dinâmica contemporânea.
Como resultado, inicialmente distinguiram-se na Amazônia Legal os (1) território-rede, correspondentes às áreas de povoamento consolidado, caracterizado por dominância de redes e os (2) território-zona, com predominância de ecossistemas ainda preservados. O território-rede é espacialmente descontínuo, com extrema mobilidade, com fluxos e/ou conexões suscetíveis de sobreposições. No território-zona os limites tendem a ser demarcados e os grupos encontram-se significativamente enraizados.
A realidade, contudo, mostrou-se mais complexa. Além destas categorias, dentre as Unidades Territoriais há também a categoria território-fronteira, que se constitui de franjas de penetração com diferentes estágios de ocupação da terra, na direção dos ecossistemas circundantes e nos limites dos territórios-rede. Os territórios-fronteira apresentam diferentes estágios de apropriação da terra, de povoamento e de organização. Avançam por redes fluviais e/ou próximas às estradas e por não estarem plenamente integradas constituem-se em espaços onde é possível gerar inovações.
Como resultado foram identificadas no MacroZEE da Amazônia Legal, dez Unidades Territoriais, sendo seis territórios-rede, dois territórios-fronteira e dois territórios-zona (Anexo II):
Territórios-rede
□ Fortalecimento do corredor de integração Amazônia-Caribe
□ Fortalecimento das capitais costeiras, regulação da mineração e apoio à diversificação de outras cadeias produtivas
□ Fortalecimento do policentrismo no entroncamento Pará-Tocantins-Maranhão
□ Readequação dos sistemas produtivos do Araguaia-Tocantins
□ Regulação e inovação para implementar o complexo agroindustrial
□ Ordenamento e consolidação do polo logístico de integração com o Pacífico
Territórios-fronteira
□ Diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária
□ Contenção das frentes de expansão com área protegidas e usos alternativos
Territórios-zona
□ Defesa do coração florestal com base em atividades produtivas
□ Defesa do Pantanal com a valorização da cultura local, das atividades tradicionais e do turismo
1.5.A construção da proposta do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal
A construção do marco conceitual e metodológico adotado na elaboração do MacroZEE da Amazônia se valeu da experiência acumulada nos processos de zoneamento desenvolvidos no País, notadamente das reflexões realizadas no âmbito da CCZEE, do Consórcio ZEE Brasil e do diálogo com estados, municípios e agentes da sociedade civil, a partir da realização de diversas Mesas de Diálogo, dos trabalhos realizados no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e da expertise científica da Profa. Dra. Bertha Becker.
□ Articulação Institucional
O arranjo institucional para a construção da proposta do MacroZEE da Amazônia Legal considerou os diferentes atores que atuam na região. Estes contribuíram para a elaboração da presente proposta, tanto no fornecimento de dados, estudos e diagnósticos, quanto na participação efetiva em mesas de diálogo, oficinas e outros encontros destinados à sua elaboração, apresentando demandas e expectativas e discutindo as Unidades Territoriais e estratégias propostas para o território.
Para além das instituições já envolvidas nos processos de Zoneamento Ecológico-Econômico - conforme definido no Decreto de 28 de dezembro de 2001 - a CCZEE e o Consórcio ZEE Brasil –, este processo foi responsável por uma nova institucionalidade, fundamental para ampliar a arena de colaboração e o comprometimento dos estados federados. Assim, foi instituído pela Portaria no 414, de 20 de novembro de 2009, do Ministério do Meio Ambiente, Grupo de Trabalho para participar da elaboração do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, composto pelas instituições do Consórcio ZEE Brasil e por representantes de cada um dos nove estados da região. A Portaria formalizou a constituição do grupo que, no entanto, já vinha trabalhando desde 2004, tendo sido sua constituição formal uma deliberação da CCZEE.
O processo contou ainda com a participação de inúmeras instituições da sociedade civil, do setor produtivo, da academia e de organizações não governamentais, que atendendo ao chamado das mesas de diálogo muito contribuíram para o adensamento da presente proposta do MacroZEE da Amazônia Legal (Figura 1).
□ Etapas do processo de construção
O processo de construção da proposta do MacroZEE da Amazônia Legal contou com cinco grandes etapas: (1) marco teórico-conceitual; (2) levantamento e integração de dados; (3) consultas setoriais; (4) refinamento das Unidades Territoriais e suas respectivas estratégias; e (5) consulta pública.
Inicialmente foi identificada como essencial a elaboração de um marco teórico-conceitual que orientasse a construção da proposta e a definição das Unidades Territoriais e das estratégias. O desafio foi enfrentado com a colaboração da Profa. Dra. Bertha Becker, geógrafa e renomada pesquisadora, com mais de 30 anos de estudos teóricos e empíricos sobre a Amazônia e diversos livros publicados. A proposta teórico-conceitual e metodológica apresentada foi debatida e aprovada pela CCZEE em agosto de 2009, tendo sido adotada como documento de referência para o prosseguimento dos trabalhos.
O principal objetivo da fase de levantamento e integração de dados foi coletar e reunir informações sobre a Amazônia Legal dos órgãos que compõem a CCZEE e o Consórcio ZEE Brasil; assim, foram feitos contatos multi e bilaterais, com o objetivo de recolher dados e informações que pudessem subsidiar o processo de desenho das Unidades Territoriais, conforme estabelecido no marco teórico-conceitual e metodológico. Dentre as instituições do Consórcio ZEE Brasil, destaca-se nesta fase a atuação do IBGE, que se responsabilizou pela reunião das informações e pela produção dos mapas temáticos, subsídios fundamentais na elaboração da proposta das Unidades Territoriais. O produto final desta fase foi a versão zero do MacroZEE da Amazônia Legal, apresentado à CCZEE e ao GT para o MacroZEE da Amazônia Legal.
As mesas de diálogo constituíram-se nos fóruns de consulta setoriais, com a apresentação da versão zero do projeto para uma multiplicidade de segmentos, abrangendo a diversidade de atores cujos modos de vida e de produção influenciam e são influenciados pelas políticas públicas vigentes sobre a Amazônia Legal. Assim, durante o mês de outubro de 2009 foram realizados em Brasília oito encontros, contando com a participação de mais de 150 representantes, dos seguintes segmentos: organizações ambientalistas e Academia; representantes da indústria e da agricultura, liderados pela Confederação Nacional da Indústria e Confederação Nacional da Agricultura (CNA), respectivamente; movimentos sociais rurais; bancos públicos; representantes de municípios da Amazônia Legal; e povos e comunidades tradicionais.
A metodologia constou da apresentação da proposta, seguida de debates e da disponibilização do documento para que pudessem ser feitas contribuições posteriores. Dentre as diferentes demandas e conflitos detectados nos debates, podemos destacar:
□ destinação da terra (propriedade, posse, grilagem, destinação de terras públicas, etc);
□ uso alternativo do solo (conversão em áreas de culturas agrícolas e ou áreas de pastagens; Reserva Legal e Área de Proteção Permanente);
□ exploração extrativista dos ecossistemas naturais (extrativismo vegetal, extrativismo mineral, biotecnologias, etc);
□ serviços ambientais dos ecossistemas naturais (regulação, comercialização, direitos sobre os mesmos,etc);
□ uso da água (para fins energéticos, transporte, agricultura e pastagens e usos humanos, etc);
□ direitos sociais e ambientais sobre partes do território (Terras Indígenas, Terras Quilombolas, Unidades de Conservação, etc);
□ influência do mercado consumidor (exigências comerciais, socioambientais dos mercados consumidores, principalmente de países industrializados; impactos sobre as cadeias produtivas, etc);
□ papel do Estado (regulador, fiscalizador, investidor, etc).
Vencida a etapa das consultas setoriais e de posse dos subsídios preliminares obtidos, deu-se início à etapa de definição de estratégias, com o adensamento da proposta para elaboração da versão a ser submetida à consulta pública. A imersão no desenho da proposta se deu em três Oficinas, de dois a três dias de duração, com os representantes estaduais da Amazônia Legal, representantes do Consórcio ZEE Brasil e membros da CCZEE.
A metodologia partiu da análise da proposta de Unidades Territoriais do MacroZEE à luz do Mapa Integrado dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos dos Estados da Amazônia Legal, anteriormente elaborado. O exame indicou que, em linhas gerais, as Unidades Territoriais propostas se harmonizavam com as macrozonas apresentadas no Mapa Integrado, procedendo-se à alguns ajustes. Foi identificada a necessidade de criação de duas novas Unidades Territoriais, de modo a refletir especificidades locais, uma no Pantanal Mato-Grossense e outra no Estado de Roraima, que apresenta realidade diferenciada em relação ao coração florestal. Ao longo das Oficinas o grupo foi consolidando os conceitos sobre as diferentes escalas de trabalho e os mecanismos para compatibilização entre o MacroZEE e os zoneamentos estaduais. A etapa final foi dedicada à revisão da caracterização e das estratégias para cada Unidade Territorial, tendo sido fundamental as contribuições dos estados e das instituições do Consórcio e da CCZEE.
Em janeiro de 2010, tendo sido aprovado pela CCZEE, foi disponibilizado para consulta pública, o documento intitulado MacroZEE da Amazônia Legal - Estratégias de Transição para a Sustentabilidade - Proposta Preliminar para Consulta Pública. A consulta foi lançada por meio do Edital no 1, de 26 de janeiro de 2010, publicado no Diário Oficial da União em 1o de fevereiro de 2010, estabelecendo os procedimentos para acesso ao documento e envio de contribuições e com vigência até 6 de março de 2010. O documento, as orientações e o formulário para envio de contribuições foram disponibilizados no sítio do Ministério do Meio Ambiente na Internet, no endereço informado no edital.
Como estratégia de divulgação foram encaminhadas mensagens de correio eletrônico para extensa lista de destinatários, abrangendo vários setores e segmentos da sociedade, indústria, comércio, academia e governos federal, estaduais e municipais, autarquias, instituições de pesquisa, bancos, organizações não governamentais e veículos de comunicação, além de entrevistas concedidas a rádios, emissoras de televisão e jornais impressos de grande circulação.
Ao final do período da consulta pública, as contribuições recebidas foram analisadas, sistematizadas e submetidas à aprovação da CCZEE em sucessivas reuniões de trabalho. Em 23 de março de 2010 foi aprovado o documento final, selando o compromisso dos membros da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional com as estratégias de transição para a sustentabilidade assumidas para a Amazônia Legal Brasileira (Figura 2).
PARTE II - MACROZEE DA AMAZÔNIA LEGAL: DINÂMICAS TERRITORIAIS E ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
3.Estratégias GERAIS para a Amazônia legal
1.6.Regularização Fundiária
É uma estratégia fundamental para a organização da sociedade e da economia, constituindo uma importante mudança nas regras do jogo regional. É uma reivindicação de todos - dos pequenos produtores e trabalhadores, porque precisam do acesso à terra, e dos grandes produtores, porque precisam garantir seu patrimônio e as benesses econômicas e políticas que ele assegura.
Duas observações merecem ser feitas quanto à regularização fundiária. Primeiramente, em função da recente lei de regularização fundiária na Amazônia Legal (Lei no 11.952/2009), que permite a alienação dos imóveis após três anos de sua titulação, serão necessárias medidas complementares que evitem a criação de um grande mercado de terras na Amazônia, ampliando a concentração da terra e a conversão da floresta.
A segunda observação refere-se à obrigação ou não da titularidade da terra em toda a extensão da Amazônia Legal. O que se propõe aqui, para tão extenso e diferenciado território, é que se aplique, além da titularidade individual, outras modalidades de apropriação e uso da terra. É possível que no sistema capitalista coexistam formas diferenciadas de apropriação no sistema de gestão da terra, inclusive a organização social coletiva, o que requer pioneira inovação jurídica. Em relação a povos e comunidades tradicionais, por exemplo, o reconhecimento de tais especificidades está de acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, que prevê a definição de “modalidades de regularização fundiária adequadas às [suas] especificidades de uso, costumes e tradições”.
No caso do coração florestal, onde há terras não tituladas, baixa densidade demográfica e grande presença das populações extrativistas, a propriedade individual da terra poderia gerar conflitos até agora inexistentes. Assim, sugere-se para essa área um processo de concessão de terras a ser renovado em função dos resultados socioambientais obtidos, resguardando a titularidade em nome da União, impedindo o fracionamento da área em lotes e evitando a consequente especulação imobiliária e expulsão das comunidades. A própria Lei no 11.952 já permite esta modalidade de destinação da terra nos processos de regularização de ocupações incidentes em áreas indubitavelmente de domínio da União - como, por exemplo, as várzeas de rios federais, de jurisdição da Secretaria de Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Nos casos em que a titulação prevalecer, como nas áreas de ocupações consolidadas, que atendam aos requisitos legais, será privilegiada a alienação de terras públicas a partir de títulos de domínio com cláusulas resolutivas, sem prejuízo ao cumprimento do Código Florestal.
Além disso, no coração florestal, os projetos de assentamento diferenciados (Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS, Projeto de Assentamento Agroextrativista - PAE e Projeto de Assentamento Florestal - PAF) seriam permitidos somente para contemplar comunidades extrativistas preexistentes na região, evitando-se, ao máximo, a atração de pessoas de outras áreas. Nessa lógica, esses modelos de projetos de assentamento ambientalmente diferenciados zelariam por um uso e ocupação mais adequados à realidade amazônica, provendo instrumentos para resguardar a manutenção e reprodução social das comunidades com um patamar econômico que vá além da simples subsistência.
Ademais, nas Unidades Territoriais do coração florestal e das fronteiras, propõe-se o fortalecimento de formas associativas da agricultura familiar, baseadas nos princípios do cooperativismo e da gestão coletiva dos recursos naturais, capazes de alcançar escala mínima de produção, com localização próxima às estradas e aos mercados e em detrimento dos projetos de assentamento convencionais, que não deveriam ser mais criados nessas Unidades Territoriais. Com efeito, a realidade hoje indica a persistência de projetos de assentamento sem acessibilidade e sem assistência técnica, levando com que os assentados tornem-se instrumentos de outros agentes na apropriação de suas terras, intermediários no fornecimento irregular de madeira ou que, simplesmente, abandonem seus lotes.
Contudo, para assegurar o sucesso de tais formatos inovadores de organização social - que permitiriam romper com o maior obstáculo à mobilidade social na região, isto é, o monopólio de acesso ao mercado –, é necessário ampliar o debate acerca da repartição das respectivas responsabilidades interinstitucionais, de forma a integrar os setores competentes da administração direta e indireta dos governos federal, estaduais e municipais.
A importância da estratégia de regularização fundiária para o desenvolvimento sustentável também se reflete nas áreas urbanas de muitos municípios da Amazônia Legal, cujas sedes, e também distritos e vilas, desenvolveram-se em terras da União sob jurisdição do Incra, antes destinadas para a implantação de assentamentos rurais. A falta de titularidade da terra nas áreas urbanas, que concentra a maior parte da população em muitos municípios, além de tornar insegura a posse da moradia dos ocupantes dessas áreas, impede a aplicação de recursos públicos pelos governos locais na provisão de equipamentos e serviços públicos e dificulta a execução da política de desenvolvimento urbano em bases sustentáveis, abrindo espaço para a ocupação desordenada das cidades.
A transferência para os municípios de terras da União/Incra que hoje apresentam ocupações urbanas permitirá a legalização das moradias dos ocupantes dessas áreas e, também, de atividades econômicas que não possuem registro devido à falta de regularidade patrimonial dos imóveis, o que permitirá uma atuação mais efetiva dos governos locais no desenvolvimento urbano. Tal condição se torna de suma importância para cidades que apresentam uma aceleração do seu crescimento a partir da atração de grandes contingentes populacionais em função de grandes projetos públicos e privados de desenvolvimento. Além de terem melhores condições de atender às crescentes demandas por habitação e serviços urbanos que surgem desse crescimento, os municípios também poderão atuar de modo mais efetivo na atração de investimentos para a implantação de atividades econômicas urbanas e na geração de empregos permanentes em seus municípios.
Síntese da Estratégia Geral
• Promover a regularização fundiária urbana e rural, adotando, em complemento à Lei no 11.952/2009, medidas que evitem a criação de um grande mercado de terras, a concentração da propriedade e a conversão da floresta. |
1.7.Criação e fortalecimento das Unidades de Conservação
Cerca de 20% do território da Amazônia Legal é constituído por Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais - que se dividem, quanto ao uso permitido, em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável –, cuja finalidade principal é a conservação da biodiversidade e o aproveitamento sustentável dos recursos naturais e genéticos para as gerações futuras.
Conforme Resoluções do IV Congresso Internacional de Áreas Protegidas, realizado em 1992, foi estabelecido que, no mínimo, 10% de cada bioma devem ser integralmente protegido para que haja a preservação das nascentes de água, a reprodução de plantas e animais e a estabilidade do clima.
A criação e o fortalecimento de Unidades de Conservação é, sem dúvida, uma estratégia bem sucedida para barrar localmente a expansão do desmatamento. Nas áreas consolidadas, é importante para conter os limites atuais do desmatamento e da incidência de focos de calor e para a defesa de importantes remanescentes naturais. Para as áreas de fronteira, onde a pressão por novas áreas para a ampliação das atividades agropecuárias e madeireiras e o abandono de áreas degradadas são fatores preocupantes, é uma das principais, se não a principal, estratégia.
Com efeito, as UCs destacam-se nas áreas onde o desmatamento avançou: as florestas remanescentes correspondem às áreas que foram protegidas. No Estado do Pará esta estratégia foi notável, pois a expansão da atividade pecuária no oeste do Estado foi relativamente contida graças à implantação de várias Unidades de Conservação. Ademais, ainda que a criação de Unidades de Conservação vise, primordialmente, contribuir para a manutenção da diversidade ecológica e dos recursos genéticos, proteger e recuperar recursos hídricos e proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental, sua utilização como mecanismo de desoneração, conforme versa o Código Florestal, pode contribuir na regularização fundiária das UCs e, consequentemente, na regularização dos passivos ambientais no que se refere aos percentuais de reserva legal das propriedades rurais (artigo 44, § 6o, da Lei no 4.771, de 1965).
Contudo, a estratégia de implantação de UCs apresenta problemas, como os conflitos associados à sua regularização fundiária, a insuficiência de recursos humanos para gestão e fiscalização dessas áreas e a dificuldade de se estabelecer a categoria de UC que mais bem concilie a contenção do desmatamento à necessidade de aproveitamento dos seus recursos naturais, dado o parco conhecimento desses recursos. Entretanto, as Unidades de Conservação, independentemente de sua categoria (uso sustentável ou proteção integral), cada qual com seus objetivos específicos, são um dos poucos espaços político-institucionais que existem em função da manutenção do conhecimento tradicional local (uso sustentável) e o conhecimento técnico-científico dos ecossistemas locais (proteção-integral). Apesar dos problemas que atualmente enfrentam, são um potencial caminho para a construção de formas de exploração indireta desses recursos, bem como de formas alternativas de uso direto baseadas no conhecimento tradicional.
É também forte a pressão resultante da expansão das atividades econômicas no entorno dessas áreas, que em muitos casos tem se traduzido na ocorrência de crimes ambientais no interior das Unidades de Conservação. Estima-se que, entre 2000 e 2008, cerca de 2,25 milhões de hectares tenham sido desmatados em UCs e Terras Indígenas na Amazônia, com a exploração ilegal da madeira em várias delas. Além de comprometer a integridade dos ambientes naturais contidos nesses espaços, essa situação leva ao aumento das pressões pela redução das áreas protegidas, como vem ocorrendo em Mato Grosso, Rondônia e Pará.
Assim, faz-se urgente (1) o fortalecimento da gestão das Unidades de Conservação, dotando-as de equipamentos e corpo técnico em número suficiente, (2) a promoção de sua gestão participativa por meio da instituição dos conselhos consultivos ou deliberativos e do envolvimento das comunidades do entorno das UCs nas estratégias de gestão dessas unidades, inclusive com a disseminação de atividades educativas, (3) o aumento da colaboração com países vizinhos da bacia amazônica na implementação de mosaicos de áreas protegidas e corredores ecológicos em áreas fronteiriças e, sobretudo, (4) a elaboração e implementação de seus planos de manejo, que devem englobar as zonas de amortecimento e os corredores ecológicos.
Nas UCs de uso sustentável, ressalta-se que é desejável promover uma economia extrativista dos recursos naturais. Ainda, nessas UCs, os planos de manejo devem viabilizar tais atividades extrativistas, desde que não comprometam “a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”, conforme versa o artigo 225 da Constituição Federal de 1988. Com isso se possibilita a ampliação da geração de renda e a própria viabilidade econômica da Unidade, o que pode ser reforçado com a adoção de tecnologias próprias para melhoria da produção agrícola e pecuária, compatíveis com o uso das Resex. E tanto as unidades de proteção integral quanto as de uso sustentável são passíveis de usufruir da prestação de serviços ambientais, que não se limita apenas ao carbono.
Para a implementação dessa estratégia, é fundamental também ampliar a cooperação e parceria entre a União, estados e municípios na criação e gestão das Unidades de Conservação, privilegiando-se as áreas propostas pelos ZEEs estaduais e em outros instrumentos de planejamento ambiental e territorial, dentre os quais a política de áreas prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade Brasileira, que identificou, para todos os biomas brasileiros, áreas de importância fundamental para a conservação da biodiversidade e de outros recursos naturais, como os recursos hídricos.
Importante destacar, nesse sentido, a instituição de Portaria Interministerial em dezembro de 2009, firmada entre a Secretaria de Patrimônio da União e o Ministério do Meio Ambiente, possibilitando a entrega de terras da União ao Ministério do Meio Ambiente para viabilizar a regularização fundiária de Unidades de Conservação de proteção integral e de uso sustentável, tendo como meta a regularização de cinco Unidades de Conservação em 2010.
Desta forma, a estratégia de criação, implementação e fortalecimento da gestão de UCs configura-se como uma janela de oportunidade para a geração de benefícios econômicos e sociais, além dos benefícios ecológicos que prestam.
Síntese da Estratégia Geral
• Criar novas Unidades de Conservação (UCs), mediante parceria entre a União, os estados e os municípios e privilegiando-se as áreas propostas pelos ZEEs estaduais e outros instrumentos de planejamento ambiental e territorial. • Fortalecer a gestão das UCs, dotando-as de equipamentos e corpo técnico em número suficiente, promovendo sua gestão participativa através da instituição dos conselhos consultivos ou deliberativos e do envolvimento das comunidades do entorno das UCs nas estratégias de gestão dessas unidades, inclusive com a disseminação de atividades educativas, aumentando a colaboração com países vizinhos da bacia amazônica na implementação de mosaicos de áreas protegidas e corredores ecológicos em áreas fronteiriças e, sobretudo, elaborando e implementando seus planos de manejo, que devem englobar as zonas de amortecimento e os corredores ecológicos. • Promover, nas UCs de uso sustentável, uma economia extrativista dos recursos naturais. |
1.8.Reconhecimento das territorialidades de comunidades tradicionais e povos indígenas e fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade
A instituição, em 2007, da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) pode ser considerada um marco na direção do reconhecimento, pelo Estado Brasileiro, da diversidade fundiária observada em torno destes povos e comunidades. A política avança no que Bromley chama de “outra reforma agrária” (apud LITTLE, 2002, p.2) - além da que já contava com o marco legal para reconhecimento de territórios indígenas, quilombolas e para a criação de reservas extrativistas –, reconhecendo que outros grupos, culturalmente diferenciados, apropriam-se de territórios e dos recursos naturais como condição para sua reprodução.
Tais grupos historicamente ocupam seus territórios e neles praticam modos de produção sustentáveis, fruto de observações transmitidas entre gerações, desenvolvendo conhecimentos e práticas que permitem uma relação equilibrada com os ecossistemas e que resultam em uma exploração de baixo impacto. Os conhecimentos tradicionais dizem respeito não só ao aproveitamento dos recursos e à obtenção de subprodutos, mas também ao comportamento das espécies, ao meio físico, às particularidades sazonais e às formas de coleta, aplicados em favor da natureza e orientando as práticas de manejo, resultando na conservação dos recursos hídricos e dos ecossistemas. Os conhecimentos tradicionais dizem respeito ainda à sua própria forma de transmissão, à identidade territorial e ao modo particular de organização de cada povo ou comunidade tradicional, em geral trabalhando em unidades familiares solidárias, onde se compartilham os recursos naturais, explorados de forma coletiva.
Em relação aos povos indígenas e aos remanescentes das comunidades de quilombos, trata-se de implementar os direitos territoriais já garantidos na Constituição de 1988 (art. 231 e art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, respectivamente), sendo estratégica a busca de solução para os conflitos de sobreposição entre Unidades de Conservação e territórios tradicionalmente ocupados por estes povos. Neste sentido merece ser fortalecida a iniciativa em curso entre o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes e a Advocacia-Geral da União-AGU, que tem atuado como mediadora na condução de processos de conciliação de conflitos advindos da sobreposição. Em relação a populações extrativistas, seu direito à territorialidade é reconhecido pelas Unidades de Conservação de uso sustentável, que valorizam a existência de sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais. O desafio, no entanto, está relacionado não só à regularização fundiária de muitas destas UCs, mas principalmente à viabilização de cadeias produtivas sustentáveis, de onde possa advir o justo retorno econômico pelas atividades desenvolvidas. Em relação a outros povos e comunidades tradicionais é necessário avançar na luta pelo reconhecimento legal de suas territorialidades, devendo-se buscar a expansão de iniciativas como as do Estado do Pará, em conjunto com a SPU, que por meio do projeto Nossa Várzea regularizou ocupações tradicionais de ribeirinhos em áreas de várzea, principalmente no Marajó.
A produção extrativista, praticada por povos e comunidades tradicionais, até agora tem se situado na esfera da subsistência, ficando os pequenos produtores apenas com os primeiros elos da cadeia, comercializando em geral apenas a matéria-prima bruta, com pouca ou nenhuma agregação de valor. Há, por conseguinte, uma tendência de migração destas populações para as áreas urbanas. Seus modos de sustento tradicionais estão sendo, em alguns casos, abandonados - ou praticados durante poucos meses por ano - em favor de sua inserção na economia urbana e como garantia de acesso à educação, transporte e melhores condições de trabalho. Atualmente, por exemplo, metade da população indígena do alto rio Negro reside em aglomerados urbanos. Da mesma forma, há uma tendência de esvaziamento de certas reservas extrativistas, como a Resex do Alto Rio Juruá, em favor de uma vida urbana em pequenos centros locais, como Cruzeiro do Sul.
Como resposta, o Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade (PNPSB), um dos instrumentos da PNPCT, pode, no escopo das estratégias do MacroZEE da Amazônia Legal, ser o caminho para a organização da produção extrativista, com agregação de valor e desenvolvimento de novos mercados. O Plano pode ainda ser articulado com a Política de Apoio ao Desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais (APL), sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que busca articular múltiplos agentes (governos, empresários, sindicatos, associações, entidades de educação, de crédito, de tecnologia, agências de desenvolvimento, dentre outros), de diferentes níveis de atuação (local, regional, nacional), em uma rede comprometida com o desenvolvimento dos APLs.
Estratégica é, também, a articulação com os estados para a elaboração de uma política fiscal e tributária diferenciada para os produtos da sociobiodiversidade. Da mesma forma, as normas de acesso e repartição de benefícios, operadas com base na Medida Provisória no 2.186-16, de 2001, carecem de marco legal mais claro, efetivo e que de fato promovam a repartição de benefícios.
Um dos elementos essenciais para fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade é o acesso ao crédito e a políticas de fomento à produção sustentável, o que vem sendo implementado de forma crescente pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). No entanto, os povos e comunidades tradicionais e os agricultores familiares, em função de suas especificidades e de sua dispersão pelo território nacional, enfrentam ainda dificuldades para acesso aos documentos necessários, sendo estratégica a construção de soluções inovadoras, partilhadas entre os agentes envolvidos, a exemplo da Relação de Extrativistas Beneficiários instituída pelo MDA[14], que autoriza que os extrativistas relacionados acessem políticas públicas dirigidas aos agricultores familiares, com exceção do crédito, e que deve ser emitida pelos órgãos gestores de Unidades de Conservação.
Deve ainda ser estimulada a construção de outros mecanismos para ampliar as oportunidades de mercado para os produtos da sociobiodiversidade, nos moldes de iniciativas já em curso, como a comercialização via Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, a inclusão de dez espécies vegetais trabalhadas pelo extrativismo na Política de Garantia de Preços Mínimos e o acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Trata-se, portanto, de uma estratégia comum à toda a Amazônia Legal, que para ser implementada requer esforços de articulação entre políticas e planos já instituídos, com instrumentos de efetivação e modelos de gestão construídos. Acresce-se que o fato do processo de construção de tais políticas ter contado com o comprometimento de diversos segmentos de povos e comunidades tradicionais constituiu-as como instrumentos legítimos de pactuação com os produtores extrativistas a serem diretamente beneficiados, não apenas com o reconhecimento de suas territorialidades, mas principalmente com a mudança de patamar econômico das atividades das quais tradicionalmente se ocupam.
Síntese da Estratégia Geral
• Reconhecer as territorialidades de comunidades tradicionais e povos indígenas, incentivando, ao mesmo tempo, a solução dos conflitos de sobreposição entre UCs e territórios ocupados por comunidades tradicionais e povos indígenas. • Fortalecer as cadeias de produtos da sociobiodiversidade, mediante uma política fiscal e tributária diferenciada para tais produtos, a formulação de um marco legal mais claro, efetivo e que de fato promova a repartição de benefícios e a construção de mecanismos para ampliar as oportunidades de mercado para os produtos da sociobiodiversidade. |
1.9.Fortalecimento de uma política de Estado para a pesca e a aquicultura sustentáveis
A Amazônia reúne condições excepcionais para o desenvolvimento sustentável da aquicultura e da pesca. Com cerca de 56% da área de drenagem do País, congregando o maior conjunto de estuários do globo e a maior faixa contínua de manguezais sob clima equatorial, a região detém uma megabiodiversidade de plantas e animais, especialmente de peixes, podendo reunir mais de 30% das espécies nacionais. Como não poderia ser diferente, esse vasto estoque pesqueiro contribui para a segurança nutricional na região, representada por um dos maiores consumos de pescado do mundo, chegando a quase 800 gramas por dia, para cada habitante, em algumas localidades.
Até agora, no entanto, apesar do enorme lastro social que a pesca sustenta, a atividade possui apenas uma relativa importância econômica e a aquicultura é bastante incipiente. A cadeia produtiva regional está concentrada em Belém, Manaus, Santarém e Tabatinga, que concentram a parte mais significativa da frota pesqueira, além da infraestrutura de beneficiamento, armazenamento e mercado consumidor.
No âmbito comercial, a pesca amazônica produz em torno de 280 mil toneladas por ano, com potencial de crescimento sustentável, no entanto, para mais de 900 mil toneladas anuais. A aquicultura também apresenta um potencial de expansão considerável e ainda pouco explorado, das atuais 45 mil toneladas por ano para o impressionante montante de 5,7 milhões de toneladas. Esse total deve ainda ser conjugado com o desenvolvimento das cadeias produtivas de peixes ornamentais e da pesca amadora, que hoje envolvem, respectivamente, mais de 5,5 milhões de dólares em exportação e mais de 10 mil turistas por ano. Assim, de caráter estratégico para a economia, sobretudo em função da pulverizada repartição de benefícios que promove, o conjunto das atividades relacionadas à pesca e à aquicultura tem gerado, atualmente, mais de 920 mil empregos diretos e mais de R$ 1,5 bilhão de reais a cada ano.
Fatos tais como a tendência à sobre-exploração de um número reduzido de espécies, o deslocamento de muitos trabalhadores rurais para a pesca profissional, o aumento demográfico desmedido e a ausência do poder público atuando como gerenciador nos problemas relacionados à pesca levaram ao surgimento de graves conflitos na região. Deve-se mencionar, ainda, a fragilidade da indústria de beneficiamento, que resulta em baixo valor adicionado à produção na região, e a existência de pontos de estrangulamento na infraestrutura, em especial no que se refere à capacidade de armazenamento do pescado no período de entressafra, dificultando a dinamização da atividade e demandando, por conseguinte, o emprego de sistemas adequados de beneficiamento e armazenamento do pescado, que propiciem também o aproveitamento de subprodutos e a redução dos desperdícios.
Como agravante, as normas de ordenamento existentes são geralmente desrespeitadas. Assim, o manejo dos recursos pesqueiros na região, apenas por meio de normas legais, é um assunto complexo e polêmico, agravado pela carência de recursos humanos para a fiscalização e o reduzido treinamento dos fiscais sobre os conceitos técnicos que fundamentam as normas ou sobre técnicas de educação ambiental. Considerando estes fatos, parece evidente que qualquer medida de ordenamento deve contar com um amplo apoio dos usuários dos recursos, que deveriam ser os principais interessados em preservá-los. Por isso, o controle da pesca, junto com um trabalho de conscientização sobre ecologia pesqueira, devem ser os principais instrumentos de ação, aliados à gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, onde as regras e medidas de manejo são negociadas e pactuadas entre o Governo e as comunidades. Para tal, metodologias de educação ambiental e o uso de material de comunicação de fácil assimilação pela população local, como músicas, folhetos e histórias em quadrinhos, podem gerar resultados positivos.
Dessa forma, inserida estrategicamente no contexto, a atividade pode inclusive colaborar na diminuição de frentes de desmatamento e promover a qualidade de vida de diversas áreas na região, sem agravar os impactos sobre a biodiversidade local. Para tanto, a disseminação de tecnologias de cultivo adequadas, o uso de espécies nativas e de práticas que não impliquem na supressão de vegetação para as instalações de cultivo, o fornecimento de insumos, a capacitação de mão de obra especializada, a melhoria da infraestrutura e o fortalecimento dos serviços de assistência técnica aos criadores precisam ser priorizados. De acordo com dados do Ministério da Pesca e da Aquicultura, a produção de tambaqui em tanques escavados ou em tanques-rede pode ser até 355 vezes superior à pecuária bovina, considerando o valor da produção de cada atividade, por hectare, em um ano. Isso corrobora a necessidade de ampliação e fortalecimento de linhas de pesquisa para peixes nativos de importância econômica para a aquicultura, evitando-se o cultivo de espécies exóticas que poderiam causar enormes prejuízos à biodiversidade aquática amazônica.
Outras estratégias para o setor, em consonância com o PAS e o Plano Amazônia Sustentável de Aquicultura e Pesca, lançado no último mês de novembro, são o fortalecimento e disseminação de mecanismos bem-sucedidos de resolução de conflitos entre a pesca artesanal, a pesca industrial e a pesca amadora, como, por exemplo, os Acordos de Pesca; a promoção de pesquisas sobre o estoque pesqueiro da região e dos instrumentos para seu monitoramento; a priorização do cultivo de espécies nativas; o aprimoramento dos programas de financiamento ao setor pesqueiro; a estruturação de redes de comercialização mais justas, que eliminem práticas de exploração de ribeirinhos e outras populações locais, fortalecendo cooperativas e associações; e a ampliação da participação dos produtos pesqueiros no Programa de Aquisição de Alimentos e em outros programas similares.
Em suma, são estratégias que, se implementadas com a participação da comunidade, respeitando-se as diversidades regionais, certamente contribuirão para o desenvolvimento responsável das cadeias produtivas da aquicultura e da pesca, de modo a promover de forma integrada o bem-estar social e a sustentabilidade ambiental e econômica da Amazônia.
Síntese da Estratégia Geral
• Fortalecer uma política de Estado para a pesca e a aquicultura, incentivando, dentre outras medidas, a disseminação de tecnologias de cultivo adequadas, o uso de espécies nativas e de práticas que não impliquem na supressão de vegetação para as instalações de cultivo, o fornecimento de insumos, a capacitação de mão-de-obra especializada, a melhoria da infraestrutura e o fortalecimento dos serviços de assistência técnica aos criadores. |
1.10.Planejamento integrado das redes logísticas
Igualmente fundamental para a organização da sociedade e da economia é a infraestrutura de transportes e energia, ou melhor, as redes logísticas. Assim como as demais estratégias, a logística deve variar, mas neste caso a diferenciação se dá entre as Unidades consolidadas (territórios-rede), de um lado, e as áreas marcadas por elevados remanescentes florestais - territórios-fronteira e territórios-zona –, do outro.
Nas áreas consolidadas as questões logísticas a solucionar são: (1) a implementação da “logística do pequeno”, ou seja, estender a capilaridade dos transportes e da energia dos grandes eixos e linhões para o interior da região, via de regra excluído do acesso a essas redes, a exemplo do programa de estradas vicinais do Ministério dos Transportes, o Previa; (2) o esforço de criação e difusão das redes de informação e comunicação, sem as quais é difícil a inserção nas práticas do século XXI, a exemplo do processo já iniciado pelo Programa Navega Pará.
Nas fronteiras e no coração florestal a questão logística exige uma situação de forte governança, pois a opção rodoviária pode induzir à forte imigração e, consequentemente, na falta da referida governança e na retirada da cobertura vegetal original. Tendo por princípio a vocação hídrica da região e a utilização ancestral dos rios pelos amazônidas como principal, e às vezes única via de transportes - haja vista o adensamento histórico das cidades ao longo de seus rios –, a natureza indica que a navegação fluvial, apoiada pela aeroviária, configura-se como opção adequada, cabendo, todavia, a análise caso a caso quando da definição do modal de transporte a ser implementado. Quanto aos custos de transporte, à energia despendida e ao consumo de combustível, o transporte hidroviário é mais econômico do que o rodoviário e ferroviário.
Contudo, nenhuma modalidade de transporte deve ser desconsiderada a priori, pois sempre caberá uma análise, caso a caso, dos benefícios e custos totais das diferentes modalidades de transporte quando da implementação de um empreendimento. Assim, os aspectos ambientais têm que ser considerados em conjunto com os aspectos sociais e econômicos na decisão de implantar determinada infraestrutura de transportes. O modal rodoviário, por exemplo, é o de maior potencial de impactos negativos sobre a cobertura vegetal, mas em alguns casos deve ser utilizado por se tratar de um caminho que se escolhe, ao contrário do curso hidroviário, e ser o mais versátil, permitindo o trânsito veloz de todo tipo de veículo terrestre a qualquer horário e por iniciativa do próprio usuário. As vantagens do modal hidroviário não devem, também, desconsiderar os possíveis impactos ambientais desta opção.
A modernização das embarcações envolvendo segurança e velocidade é urgente para a circulação na Amazônia, associada ao planejamento das hidrovias, o que, por sua vez, remete à construção de eclusas nos projetos hidrelétricos, atendendo aos usos múltiplos e integrados da água, conforme previsto na Lei no 9.433/97.
E, tendo em vista a articulação do PAC com a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e as rodovias já estabelecidas, duas estratégias são essenciais para minimizar os impactos negativos destas obras: (1) articulação das diferentes modalidades de circulação (hidro, rodo, ferro e aeroviária), segundo as potencialidades naturais, tal como proposto na PNOT e levando-se em conta sua compatibilização com os vetores logísticos referidos no PNLT, e (2) a obrigatoriedade do planejamento integrado para todas as grandes obras de infraestrutura regional, conforme propõe o PAS.
O planejamento integrado envolve:
□ o fortalecimento de uma agenda sul-americana que deverá antecipar um novo padrão de desenvolvimento diante dos eixos de integração constituídos pela IIRSA, dos projetos de gestão da água do BID/OEA e Usaid, já em curso na Bacia Amazônica, e dos novos projetos que estão sendo concebidos;
□ a conexão da produção com o transporte e processamento: a melhoria da infraestrutura de transportes ampliará sobremaneira a área de influência do projeto, envolvendo porções do Mato Grosso, Acre, Bolívia e Peru, e esta ampliação e melhoria, por sua vez, implicará em riscos ambientais que exigirão maiores cuidados. Neste contexto, o MacroZEE torna-se um instrumento chave no processo de construção da região, inclusive sugerindo oportunidades de negócios sustentáveis com cadeias produtivas completas que agreguem valor e internalizem os benefícios sociais e econômicos na região. Igualmente, deverão ser incentivados os usos múltiplos da água - além da energia e da navegação - com a organização comercial e industrial da pesca para o abastecimento urbano; nas áreas já alteradas, o cultivo de espécies bioenergéticas, acompanhada da produção de alimentos para consumo regional e industrializada para exportação configura-se em prática promissora;
□ a implantação de vilas agroindustriais congregando produtores familiares de modo a criar a densidade organizacional e escala de produção necessárias à sua sobrevivência, em sistemas que combinem bioenergia e alimentos, condição básica para viabilização do projeto;
□ nas florestas públicas existentes nos domínios das diferentes Unidades Territoriais, há a possibilidade de implementar o manejo florestal sustentável para a exploração madeireira, não madeireira e de serviços em conformidade com as estratégias previstas na Lei no 11.284, de 2 de março de 2006, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável no âmbito dos órgãos federais, estaduais e municipais competentes;
□ a consideração, em florestas não protegidas e mesmo nas UCs de uso sustentável, das possibilidades de organização de cadeias de uso da sociobiodiversidade, com destaque para os fitos para produção de cosméticos, fármacos e nutracêuticos, bem como o desenvolvimento da fruticultura;
□ a instalação de equipamentos e serviços - educação, habitação, saneamento, comércio e indústria - nos núcleos urbanos, lugares onde está mais consolidada a vida regional e para onde convergirão as novas redes. Cursos de capacitação e laboratórios de pesquisa serão fundamentais para a sustentabilidade da população e da produção.
A definição de competências é crucial para projetos integrados. O destaque atribuído à empresa e à sociedade civil não significa, de modo algum, reduzir a importância dos demais agentes sociais. Os governos federal, estaduais e municipais, as universidades, o Sebrae e a cooperação internacional ajustada à agenda dos interesses regionais têm, todos, importante papel a cumprir.
Em outras palavras, o que se propõe é a concretização efetiva da Parceria Público-Privada: a empresa assumindo o papel efetivo de parceira do Estado, incluindo em suas ações investimentos produtivos e com finalidade social e, sobretudo, mobilizando outros parceiros do setor privado para a estratégia prevista. O Estado assumindo efetivamente a sua função reguladora baseada no zelo pelos interesses gerais da Nação. Nesse sentido, as empresas devem cumprir as condições estabelecidas para fazer jus ao financiamento público, notadamente do BNDES. Por sua vez, elas poderão cobrar do Estado a regularização fundiária antes de iniciarem as obras.
Síntese da Estratégia Geral
· Realizar o planejamento integrado das redes logísticas, englobando o fortalecimento de uma agenda de integração sul-americana, a conexão da produção com o transporte e o processamento, a implantação de vilas agroindustriais (de modo a criar densidade organizacional e escala à produção dos agricultores familiares), a implementação, nas florestas públicas, do manejo florestal sustentável para a exploração madeireira, não madeireira e de serviços, a organização de cadeias de uso da sociobiodiversidade e a instalação de equipamentos e serviços (educação, habitação, saneamento, comércio e indústria) nos núcleos urbanos. · Articular as diferentes modalidades de circulação (hidro, rodo, ferro e aeroviária), segundo as potencialidades e fragilidades naturais. · Implementar a “logística do pequeno”, estendendo a capilaridade dos transportes e da energia dos grandes eixos e linhões para o interior da região, e ampliar a criação e difusão das redes de informação e comunicação. |
1.11. Organização de polos industriais
Cerca de 90% da produção industrial da Amazônia Legal está concentrada nos estados do Amazonas (que graças à indústria eletroeletrônica do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus, onde mais de 100 mil pessoas estão empregadas no setor secundário, responde por cerca de 50% da produção industrial regional), do Pará e do Mato Grosso. Como um todo, a região é responsável por pouco mais de 6% do valor bruto da Produção Industrial Brasileira. Além disso, cerca de três quartos da atividade industrial estão concentradas em quatro grandes centros urbanos - Manaus, Belém, São Luís e Cuiabá - seguidas por cidades de médio porte, como Porto Velho, Macapá, Santarém, Marabá, Paragominas, Imperatriz, Rondonópolis e Sinop.
De modo geral, a região apresenta um processo de desenvolvimento industrial parcial e insipiente. Os elos entre as grandes corporações, e entre estas e a economia regional, são muito tênues, produto da importação de tecnologias e da especialização da produção nos setores mineral, agropecuário e florestal como forma de inserção em mercados mais amplos, todavia sem internalizar os segmentos mais intensivos em conhecimento e tecnologias avançadas. O resultado é o baixo valor agregado aos produtos, o baixo nível de internalização das cadeias produtivas e o caráter de enclave percebido em diversos empreendimentos, sem transbordamentos ou contrapartidas fiscais significativas. A maior agregação de valor, por meio do processamento industrial na própria região, está apenas em estágio inicial em setores como couros, calçados, carnes, alimentos e bebidas, além das indústrias de móveis e fibras vegetais.
Trata-se não só da agregação de valor reclamada por todos, mas também da construção de cadeias produtivas completas, inclusive com a implantação de complexos agrícolas, visando alcançar resultados semelhantes aos obtidos com o Polo Industrial de Manaus. As cadeias englobariam todos os produtos regionais, tanto os já explorados, como dendê, cacau, guaraná e madeira, quanto os novos, de modo a romper com o monopólio de acesso ao mercado; e se trata, ainda, de regular a produção de acordo com as características regionais, de modo a gerar benefícios para todos e compatibilizá-la com a natureza.
Tal estratégia é particularmente importante para as grandes produções regionais localizadas nas áreas de povoamento consolidado, de exploração mineral e da agropecuária capitalizada, visando criar, respectivamente, um polo minerometalúrgico na costa amazônica e um complexo agroindustrial baseado nos grãos.
Ambas as produções são apoiadas em logística moderna e abrangente e o processamento da produção na região deve ser considerado como fator preponderante para gerar riqueza e emprego.
Outra condição essencial para que essa estratégia se efetive refere-se à sua regulação quanto à compatibilização com a natureza. Nesse aspecto, iniciativas como a indústria eletroeletrônica amazônica, concentrada na Zona Franca de Manaus, de importância decisiva para a preservação dos recursos naturais do Estado do Amazonas, precisam ser consolidadas e disseminadas, priorizando-se sempre a industrialização da produção com agregação de valor econômico e de inovações tecnológicas na região. Além disso, para a concretização da estratégia de converter Manaus em um centro avançado de pesquisas e indústrias baseadas no aproveitamento da biodiversidade amazônica, faz-se necessário a revisão do marco regulatório sanitário e fiscal para as cadeias produtivas de fitoterápicos e a legislação relacionada ao acesso ao patrimônio genético Brasileiro.
No caso da transformação mineral de produção para ferro-gusa não há como manter práticas de produção do carvão vegetal com impacto negativo sobre a natureza e baseadas com o plantio de apenas uma espécie. Uma inovação a ser realizada, diz respeito ao fomento à criação de elos industriais sustentáveis, com o aproveitamento de outras espécies e do aproveitamento da madeira e de seus resíduos na cadeia madeireira e moveleira, para além do emprego de outras fontes não madeireiras. Outra questão delicada a ser devidamente equacionada diz respeito aos preços subsidiados de energia. Uma das soluções possíveis é a utilização desse instrumento para o fomento à verticalização da produção.
No setor agropecuário, a estratégia deverá ser a de não ultrapassar seus limites atuais. Para isto, esta atividade deverá se tornar intensiva no uso da terra, buscar maiores índices de produtividade e racionalizar o uso dos agrotóxicos e da água.
Mas a industrialização não é monopólio da grande empresa. É também particularmente importante a agroindustrialização e o extrativismo não madeireiro industrializado para produtores familiares de diferentes tipos. Com efeito, o fortalecimento de cadeias produtivas integradas ao consumo local e regional, contemplando o apoio a iniciativas de economia popular e solidária, reveste-se da maior importância. Essa proposição, para ser viável, associa-se àquela da regularização fundiária, referente à coexistência de formas coletivas de organização social sugeridas: gestão comunitária para industrialização do extrativismo não madeireiro e vilas agroindustriais para produtores agrícolas ou agroextrativistas familiares.
A agregação de valor deve, em suma, considerar o diferencial competitivo da incorporação de produtos amazônicos à produção industrial tradicional, especialmente valorizados nos mercados externos. Todavia, isso requer investimentos substanciais em ciência, tecnologia e inovação, que serão mais bem abordados a seguir.
Síntese da Estratégia Geral
· Organizar polos industriais com vistas à construção de cadeias produtivas completas e integradas ao consumo local e regional (como um polo mínero-metalúrgico e um complexo agroindustrial baseado nos grãos) e que contemple, também, o apoio a iniciativas de economia popular e solidária. |
1.12.Mineração e energia com verticalização das cadeias produtivas na região
Os jazimentos minerais se encontram inextricavelmente ligados aos locais específicos onde os processos geológicos os formaram ou acumularam, constituindo áreas de tamanho variável distribuídas por toda a Amazônia Legal.
Apesar do potencial mineral da Amazônia Legal ser pouco conhecido, esta região é a maior produtora Brasileira de ferro, bauxita, caulim, níquel, cobre e ouro. Além desses minérios, extraídos em jazidas de classe internacional, já foram cubadas as maiores minas de potássio da região.
Atualmente, os grandes projetos de mineração situam-se no Estado do Pará. Nos estados de Rondônia, Amapá e Amazonas, à exceção do petróleo e gás natural no Amazonas, preponderam explorações de cassiterita, columbita/tantalita, entre outros metais, neste último caso pela Mineração Taboca, sob o Grupo Paranapanema. Garimpos de ouro, com características artesanais e cuja informalidade vem sendo trabalhada por intermédio de políticas públicas do Ministério de Minas e Energia (como o Programa de Formalização e Extensionismo Mineral), espalham-se por toda a região, tais como aqueles situados no rio Madeira (municípios de Humaitá e Manicoré, no Amazonas), no rio Tapajós (no Estado do Pará) e em Calçoene (Amapá), envolvendo milhares de trabalhadores.
No Estado do Pará, por exemplo, maior produtor mineral da região, há regiões como o Tapajós, com grandes indicativos de ser uma província mineral da mesma ordem de grandeza de Carajás, considerando sua formação geológica, e onde existem diversas áreas de prospecção mineral.
À medida que avança o conhecimento do subsolo da região, abre-se a oportunidade de novas explorações no coração florestal. Sabe-se que, além das ocorrências já citadas, em escala significativa, de minerais metálicos, também são encontrados minerais não metálicos, como é o caso do caulim, calcário e gipsita, entre Manaus e Presidente Figueiredo, e minérios de potássio, como, por exemplo, a silvinita no baixo curso do rio Madeira. Deste último bem mineral, essencial à agricultura, em conjunto com o fosfato e o nitrogênio, o País importa mais de 90% do que consome, o que indica a necessidade de se intensificar as pesquisas por jazimentos de minerais não metálicos. A oferta de calcário e fosfatos a preços mais competitivos é fundamental também para reduzir o custo da recuperação de áreas degradadas na Amazônia. Como exemplo, a tonelada de calcário custa, na região, cinco vezes mais do que em São Paulo ou no Paraná, constituindo-se fator limitante para as estratégias de recuperação.
Frente à demanda do mercado internacional, o potencial mineral da Amazônia Legal deverá atrair investimentos, resultando na abertura de novas fronteiras.
Na Amazônia Legal encontra-se também cerca de 70% do potencial hidráulico nacional, estimados em 120.000 MW. Atualmente, menos de 10% desse potencial está implantado e os aproveitamentos hidráulicos dessa região são necessários e estratégicos para o desenvolvimento nacional, sem prejuízo das questões socioambientais. Nesse sentido, as bacias hidrográficas amazônicas estão sendo inventariadas segundo critérios que incorporem as variáveis ambientais. Entretanto, os empreendimentos devem ser discutidos com a sociedade para sua implementação com mínimos impactos ambientais.
Em relação à exploração e produção de óleo e gás natural, existem campos concedidos em produção na bacia sedimentar do Solimões (Amazonas) e blocos exploratórios concedidos nas bacias do Solimões, Amazonas (Amazonas), Parecis (Mato Grosso) e Parnaíba (Maranhão), sendo que as principais reservas ocorrem nos municípios de Coari, Tefé, Carauari, Silves, Itapiranga e São Sebastião do Uatumã. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a reserva total da região amazônica é estimada em 90 bilhões de m³ de gás, o que corresponde a 15% de toda a reserva nacional, e de 164 milhões de barris de óleo, valores estes referentes apenas aos campos em desenvolvimento ou produção.
As atividades da indústria do petróleo constituem um poderoso vetor de desenvolvimento, em função do parque de produção de bens e serviços associado ao setor, e o exemplo de Urucu demonstra que o desenvolvimento tecnológico atual permite a coexistência das operações de exploração e produção de óleo e gás natural com grande parte dos demais usos do território.
Neste contexto, necessário será: (1) viabilizar atividades de interesse público, tais como a produção de energia, a mineração e a exploração e produção de óleo e gás natural por meio do incentivo ao desenvolvimento de tecnologias compatíveis com a proteção dos ecossistemas naturais e populações locais; (2) incentivar a industrialização in loco de parte da produção mineral; (3) incentivar os aproveitamentos energéticos de fontes não tradicionais, como energia solar (utilização de sistemas fotovoltaicos, para pequenas cargas em sistemas isolados), eólica, da biomassa (de florestas energéticas por meio de reflorestamento em áreas degradadas) e das marés, condicionando o uso do carvão vegetal a regramentos específicos, (4) fortalecer as relações sociais entre o setor produtivo e as comunidades locais; (5) desenvolver estudos para ampliação da matriz energética de uso doméstico e industrial, de acordo com os potenciais locais; (6) ampliar o polo mínero-metalúrgico, com políticas de incentivo à pesquisa mineral e de integração e verticalização das cadeias produtivas; e (7) estabelecer estratégias de minorar a dependência da economia local em relação à mineração.
Síntese da Estratégia Geral
· Atrelar a mineração e a geração de energia à verticalização das cadeias produtivas da região, viabilizando atividades de interesse público, tais como a produção de energia, a mineração e a exploração e produção de óleo e gás natural por meio do estímulo ao desenvolvimento de tecnologias compatíveis com a proteção dos ecossistemas naturais e populações locais, incentivando a industrialização in loco de parte da produção mineral, promovendo os aproveitamentos energéticos de fontes não tradicionais, como energia solar, eólica, da biomassa e das marés, condicionando o uso do carvão vegetal a regramentos específicos, fortalecendo as relações sociais entre o setor produtivo e as comunidades locais, desenvolvendo estudos para ampliação da matriz energética de uso doméstico e industrial, de acordo com os potenciais locais, ampliando o polo mínero-metalúrgico com políticas de incentivo à pesquisa mineral e de integração e verticalização das cadeias produtivas e estabelecendo estratégias para minorar a dependência da economia local em relação à mineração. |
1.13.Estruturação de uma rede de cidades como sede de processos tecnológicos e produtivos inovadores
Qual deve ser o papel das cidades em um contexto inovador cujo cerne deverá ser a utilização sustentável do capital natural na geração de cadeias produtivas e/ou na prestação de serviços ambientais a partir das funções ecossistêmicas da floresta?
Entende-se que as cidades, no âmbito da Amazônia Legal, deverão ser centros geradores de riqueza, trabalho e serviços para as populações regionais, de defesa do território e da soberania; no entorno do território-zona deverão constituir um cinturão de blindagem flexível contra a expansão do desmatamento, como também serem sedes de indução de mudanças nas áreas já povoadas.
Nesta perspectiva, considera-se que a estratégia inicial para que se alcance este perfil deve ser focada na (1) organização de cadeias produtivas, rompendo com o monopólio de acesso do mercado, e (2) na logística de circulação e de agregação de valor a partir de processos industriais, utilizando como insumos aqueles com maior potencial de geração de riqueza: os provenientes da biodiversidade florestal, os recursos aquáticos, minerais e cênicos.
A grande possibilidade de gerar riqueza e inclusão social sem destruir a natureza reporta à construção de cadeias e de articulação com múltiplos agentes, que vão desde as comunidades que vivem no âmago da floresta até os centros de biotecnologia avançados e a bioindústria (BECKER, 2004). Uma das cadeias que poderá ser construída é a de extração de dois tipos de óleos vegetais: os óleos fixos, que não evaporam facilmente e são mais utilizados na indústria farmacêutica e de cosméticos; e óleos essenciais, de fácil evaporação e geralmente com essência, amplamente utilizados na indústria de cosméticos, cujos mercados estão em franca expansão, mas é preciso que a atividade amazônica não se restrinja à obtenção da matéria-prima. É necessária uma articulação entre todas as esferas de governo para que sejam atraídos investimentos em capacidade de produção de produtos de consumo.
Outro segmento de grande importância refere-se aos produtos para a saúde humana, tendo em vista a saúde pública e a carência de milhões de brasileiros que deles necessitam. Neste segmento o Brasil deverá inovar, ousar, e estimular a produção de fitomedicamentos, de nutracêuticos e de dermocosméticos. A instalação da Fiocruz em Manaus e, recentemente, do Butantã em Santarém, o IEPA, em Macapá, indicam que iniciativas importantes estão caminhando para que isso aconteça.
Os critérios para seleção de cidades potencialmente aptas a comporem redes são: presença de significativas aglomerações produtivas, que permitam o estabelecimento de uma rede e garantam a produção em escala; presença e parcerias com entidades governamentais e/ou empresas representativas das dimensões científico–tecnológica e institucional; acessibilidade mínima; e localização estratégica para conter o desmatamento. Enfim, há de se dispor de políticas integradas que tornem o investimento produtivo em cidades da região mais atrativo do que a importação de suas matérias-primas para processamento em outras regiões do País ou no exterior.
A partir da identificação das aglomerações produtivas cabe selecionar as cidades que se constituirão em lugares centrais e de comando de redes associadas à produção. Além da relativa proximidade da produção, presença de apoio em CT&I e acessibilidade, devem ter quesitos que lhes propiciem deter a centralidade de gestão: significativa população e oferta de serviços públicos elementares e de particulares.
A gestão federal, avaliada pela presença de unidades da Receita Federal, Ministério do Trabalho, INSS, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Federal e a empresarial, avaliada pela presença de sedes de empresas com filiais em outros municípios e filiais de empresas com sedes em outros municípios, possibilitou desenhar uma rede de cidades, assim constituída: (1) Maués, comandando as cidades de Manaquiri, Barreirinha, Abonari, Urucará; (2) Manicoré polarizando a rede composta por Apuí, Novo Aripuanã, Nova Olinda do Norte, Humaitá; (3) Lábrea, polarizando as cidades de Camutamã e Humaitá; (4) Carauari, sediando um Laboratório da Floresta; (5) Tabatinga, comandando as cidades de Santa Rosa, Benjamim Constant, e articulando com Letícia/Islândia; (6) Cruzeiro do Sul, comandando a rede formada pelas cidades de Eirunepé, Ipixuna, Feijó, Tarauacá e Envira; (7) Itaituba, polarizando Óbidos, Alenquer e Belterra; (8) Laranjal do Jari liderando as cidades de São Francisco do Iratapuru, Vitória do Jarí e Soure; (9) Jacareacanga, sediando um Laboratório da Floresta; (10) Apiacás, Juruena, Juina, Guarantã do Norte.
A conexão entre as comunidades e as cidades e estas entre si é fundamental, o que demanda uma logística de transporte adequada entre as redes acima delineadas, de energia e de tecnologias de informação.
Em relação a estas, registra-se a iniciativa do Projeto Navega Pará, coordenado pelo governo do estado, com implantação de infovias no interior do Estado utilizando fibra óptica ou rádio e uma rede de alta velocidade na região metropolitana de Belém. Tal infraestrutura permitirá a conexão entre órgãos públicos, instituições de pesquisa, escolas, telecentros e núcleos de apoio para inserção na economia digital de micro-empresas, comunidades e associações, além de disponibilizar para uso livre por rede sem fio na sede de algumas dezenas de municípios.
É patente o grande investimento necessário - em termos de infraestrutura física e social - para que a Amazônia seja incluída nos setores mais dinâmicos da economia digital. A tecnologia para a implantação das infovias terá que ser diversificada - conexões por satélite ou rádio nos locais mais isolados e conexão por fibra ótica nas áreas um pouco mais densas, aproveitando os eixos de estradas, gasodutos e linhas de energia.
Softwares devem ser desenvolvidos para que o conhecimento das populações tradicionais seja sistematizado e ampliado a partir da construção de um banco de dados, obrigatoriamente considerando a repartição de benefícios. Nesta tarefa, os campi universitários, as extensões da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e outras instituições federais e estaduais devem assegurar a formação de núcleos de pesquisa nas cidades centro de rede.
A presente estratégia de estruturação de uma rede de cidades se insere num contexto mais amplo, constituído pela realidade urbana da Amazônia, do qual emerge o desafio do fortalecimento do processo de planejamento e gestão territorial urbana.
Ao longo das últimas décadas, a região amazônica vivenciou um aumento vertiginoso da taxa de urbanização de seus municípios, em média: na década de 70, a população urbana correspondia a 35,5% da população total; na de 80, alcançou 44,6%; na de 90, 61%; e, finalmente, em 2000, chegou à casa dos 70%. Esse processo urbanizador, aliado aos processos econômicos, intensificou a ação antrópica nas últimas décadas e resultou em forte diversificação de atores e do próprio uso da terra e do solo urbano.
O sucesso deste MacroZEE da Amazônia Legal deverá passar pelo entendimento desta dinâmica urbana emergente, da relação entre os vários núcleos urbanos da região, com novos e diversificados atores sociais que assumem um papel central no fortalecimento das estruturas de poder local, no próprio desenvolvimento socioeconômico e que se estruturam como elementos fundamentais para o entendimento da nova territorialidade da região.
Faz-se necessário, também, promover ações que fortaleçam as estruturas municipais de gestão e planejamento urbano, de modo a incorporar as diretrizes e instrumentos de planejamento do Estatuto da Cidade, Lei no 10.257, de 2001, a partir da construção de políticas públicas que busquem garantir a previsão de sistema de infraestrutura e serviços urbanos que supram a demanda por saúde, educação, habitação, saneamento e mobilidade da população desta região e, mais que isso, fortaleça os processos decisórios locais e constituam estruturas locais de desenvolvimento do território, pensado de modo articulado à realidade regional.
Síntese da Estratégia Geral
· Estruturar uma rede de cidades como sede de processos tecnológicos e produtivos inovadores, conjugada a ações que fortaleçam as estruturas municipais de gestão e planejamento urbano e que garantam a implantação de infraestrutura e serviços urbanos que supram a demanda por saúde, educação, habitação, saneamento e mobilidade da população, fortalecendo, assim, os processos decisórios locais e atraindo investimentos para ampliar a capacidade produtiva desses municípios. |
1.14.Revolução científica e tecnológica para a promoção dos usos inteligentes e sustentáveis dos recursos naturais
A Amazônia hoje não é mais mero espaço para expansão da sociedade e da economia nacionais e, sim, uma região em si, com estrutura produtiva e dinâmica próprias, que requer não mais uma política de ocupação, mas sim de consolidação do desenvolvimento, demandado por todos os atores regionais. Essa demanda está em sintonia com a macropolítica nacional, cujos objetivos maiores são a retomada do crescimento econômico com inclusão social e conservação da natureza que, presentes nos planos diretamente direcionados à região, são norteadores de uma Política Nacional de CT&I, como os Planos Amazônia Sustentável, de Prevenção e Controle do Desmatamento e da BR-163 Sustentável.
É pela atribuição de valor econômico à floresta que a Amazônia será capaz de competir com as commodities. São diversas as formas de aproveitamento deste recurso de acordo com os usos dos diferentes grupos sociais, destacando-se o extrativismo vegetal e a pesca tradicional; a exploração de produtos que agregam valor mediante beneficiamento local, por meio de estruturas produtivas de pequena e média escala; a produção industrializada por empresas locais ou nacionais; e a produção de bens por meio de tecnologias de alta complexidade desenvolvida nos laboratórios das grandes empresas globais (CGEE, 2006).
Na Amazônia é a biodiversidade que oferece a maior possibilidade de geração de riquezas sem destruir a natureza, o que possibilita a formulação de políticas de escala regional e a inclusão de considerável parcela da população que habita as extensões florestais e as comunidades tradicionais.
Neste sentido, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em seu Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento (MP, 2008) considera que o principal vetor de desenvolvimento para o Bioma Amazônico é a revolução técnico-científica associada à biodiversidade, valorizando decisivamente os produtos da floresta e de suas águas.
O desafio da utilização econômica de seu patrimônio natural atribui à Amazônia a condição de questão nacional, e a CT&I deve contribuir para a solução dos problemas nele contidos. Acresce-se, a importância estratégica da região em fóruns globais referentes ao clima, à diversidade biológica, à água, e aos serviços ambientais, cujas negociações não podem prescindir de subsídios da CT&I. É indispensável a superação de problemas tradicionais, por meio da ampliação dos investimentos em pesquisa, nas universidades, pequenas e médias empresas e na qualificação de recursos humanos.
Cobra-se atenção para a agenda correspondente de pesquisa e desenvolvimento e sua interface com as mais importantes cadeias produtivas regionais. A produção de fármacos, de fitoterápicos e cosméticos, de alimentos e bebidas regionais, de madeira certificada e industrializada, móveis e outros artefatos, de fibras vegetais etc., cada qual com sua complexidade, precisa evoluir para se tornar a base de uma economia tecnologicamente avançada e adaptada ao meio.
A região é carente de competência em CT&I, mas conta com instituições antigas e novas de boa qualidade, como o Polo Industrial de Manaus e a Universidade Federal do Pará. Alguns centros de pesquisa têm atuação importante, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi, além do Centro de Biotecnologia da Amazônia e Centro Tecnológico do Polo Industrial de Manaus. Novas oportunidades se oferecem com o processo de desconcentração do Sistema Nacional de C&T, graças ao esforço do MCT e a iniciativas regionais de governos estaduais por meio das suas Secretarias de C&T e campi universitários, e de algumas Organizações não Governamentais (ONGs).
Alguns estudos desenvolvidos a partir dos programas e projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia com vistas à formulação de uma política de CT&I para a Amazônia (CGEE, 2004) formulou como principais proposições, dentre outras:
□ o uso e a gestão do conhecimento científico-tecnológico e a inovação constituem um propulsor fundamental do desenvolvimento mediante o resgate do déficit em P&D e a ampla aliança entre centros de pesquisa, universidade e empresa bem definidas as suas missões; os centros de pesquisa e a universidade como geradores de conhecimento e formadores de competências, e a empresa como lócus da inovação;
□ inserção social e conservação da natureza exigem gestão mais bem estruturada do conhecimento de modo a contribuir para o ordenamento do território, e a integrar comunidades com diferentes níveis de isolamento e de organização, e também para promover sua integração com a biotecnologia e a bioindústria, esta última já contando com inúmeras pequenas e médias empresas nacionais, tanto no Estado do Pará como em Manaus;
□ a gestão do conhecimento no Polo Industrial de Manaus por sua vez permitirá viabilizar o seu potencial como polo na interface com os procedimentos industriais mais sofisticados e produtivos do planeta com baixo impacto ambiental e significativo apoio da Suframa e do empresariado, considerando, inclusive, a nanotecnologia;
□ propõe-se a instituição de cadeias tecnoprodutivas de biodiversidade, a exemplo do que existe em outros países, que agregam instituições de pesquisa e empresas em torno de um tema. Estes arranjos institucionais devem se articular por meio da integração de cadeias de conhecimento a cadeias de produção, desde o interior da floresta aos centros avançados de biotecnologia e a bioindústria, criando cadeias que envolvam grupos de interesse no tema, incluindo áreas das unidades de pesquisa do MCT, e das universidades, as empresas do setor, o Centro de Biotecnologia da Amazônia, bem como a Sudam, a Suframa e o Banco da Amazônia em seus programas de fomento às redes locais de bioprospecção e agregação de valor aos produtos.
Para agilizar e facilitar o acesso da comunidade científica nacional à biodiversidade é importante regulamentar a legislação, por meio de mecanismos institucionais ágeis, descentralizados e desburocratizados (MDIC, 2001), considerando: (1) aprimoramento contínuo da legislação sobre biossegurança, propriedade intelectual e acesso ao patrimônio genético; (2) identificação de pontos conflitantes e avaliação da legislação associada aos setores que afetam a diversidade biológica; (3) elaboração de sistemas inovadores e sui generis de proteção de conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos; (4) difusão contínua da legislação e de sua aplicabilidade nos diversos campos associados à biodiversidade.
Síntese da Estratégia Geral
· Promover uma revolução científica e tecnológica para incentivar os usos inteligentes e sustentáveis dos recursos naturais, com o aprimoramento contínuo da legislação sobre biossegurança, propriedade intelectual e acesso ao patrimônio genético, a identificação de pontos conflitantes e avaliação da legislação associada aos setores que afetam a diversidade biológica, a elaboração de sistemas inovadores de proteção do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos e a difusão contínua da legislação e de sua aplicabilidade nos diversos campos associados à biodiversidade. |
1.15.Planejamento da expansão e conversão dos sistemas de produção agrícola, com mais produção e mais proteção ambiental
A agricultura e a pecuária podem, e devem, desempenhar um papel estratégico no processo de mudança do padrão de desenvolvimento da Amazônia incentivado pelo Macrozoneamento. A meta é reverter a atual associação entre produção e degradação ambiental, para converter a agropecuária em promotora dos objetivos da melhoria das condições de vida das pessoas e da proteção dos ecossistemas da região. Com efeito, sobretudo na Amazônia, a reversão das causas vinculadas à mudança do clima, à perda da biodiversidade e à degradação dos recursos hídricos, para ficar apenas no domínio de três dos principais problemas socioambientais, passa, necessariamente, pelo planejamento da expansão do setor e pelo incentivo à adoção de novas práticas e modelos de gestão dos sistemas produtivos da agricultura e da pecuária, capazes de gerar ativos no lugar de passivos ambientais. E de que maneira esse resultado pode ser alcançado? Adotando-se, dentre outras, as seguintes medidas:
□ restringir a expansão da produção sobre áreas especialmente importantes para a recarga de aquíferos e para a manutenção da quantidade e qualidade dos recursos hídricos, assim como sobre as áreas de proteção dos recursos naturais, em especial os da biodiversidade;
□ realizar o manejo dos sistemas de produção com adoção de práticas que minimizem os impactos sobre o meio ambiente, como, por exemplo, a integração lavoura-pecuária, a conservação da biodiversidade agrícola, a formação de corredores ecológicos, o plantio direto, a introdução de sistemas agroflorestais e agrosilvopastoris, o controle integrado de pragas, o uso eficiente da água e a manutenção da reserva legal e das áreas de preservação permanente;
□ intensificar o uso das áreas já incorporadas à produção, evitando novos desmatamentos e o avanço da fronteira agropecuária.
Essas medidas de ordenamento e gestão devem derivar, sobretudo, da consideração do Zoneamento Ecológico-Econômico integrado ao Zoneamento Agrícola, sem prejuízo da observância de outros instrumentos de planejamento, como, por exemplo, os planos de gestão de recursos hídricos. Quando operadas em escala adequada, tais medidas protegem os ecossistemas naturais e promovem as funções dos ecossistemas agrícolas, que além de produzirem alimentos e outros produtos, geram também bens e serviços ambientais. Diminuição da erosão, manutenção dos ciclos da água e de nutrientes, regulação de pragas e doenças, redução das emissões de gases de efeito estufa por queimadas e a polinização são alguns desses serviços que se revertem em benefício da própria agricultura e dos agricultores. Mas não apenas a eles.
A convergência e sinergia entre as políticas agrícola, agrária e ambiental é a condição mais importante para viabilizar as mudanças indicadas. Para tal, sugere-se as seguintes iniciativas:
□ integração entre o Zoneamento Ecológico-Econômico e o Zoneamento Agrícola - coordenando estes dois instrumentos, será possível implementar as medidas acima propostas, orientando em bases sustentáveis as atividades da agropecuária. É no nível dos ZEEs estaduais, elaborados na escala de 1:250.000 ou maior, que esta integração pode ser mais efetiva. Em efeito, é nesse âmbito que os procedimentos técnicos e metodológicos do ZEE permitem identificar melhor as potencialidades e limitações dos ecossistemas locais, estabelecendo diretrizes e recomendações de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável das atividades humanas. A partir do ZEE, o Zoneamento Agrícola poderá ser realizado considerando as áreas indicadas para esta atividade, reduzindo custos, evitando conflitos e dando maior segurança aos produtores.
A integração dos instrumentos no nível estadual não significa, em hipótese alguma, a desconsideração da importância estratégica do planejamento integrado nas escalas regional e nacional. Nem o setor agrícola nem a área ambiental, como de resto qualquer outro setor, podem abdicar da perspectiva destas escalas pela simples razão de que tanto a realidade como as necessidades regional e nacional da produção agrícola e da proteção do meio ambiente, não se conformam pela soma das realidades e necessidades estaduais.
Cientes desse desafio e para realizar a integração entre o ZEE e o Zoneamento Agrícola na escala regional da Amazônia, a Embrapa e o MMA elaboraram, em parceria com outras instituições do Consórcio ZEE Brasil e com órgãos estaduais, um projeto que foi submetido e está pré-aprovado pela Finep. A previsão é de iniciar os trabalhos no primeiro semestre de 2010.
Outra iniciativa que implica numa ação de âmbito regional diz respeito à realização de Zoneamentos Agroecológicos (ZAE), uma modalidade de zoneamento agrícola que, no contexto da Amazônia, é recomendada especialmente para as culturas destinadas à produção de agroenergia, a exemplo do ZAE do dendê que a Embrapa vem realizando. Pelo potencial de crescimento e importância que tem para o complexo mínero-siderúrgico e agroindustrial, o ZAE da expansão da silvicultura de espécies energéticas é outra prioridade que deve ser executada em sintonia com o ZEE da região e com ampla participação dos setores envolvidos.
A adoção destas práticas de integração entre instrumentos para ordenar a expansão de culturas econômica ou estrategicamente relevantes, com atenção às particularidades e fragilidades ambientais, pode ser a base para estimular uma agricultura tropical adaptada para a região. Com este marco regulatório e tecnológico estabelecido, culturas como cacau, seringa, bacuri, pau-rosa e espécies para produção de carvão, dentre outras, podem ser estimuladas, garantindo-se o retorno econômico esperado. Tais culturas podem ter impactos inclusive na balança comercial, estimulando exportações em alguns casos, e em outros diminuindo as importações, como no caso do cacau e da borracha.
□ uso dos resultados da pesquisa para a promoção da sustentabilidade da agropecuária - o conhecimento gerado pela pesquisa científica realizada por instituições como a Embrapa, o Museu Paraense Emílio Goeldi, o Inpa, universidades e outros centros regionais, associado a experiências acumuladas pelos próprios produtores (veja-se, por exemplo, o caso do Proambiente) e organizações não governamentais, constituem-se num acervo valioso de técnicas e sistemas de manejo sustentáveis, base para um salto qualitativo na gestão dos agroecossistemas em direção a uma agricultura sustentável na Amazônia. Mais a frente, na parte dedicada às estratégias específicas para cada Unidade Territorial do Macrozoneamento, serão indicados os principais sistemas de produção compatíveis com as características dessas unidades, assim como as demandas por CT&I e inovações institucionais necessárias para promovê-los.
A importância da aplicação dos resultados das pesquisas é ainda maior num cenário de incertezas em relação às mudanças do clima.
□ criação de um programa de recuperação de áreas degradadas - o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lidera os esforços do Governo Federal para elaborar e implementar um vigoroso programa de recuperação de áreas degradas na Amazônia. O programa em construção prevê a recuperação de áreas degradadas por pastagens e por outras formas de uso que resultaram na diminuição ou perda da capacidade produtiva dos sistemas agrícolas. Mais uma vez, os ZEEs estaduais se constituem numa referência importante tanto para mapear essas áreas como para orientar o melhor uso a ser feito. Para recuperação de APPs, além da contribuição do referido programa, o Governo Federal lançou recentemente o Programa Mais Ambiente, que será implementado em articulação com cada estado, visando à regularização ambiental dos imóveis rurais.
□ concessão de incentivos econômicos - A transição para a sustentabilidade implica em custos de oportunidade que nem sempre são absorvidos pelos mecanismos de mercado. Para superar essa limitação será necessário adequar o marco institucional associado às políticas e instrumentos de fomento e crédito do setor agrícola, assumindo-se a necessidade de conceder incentivos que absorvam, ainda que em parte, os custos da adoção de novas práticas produtivas e de gestão. A rigor, essas concessões devem ser entendias como investimentos socioambientais, e não custos, na medida em que espera-se, como resposta, a geração de externalidades positivas decorrentes da mudança do padrão produtivo.
Síntese da Estratégia Geral
· Planejar a expansão e a conversão dos sistemas de produção agrícola, com mais produção e mais proteção ambiental. · Restringir a expansão da produção sobre áreas especialmente importantes para a recarga de aquíferos e para a manutenção da quantidade e qualidade dos recursos hídricos, assim como sobre as áreas de proteção dos recursos naturais, em especial os da biodiversidade. · Realizar o manejo dos sistemas de produção com adoção de práticas que minimizem os impactos sobre o meio ambiente, como, por exemplo, a integração lavoura-pecuária, a conservação da biodiversidade agrícola, a formação de corredores ecológicos, o plantio direto, a introdução de sistemas agroflorestais e agrosilvopastoris, o controle integrado de pragas, o uso eficiente da água e a manutenção da reserva legal e das áreas de preservação permanente. · Intensificar o uso das áreas já incorporadas à produção, evitando novos desmatamentos e o avanço da fronteira agropecuária. · Integrar o Zoneamento Ecológico-Econômico e o Zoneamento Agrícola para orientar, em bases sustentáveis, as atividades da agropecuária. · Criar programa de recuperação de áreas degradadas por pastagens e por outras formas de uso que resultaram na diminuição ou perda da capacidade produtiva dos sistemas agrícolas (os ZEEs estaduais se constituem numa referência importante tanto para mapear essas áreas como para orientar o melhor uso a ser feito). |
1.16.Conservação e gestão integrada dos recursos hídricos
Coberta pela maior extensão contínua de floresta tropical do planeta, a bacia amazônica é também a maior bacia hidrográfica do mundo, onde a interação entre o sistema hídrico e florestal estrutura e regula o funcionamento do bioma Amazônia. As formas de ocupação e uso do solo nessa bacia têm modificado e desequilibrado progressivamente o funcionamento desse gigantesco bioma, desencadeando mudanças nos diversos ecossistemas em escala regional e local, particularmente no meio aquático, comprometendo o equilíbrio do ambiente e o desenvolvimento sustentável de toda a região.
A questão ambiental, ecológica e a conservação dos recursos hídricos, na Amazônia, está diretamente ligada à conservação da vegetação nativa e vice-versa, visto que o desmatamento provoca aumento considerável no escoamento superficial da água e menor infiltração nos solos compactados das pastagens. Observa-se uma preocupação crescente com os impactos sobre a floresta amazônica e suas consequências para a biodiversidade e o clima global e, de forma equivocada, talvez pela sua abundância, os recursos hídricos em si não despertam a mesma atenção e preocupação. Tal viés declina da perspectiva de análise sistêmica, visto que, rompendo-se a dinâmica do ciclo hidrológico, sem floresta não haverá água e sem água não haverá vida. Torna-se, portanto, necessário dar a necessária ênfase aos recursos hídricos no âmbito do MacroZEE.
A alta umidade atmosférica decorrente das altas taxas de evapotranspiração da floresta, somada à massa de ar úmido proveniente do Oceano Atlântico, produz altos índices pluviométricos anuais, principalmente nas áreas cobertas pela floresta. Tal condição faz com que os rios amazônicos escoem para o mar quase um quinto de toda a água doce que circula no planeta. Se esta abundância cria oportunidades, remete também a grandes desafios, visto que as intervenções humanas afetam os fluxos de água de forma direta e indireta por meio da construção de barragens, hidrovias, pesca, demandas urbanas, das indústrias, da mineração e da agricultura.
Estudos indicam que as alterações na umidade do solo e na evaporação podem levar a secas duradouras e que a bacia do rio Amazonas é significativamente afetada por variações climáticas cíclicas; períodos anômalos de estiagem aumentam consideravelmente os riscos de incêndios e, por ocasião destes, milhões de hectares de floresta são queimados, provocando redução de visibilidade nas cidades, problemas respiratórios e, algumas vezes, fechamento de aeroportos. Períodos mais severos também causam o racionamento de energia, reduzem a capacidade de transporte fluvial e isolam as populações ribeirinhas, situações que demandam a intervenção do Governo Federal por meio das Forças Armadas, em articulação com governos estaduais e com altos custos de logística para envio de remédios e alimentos por via aérea.
O balanço das estimativas médias de longo período na bacia Amazônica indica uma precipitação de cerca de 11,44 x 1012 m3/ano de água, que gera uma descarga média de longo período de 182.170 m3/s ou 5,75 x 1012 m3/ano. Estima-se uma “perda” de água que retorna, via floresta, à atmosfera, de 5,69 x 1012 m3/ano, ou seja, cerca de 49,7% do ingresso total de água (Garcia, 1998).
Neste quadro, qualquer mudança no percentual de chuva que volta à atmosfera - quando se converte floresta em pastagem há diminuição deste percentual - implicará em perda considerável de água, tanto na própria região quanto em outras regiões onde as chuvas dependem dessa fonte (Fearnside, 2004). Portanto, a interação entre a floresta amazônica e os recursos hídricos presta um serviço ambiental de inestimável valor, tanto para a manutenção do equilíbrio climático e ecológico essenciais para a sobrevivência das espécies bióticas ali presentes, quanto para a agricultura do País.
Por sua vez, o sistema de drenagem presente na planície amazônica propicia a formação de uma rica região de áreas úmidas, o que faz da água um componente ecossistêmico vital ao bioma amazônico e, sendo um elemento frágil e vulnerável, deve ser preservado e conservado a partir de estratégias que considerem a riqueza biológica e a dinâmica hídrica natural dos diferentes ambientes aquáticos amazônicos. A Amazônia é formada por um mosaico de habitats com diferentes histórias evolutivas (Prance, 1987), o que possibilita a existência de alta variabilidade de ambientes. Cada um dos diferentes ambientes aquáticos amazônicos está submetido também a diferentes dinâmicas ecossistêmicas, o que gera a possibilidade de acomodação dessa alta diversidade de espécies, adaptadas a ambientes específicos.
Ambientes com características físicas e químicas diferenciadas resultam em diferentes habitats, muitos dos quais propícios à reprodução, visto se constituírem berçários de muitas espécies, com alta oferta de suprimento nutricional e possibilidade de abrigo e proteção. Tal é o caso, dentre outros, das lagoas marginais resultantes do ritmo sazonal de inundação das várzeas. Exemplos de alguns dos vários tipos de ambientes de áreas úmidas na Amazônia são (1) as áreas de recarga de aquíferos, (2) nascentes de importantes bacias hidrográficas, como a região do Alto Xingu e o Pantanal do Guaporé, (3) as áreas úmidas do Pantanal em Mato Grosso e no Araguaia, (4) as várzeas ao longo da calha dos rios Solimões/Amazonas, Juruá e Purus e (5) as áreas de pedrais e corredeiras e as lagoas marginais, igarapés e igapós.
As ecorregiões aquáticas foram apresentadas pelo Plano Nacional de Recursos Hídricos como um elemento de caracterização biológica de grandes áreas geográficas do Brasil. A escala atual de classificação não permite visualizar informações mais detalhadas para a tomada de decisão no nível das bacias hidrográficas, onde efetivamente acontece a gestão das águas. Entretanto, a abordagem ecorregional está inserida em uma metodologia de hierarquização dos ecossistemas em que são delimitados geograficamente sistemas em escalas menores, com maior aporte de informações em nível local. O detalhamento das ecorregiões aquáticas brasileiras configura-se em um instrumento capaz de articular a gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, pois, contempla o manejo integrado da terra, da água e dos recursos vivos em busca da conservação da biodiversidade e de seu uso sustentável de forma equitativa.
Na Amazônia Legal estão estabelecidas cinco regiões hidrográficas. A região hidrográfica Amazônica é a que abrange a maior área, englobando integralmente as seguintes Unidades Territoriais do MacroZEE da Amazônia Legal: (1) Fortalecimento do Corredor de Integração Amazônia-Caribe; (2) Defesa do Coração Florestal com Base em Atividades Produtivas; (3) Contenção das Frentes de Expansão com Áreas Protegidas e Usos Alternativos; (4) Ordenamento e Consolidação do Polo Logístico de Integração com o Pacífico; (5) Diversificação da Fronteira Agropecuária e Pecuária.
Apesar da boa oferta de disponibilidade hídrica, principalmente na região hidrográfica Amazônica, pode ocorrer uma relação negativa entre a demanda/disponibilidade, em pequenos igarapés, fato que deve ser alvo de ações de gerenciamento e planejamento do uso sustentável da água. A região hidrográfica do Paraguai, especificamente na região do Pantanal, apesar da abundância de água oriunda da região de Planalto, não é uma região produtora de água, o que resulta em baixa contribuição específica ao escoamento superficial devido à grande perda de água por evapotranspiração que ocorre nas áreas pantaneiras alagadas (Agência Nacional de Águas-ANA, 2007).
Em termos de disponibilidade de água subterrânea, os terrenos sedimentares ocorrem em mais da metade da região hidrográfica Amazônica e recobrem a maioria dos seus sistemas aquíferos lá presentes. Tem-se ainda o domínio dos sistemas fissurados, que constituem reservatórios hídricos de boa potencialidade e que constituem um meio permeável que permite a recarga contínua do sistema fissurado subjacente. Estes sistemas têm recarga facilitada pelo elevado índice pluviométrico dessas áreas, pela presença de coberturas cenozóicas e pela abundância de água superficial (Ministério do Meio Ambiente, 2006).
O conhecimento sobre o potencial hídrico dos aquíferos, seus estágios de exploração e a qualidade de suas águas ainda é deficiente e deve ser, juntamente com a compreensão sobre suas vulnerabilidades e melhores formas de proteção, uma estratégia relevante a ser encaminhada pelo MacroZEE e nas políticas públicas a serem desenvolvidas e implementadas na Amazônia. É recorrente a intensa exploração de suas reservas, de forma indiscriminada e ineficiente, principalmente em grandes centros urbanos, o que os deixa vulneráveis à contaminação e poluição de suas águas.
O sistema Aquífero Alter do Chão é uma importante fonte de explotação de água principalmente nas cidades de Manaus, Santana, Macapá, Santarém e na Ilha do Marajó; o sistema Aquífero Solimões abrange o Estado do Acre e é um importante manancial hídrico para o abastecimento da cidade de Rio Branco e a parte oeste do Estado do Amazonas; o Aquífero Boa Vista é importante fonte para abastecimento da cidade de Boa Vista; o Aquífero Parecís, de elevada produtividade, aflora no oeste de Mato Grosso e na extremidade leste do Estado de Rondônia.
A gestão dos recursos hídricos está diretamente associada à garantia dos usos múltiplos de determinado manancial, a partir das demandas por água pelos diferentes usos. Estes usos - não consuntivo ou consuntivo - podem ser qualquer atividade humana que, de qualquer modo, altere as condições naturais das águas superficiais ou subterrâneas, tanto em termos quantitativos como qualitativos.
Nas regiões hidrográficas predominantes na Amazônia Legal, o perfil de demanda por recursos hídricos demonstra que as regiões Amazônica e do Pantanal têm baixas vazões de retirada, sendo as únicas em que o uso animal é preponderante em relação aos demais usos. No Atlântico Nordeste Ocidental, o uso urbano é preponderante em relação aos demais, chegando a quase 50% de toda demanda na região e no Tocantins-Araguaia, os usos preponderantes são os de irrigação e animal, ambos totalizam mais de 65% de toda a vazão de retirada, destaque para as atividades de pecuária e para o Projeto Formoso de irrigação.
É importante compreender que o gerenciamento sustentável dos recursos hídricos da bacia Amazônica deve buscar, necessariamente, a integração com os países que compartilham fronteiras e bacias hidrográficas, levando a discussão da gestão da água a foros multilaterais que reúnam os países da região, em particular a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA e que envolvam estratégias como (1) o desenvolvimento científico e tecnológico na área de coleta, transmissão, tratamento e difusão de dados; (2) o estabelecimento de acordos de cooperação e da capacitação técnica com países limítrofes da bacia Amazônica; (3) o estabelecimento de parcerias com atores estratégicos para gestão da água em áreas críticas e (4) o desenvolvimento de previsão mais acurada de eventos hidrológicos críticos.
As diretrizes propostas pelo Plano Estratégico da Bacia Hidrográfica dos rios Tocantins e Araguaia são consideradas como estratégias específicas paras as unidades territoriais que têm interface com esta bacia e que são assumidas pelo MacroZEE da Amazônia Legal. Outras estratégias são propostas para o conjunto das unidades, como:
□ promover a articulação entre programas e ações de órgãos federais e estaduais, e entre os sistemas de meio ambiente e de recursos hídricos;
□ apoiar os estados na institucionalização de seus órgãos gestores de recursos hídricos;
□ definir com as unidades da federação o Pacto das Águas, estabelecendo critérios de alocação de água;
□ adotar critérios mais restritivos de outorga e fiscalizar de forma atuante nas áreas com elevada demanda de água e baixa disponibilidade hídrica;
□ instalar Núcleos de Referência e Inovação em Irrigação para orientação e capacitação de irrigantes para aumentar a eficiência do uso da água pela melhoria da tecnologia e reduzir os consumos específicos;
□ compatibilizar os planos de bacias e os zoneamentos territoriais (bacias com alto potencial para geração de energia hidrelétrica devem ter práticas agrícolas com menor perda de solo e menor consumo de água, por exemplo);
□ considerar nos zoneamentos de bacias as áreas de recarga de aquíferos, bem como áreas de potencial agrícola.
Síntese da Estratégia Geral
· Incentivar a conservação e gestão integrada dos recursos hídricos, promovendo a articulação entre programas e ações de órgãos federais e estaduais e entre os sistemas de meio ambiente e de recursos hídricos. · Apoiar os Estados na institucionalização de seus órgãos gestores de recursos hídricos e na definição de um Pacto das Águas que estabeleça critérios de alocação de água. · Adotar critérios mais restritivos de outorga e fiscalizar de forma atuante as áreas com elevada demanda de água e baixa disponibilidade hídrica. · Instalar Núcleos de Referência e Inovação em Irrigação para orientação e capacitação de irrigantes para aumentar a eficiência do uso da água pela melhoria da tecnologia e reduzir os consumos específicos. · Compatibilizar os planos de bacias e os zoneamentos territoriais (bacias com alto potencial para geração de energia hidrelétrica devem ter práticas agrícolas com menor perda de solo e menor consumo de água, por exemplo) e considerar, nos zoneamentos de bacias, as áreas de recarga de aquíferos, bem como áreas de potencial agrícola. |
1.17.Desenvolvimento do turismo em bases sustentáveis
Considerando que o MacroZEE deverá subsidiar políticas e ações de implementação de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, que favoreça a integração e a compatibilização de atividades econômicas a partir da realidade da região, dever-se-á constituir em valioso e imprescindível instrumento para orientar e estimular o desenvolvimento do turismo ordenado e sustentável na região.
Com potencialidades reconhecidas para o crescimento econômico por meio da conservação dos ecossistemas e da geração de trabalho e renda para as populações, o turismo surge como valioso aliado na promoção do desenvolvimento sustentável. Traz oportunidades de melhorias sociais, econômicas e ambientais, devido a natureza de seus negócios, e mostra-se apto a atender aos desafios inerentes à região. Considera, também, a presença dominante da floresta e do meio ambiente da Amazônia como valores agregados à economia do negócio turístico, contribuindo, por sua vez, com a conservação dos ativos ambientais e para a educação ambiental.
É também uma das atividades econômicas que demanda menor investimento para a geração de postos de trabalho e afeta positivamente o desempenho das economias regionais. Na Amazônia, tamanho potencial torna-se ainda mais amplo pelas singularidades da oferta de atrativos frente ao grande desejo dos turistas por experiências de contato com a natureza.
O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), buscou novas formas de desenvolver o turismo na Amazônia a partir do reconhecimento de que isto representa um complexo desafio frente à extensão territorial e à diversidade ambiental, cultural e social da região. As iniciativas voltadas à melhoria da qualidade de vida de sua população demandam ações baseadas no profundo conhecimento das múltiplas realidades locais.
Para pavimentar o caminho do desenvolvimento da atividade turística na região, o Proecotur foi desenhado para acontecer em duas fases distintas, que permitissem planejar e calcular os impactos dos esforços previstos. A primeira fase esteve dirigida ao planejamento estratégico, e à geração do conhecimento e ao fortalecimento institucional necessários para a segunda fase. Esta última deve viabilizar os investimentos estruturantes da atividade, com a efetiva aplicação das medidas, diretrizes, propostas e projetos apresentados.
Os esforços de planejamento da primeira fase também se voltaram à identificação de áreas prioritárias para investimento, a partir da adoção de um conjunto de critérios e atrativos. Foram delimitados 15 polos de ecoturismo, compreendendo 160 municípios, que representam as áreas com maior potencial de desenvolvimento ecoturístico no território. E ao longo da fase de planejamento, foi ampliado o olhar para o conceito do turismo sustentável, incorporando outros segmentos além do ecoturismo. Para conclusão da primeira fase do programa foi apresentada a Estratégia para o Desenvolvimento do Turismo Sustentável para a Amazônia Brasileira onde foi possível identificar os territórios prioritários de ação dessa Estratégia.
A partir do cruzamento dos dados da demanda com a disponibilidade dos elementos da oferta, chegou-se aos 57 municípios que apresentam o conjunto de elementos de maior interesse do mercado, visando focalizar esforços para o melhor aproveitamento deste potencial. Na prática, esses municípios respondem pelos aspectos de interesse da demanda e possuem potencialidade para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de produtos turísticos. São eles: Barcelos, Careiro, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaus, Maués, Novo Airão, Parintins, Presidente Figueiredo, São Gabriel da Cachoeira, Silves e Tefé (Amazonas); Cruzeiro do Sul, Plácido Castro, Rio Branco e Xapuri (Acre); Cururupu e São Luis (Maranhão); Alenquer, Altamira, Aveiro, Belém, Belterra, Bragança, Conceição do Araguaia, Itaituba, Marabá, Maracanã, Monte Alegre, Oriximiná, Salinópolis, Santarém, Salvaterra, Soure e Tucuruí (Pará); Mateiros, Novo Acordo, Palmas, Ponte Alta do Tocantins e São Félix do Tocantins (Tocantins); Calçoene, Macapá e Oiapoque (Amapá); Costa Marques, Guajará-Mirim, Pimenteiras do Oeste, Porto Velho e São Francisco do Guaporé (Rondônia); Alta Floresta, Cáceres, Cuiabá e Paranaíta (Mato Grosso); Boa Vista, Bonfim, Caracaraí e Pacaraima (Roraima).
Propõem-se que estes municípios sejam priorizados como estratégia de desenvolvimento para o turismo sustentável na Amazônia Brasileira, mas tendo a clareza de que todos os 160 municípios abrangidos pelos polos identificados no âmbito do Proecotur poderão encontrar no turismo uma importante alternativa na busca por um novo modelo de desenvolvimento sustentável. Desta forma, foram apontadas abaixo apenas algumas das principais diretrizes recomendadas pelo Proecotur:
□ promover prioritariamente o desenvolvimento de produtos turísticos que envolva as principais Unidades de Conservação para a visitação turística, para os diversos segmentos de mercado do turismo de natureza nacional e internacional;
□ promover o desenvolvimento de produtos em áreas naturais remotas, com foco em atividades especializadas para nichos de mercado relacionados ao turismo aventura, étnico e científico;
□ desenvolver ações para ampliação e adequação das instalações e serviços rodoviários, aéreos e portuários para aproveitamento pelo setor do turismo, a fim de promover facilidades de acesso, conforto e segurança aos visitantes;
□ fomentar programa de desenvolvimento de arranjos produtivos locais do turismo visando o fortalecimento econômico dos prestadores de serviços turísticos de forma integrada com aqueles da produção associada;
□ elaborar estudo de viabilidade técnica, comercial e ambiental para a utilização de aeronaves anfíbias, ou hidroaviões, como um meio rápido e seguro de atendimento ao turismo em alguns destinos, não atendidos por voos regulares;
□ ampliar e qualificar a infraestrutura de portos, atracadouros e terminais turísticos fluviais.
□ criar instrumentos normativos municipais e/ou estaduais que objetivem o ordenamento, controle, licenciamento e monitoramento ambiental, das atividades do setor do turismo;
□ estimular a criação de consórcios intermunicipais de meio ambiente nos destinos turísticos, no sentido de favorecer ações de conservação e recuperação ambiental de recursos naturais e a gestão ambiental integrada;
□ incentivar a elaboração e implementação de Zoneamento Ecológico-Econômico nos Estados e destinos indutores da Amazônia, incluindo o turismo como vetor importante para o desenvolvimento sustentável;
□ realizar zoneamento das áreas de pesca esportiva para apoiar o planejamento e a operação adequada da atividade;
□ estimular a elaboração de instrumentos legais para o parcelamento e uso do solo nos destinos turísticos;
□ aplicar os instrumentos de planejamento ambiental e turístico na elaboração dos Planos Diretores nos destinos turísticos;
□ adotar medidas para combater o desmatamento nos destinos turísticos, visando assegurar o patrimônio natural e a singularidade e diversidade da oferta turística;
□ fomentar iniciativas para melhoria dos processos de planejamento e gestão ambiental dos projetos e empreendimentos de turismo de base comunitária;
□ priorizar a implementação dos planos de uso público nas Unidades de Conservação, em especial naquelas que agregam elementos turísticos estruturantes para os destinos;
□ estimular a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural em localidades de interesses turístico, como forma de agregar valor ao empreendimento turístico e garantir mecanismos de preservação dos recursos naturais; e
□ apoiar as iniciativas locais para o melhor aproveitamento turístico das áreas destinadas à concessão florestal das florestas públicas nacionais.
Síntese da Estratégia Geral
· Desenvolver o turismo em bases sustentáveis, promovendo, dentre outras medidas, a ampliação e adequação das instalações e serviços rodoviários, aéreos e portuários, a fim de promover facilidades de acesso, conforto e segurança aos visitantes, o fomento a um programa de desenvolvimento de arranjos produtivos locais do turismo, visando o fortalecimento econômico dos prestadores de serviços turísticos e o envolvimento das comunidades locais, e a criação de instrumentos normativos municipais e/ou estaduais que objetivem o ordenamento, o controle, o licenciamento e o monitoramento ambiental das atividades do setor do turismo. |
1.18.Redução das emissões de gases de efeito estufa provocadas pela mudança no uso do solo, desmatamento e queimadas
Cumpre inicialmente enfatizar que a aplicação das estratégias do MacroZEE não impedirá a manifestação dos efeitos e impactos relacionados às emissões de gases de efeito estufa, uma vez que as concentrações desses gases na atmosfera são originadas principalmente nos países desenvolvidos e já são suficientes para ocasionar alterações nos ecossistemas.
No entanto, o reconhecimento do fenômeno do aquecimento global e de suas consequências para o clima traz desafios para o MacroZEE da Amazônia no que se refere ao processo de planejamento e desenvolvimento de políticas públicas para a região, principalmente porque no Brasil, as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa estão relacionados ao uso e à mudança do uso da terra e florestas. De acordo com o 1o Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa, este setor responde por 75% das emissões brasileiras de dióxido de carbono e o desmatamento na região Amazônica contribui com 59% das emissões líquidas provenientes da categoria conversão de florestas e abandono de terras manejadas
Em 2008, o governo Brasileiro lançou o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), com indicação de ações para a redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes das florestas e outros biomas, da agropecuária, energia, indústria, transportes, resíduos e saúde, além de estabelecer ações para adaptação à mudança do clima. Em 2009, a Lei no 12.187 instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e estabeleceu os meios para implementar as ações voluntárias visando reduzir as emissões nacionais de gases de efeito estufa, de 36,1% a 38,9%, em relação às emissões de gases de efeito estufa a serem projetadas para o ano de 2020.
Neste contexto, as estratégias propostas pelo MacroZEE da Amazônia Legal convergem para alguns dos objetivos do PNMC, conforme as abaixo discriminadas:
□ utilização de biomassa como fonte de energia; aproveitamento de resíduos da cadeia madeireira e moveleira; fortalecimento da cadeia produtiva do ferro com ampliação do uso da biomassa de floresta manejada e investimentos para a produção de aço e não apenas ferro-gusa (siderurgia mais limpa); obtenção de carvão a partir das cascas do coco babaçu; políticas de recuperação ambiental e de incentivo aos sistemas agrícolas e agroflorestais sustentáveis; implantação de uma indústria madeireira moderna; capacitação e fomento de formas alternativas de produção sustentável e oferta de serviços ambientais, são consoantes ao primeiro objetivo do PNMC - “fomento ao aumento de eficiência no desempenho dos setores da economia, na busca constante pelas melhores práticas” e corroboram o caráter de articulação e de sinergia do MacroZEE com outras políticas públicas vigentes na Amazônia Legal;
□ de utilização do potencial hidráulico; de incentivo ao aproveitamento energético de fontes não tradicionais (solar, eólica, biomassa, marés) e de obtenção de carvão a partir das cascas do coco babaçu, contribuem para a manutenção da elevada participação de energia renovável na matriz elétrica, segundo objetivo do PNMC;
□ o apoio do MacroZEE à realização de Zoneamento Agroecológico (ZAE), especialmente para culturas agroenergéticas potencializa a consecução do terceiro objetivo do PNMC - “fomentar o aumento sustentável da participação de biocombustíveis na matriz de transportes nacional e, ainda, atuar com vistas à estruturação de um mercado internacional de biocombustíveis sustentáveis”;
□ a regularização fundiária; criação e fortalecimento das unidades de conservação; reconhecimento das territorialidades de comunidades tradicionais e povos indígenas e fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade; legislação e fiscalização com pacto social para coibir o desmatamento; implementação de políticas de recuperação ambiental e de incentivo aos sistemas agrícolas e agroflorestais sustentáveis; proibição de financiamento de atividades pecuárias em áreas com cobertura vegetal nativa; fomento e viabilização de práticas florestais sustentáveis e oferta de serviços ambientais, potencializam o alcance de outro objetivo do PNMC, “redução sustentada das taxas de desmatamento, em todos os biomas brasileiros, até que se atinja o desmatamento ilegal zero”;
□ finalmente, as estratégias de recuperação da atividade florestal, a exemplo do projeto “Um bilhão de árvores”, do Estado do Pará; o fortalecimento da cadeia produtiva do ferro com ampliação do uso da biomassa de floresta manejada e investimentos para a produção de aço e não apenas ferro-gusa (siderurgia mais limpa); a implantação e fortalecimento de sistemas agroflorestais e a recuperação de áreas degradadas e desmatadas indicadas pelos zoneamentos estaduais, potencialmente contribuem para o objetivo de “eliminação da perda líquida da área de cobertura florestal no Brasil até 2015”, do PNMC.
É importante que seja tratada também a adaptação à mudança do clima, considerando-se previamente a identificação de impactos e o estabelecimento de medidas que diminuam a vulnerabilidade e aumentem a capacidade de resposta do sistema. Neste sentido, são estratégias do MacroZEE:
□ fortalecimento de uma política de Estado para a pesca e a aquicultura sustentáveis; fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade e de uso da água de forma sustentável, que concorrem para o “fortalecimento das ações interssetoriais voltadas para a redução das vulnerabilidades das populações”, do PNMC; e
□ a proposta de uma revolução científica e tecnológica para a promoção dos usos inteligentes e sustentáveis dos recursos naturais, estabelece sinergia com o PNMC em sua tarefa de “identificar os impactos ambientais decorrentes da mudança do clima e fomentar o desenvolvimento de pesquisas científicas para se traçar uma estratégia que minimize os custos socioeconômicos de adaptação do País”.
Cumpre ainda registrar que, historicamente, a política ambiental na Amazônia se baseou, sobretudo, em instrumentos de comando e controle e que, na atualidade, novas estratégias despontam como formas de desenvolvimento que valorizam os ecossistemas e o desenvolvimento sustentável na região, como Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
Esta estratégia pode potencializar o desenvolvimento da região amazônica de forma sustentável, visto que tem por base a conservação da biodiversidade, em especial das florestas, e a promoção de ações que reduzem o desmatamento.
Os serviços ambientais, de acordo com o Projeto de Lei no 792, de 2007, que institui a Política Nacional dos Serviços Ambientais e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais, dizem respeito às funções ecossistêmicas imprescindíveis para a manutenção das condições ambientais e da vida - passíveis de serem restabelecidas, recuperadas, mantidas e melhoradas –, e que podem se constituir em serviços de provisão, de suporte e de regulação. O pagamento pelo serviço ambiental se dá por transação voluntária entre um beneficiário ou usuário dos serviços, denominado pagador, e um provedor de serviços ambientais, denominado recebedor.
De uma forma geral, os PSA existentes compreendem serviços ambientais associados à: (1) retenção ou captação de carbono; (2) conservação da biodiversidade; (3) conservação de serviços hídricos; e (4) conservação da beleza cênica. A Amazônia brasileira apresenta um grande potencial de oferta de serviços ambientais, principalmente, relacionados à biodiversidade e retenção de carbono em florestas naturais.
Independentemente da aprovação do referido projeto de lei, várias são as iniciativas em execução por prefeituras e particulares, inclusive na Amazônia.
Em uma linha diferente, uma estratégia inovadora diz respeito ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Este consiste na possibilidade de um país que tenha compromisso quantificado de redução ou limitação de emissões (Anexo I) adquirir reduções certificadas de emissão (RCEs, mais popularmente conhecidos como créditos de carbono) resultantes de projetos implementados em países em desenvolvimento como forma de auxiliar no cumprimento dos compromissos dos países do anexo I. Tais projetos devem implicar em reduções de emissões adicionais àquelas que ocorreriam na ausência do projeto, garantindo benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo para a mitigação da mudança do clima. Esse mecanismo tem duas funções:
□ ajudar os países pertencentes ao Anexo I da Convenção sobre Mudança do Clima a cumprirem parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões de gases de efeito estufa;
□ promover o desenvolvimento sustentável nos países não pertencentes ao Anexo I da Convenção sobre Mudança do Clima, onde os projetos são desenvolvidos.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tem especial importância para os países em desenvolvimento, tendo em vista que é o único mecanismo estabelecido no âmbito do Protocolo de Quioto que permite a participação voluntária significativa destes países. Cabe destacar que as atividades de projetos de MDL no setor florestal estão restritas ao florestamento e/ou reflorestamento, não cabendo a conservação de florestas.
Síntese da Estratégia Geral
· Apoiar ações que contribuam para a redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes da mudança no uso do solo, desmatamentos e queimadas, de acordo com os objetivos da Política Nacional sobre Mudança do Clima. · Promover projetos de aplicação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e de pagamento por serviços ambientais. |
4.CARACTERIZAÇÃO E ESTRATÉGIAS DAS UNIDADES TERRITORIAIS
Na elaboração da primeira versão do Plano Amazônia Sustentável, em 2003, foi identificado um grande arco de povoamento mais denso em torno da floresta amazônica - via de regra chamado “Arco de Fogo” - de onde partiam três frentes de expansão para a floresta: do leste do Estado do Pará em direção à Terra do Meio, do norte do Estado do Mato Grosso rumo ao eixo da BR-163, no sudoeste paraense, e do norte do Estado de Rondônia e do noroeste do Estado de Mato Grosso para o sul do Estado do Amazonas.
No aprofundamento desta visão constata-se que a natureza tem o seu próprio zoneamento e que este está sendo profundamente desrespeitado. Do norte para o sul, em uma faixa diagonal que se estende, grosso modo, do Amapá ao Acre, sucede a floresta ombrófila densa - aqui chamadade coração florestal, que segundo o mapa de vegetação regional do IBGE encontra-se ainda bastante íntegra; a seguir sucedem-se a floresta ombrófila aberta e o cerrado. Detecta-se também que a expansão da fronteira agropecuária está se processando na área compreendida pela floresta ombrófila aberta - e não mais apenas no cerrado –, com os dados anuais do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) indicando Pará, Mato Grosso e Rondônia como os Estados com as maiores proporções de desflorestamento.
Tendo, portanto, essa visão como ponto de partida, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal procedeu a uma análise das transformações que ocorreram na região nos últimos anos, analisadas com dados atualizados e incorporando territorialidades até agora não consideradas na maioria dos Zoneamentos Ecológico-Econômicos - como as redes sociopolíticas e as redes urbanas –, resultando na divisão da Amazônia Legal em três grandes grupos de Unidades Territoriais, melhor descritas a seguir.
1.19.Territórios-rede
O arco do povoamento adensado, identificado em 2003, é, hoje, de povoamento consolidado. As Unidades Territoriais que o definem constituem territórios-rede, mas redes de vários tipos: naturais (fluviais); logísticas ou de infraestrutura; de transações (econômicas e políticas); de informação (infovias). As redes naturais e logísticas estão localizadas no território; as de transação e informação apóiam-se no território, mas agem no espaço virtual, conectando escalas. É a conectividade entre as redes que produz uma malha territorial integradora. A densidade e diversidade das redes variam muito no espaço em questão, resultando em níveis de consolidação diferenciados.
□ Fortalecimento do corredor de integração Amazônia-Caribe
Caracterização da unidade
Este território-rede (Figura 3) está inserido na porção leste do Estado de Roraima e possui características que o diferenciam da Unidade Territorial do coração florestal, localizada ao sul. Tais características decorrem, sobretudo, de seu domínio morfoclimático, com duas estações climáticas bem definidas no ano - o inverno (período das chuvas, com pico nos meses de junho e julho) e o verão (período de estiagem, sobretudo entre dezembro e janeiro), em épocas opostas ao Hemisfério Sul –, relevo composto por planaltos ondulados de fraca declividade e escarpamentos setentrionais, como o Monte Roraima, e cobertura vegetal dividida em três grandes blocos: florestas (ombrófila densa, ombrófila aberta e estacional), campinaranas e campos gerais, denominados tecnicamente de savanas (estépicas e úmidas) e conhecidos na região como lavrados, formados por gramíneas e onde a presença de manchas de latossolos confere alto potencial para a agricultura.
Outra característica que distingue essa unidade, quando comparada ao coração florestal, é sua posição geopolítica regional, com maior conectividade econômica, social e cultural com o Caribe - favorecida por uma malha rodoviária em bom estado de conservação –, de fundamental importância para o Estado de Roraima. A rede viária tem como principal eixo a rodovia BR-174, que liga Manaus a Boa Vista e segue rumo à Venezuela, onde se conecta à malha rodoviária deste país e à costa do Caribe. De fato, o Estado de Roraima apresenta uma forte ligação com a Venezuela, país que detém a sexta maior reserva mundial de petróleo e que abriga um grande potencial hidrelétrico que abastece o Estado de Roraima com a energia gerada no complexo de Guri, na bacia do rio Caroni.
Uma bifurcação da BR-174 em Boa Vista estabelece um segundo eixo rodoviário (BR-401, passando pela cidade de Bonfim) em direção à Guiana, cujas atividades mais expressivas são a exploração da bauxita e da cana de açúcar. É intenso o fluxo de pessoas e de mercadorias rumo a esses países, configurando oportunidades de acesso ao mercado caribenho com o qual se vislumbra uma forte conexão no futuro, estimulada pelo estabelecimento das Áreas de Livre Comércio de Boa Vista e de Bonfim, em 2008, consideradas estratégicas para o desenvolvimento do comércio e consequente fortalecimento da economia do Estado de Roraima.
Outro fator de mudança e transformação é o desmatamento. Pode-se considerar que a região ainda não se encontra no centro das pressões sobre a floresta, mas é necessário que a exploração madeireira - principal produto da pauta de exportações do Estado - seja muito bem conduzida, por meio do manejo florestal e do extrativismo de produtos não madeireiros. É necessário equacionar o passivo ambiental da região, parte dele associado aos projetos de assentamento do Incra, localizados, em sua maioria, nas estradas vicinais das rodovias federais BR-174 e BR-401 e das rodovias estaduais RR-205, RR-170 e RR-203, nos quais a atividade agrícola de subsistência é acompanhada pela exploração da madeira como forma de melhorar a renda.
De modo geral, a região apresenta alta vocação para a agricultura, em especial do arroz, mandioca e milho. A produção de tomate e banana também é significativa, sendo que a laranja está presente em todos os municípios da região, com destaque para Mucajaí, Boa Vista e Bonfim. Entretanto, ainda é muito baixo o valor da produção, se comparado ao de outras regiões do País, com baixo padrão tecnológico e pequeno emprego de capital. O cultivo de arroz irrigado é uma exceção, com absorção de maior e melhor nível de tecnologia, resultando em uma produção de 111 mil toneladas em 2006 - 60% das quais exportadas, sobretudo para os estados do Amazonas, Amapá e Pará - e contribuindo para que a rizicultura responda por 10% do PIB do Estado de Roraima. Com a desintrusão da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, as grandes produções de arroz até então localizadas em seu interior estão sendo migradas para outras regiões do estado, já que os produtores detêm tecnologia e equipamentos adaptáveis em outras áreas.
O plantio da soja no Estado é recente e, ainda que as condições climáticas sejam favoráveis, dificuldades como a aquisição de insumos importados restringem o avanço da produção. A superação desse obstáculo, contudo, traz um alerta para a possibilidade de que pequenos agricultores possam ser expulsos de suas terras e procurem, como opção, a exploração de produtos florestais, acarretando um avanço sobre a vegetação nativa. Com vistas a evitar essa situação, deve-se orientar a expansão da soja para áreas já convertidas, a partir dos critérios estabelecidos pelo Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado e pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático da Cultura da Soja, elaborado pela Embrapa.
A atividade agropecuária concentra-se na porção sul do Estado e ocupa uma extensão de aproximadamente 44 mil km², com um rebanho aproximado de 400 mil cabeças. Desenvolve-se de forma extensiva e com baixo rendimento, em pequenas e médias propriedades, em pastos plantados e naturais. O gado é destinado para o corte e para a produção de leite, geralmente consumida nos arredores das fazendas.
Em termos numéricos, é marcante na estrutura fundiária da região a presença de minifúndios, com menos de 100 hectares; por outro lado, a concentração de terras é expressiva, com quase metade da área dos estabelecimentos agropecuários em somente 3% dos estabelecimentos. Apesar da falta crônica de financiamento, assistência técnica e extensão rural, a agricultura familiar responde pela maior parte da produção agrícola do estado, sobretudo do arroz, do feijão e da mandioca.
Boa Vista concentra cerca de dois terços da população do Estado de Roraima e a quase totalidade das atividades industriais desta unidade, baseada em pequenas indústrias de alimentos, bebidas, laticínios e calçados, bem como os ramos madeireiro e moveleiro e um variado comércio atacadista, que se beneficia do estreitamento das relações e da facilidade de acesso à Venezuela e à Guiana.
Outra característica marcante da região é a presença de vários povos indígenas, com diferentes níveis de integração à sociedade, como os Macuxi, os Wapixana, os Wai-Wai e os Waimiri-Atroari. Grande parte destes povos, que vive na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, apresenta alto grau de integração com a sociedade roraimense e está se organizando visando o turismo ecológico. É também nesta região (comunidade do Contão) que será instalada, futuramente, a primeira universidade índígena do Brasil, com currículo adequado ao desenvolvimento desta área indígena.
Contribuindo para a configuração de uma sociedade diversificada, deve-se mencionar também os intensos fluxos migratórios para o estado, iniciados na época do apogeu da exploração da borracha na Amazônia e retomados no início da década de 80, impulsionado pelos projetos de colonização e pelo interesse nos garimpos de ouro.
Estratégias propostas
As estratégias propostas para esta Unidade Territorial estão intimamente relacionadas às características físico-bióticas e ao processo de ocupação do Estado de Roraima.
Nas savanas estépicas, presentes no norte do Estado de Roraima e onde se localizam a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e o Parque Nacional do Monte Roraima, a atividade turística possui grande potencial, inclusive para o etnoturismo. O sítio arqueológico da Pedra Pintada, localizado no município de Pacaraima, é outro ponto turístico de grande beleza cênica, abrigando dezenas de pinturas rupestres. Para tanto, é necessária a implementação de um programa de desenvolvimento do turismo que estimule a divulgação dos pontos turísticos do estado, fortaleça a infraestrutura hoteleira da região e incremente as rotas de acesso aos principais destinos turísticos. Além disso, dotada de elevado potencial mineral (sobretudo de ouro e diamantes), faz-se necessário o aumento da fiscalização na região, de modo a impedir a presença de garimpos ilegais no interior das Terras Indígenas, ao tempo em que se busca a regulamentação da mineração em Terras Indígenas, conforme consta na Constituição. Também se apresenta como desafio a gestão desses territórios e sua organização política.
Na região das savanas úmidas, que concentra as mais expressivas atividades agropecuárias da região, grande parte da população rural é formada por agricultores que residem em estabelecimentos de pequeno porte, resultado do intenso processo migratório ocorrido nas décadas de 80 e 90. Nesse segmento, que sempre foi associado a uma agricultura migratória de derruba e queima, com pouca estabilidade territorial e diversidade agronômica, deve-se estimular a diversificação dos sistemas de produção, incluindo um programa de recuperação de áreas degradadas com foco nos sistemas de integração lavoura-pecuária, que permitem conciliar a produção animal e a produção de grãos em uma mesma área. Ademais, cabe ordenar a atividade madeireira e promover práticas de produção agrícola que causem menos impactos ao meio ambiente (a exemplo do cultivo mínimo, do plantio direto, do manejo de pragas, da rotação de culturas, etc.).
Nessa região, a piscicultura apresenta um grande potencial, sendo que os incentivos à produção conferem ao segmento (em especial o cultivo de tambaqui) um vasto potencial de crescimento, tanto para o mercado nacional como para o internacional. A região apresenta lagos ideais para a piscicultura, que pode ser desenvolvida com tecnologia de criação adequada, que reduza os riscos. A apicultura, ainda que não consiga atender atualmente o mercado consumidor local, tem apresentado significativo crescimento nos últimos anos e também se configura como uma atividade promissora, resultado da diversidade de formações vegetais nativas e do uso de equipamentos que possibilitam a produção do chamado mel orgânico.
Além disso, essa região apresenta um alto potencial para o desenvolvimento da fruticultura, destacando-se as culturas do abacaxi, do açaí, da acerola, da banana, do caju (castanha e polpa), do cupuaçu, da manga, do mamão, do maracujá e da uva, em sua maioria irrigadas. Registra-se também a possibilidade de instalação de uma fruticultura regional ainda não explorada comercialmente, mas com excelente potencial de desenvolvimento, como o buriti, a carambola, a goiaba, a graviola e o taperebá, que já despertam o interesse de empresários locais.
De modo geral, ainda é preciso promover a infraestrutura de processamento, armazenamento e escoamento da produção. Nesse sentido, além das áreas de livre comércio já criadas, está prevista a implantação de uma Zona de Processamento e Exportação em Boa Vista com o objetivo de estimular a instalação de indústrias na região, por meio do abono e da isenção de impostos para a exportação. Assim, e tendo em vista a posição interiorana de Roraima, a construção de um porto seco em Boa Vista para escoar a produção do Estado constituiria uma opção complementar ao processo de integração do Estado com a economia caribenha, contribuindo também para diminuir a atual dependência que a economia do Estado de Roraima tem do setor público - 80% das receitas do Estado são provenientes de transferências da União.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Estimular a diversificação dos sistemas de produção, incluindo o desenvolvimento de um programa de recuperação de áreas degradadas com foco nos sistemas de integração lavoura-pecuária, que permitem conciliar a produção animal e a produção de grãos em uma mesma área. · Ordenar a atividade madeireira no sul da região e promover práticas de produção agrícola que causem menos impactos ao meio ambiente (a exemplo do cultivo mínimo, do plantio direto, do manejo de pragas, da rotação de culturas, etc). · Promover a cadeia produtiva da fruticultura, dotada de excelente potencial de desenvolvimento na região (buriti, carambola, goiaba, graviola e taperebá), acompanhada pela instalação de infraestrutura para o processamento, o armazenamento e o escoamento da produção. · Garantir a implantação de uma Zona de Processamento e Exportação em Boa Vista, com o objetivo de estimular a instalação de indústrias na região através do abono e da isenção de impostos para a exportação. · Construir um porto seco em Boa Vista para escoar a produção do Estado. · Implementar programa de desenvolvimento do turismo que estimule a divulgação dos pontos turísticos do Estado de Roraima (como a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e o Parque Nacional do Monte Roraima), fortaleça a infraestrutura hoteleira da região e incremente as rotas de acesso aos principais destinos turísticos. · Aumentar as ações de fiscalização na região para coibir a presença de garimpos ilegais no interior de Terras Indígenas, ao tempo em que se busca a regulamentação da mineração nessas terras, conforme consta na Constituição. |
□ Fortalecimento das capitais costeiras, regulação da mineração e apoio à diversificação de outras cadeias produtivas
Caracterização da unidade
Trata-se de um território-rede (Figura 4) constituído pelas redes de estradas e de energia, bem como pelas redes da Vale e das capitais costeiras, sobretudo Belém, ou seja, redes logísticas, econômicas e sociopolíticas. Cabe registrar que é a unidade mais bem servida em energia e circulação.
Até recentemente denominada Companhia Vale do Rio Doce, antiga empresa estatal, hoje privada, a atual Vale é o agente de maior poder na organização territorial no norte-nordeste da Amazônia Legal, com forte influência nos Estados do Pará, Maranhão e Amapá, inclusive nas suas respectivas capitais estaduais.
Sua territorialidade fundamenta-se na atividade mineral, sobretudo do ferro e da bauxita, e numa logística intermodal de grande escala, que lhe garante controle de vasto território, além da possibilidade de diversificação de atividades - é hoje a maior empresa logística do País - e de exercer poder econômico no espaço global e poder político em nível local, estadual e nacional.
Cumpre registrar que a implantação deste sistema logístico intermodal pouco alterou o padrão primário de uma economia extrativista exportadora de matéria-prima. A insuficiência de uma política industrial culminou na organização de cadeias produtivas incompletas, com a maior agregação de valor ao minério ocorrendo no exterior, onde se encontra um menor custo de oportunidade. Em consequência, a despeito da Compensação Financeira pela Extração Mineral (Cfem) paga aos municípios, estados e União, o potencial de benefícios que a atividade poderia gerar para a região fica muito aquém do desejado.
A mineração da Vale é acompanhada por outras corporações estrangeiras na exploração da bauxita, por vezes em joint ventures, conformando um grande complexo mineral no Estado do Pará. A esse complexo mineral se associa a hidrelétrica de Tucuruí, necessária à produção de alumínio, a partir da alumina, que por sua vez é produzida a partir da bauxita. Foi com a exploração das minas de ferro e manganês de Carajás que a empresa se transformou em uma corporação transnacional com explorações em várias partes do globo e múltiplas parcerias estrangeiras. Acresce-se o grande número de autorizações de pesquisa mineral que a corporação possui na região, com possibilidade de futuras explorações.
Contudo, alguns benefícios indiretos da Vale para a região são importantes, tais como as vias de circulação, os portos fluviais e marítimos que acolhem navios oceânicos de grande porte e o crescimento de cidades e núcleos urbanos. Além disso, desde 2007 a empresa estabeleceu uma normativa de que não mais venderia minério a guseiras que não atendessem as legislações ambiental e trabalhista, o que deverá conter a explosão desse segmento siderúrgico. Por último, a Vale anunciou, em 2008, um projeto de investimento de US$ 5 bilhões até 2012 para a criação de um polo siderúrgico no Estado do Pará. A maior parte dos recursos, US$ 3,3 bilhões, será destinada para a construção de uma usina siderúrgica com capacidade de produção de 2,5 milhões de toneladas de aço ao ano, em Marabá, que deve entrar em operação nos próximos quatro ou cinco anos. Essa produção será voltada ao mercado interno e incluirá não apenas a produção de aço bruto, mas itens como bobinas a quente, chapas grossas e tarugos.
As regiões metropolitanas de Belém (com 2,15 milhões de habitantes, segundo as estimativas populacionais do IBGE para 2009) e de São Luís (1,27 milhão) e a aglomeração urbana de Macapá (478 mil) têm suas dinâmicas associadas em grande parte - mas não somente –, à logística da Vale, como portos fluviais e marítimos de suas cadeias produtivas. Outrora única metrópole da Amazônia Legal, Belém passou a dividir essa posição com Manaus, sendo hoje ainda uma metrópole, mas com influência em território muito menor, basicamente restrita ao próprio estado. Suas redes seguem o traçado dos grandes eixos de circulação. Sob influência da Belém–Brasília (BR-010), segue pela rodovia PA-150 para o sul até Redenção, através de Marabá; para oeste segue por duas vias: pela Transamazônica (BR-230), até Altamira e Itaituba, e pelo vale do Amazonas até Santarém e, daí, pela BR-163 até Novo Progresso, onde divide sua influência com Cuiabá, via Sinop; para o norte, estende sua influência até Macapá, centro regional classificado com o mesmo nível de Santarém e Marabá. São Luís, embora não seja metrópole, e sim capital regional, exerce forte influência sobre Imperatriz e todo o oeste e sul maranhense.
Assim, da combinação das redes logísticas da Vale, das empresas de mineração transnacionais, das cidades e da grande presença de produtores familiares no eixo da Transamazônica, resulta a atual configuração e dinâmica territorial diversificada, a seguir indicada.
1) CADEIAS PRODUTIVAS DA ATIVIDADE MINERAL
a) Cadeias da bauxita - alumina - alumínio em Oriximiná, Juruti e Paragominas
A cadeia principal, mais antiga, tem origem em Oriximiná, operada pela Vale, por meio da Mineração Rio do Norte: aí acontece a lavra da bauxita e seu beneficiamento primário, de onde segue, por via fluvial a partir de Porto Trombetas, distrito de Oriximiná, até o porto de Vila do Conde, em Barcarena, onde as empresas da companhia Alunorte e Albrás transformam a bauxita em alumina e alumínio primário, respectivamente; parte da bauxita de Oriximiná também é exportada por via marítima e transportada para outros municípios, inclusive para São Luís, onde está localizada a Alumar, empresa da Alcoa.
A Alcoa, corporação transnacional estrangeira presente na região, implantou recentemente imensa exploração de bauxita em Juruti, na fronteira do Estado do Pará com o Estado do Amazonas, devendo utilizar a mesma rota de escoamento da produção.
Além disso, a cadeia da bauxita foi ampliada recentemente com um novo ramal, pequeno, mas inovador: o concentrado de bauxita produzido em Paragominas é transportado até Barcarena, em forma de polpa, através de um mineroduto de aproximadamente 230 km de extensão. Essa inovação no transporte de minérios não se restringe à bauxita, sendo estendida ao caulim produzido também no Estado do Pará.
b) Cadeia do ferro em Carajás
O ferro é o recurso mineral mais importante de Carajás, uma das maiores reservas minerais do planeta. Sua cadeia é mais complexa: na mina o minério é explorado, britado e peneirado; em seguida é transportado pela Estrada de Ferro Carajás até o terminal de Ponta da Madeira, no porto oceânico de Itaqui, de propriedade da Vale, de onde parte é exportada ou transformada na usina de pelotização de São Luís. Ao longo do trajeto ferroviário há outros suprimentos na cadeia: são pontos de desembarque de minério de ferro para guseiras e embarque de ferro-gusa para Itaqui, localizados em Marabá, Açailândia, Santa Inês e Bacabeira, que se constituem também em núcleos residenciais.
A produção de ferro-gusa a partir do minério de ferro e do carvão vegetal produzido com base em fornos de carvoejamento é, até hoje, a atividade de maior valor agregado na região. Como se pode inferir, a cadeia do ferro-gusa é ao mesmo tempo causa e consequência do desmatamento para a obtenção de madeira, iniciado quando da época das políticas de governo para ocupação da região, com o aproveitamento dos restos para a produção de carvão vegetal e seu consumo pelas siderúrgicas do local.
Em 1997, após sua privatização, a Vale obteve a concessão de transporte de cargas e passageiros pela Estrada de Ferro Carajás, movimento que ganhou intensidade com sua conexão à Ferrovia Norte-Sul, de Açailândia à Estreito, no Maranhão, já operando atualmente até Guaraí, no Estado de Tocantins. A partir de então, é crescente a exportação da soja produzida no sul do Estado do Maranhão e do Estado do Piauí, no Estado do Pará e no leste do Estado do Mato Grosso pela ferrovia, e tem-se prevista também sua conexão à ferrovia Transnordestina, em Estreito.
c) Cadeia do ferro, ouro e caulim no Estado do Amapá, em substituição à antiga cadeia do manganês na Serra do Navio
Explorado até o final dos anos 1990 pela Indústria e Comércio de Minérios (Icomi), o manganês produzido na Serra do Navio constituiu-se como uma das mais importantes atividades econômicas do Estado do Amapá. Depois de extraído e submetido a um beneficiamento primário na mina, o minério de manganês era exportado pela Estrada de Ferro do Amapá até o porto de Santana, onde funcionou uma usina de pelotização. Esgotado o manganês, as jazidas de ferro e ouro da Serra do Navio passaram a ser exploradas pela Vale, utilizando-se a Estrada de Ferro do Amapá para escoamento, mas não mais pelo porto da Icomi e, sim, pelo porto da empresa Amapá Florestal e Celulose S.A. (Amcel), também no município de Santana.
Atualmente, a produção de caulim no município de Vitória do Jari pela empresa Caulim da Amazônia S.A (Cadam), subsidiária da Vale, é a atividade mineral de maior expressão no Estado do Amapá, representando 32% da produção brasileira.
A atividade mineral destaca-se nesta Unidade Territorial por constituir ilhas de crescimento econômico independentes da influência de Belém, fortemente dependentes dos recursos oriundos da Cfem - em um grande número de casos superior ao orçamento municipal - e das demandas por bens e serviços das empresas mineradoras e de seus empregados. Em síntese, esses enclaves da mineração na floresta ombrófila densa atuam com autonomia própria, tanto sob o aspecto político quanto econômico.
Contudo, esse crescimento econômico localizado nem sempre se dá sobre bases sustentáveis, devido, principalmente, a dois fatores: o acesso às vezes restrito da comunidade local às infraestruturas, bens e serviços criados para atender as demandas da mineração, e a inexistência de um planejamento de médio e longo prazo, que garanta a continuidade desse crescimento econômico, associado à inclusão social e à preservação ambiental, para a fase posterior ao fechamento da mina. Tal foi o caso da exploração mineral na Serra do Navio e, caso não se tome as medidas apropriadas, poderá ser o caso dos núcleos de exploração de bauxita em Oriximiná e em Juruti, ambos no Pará.
2) REDES E TERRITORIALIDADES DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DAS CAPITAIS
a) Comércio e serviços
O povoamento denso da faixa costeira dos Estados do Pará e Maranhão - com presença expressiva de assentamentos do Incra na proximidade das capitais, sobretudo em São Luís –, sustenta importantes redes comerciais e de serviços em Belém e São Luís e o crescimento de numerosos núcleos urbanos em seus entornos. Fluxos comerciais de longa distância alimentam igualmente o comércio das capitais: Belém recebe bovinos de Santarém e da Transamazônica, bovinos e milho da frente de São Félix do Xingu e milho e leite do nordeste paraense. Para São Luís (Itaqui) converge a grande produção de arroz e milho do próprio Estado e, em menor escala, a produção de soja do sul do Estado e do Estado de Tocantins.
b) Madeira
Menção especial deve ser feita a Belém como centro de produção de madeira em tora. Extenso arco florestal dispõe-se ao redor da cidade, estendendo-se desde o extremo norte da fronteira com o Estado do Amapá até o nordeste do Estado do Pará, onde se registra intensa exploração madeireira predatória. Destacam-se, sobretudo, os municípios de Monte Alegre e Almeirim, no Estado do Pará, sendo que no segundo, ao lado do manejo florestal realizado pelo Grupo Orsa, perdura a extração madeireira predatória em plena floresta ombrófila densa.
Traço marcante do nordeste do Estado do Pará, as áreas degradadas pelo uso inadequado da agricultura e da pecuária, para abastecimento de Belém e das áreas produtoras de seringa, desde a época do boom da borracha, são hoje foco de atração para plantações de dendê que, iniciadas com a Agropalma, registram a implantação de uma nova empresa, a Biopalma, com essa finalidade.
c) Pesca e aquicultura
Se as cadeias e redes logísticas e de transação superaram a histórica rede fluvial do rio Amazonas, esta ainda é importante via de circulação e, no estuário do grande rio, permanece forte a cultura paraense vinculada ao rio.
Neste particular, o destaque da pesca e da aquicultura, especialmente da primeira, é percebido histórica e massivamente em toda a zona costeira e ribeirinha, corroborada pelas estatísticas de produção dos Estados do Maranhão, Pará e Amapá, que congregam cerca de 20% do total da produção pesqueira nacional e têm mais de 33% dos quase 800 mil pescadores nacionais cadastrados.
Esta pesca, multiespecífica ou orientada, tem forte escoamento para as capitais, especialmente Belém, onde o processamento, ainda que não plenamente terminal, é feito objetivando diversos mercados, inclusive internacionais. Registra-se que no Estado do Amapá há expressiva evasão de divisas pesqueiras para frotas e mercados guianenses. A pesca amadora e a pesca ornamental, esta bastante alinhada à exportação, também constituem cadeias cada vez mais expressivas e, em certo grau, geradoras de conflitos.
d) Santarém
A territorialidade de Santarém, maior município do interior do Estado do Pará e centro regional, se expressa no crescimento da cidade e na organização de uma área de influência dinâmica contemporânea, graças à sua posição estratégica em relação a antigas e novas atividades. Fundada há mais de três séculos e situada na calha sul do rio Amazonas, Santarém cresceu devido à sua função de porto fluvial exportador de madeira e pescado, além de ponto de articulação entre Belém e Manaus.
A colonização do Incra implantada ao longo da Transamazônica, na década de 70, e vários outros projetos nos arredores de Santarém animaram seu crescimento comercial, então estagnado. Mas é a estrada Cuiabá-Santarém e sua frente agropecuária que fizeram crescer a importância estratégica de Santarém, hoje com cerca de 280 mil habitantes. A simples notícia de asfaltamento da estrada tem atraído migrantes para o município e a Cargill estimulou o plantio de soja mediante a construção de um porto graneleiro e o financiamento de produtores que implantaram esta lavoura no planalto de Santarém.
e) Quebradeiras de coco babaçu
A territorialidade das quebradeiras de coco babaçu é expressiva no Estado do Maranhão, onde cerca de trezentas mil pessoas vivem da extração do produto, das quais 90% são mulheres.
A expansão da atividade agropecuária, com a implantação de monoculturas e pastagens, tem gerado um aumento significativo do desmatamento e dos conflitos de interesse relacionados à utilização dos babaçuais, inclusive em Unidades de Conservação oficialmente reconhecidas. Mais recentemente, tem vindo da siderurgia uma forte ameaça para o extrativismo do babaçu: para suprir a grande demanda de carvão da atividade, tem sido produzido carvão a partir do coco babaçu sem a extração da amêndoa, o que inviabiliza os outros usos do produto e desarticula a forma tradicional de produção. Adicionalmente, a forma extremamente predatória e indiscriminada com que é feita a coleta dos frutos pode se configurar em ameaça para a espécie vegetal e tem causado preocupação a entidades ligadas ao setor ambiental. Ademais, a coleta é feita por trabalhadores sem afinidade com o extrativismo tradicional, o que instala um conflito com as quebradeiras de coco, que ficam privadas do recurso natural. Como agravante, as siderúrgicas não possuem capacidade de plantio e de reposição florestal que dê sustentação à cadeia produtiva.
Conflitos fundiários e ambientais estão presentes, na verdade, em toda essa Unidade Territorial. Os maiores conflitos, associados ao desflorestamento e à apropriação ilegal da terra, ocorreram entre os anos de 1970 e 1985 no nordeste do Estado do Pará e em torno de Carajás, entre posseiros nordestinos e fazendeiros e empresas do Sudeste-Sul. Hoje, estes conflitos têm forte incidência na área da Transamazônica, por onde avançam frentes comandadas por Belém, e na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém.
Há também conflitos de terra envolvendo a atividade mineral. Embora a Constituição Federal de 1988 faça diferença entre a propriedade da terra e do subsolo, este último pertencente à União, esses conflitos às vezes afloram quando se inicia a exploração mineral. Assim foi em Carajás, assim ocorre hoje em Ourilândia do Norte, de onde são deslocados colonos para outras áreas, sob forte indignação.
Por fim, em relação ao aproveitamento do petróleo, está prevista a instalação da Refinaria Premium I da Petrobrás, que quando em pleno funcionamento, previsto para 2015, será a maior refinaria da empresa, a maior da América Latina e uma das maiores do mundo. A refinaria será instalada no município de Bacabeira, no Estado do Maranhão, localizado 50 km ao sul de São Luís, em ponto estratégico da rodovia BR-135 e da Estrada de Ferro Carajás.
Estratégias propostas
Uma agenda bipartida é necessária nessa unidade, visando tanto o mercado externo quanto as condições de vida da população regional, mas condicionada à inovação, à industrialização e à regulação. Frente à alta de preços dos minérios no mercado internacional, retomada após a crise mundial de 2008, veio à tona a questão do modo de organização da mineração. Um novo quadro regulatório está em discussão, envolvendo questões tributárias, de royalties, formas de aplicação dos recursos gerados e novas regulamentações sobre como se dará as autorizações e concessões minerais, beneficiando os interesses nacionais.
Para que a atividade mineral beneficie a região, devem ser estabelecidas, pelo menos, as seguintes políticas: (1) industrialização in loco de parte da produção, mediante a implantação e expansão de siderúrgicas, de outras indústrias da transformação mineral e considerando que a comercialização destes produtos com outras regiões e com o exterior demandará ajustes no sistema de transporte; (2) planejamento integrado, articulando as cadeias com o contexto local, promovendo a diversificação da economia local, incluindo o desenvolvimento florestal e a diversificação produtiva de alimentos, e evitando-se, assim, a dependência excessiva de uma única atividade; (3) utilização de novas fontes de energia, além da hidrelétrica, aproveitando-se os potenciais locais e evitando-se os subsídios; e (4) proibição da venda de minérios a segmentos industriais que utilizam carvão vegetal de mata nativa além dos limites da reserva legal, em especial as guseiras.
Tais condições aplicam-se também a todos os projetos minerais, energéticos e rodoviários previstos para a Amazônia Legal e Sul-americana. Considera-se que o Plano Duo-Decenal (2010-2030) da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério de Minas e Energia, em elaboração, configura-se em uma oportunidade de mudanças estratégicas na política mineral do País e é desejável que seus resultados sejam traduzidos em efetivo desenvolvimento para a região amazônica, que merece usufruir do fantástico potencial de recursos minerais existentes na região.
De fato, os recursos minerais, vitais para os Estado do Pará e Amapá, desde que utilizados em novas bases, podem compor um extenso polo mínero-metalúrgico, correspondente às cadeias das corporações hoje presentes e a outras que se formarem eventualmente. Belém e São Luís devem ser equipadas para tirar partido da inovação industrial integradora como gestoras do território transformado, além de poderem usufruir das oportunidades decorrentes de suas posições geográficas, que abrem possibilidades de ações marítimas.
Para o Estado do Amapá, a industrialização do minério e da bioprodução (que não deverá ficar restrita aos produtos da floresta e deve incluir, também, a pesca marinha) pode fortalecer a economia e conferir maior autonomia ao estado, com o apoio, inclusive, da construção de um porto offshore para escoamento desta produção, hipótese esta já cogitada pelo governo estadual.
No nordeste do Estado do Pará, onde o governo paraense empenha-se na recuperação da atividade florestal com campanhas como o projeto Um Bilhão de Árvores, a floresta ombrófila densa destruída deve ser replantada, inclusive com espécies nativas de alto valor comercial, como o mogno e o paricá, cabendo às corporações, também, essa obrigação, mediante um sistema de parceria com os produtores familiares, atestando a efetiva responsabilidade socioambiental dessas corporações.
Iniciativa de recuperação da qual já participa a Vale é a terceirização da plantação de dendê, de agricultores familiares. Essa plantação, contudo, deve estar sujeita aos limites da área estabelecida pelo Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo, sob o risco de expandir-se a produção pela derrubada de florestas.
Pode-se ainda adotar uma reserva legal de 50%, visto que é possível reduzi-la de 80% para 50%, para fins de recomposição, se ZEEs elaborados na escala de 1:250.000 ou maiores assim o determinarem. Neste sentido, também se faz necessário investir na produção e adoção de fornos de carvoejamento mais eficientes e seguros, superando as formas atuais de produção em benefício de um modelo ambientalmente sustentável e socialmente includente.
Devem ainda ser aprofundados os estudos para avaliar a viabilidade da produção de carvão a partir das cascas de coco babaçu para suprimento da siderurgia. Do ponto de vista ambiental, a valorização do carvão das cascas de babaçu apresenta-se como oportunidade, pois além de diminuir a pressão sobre os recursos madeireiros, a coleta do coco não depende da derrubada das palmeiras. Do ponto de vista social e econômico, poderia ser uma alternativa para a valorização da cadeia produtiva do babaçu, desde que houvesse a inserção produtiva da população extrativista, com a geração de emprego, renda e justa repartição dos benefícios decorrentes. Ademais, e visando o fortalecimento do extrativismo vegetal, reveste-se de fundamental importância para as quebradeiras de coco babaçu a criação de sistemas de produção e comercialização em maior escala, por meio do incentivo ao associativismo e das organizações locais, que busquem, além do mercado interno, as exportações.
Há ainda duas outras ações de grande potencial para enriquecer as cadeias produtivas da região: a primeira é ampliar o uso da biomassa da floresta manejada, principalmente seus resíduos, de forma que o carvão vegetal venha a ser apenas um de seus muitos produtos; e a segunda é favorecer investimentos nas siderúrgicas da região para que possam produzir aço, não apenas ferro-gusa, e bens acabados, como chapas e perfis laminados. É preciso pensar na cadeia do aço verde (aço produzido a partir do uso de carvão vegetal de florestas plantadas), sob uma perspectiva de larga escala: embora não se possa descartar a possibilidade de uso de outras fontes de carvão vegetal (como o coco babaçu, por exemplo), a madeira permite um número maior de desdobramentos que podem, inclusive, alcançar a indústria moveleira. É importante ressaltar que também há, para esse setor, oportunidades de elaboração de projetos no âmbito do MDL. Recursos adicionais das finanças de carbono poderiam incentivar o estabelecimento de cadeias produtivas sustentáveis, e o uso sustentável de carvão vegetal como matéria-prima renovável poderia ser ampliado na região.
A pesca e a aquicultura - bem como sua vertente marinha, a maricultura - configuram-se como extremamente favoráveis à região, pela diversidade de ecossistemas e pelas crescentes demandas relativas à segurança alimentar, à diversificação da produção e à geração de emprego e renda. De fato, a pesca e a aquicultura responsáveis, a partir do manejo e de tecnologias sustentáveis, inclusive com a produção de rações alternativas, protagonizam excelente alternativa de produção de alimentos e divisas.
Por fim, a região do rio Tocantins, ao leste do Estado do Pará e oeste do Estado do Maranhão, constitui uma ecorregião bastante devastada, com aproximadamente 80% de sua formação vegetal original já desmatada ou degradada. Por outro lado, abriga importantes espécies da fauna e flora amazônicas e, dessa forma, a recuperação dos passivos ambientais e a preservação dos remanescentes florestais, habitat dessas espécies, deve ser promovida.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Garantir o planejamento integrado da atividade mineral, articulando as cadeias com o contexto local, promovendo a diversificação da economia local (incluindo o desenvolvimento florestal e a diversificação da produção de alimentos) e evitando-se, assim, a dependência excessiva da atividade mineral. · Aprofundar a discussão acerca da criação de um novo marco regulatório para a mineração, envolvendo questões tributárias, royalties, formas de aplicação dos recursos gerados e novas regulamentações sobre como se dará as autorizações e concessões minerais, beneficiando os interesses nacionais. · Promover a industrialização in loco de parte da produção mineral, mediante a implantação e expansão de siderúrgicas, de outras indústrias da transformação mineral e considerando que a comercialização destes produtos com outras regiões e com o exterior demandará ajustes no sistema de transportes. · Favorecer investimentos para que as siderúrgicas da região possam produzir aço, não apenas ferro-gusa, e bens acabados, como chapas e perfis laminados. · Aprofundar os estudos para avaliar a viabilidade da produção de carvão a partir das cascas de coco babaçu para suprimento da siderurgia, promovendo a inserção produtiva da população extrativista, com a geração de emprego, renda e justa repartição dos benefícios decorrentes. · Estimular a formação da cadeia do aço verde (aço produzido a partir do uso de carvão vegetal de florestas plantadas), sob uma perspectiva de larga escala, o que permitiria, inclusive, fomentar a indústria moveleira. · Estimular a adoção de fornos de carvoejamento mais eficientes e seguros, superando as formas atuais de produção em benefício de um modelo ambientalmente sustentável e socialmente includente. · Proibir a venda de minérios a segmentos industriais que utilizam carvão vegetal de mata nativa além dos limites da reserva legal, em especial as guseiras. · Favorecer a utilização de novas fontes de energia, além da hidrelétrica, aproveitando-se os potenciais locais e evitando-se os subsídios. · Incentivar a industrialização do minério e da bioprodução no Estado do Amapá para fortalecer a economia e conferir maior autonomia ao estado, com o apoio, inclusive, da construção de um porto offshore para escoamento desta produção. · Fomentar o replantio da floresta ombrófila densa já desmatada no nordeste do Estado do Pará, inclusive com espécies nativas de alto valor comercial (como o mogno e o paricá), cabendo às corporações, também, essa obrigação, mediante um sistema de parceria com os produtores familiares. · Criar sistemas de produção e comercialização em maior escala para o fortalecimento do extrativismo vegetal em benefício das quebradeiras de coco babaçu, por meio do incentivo ao associativismo e das organizações locais, que busquem, além do mercado interno, as exportações. · Ampliar o uso da biomassa da floresta manejada, principalmente seus resíduos, de forma que o carvão vegetal venha a ser apenas um de seus muitos produtos. · Promover a pesca e aquicultura responsáveis, a partir do manejo e de tecnologias sustentáveis, inclusive com a produção de rações alternativas, para a produção de alimentos e divisas. · Equipar Belém e São Luís com serviços de infraestrutura, educação, saúde e saneamento, dentre outros, que permitam a essas cidades atuar como gestoras ativas do território transformado a partir da inovação industrial integradora. · Promover a preservação dos remanescentes florestais, habitat da formação vegetal original já desmatada ou degradada. |
□ Fortalecimento do policentrismo no entroncamento Pará-Tocantins-Maranhão
Caracterização da unidade
Na borda sul da unidade organizada pelo complexo da mineração e pelas cidades de Belém e São Luís situa-se uma área dinamizada por um conjunto de cidades articuladas - policêntrica –, cuja territorialidade consolida-se graças à sua posição estratégica no contato dos três estados - Pará, Tocantins e Maranhão - e, sobretudo, no cruzamento das redes de infraestrutura de quatro eixos viários de fundamental importância na região: rodovia Belém-Brasília (BR-010), rodovia Transamazônica (BR-230), Estrada de Ferro Carajás e ferrovia Norte-Sul (Figura 5).
São as seguintes as cidades que compõem esse conjunto policêntrico: Marabá (PA), Imperatriz (MA) e Araguaína (TO), as mais importantes e de mesmo nível hierárquico, seguidas de outras de menor nível, como Açailândia (MA), Colinas do Tocantins (TO) e Guaraí (TO). Essas cidades são centros de destino das três áreas de maior produção, densidade e volume de fluxos de bovinos da região, provenientes da área de pecuária melhorada do leste e sudeste do Estado do Pará e de suas frentes de expansão comandadas por São Félix do Xingu e Redenção (Mapa 1).
Uma importante cadeia pecuária configurou-se nesse território. Trata-se de uma pecuária melhorada que envolve pastagens plantadas e renovadas, maior lotação de pastos e melhoria do rebanho.
Embora a produção pecuária seja muito menor no Estado de Tocantins, é para as cidades deste estado, porque localizadas no eixo da rodovia BR-153 (Transbrasiliana), que convergem a maior densidade de fluxos, com grande destaque para Araguaína. Esta recebe ainda fluxos de Imperatriz e da Transamazônica, parte dos quais se destinam também para Marabá. Para Colinas do Tocantins e Guaraí destinam-se os fluxos de Redenção, que recebe a produção da pecuária melhorada destinada também para Palmas. Apesar de menor, a produção no Estado de Tocantins encontra-se em expansão, em especial após a classificação do estado, pela Organização Mundial de Saúde, como área livre de febre aftosa.
Para Marabá destinam-se também fluxos de soja do nordeste do Estado do Mato Grosso, e todas as cidades, sobretudo Araguaína, recebem densos fluxos de milho - do próprio Estado - e fluxos pouco volumosos e densos de arroz (Mapa 2) originados fora do estado, sobressaindo mais uma vez Araguaína, que destina arroz para São Paulo.
Em estudo recente, o setor rural na região Norte é analisado a partir de três trajetórias camponesas e três trajetórias patronais (COSTA, 2009). A pecuária de corte nessa região corresponde à trajetória patronal da região Norte com maior valor de produção - correspondente a 25% do total do setor rural –, empregando 11% dos trabalhadores e respondendo por 70% da área degradada. É também a atividade patronal que mais cresce, em torno de 5% ao ano. Também nessa área encontram-se as três trajetórias camponesas: (1) a clássica, baseada em culturas diversas e na pecuária leiteira; (2) a do extrativismo vegetal não madeireiro e (3) a orientada para a pecuária de corte, todas em crescimento.
Esta unidade sofre ainda influência da Unidade Territorial das capitais costeiras pela articulação com as cadeias da mineração. Aqui é feita a maior parte da produção de ferro-gusa, nos polos localizados em Marabá e Açailândia, reproduzindo as questões anteriormente relacionadas ao fornecimento de carvão vegetal para abastecer a atividade siderúrgica.
Não apenas as redes de infraestrutura, como também as cadeias produtivas da pecuária bovina e os serviços associados à mineração, respondem pelo policentrismo que caracteriza esse território. Também nesse entroncamento encontra-se uma forte concentração de assentamentos do Incra e de pequenos produtores não assentados, cujo consumo, embora parco, em conjunto anima as cidades. Esses produtores familiares têm forte presença no leste e sudeste do Estado do Pará e no Bico do Papagaio, ao norte do Estado de Tocantins. Diferem dos pequenos produtores da Transamazônica, tratando-se no Estado do Pará de grande número de pequenos assentamentos que não foram associados a um grande projeto de colonização. Com efeito, nessa área deu-se o primeiro movimento migratório espontâneo, do Nordeste para o Estado do Pará e para o Estado do Maranhão e posteriormente para o Estado do Tocantins, sendo que os assentamentos organizaram esse movimento, sendo, assim, menores e fragmentados.
No Bico do Papagaio, onde foram violentos os conflitos fundiários em torno dos assentamentos e do extrativismo do babaçu, organiza-se uma série de movimentos sociais, populares e religiosos. A rede da Pastoral da Terra organiza os agricultores em equipes locais, articuladas à sede estadual do Tocantins em Araguaína, revelando a forte atuação dessa cidade na área, pois é o único caso, na Amazônia Legal, em que a sede estadual da Pastoral da Terra não se localiza na capital do Estado. De forma semelhante, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) também tem sua sede no Estado localizada na região, em São Miguel do Tocantins, ao contrário das demais sedes na Amazônia, localizadas sempre nas capitais.
Os pequenos produtores e os povos e comunidades tradicionais organizam-se ainda em torno dos sindicatos de trabalhadores rurais, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet), da Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Ambip), do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e do Fórum da Amazônia Oriental (Faor). Assim como as redes de infraestrutura, da mineração e da pecuária, as redes sociais também se articulam e têm conexões fora desta Unidade Territorial. O MIQCB, por exemplo, conforma-se em uma extensa rede que conecta outras porções do Estado do Pará e do Estado do Maranhão, além de articular nós na região Nordeste. Da mesma forma, os sindicatos de trabalhadores rurais têm articulação local e regional e organizam-se verticalmente nas federações estaduais, além de atuar de forma cooperada com outras organizações, como o CNS. Se lhes falta densidade do ponto de vista econômico, do ponto de vista social e político tais redes têm forte protagonismo, constituindo uma territorialidade que desempenha importante papel na defesa dos recursos naturais na região.
Existem ainda cooperativas de produção e consumo em diversos municípios, sendo as de Araguaína, Wanderlândia e Augustinópolis as mais expressivas. Na região, identifica-se também a presença de Sindicatos de Produtores Rurais, ou Sindicatos Rurais, agregando os grandes e médios fazendeiros pecuaristas de corte. A pecuária leiteira tem sido vista como promissora na região e a associação de produtores de leite começa a se fortalecer através do Programa da Bacia Leiteira, do Governo do Estado do Tocantins, que garante melhores preços para seus associados.
A produção agropecuária tem estimulado o mercado imobiliário. A demanda por terras para expansão da produção intensifica as grandes transações, com a consequente elevação de preços, tendo a região do Bico do Papagaio registrado os maiores valores em transações imobiliárias recentes. Além dos empreendimentos de grande porte, verifica-se ainda forte pressão antrópica em decorrência da implantação de projetos de assentamento.
A conversão de remanescentes de vegetação nativa em pastagens e cultivos agrícolas, principalmente em superfícies de áreas de preservação permanente e reservas legais, à qual se associa comumente a ocorrência de queimadas ilegais, tem impactado negativamente a biodiversidade, os solos e os recursos hídricos da região. Dentre as áreas que vêm enfrentando tais impactos está a superfície referente ao Corredor Ecológico Araguaia-Tocantins, maior área contínua de cerrados relativamente bem preservados no norte do Estado de Tocantins, com ocorrência de fragmentos florestais, sobretudo nas faixas de declives acentuados do Bico do Papagaio. Este corredor é responsável por serviços ambientais de conexão de fluxos gênicos e reabastecimento de aquíferos subterrâneos que alimentam os cursos d’água das duas bacias interligadas pelo corredor. Sua superfície tem sofrido alterações constantes em função da ampliação de pastagens, além dos impactos relacionados à implantação de grandes projetos de silvicultura baseados no plantio do eucalipto.
As extensões leste e nordeste do Estado do Tocantins, vinculadas a ambientes sedimentares, também possuem grandes extensões de vegetação de cerrado em bom estado de conservação. Algumas dessas superfícies possuem alta biodiversidade, conforme avaliações ecológicas conduzidas pelo governo estadual, sendo consideradas prioritárias para a implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral. Além disso, alguns compartimentos geoambientais, como as Chapadas do Jalapão estão inseridas em unidades geológicas do Grupo Urucuia, importante aquifero, que desempenha um papel relevante para a conservação e manutenção de recursos hídricos em nível regional. Todavia, em que pese tais serviços ambientais, algumas dessas áreas encontram-se em processo de conversão para lavouras de soja, face à topografia plana e ao baixo preço das terras.
Da mesma forma que na Unidade Territorial das capitais costeiras, ocorre nesta unidade a pressão sobre o extrativismo do babaçu, causada pela demanda de carvão para a siderurgia. No Estado do Tocantins, a prática tem sido coibida desde 2008, quando foi aprovada a Lei Estadual do Babaçu Livre
, que dentre outras medidas proíbe a carbonização do coco inteiro.Estratégias propostas
A posição estratégica no entroncamento logístico dos três estados e no contato entre os biomas Amazônia e Cerrado permitiu a recuperação de cidades antigas que interagem formando um conjunto dinâmico na recepção e exportação de múltiplos produtos.
Tirar partido e ampliar a logística disponível, visando à conectividade interna, possibilitarão a formação de uma região de economia agromineral e industrial ativa. Tal possibilidade tem como condição a implantação de atividades para criação de emprego e renda para as populações do Bico do Papagaio, que vivem ainda de práticas do século XIX, como é o caso das quebradeiras de coco babaçu, cujo aproveitamento deve ser finalmente solucionado. São também indicadas nesta unidade as estratégias referentes à obtenção de carvão a partir das cascas do coco babaçu, conforme indicado na Unidade Territorial das capitais costeiras.
As grandes extensões de terras degradadas e/ou abandonadas pela antiga frente de expansão devem ter um novo olhar. Estas áreas podem, inclusive, ser aproveitadas para a produção de alimentos, de vários tipos, in natura ou processados para o mercado interno, capazes de absorver o grande contingente de produtores familiares, e não se restringir apenas à soja.
A produção da aquicultura com peixes nativos é outra possibilidade para a região. Necessita, no entanto, de linhas de crédito apropriadas, produção de rações alternativas com base em matérias-primas locais - não só na soja –, centros de alevinagem, capacitação e assistência técnica, podendo ser realizada em áreas já extensivamente desflorestadas.
Considerando-se a inexorável expansão da silvicultura em toda a Unidade Territorial, por meio do cultivo de espécies exóticas como o pinus e o eucalipto, uma estratégia importante a ser implementada é o ordenamento das cadeias produtivas para uma maior agregação de valor e uma diminuição da pressão sobre os ambientes naturais. Indica-se a necessidade de compatibilizar a expansão da produção à manutenção de ambientes naturais que possuam fragilidades naturais ou que desempenhem serviços ambientais vitais à sociedade, como recarga de aquíferos e conexão de fluxos genéticos - caso do Corredor Ecológico Araguaia-Tocantins. Na sequência, deve ser estimulada, por meio de estudos e incentivos específicos, a adoção de espécies nativas como alternativa econômica, bem como a agrossilvicultura. Por fim, visando agregar valor em nível local, bem como a geração de emprego e renda, deve haver o estímulo a industrialização da produção madeireira.
Em resumo, a industrialização desses variados produtos na região é uma viabilidade que não pode deixar de ser aproveitada. Ademais, o Estado do Tocantins é detentor de grande potencial e produção de energia não aproveitada, constituindo-se como fornecedor de energia para o Sistema Interligado Nacional. É hora de utilizar esse recurso internamente, constituindo-se como polo industrial diversificado.
Paralelamente ao fortalecimento e integração da dinâmica produtiva interna, privilegiando-se as cadeias produtivas e arranjos produtivos locais, deve-se vislumbrar a articulação desta Unidade Territorial com os fluxos econômicos externos, considerando-se a ênfase aos produtos locais que possuam vantagens comparativas em relação às demais regiões do País, aproveitando-se o alcance da infraestrutura intermodal desenhada na área.
Também o turismo é promissor no estado, ressaltando-se como atrativos o Jalapão e a floresta petrificada, com seus fósseis de samambaias gigantes, em parte protegida por Unidade de Conservação - Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Estado do Tocantins - nos arredores do distrito de Bielândia (município de Filadélfia), criada no ano 2000.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Ampliar a logística disponível, visando à conectividade interna e possibilitando a formação de uma região de economia agromineral e industrial ativa. · Estimular o aproveitamento das grandes extensões de terras degradadas e/ou abandonadas pela antiga frente de expansão para a produção de alimentos de vários tipos, in natura ou processados, para o mercado interno, capazes de absorver o grande contingente de produtores familiares. · Incentivar a produção da aquicultura com peixes nativos, com linhas de crédito apropriadas, produção de rações alternativas com base em matérias-primas locais, construção de centros de alevinagem e fomento à capacitação e assistência técnica, priorizando-se aquelas áreas já extensamente desflorestadas. · Ordenar as cadeias produtivas da silvicultura para uma maior agregação de valor e uma diminuição da pressão sobre os ambientes naturais, estimulando-se, por meio de estudos e incentivos específicos, a adoção de espécies nativas e fomentando a industrialização da produção madeireira, visando a agregação de valor em nível local e a geração de emprego e renda. · Compatibilizar a expansão da silvicultura com a manutenção de ambientes naturais que possuam fragilidades naturais ou que desempenhem serviços ambientais vitais à sociedade, como recarga de aquíferos e conexão de fluxos genicos - caso do corredor ecológico Araguaia-Tocantins. · Promover o turismo, com destaque para os atrativos do Jalapão e da Floresta Petrificada. |
□ Readequação dos sistemas produtivos do Araguaia-Tocantins
Caracterização da unidade
Em duas áreas localizadas no cerrado, separadas apenas por estreita faixa de Unidades de Conservação e Terras Indígenas ao longo da fronteira entre os Estados de Mato Grosso e Tocantins, expande-se a pecuária e, de forma ainda fraca, a lavoura da soja. Compõem uma extensão situada entre as áreas de maior produtividade da pecuária no Estado do Pará e da soja no Mato Grosso; mais afastada dos grandes eixos de circulação rodoviária e de redes urbanas, só agora vêm sendo incorporada às cadeias dessas atividades neomodernizadas (Figura 6).
Nesta Unidade Territorial existe uma diferenciação físico-biótica e das formas de uso e ocupação entre as áreas mais elevadas, situadas nos interflúvios das duas bacias e suas bordas, e a porção central relacionada ao vale do Araguaia, uma extensa faixa de região pantaneira, nos limites estaduais entre Mato Grosso e Tocantins, também conhecida como Pantanal do Araguaia. Essa é uma das maiores áreas alagáveis da América do Sul, com superfície muito próxima à área do Pantanal do Paraguai e onde situam-se a Ilha do Bananal, algumas Unidades de Conservação, Terras Indígenas e comunidades tradicionais, como os retireiros do Araguaia, com aptidão regular para pastagens naturais.
No Estado do Mato Grosso, a expansão da pecuária dá-se na porção nordeste do Estado, ao longo da BR-158, entre o Parque do Xingu e a fronteira com o Estado do Tocantins, abrangendo tanto as áreas altas como a área pantaneira, comandada pelas cidades de Vila Rica - núcleo urbano situado no extremo nordeste do estado, no limite com o Estado do Pará –, Confresa e São Félix do Araguaia, região com baixa densidade populacional e segundo menor IDH mato-grossense. A pecuária extensiva é responsável pelos principais impactos ambientais nas áreas do Pantanal do Araguaia.
Barra do Garças recolhe densos fluxos de bovinos originários da região, principalmente de Vila Rica, que destina também fluxos para Sorriso e, em menor escala, para Sinop. Esses fluxos indicam uma expansão comandada pelo centro-sul de Mato Grosso e também pelo sudeste do Pará, passando por Santana do Araguaia e Redenção, ligando as duas áreas e engrossando a cadeia da pecuária mato-grossense. O sentido da expansão sugere a busca da ferrovia Norte-Sul e/ou da Ferronorte.
Nessa região, a ocupação obedeceu a diferentes cronologias, quanto ao grau de consolidação da fronteira; desta forma, apresenta características produtivas muito diversificadas. Possui uma rede urbana estruturada a partir do centro regional de Barra do Garças, que se caracteriza como um polo de média especialização das funções urbanas, associadas às médias densidades de equipamentos e estabelecimentos, e do subcentro de Nova Xavantina.
A economia de Barra do Garças, situada na região sudeste do Estado de Mato Grosso, tem uma forte presença da agropecuária, base da economia regional, e conta ainda com limitada atividade de extração mineral e um movimento turístico regional, sob influência do rio Araguaia. A rodovia BR-158 e a MT-326 constituem o principal eixo estruturador da região. As demais rodovias do sistema viário regional não possuem pavimentação, com destaque para a MT-100 e a MT-326.
Salienta-se que grande parte dessa região (porção centro-norte), devido à precária estrutura viária e à sua débil articulação com centros urbanos mais dinâmicos, principalmente com as capitais estaduais, são condicionantes que contribuem de forma decisiva para a baixa ocupação do território. As relações sociais e econômicas predominantes são com os Estados do Pará e, principalmente, Goiás.
Quanto aos aspectos econômicos, destaca-se na região a presença de grandes estabelecimentos, fruto da ocupação histórica, representados por grandes fazendas de gado. A existência de dois ambientes bem característicos na região, um mais vinculado ao ambiente florestal de domínio amazônico e outro associado às planícies de inundação do rio Araguaia, subordina a exploração/manejo pecuário a um patamar de transição, onde estão presentes os condicionamentos específicos desses dois ambientes, ou seja, nas áreas florestais predomina a pecuária tradicional (propriedades dedicadas à cria, recria e à engorda do gado), enquanto nas áreas de inundação do Araguaia a atividade pecuária típica é a cria de gado.
Assim, o baixo desenvolvimento da pecuária encontra-se associado, sobretudo, às limitações impostas pelo ambiente natural e à utilização de manejo pouco tecnificado e sob pastagens naturais, o que tem mantido a cobertura vegetal nativa relativamente conservada.
A ocupação na bacia do Xingu caracteriza-se predominantemente por pastagens plantadas, secundariamente por agricultura em pequenas propriedades, além de áreas de retirada seletiva da madeira, sendo essa alteração mais notória nas proximidades das cidades de São José do Xingu e Santa Cruz do Xingu.
Destaca-se a presença de pequenos produtores, fruto da colonização e de projetos de assentamento rural pelo Incra, o que se constituiu em um processo importante na dinâmica de ocupação do território, muito intenso na década de 90.
A atividade agrícola continua pouco expressiva, sendo caracterizada pelo cultivo de lavouras tradicionais, voltadas para a subsistência do pequeno produtor, com índices de produtividade bastante baixos. Nessa porção, são muito deficientes as estruturas de apoio à produção, considerando os serviços de comercialização, armazenamento, agroindustrialização, cooperativismo, crédito rural e assistência técnica rural.
Porém, essa realidade atualmente começa a ter um novo desenho, com o surgimento da cultura do milho e principalmente da soja, com utilização de manejo desenvolvido e uma estrutura de suporte e apoio à produção relativamente adequada. Essa nova realidade está presente numa área que compreende, principalmente, os municípios de Santa cruz do Xingu, Vila Rica, Confresa, Cana Brava do Norte, Porto Alegre do Norte, Querência, Bom Jesus do Araguaia e Ribeirão Cascalheira, no Estado de Mato Grosso.
As atividades urbanas nas sedes municipais de São Félix do Araguaia, Luciara, Santa Terezinha e Novo Santo Antônio, que se localizam na planície do Araguaia, são de baixa intensidade. Sobressai-se a cidade de São Félix do Araguaia, pela importância do comércio atacadista. No contexto de atendimento às demandas sociais, São Félix do Araguaia destaca-se por sediar várias instituições públicas sociais como a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Prelazia, que desenvolve um importante trabalho em prol da população menos favorecida, e na resolução de conflitos sociais relacionados à questão fundiária.
É uma região bastante precária em termos de condições de vida da população; com exceção do município de Barra do Garças, os demais apresentam indicadores baixos, apontando que o condicionante do próprio isolamento de grande parte da região, talvez seja o principal fator dessa realidade, mostrando a necessidade de implementação urgente de políticas públicas capazes de reverter tal situação.
No Estado do Tocantins, a pecuária se renova no sudeste-sul do Estado sob impulso da atividade em Goiás, usufruindo da presença da rodovia BR-153 (Transbrasiliana), onde a cidade de Gurupi, nela situada, é o principal centro da rede nesta faixa do estado. Seguindo para norte, ainda no eixo da BR-153, a cidade de Paraíso do Tocantins polariza a cadeia do oeste tocantinense, no Vale do Araguaia. Outros centros menores, como Peixe, no eixo da BR-242, exercem funções subsidiárias, sendo destino de uma também pequena cadeia pecuária originária da fronteira do Estado com a Bahia, constituída de vários núcleos urbanos.
Na reconfiguração da rede urbana do Estado do Tocantins, deve ser citada a constituição do novo centro administrativo do Estado - Palmas. A logística, a infraestrutura e a aglomeração populacional de Palmas e de sua área de influência - Porto Nacional, Paraíso do Tocantins e Miracema do Tocantins –, produz um rearranjo produtivo regional, que promove estímulos para a expansão das atividades agropecuárias voltada ao fornecimento de bens e serviços básicos para o atendimento de sua população local e microrregional. Vislumbra-se também, localmente, o aporte a empreendimentos de maior uso de capital e tecnologia, como aqueles associados a produção de grãos, para usufruir da proximidade geográfica com os intermodais ferroviário, rodoviário e hidroviário que estão sendo implantados no território tocantinense no sentido norte-sul.
Nas porções sudeste e sudoeste do Estado - vinculadas a ambientes de dobramentos proterozóicos e que enfrentam problemas sazonais de estiagem, embora guardem no subsolo importantes reservas de água - estão em curso ações voltadas para promover a expansão de atividades agrícolas irrigadas, notadamente frutas e grãos, bem como para fomento do agronegócio vinculado aos biocombustíveis. De forma geral, tais atividades visam criar condições para a utilização plena das potencialidades regionais, considerando-se a diversificação produtiva, o estímulo à formação de arranjos produtivos e a inserção competitiva à dinâmica econômica regional e nacional, acompanhados pelo planejamento estratégico dos recursos hídricos da região visando seu aproveitamento em bases sustentáveis.
Assim como no Estado do Mato Grosso, a base econômica é pouco dinâmica, com indicadores econômicos e sociais abaixo da média do estado. A produção é apoiada na pecuária extensiva, associada a cultivos de subsistência. A região recebe influxos econômicos oriundos dos Estados da Bahia e Goiás. A ocupação regional remonta ao ciclo do ouro, possuindo comunidades tradicionais remanescentes do período - quilombolas e núcleos urbanos pouco dinâmicos, que até pouco tempo usufruíam certo isolamento. Esta distância está sendo paulatinamente reduzida a partir da implantação de estruturas de circulação viária e produção de energia. Está em construção um conjunto de ações que visam a perenização de rios por meio de eixos barráveis; a ampliação da infraestrutura hídrica está ainda vinculada ao estabelecimento de um projeto de irrigação no Rio Manuel Alves, no município de Dianópolis, que busca estimular a fruticultura em nível regional. Quanto à soja, avança nas chapadas que fazem divisa com o Estado da Bahia.
O sudoeste do Estado do Tocantins está delineado pela planície aluvial do Araguaia. Como marco da atividade agrícola regional tem-se o projeto de irrigação Formoso, criado em 1979 pelo então governo do Estado de Goiás para ser uma célula de desenvolvimento regional, com o aproveitamento das várzeas irrigáveis do Vale do Araguaia. Localizado no município de Formoso do Araguaia, o projeto Formoso possui uma área total de 29 mil hectares. Hoje, há a necessidade de recuperação e revitalização total do empreendimento. A cultura principal é o arroz produzido por subirrigação. Na entressafra cultiva-se soja, melancia, milho. Apesar do destaque da produção agrícola no contexto estadual, a pecuária é atividade de grande relevo espacial, aproveitando-se da favorabilidade natural à expansão de gramíneas. A rede urbana possui poucos centros ativos, estando subsidiária à cidade de Gurupi.
Ainda no Vale do Araguaia, na porção oeste do Estado a pecuária bovina também é atividade destacada. Nesta área, as atividades de apoio à atividade agropecuária são mediatizadas pela cidade de Paraíso do Tocantins, enquanto os fluxos mais dinâmicos são conectados ao Estado de Goiás por meio da BR-153.
Apesar da importância econômica, a expansão da fronteira agrícola, em alguns casos, promoveu impactos negativos a ecossistemas naturais mais frágeis, como aqueles vinculados a áreas úmidas e localmente conhecidos como “ipucas”.
Por fim, é bem diversa a situação dos Estados de Mato Grosso e Tocantins quanto à presença de assentamentos. Bastante expressivos no nordeste de Mato Grosso, são dispersos e muito pequenos no sul do Estado de Tocantins, sinalizando para maiores conflitos no Estado de Mato Grosso. Entretanto, nos últimos anos projetos de reforma agrária promoveram a implantação de vários assentamentos no oeste do Estado de Tocantins, especialmente nos ambientes ecotonais da Ilha do Bananal e do Cantão, com a consequente supressão da biodiversidade local. Há outros conflitos ambientais, sobretudo o cerco e invasão de terras nas nascentes do rio Xingu, nas bordas do Parque Nacional de mesmo nome, onde já se registram fluxos de bovinos.
No contexto geral, trata-se, portanto, de uma Unidade Territorial desprovida de integração interna entre as redes de infraestrutura, de serviços e de comércio, que apenas começa a se inserir em segmentos de cadeias produtivas, configurando-se como um território-rede.
Estratégias propostas
Áreas povoadas que estão sendo incorporadas às atividades modernas - no caso a pecuária e a soja –, não constituem uma fronteira, visto que esta denominação refere-se às áreas de baixa densidade demográfica para onde avançam o povoamento e as atividades econômicas. Trata-se aqui, de uma readequação produtiva, isto é, a substituição de atividades estagnadas por outras, mais rentáveis. A questão é saber se as novas atividades são as melhores para o desenvolvimento da unidade.
É difícil colocar um freio à expansão da pecuária, mas deve-se pelo menos exigir que seja feita em moldes melhorados, e não extensivos. E quanto à soja no sul do Estado de Tocantins, melhor seria implementar uma produção diversificada e industrializada, aproveitando-se o grande potencial de energia que o Estado possui, destacando-se a UHE Lajeado e a UHE Peixe Angical.
A agropecuária é a base do dinamismo da economia desta unidade, concentrando a produção e as exportações em produtos de baixo valor agregado. Esta característica da economia regional diminui o impacto econômico e social das exportações e torna o território vulnerável a flutuações internacionais de demanda e preços das commodities. Diante disso, um planejamento estratégico deve promover a readequação da estrutura produtiva e a agregação de valor aos produtos regionais, além do fortalecimento e diversificação da agropecuária e do extrativismo, dos assentamentos de reforma agrária, da agricultura familiar e da pequena agroindústria.
O turismo sustentável pode ser uma importante alternativa para contribuir com a dinamização da economia local. Destacam-se como potenciais para a atividade os aspectos de beleza cênica do Pantanal do Araguaia e da Ilha do Bananal, e do Parque Estadual do Cantão (ao norte da Ilha do Bananal). Assim, é indicado o aproveitamento racional dos aspectos cênicos do Pantanal do Araguaia e do rio das Mortes para o turismo, principalmente, de suas praias (proximidades de São Félix, Luciara, Santa Terezinha e Novo Santo Antônio), das praias de Caseara e Araguacema, no rio Araguaia, e a manutenção e/ou melhoria de seu estado geral de conservação.
Destaca-se ainda o complexo aluvial do rio das Mortes, com feições ecológicas específicas que requerem ações conservacionistas para garantir a manutenção das formações ripárias e áreas significativas da vida silvestre, e restrições à ocupação das chamadas áreas úmidas do vale do Araguaia, visando à preservação de fragmentos florestais naturais ecotonais, os “ipucas”.
Em termos de aporte à infraestrutura viária, cita-se a necessidade de consolidação de um corredor de transporte intermodal no território tocantinense, de forma a permitir a interligação norte-sul do País. Neste sentido, convergem ações para (1) a implementação da hidrovia do Estado do Tocantins que passa pela conclusão das eclusas de Tucuruí e Lajeados, já iniciadas, e a construção da eclusa de Estreito, simultaneamente com as obras da usina; (2) a finalização das obras da ferrovia Norte-Sul e (3) a interligação dos pátios ferroviários e dos portos fluviais ao sistema rodoviário, mediante o planejamento integrado das redes logísticas previstas para a região. Além disso, são necessárias ações para consolidar um sistema de circulação que permita uma efetiva conectividade às redes urbanas e produtivas dos Estados de Mato Grosso e Tocantins.
Ainda é importante considerar que a conformação desse extenso território-rede, associada à abrangência de três importantes bacias hidrográficas da Amazônia - dos rios Xingu, Araguaia e Tocantins - indica sua riqueza em recursos hídricos e as peculiaridades de cada bacia diante do processo de ocupação e suas pressões sobre esses potenciais. Sua porção mato-grossense agrega ambientes de elevadas potencialidades/fragilidades hídricas, como as nascentes e planícies do rio Xingu e as extensas áreas úmidas da planície fluvial do rio Araguaia. As primeiras configuram o leque do Xingu, às quais se associam vastas áreas de florestas aluviais sobre solos arenosos e hidromórficos, e que têm grande expressividade, principalmente na porção sudoeste desta unidade, nos municípios de Água Boa, Canarana, Ribeirão Cascalheira, Querência e São José do Xingu.
O eixo estratégico de uso sustentável dos recursos naturais deve articular, assim, um conjunto de ações que possam reduzir as pressões antrópicas da expansão da economia, contribuindo para a conservação do meio ambiente e reorientando o modelo de aproveitamento das riquezas naturais.
As condições hídricas desta Unidade requerem estratégias específicas para a sistematização e definição de políticas para a preservação desse recurso, dentre as quais - de acordo com o Plano Estratégico da Bacia Hidrográfica dos rios Tocantins e Araguaia, formulado pela Agência Nacional de Águas-ANA - podem-se mencionar a criação de um colegiado gestor de recursos hídricos, dado que a falta de articulação institucional constitui uma das principais fragilidades da região; a definição de um pacto para regular a alocação da água e fomentar a irrigação considerando a sustentabilidade hídrica; e a instalação de um programa de saneamento básico para aumentar o acesso da população à água e ao tratamento de esgotos sanitários, universalizando os serviços de coleta e disposição de resíduos sólidos em aterros.
De forma complementar, o Plano Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso elegeu três estratégias prioritárias para a região, a serem apoiadas pelas políticas federais de recursos hídricos: (1) desenvolvimento e implementação de instrumentos de gestão de recursos hídricos, tais como o cadastro de uso e usuários de recursos hídricos, a atualização e integração do cadastro de fontes potencialmente poluidoras, a elaboração de planos de bacias hidrográficas, o sistema de informações sobre recursos hídricos, a outorga de direitos de uso, a fiscalização, o estudo e o enquadramento dos recursos hídricos e a estruturação e implementação do acompanhamento e monitoramento do Plano; (2) desenvolvimento tecnológico e capacitação, considerando estudos sobre o potencial de geração e transporte de cargas poluidoras de origem difusa e pesquisas visando o manejo e a disposição de efluentes de atividades agrícolas e industriais; e (3) articulação institucional de interesse à gestão de recursos hídricos com o setor de geração hidrelétrica, visando a preservação dos usos múltiplos dos recursos hídricos e a implementação de conservação do solo e água e recomposição das matas ciliares em microbacias.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Realizar planejamento estratégico para promover a readequação da estrutura produtiva e a agregação de valor aos produtos regionais, além do fortalecimento e diversificação da agropecuária e do extrativismo, dos assentamentos de reforma agrária, da agricultura familiar e da pequena agroindústria. · Garantir que a expansão da atividade pecuária seja feita em moldes melhorados, e não extensivos. · Implementar uma produção diversificada e industrializada para a soja no sul do Estado de Tocantins, aproveitando-se o grande potencial de energia que o Estado possui. · Consolidar um corredor de transporte intermodal no território tocantinense, de forma a permitir a interligação norte-sul do País, mediante, por exemplo, a implementação da hidrovia do Estado de Tocantins, o que passa pela conclusão das eclusas de Tucuruí, Lajeados e Estreito, a finalização das obras da ferrovia Norte-Sul e a interligação dos pátios ferroviários e dos portos fluviais ao sistema rodoviário, mediante o planejamento integrado das redes logísticas previstas para a região. · Elaborar um conjunto de ações que possam reduzir as pressões antrópicas da expansão da economia, contribuindo para a conservação do meio ambiente e reorientando o modelo de aproveitamento das riquezas naturais. · Promover a atividade turística sustentável como forma de contribuição para a dinamização da economia local, destacando-se o Pantanal do Araguaia, a Ilha do Bananal e o Parque do Cantão. · Elaborar iniciativas conservacionistas para o complexo aluvial do rio das Mortes, garantindo a manutenção das formações ripárias e das significativas áreas de vida silvestre, estabelecendo-se restrições à ocupação das chamadas áreas úmidas do vale do Araguaia visando a preservação de fragmentos florestais naturais ecotonais, os “ipucas”. · Desenvolver estratégias específicas para a sistematização e definição de políticas para a preservação dos recursos hídricos, dentre as quais podem-se mencionar a criação de um colegiado gestor de recursos hídricos, a definição de um pacto para regular a alocação da água e fomentar a irrigação, considerando a sustentabilidade hídrica, e a instalação de um programa de saneamento básico para aumentar o acesso da população à água e ao tratamento de esgotos sanitários, universalizando os serviços de coleta e disposição de resíduos sólidos em aterros. · Apoiar, pelas políticas federais de recursos hídricos, as três estratégias prioritárias para a região contidas no Plano Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso: (1) desenvolvimento e implementação de instrumentos de gestão de recursos hídricos, tais como o cadastro de uso e usuários de recursos hídricos, a atualização e integração do cadastro de fontes potencialmente poluidoras, a elaboração de planos de bacias hidrográficas, o sistema de informações sobre recursos hídricos, a outorga de direitos de uso, a fiscalização, o estudo e o enquadramento dos recursos hídricos e a estruturação e implementação do acompanhamento e monitoramento do Plano; (2) desenvolvimento tecnológico e capacitação, considerando estudos sobre o potencial de geração e transporte de cargas poluidoras de origem difusa e pesquisas visando o manejo e a disposição de efluentes de atividades agrícolas e industriais; e (3) articulação institucional de interesse à gestão de recursos hídricos com o setor de geração hidrelétrica, visando a preservação dos usos múltiplos dos recursos hídricos e a implementação de conservação do solo e água e recomposição das matas ciliares em microbacias. |
□ Regulação e inovação para implementar o complexo agroindustrial
Caracterização da unidade
Em linhas gerais, essa região, que abrange grande parte do território do Estado de Mato Grosso, apresenta atividades econômicas diversificadas e assentamentos humanos estruturados, com infraestrutura de apoio à produção relativamente eficiente e um setor de serviços e de comércio bem desenvolvido (Figura 7). Contudo, na atualidade, esse espaço adquire importância marcante por sua participação no processo geral de transformação territorial do Brasil e, especificamente, naquele afeto às mudanças ocorridas no uso da terra, no qual a expansão/intensificação da agropecuária acaba determinando, em grande parte, a dinâmica econômica e demográfica desta região. De fato, no contexto amazônico, a agropecuária capitalizada - e não a agroindústria, na medida em que o processamento da produção com maior valor agregado dá-se fora da região - está altamente concentrada no Estado de Mato Grosso.
Considerando-se os principais produtos agrícolas, a lavoura da soja está altamente concentrada no Estado de Mato Grosso em duas áreas: (1) no sul, nos municípios em torno de Rondonópolis, cidade que é o destino da maioria dos fluxos estaduais e de onde a produção é encaminhada para as indústrias localizadas em São Paulo e para exportação em Santos e Paranaguá; (2) nos municípios situados no centro-oeste do Estado, dispostos em extensa faixa horizontal, cuja produção tem vários destinos além de Rondonópolis, tais como Sinop, Sorriso - importantes centros de armazenamento - e, em menor escala, Cuiabá. De Sinop, também se destina para São Paulo e Santos.
Seu avanço para o norte do Estado é barrado por condições geológicas de afloramentos rochosos e relevo montanhoso e, no Pará, pela excessiva umidade. Sua expansão dá-se, assim, por áreas planas de cerrado e áreas de vegetação alterada e menos úmida. Em direção a oeste, a lavoura caminha para o sul de Rondônia, cujos fluxos destinam-se a Cáceres. Sua extensão para nordeste do Estado de Mato Grosso prossegue pelo sudeste do Estado do Pará - destinando-se a Marabá - e para o Estado de Tocantins, cuja produção se destina à Imperatriz e São Luís. Pequena área isolada, cuja produção é diretamente exportada para o exterior, ocorre no planalto de Santarém, onde está instalado o porto graneleiro da Cargill.
O fundamento básico do agronegócio da soja é a grande logística. Como regra, as corporações estrangeiras não investem em bens imóveis, como a terra, terceirizando a produção, financiando os produtores, investindo em redes de armazéns para recolhimento da produção e comprando vagões ferroviários para acelerar os fluxos. O Grupo Amaggi, nacional, diferencia-se por investir também na compra e arrendamento de terras.
O plantio de algodão herbáceo segue aproximadamente o mesmo padrão da soja, porém em menor escala, concentrando-se no sul e em alguns municípios da faixa central, porém com descontinuidades. O grande centro algodoeiro é Rondonópolis, que recolhe fluxos de ambas as áreas, daí destinados à cidade de São Paulo e, secundariamente, ao porto de Santos. A expansão do algodão na região é bem restrita ao Estado de Mato Grosso, só reaparecendo na fronteira do Tocantins com a Bahia.
A produção de milho capitalizada segue o padrão da soja e do algodão, com os fluxos destinando-se à Cuiabá e, em menor escala, para Rondonópolis, de onde seguem para São Paulo e Santos. A do arroz apresenta grandes diferenças: não é significativa no sul do Estado de Mato Grosso, mas estende-se por muito mais ampla área do que a daqueles produtos, envolvendo o “nortão” do estado, com produção menos intensiva, e destinando-se ao consumo local de Cuiabá, Sorriso e Sinop.
A agroindústria da soja tem organização muito diversa à da pecuária. O cerne de sua produção está inserido em grandes cadeias nacionais, das quais participa como segmento organizado cujos fluxos seguem para a indústria localizada em São Paulo e/ou para exportação através de Santos e Paranaguá, não formando cadeias nesse território. Em áreas novas, grande parte da produção de soja converge, formando uma cadeia que envolve transporte por caminhão até a hidrovia do Madeira, por onde segue para o porto graneleiro de Itacoatiara e, finalmente, para o porto de Santarém. É uma cadeia incompleta, porque destinada à exportação sem agregação de valor, porém independente do Estado de São Paulo. Já a produção de milho está organizada tanto em fluxo para a exportação como para o consumo local, enquanto a do arroz somente em redes sub-regionais para o consumo local.
Quanto à pecuária, distribui-se por todo o estado, num grande cerco à área central de domínio da soja e com cadeias organizadas em várias regiões do Estado de Mato Grosso, destacando-se Juara, Pontes e Lacerda, Cáceres e Barra do Garças. Não se verificam grandes fluxos externos a partir desses polos, significando que são destinados, em sua maioria, aos 51 frigoríficos sediados na região e, destes locais, exportados diretamente. Há, portanto, um processo de organização de cadeias produtivas da pecuária bovina no estado, envolvendo áreas produtoras - antigas e novas - cujos fluxos volumosos e densos destinam-se sobretudo à capital do estado, perpassando outras cidades.
A logística de transporte que oferece suporte ao agronegócio baseia-se principalmente no sistema rodoviário, destacando-se dois eixos de interligação regional: as rodovias BR-364 (Cuiabá-Porto Velho) e BR-163 (Cuiabá-Santarém), atravessando alguns dos mais dinâmicos municípios agrícolas do Estado de Mato Grosso.
A acelerada expansão desse conjunto de atividades, sobretudo da agricultura tecnificada, se expressa na criação e/ou crescimento de cidades modernas e dinâmicas, formando hoje um outro conjunto policêntrico na Amazônia Legal.
A porção de consolidação mais antiga, polarizada pelos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, é pouco significativa em termos de sua produção primária, destacando-se pela estrutura agroindustrial que concentra grande parcela da capacidade de armazenamento e as principais unidades processadoras da região, com frigoríficos, beneficiadoras de cereais, principalmente de soja, e grande número de laticínios. Também se constitui no principal centro prestador de serviços do Estado de Mato Grosso, contando ainda com estradas de boa capacidade de tráfego para escoamento da produção e intercâmbio com os demais municípios da região e do estado.
Os municípios de Sinop, Sorriso, Tangará da Serra e Diamantino, por sua vez, têm sua estrutura produtiva baseada na agricultura moderna de grãos, desenvolvida com uso intensivo de tecnologia e capital, associadas predominantemente aos médios e grandes estabelecimentos. A posição estratégica, ao longo da rodovia BR-163, confere a Sinop e Sorriso uma função de polarização regional, possibilitando a concentração de algumas agroindústrias (serrarias, laticínios, usinas de álcool e beneficiamento de arroz) e indústrias domiciliares de caráter local e regional.
A área de influência de Rondonópolis é a segunda maior do estado, em termos econômicos e demográficos, sendo a rede urbana constituída pelo centro regional de Rondonópolis e pelo subcentro de Primavera do Leste. Sua estrutura produtiva baseia-se na agricultura moderna de grãos, estando associada aos médios e grandes estabelecimentos, não sendo, no entanto, desprezível a parcela de pequenos estabelecimentos rurais em seu contexto. Destaca-se como segundo polo industrial e centro de serviços do estado, constituindo também um importante centro de logística e distribuição, que conta com estradas com boa capacidade de tráfego para escoamento da produção e intercâmbio regional, possibilitando o acesso à Goiânia e a Campo Grande.
Vale registrar a presença de consórcios municipais, nova forma de organização de agentes sóciopolíticos na Amazônia, em que se sobressai o Estado de Mato Grosso. Enquanto a maioria dos Estados da Amazônia Legal tem apenas uma associação, o Mato Grosso tem várias, com a Associação Mato-Grossense de municípios envolvendo quinze consórcios intermunicipais, que buscam unir esforços para atrair investimentos e se inserir no agronegócio, zelando pelo desenvolvimento local em meio às poderosas territorialidades do agronegócio.
Como suporte ao avanço dessas atividades, a base do capital natural da região caracteriza-se pela homogeneidade das paisagens dos extensos planaltos centrais do Estado de Mato Grosso - Parecis, Guimarães e Taquari-Alto Araguaia –, onde se observa o predomínio do cultivo de grãos nos chapadões e da pecuária extensiva nos segmentos mais rebaixados, em ambientes que apresentam características de relevo muito favoráveis à mecanização e ao plantio em extensas áreas.
Os solos desses ambientes, considerados inaptos para atividades agropecuárias por longo tempo, foram incorporados ao processo produtivo só a partir da década de 70, em decorrência, principalmente, das pesquisas da Embrapa que possibilitaram reverter suas características químicas naturais por meio de adubações e correções adequadas, que associadas às excelentes características físicas levaram a obter os elevados índices de produtividade que caracterizam essa região.
Também é característica desta região, nas áreas de planalto, a presença de extensos arcos de nascentes, onde se concentram importantes áreas de recarga de aquíferos das bacias Amazônica, Platina e do Tocantins-Araguaia. O Planalto dos Parecis, por exemplo, configura-se como o mais extenso divisor de águas entre as bacias Amazônica e Platina, destacando-se em Mato Grosso, como tributários da Bacia Amazônica, os contribuintes do Alto Xingu, Alto Teles Pires, Arinos e Juruena, e, na vertente Platina, as nascentes dos formadores dos rios Paraguai e Guaporé.
Contudo, se por um lado as atividades econômicas ligadas ao agronegócio têm gerado muitas riquezas e empregos para o estado, por outro têm levado à degradação de certos aspectos naturais de difícil recuperação, especialmente da flora, do solo e dos recursos hídricos.
As áreas de planaltos utilizadas de forma intensiva para produção de grãos, com sistemas de alto nível tecnológico, são ambientes naturais de savana e floresta bastante diversificados, fato desconsiderado quando da implantação de grandes áreas com monocultivos, definindo paisagens homogêneas do ponto de vista biológico. É preciso observar, também, a presença de extensas manchas de solos arenosos nos segmentos mais rebaixados dos planaltos, que impõem limitações ao uso agrícola, e de solos hidromórficos nas amplas planícies aluviais dos cursos d’água que drenam a região, de baixa fertilidade e importância estratégica para a manutenção do ciclo hidrológico.
Destacam-se, também, nas bordas dos planaltos dos Parecis e dos Guimarães, áreas de elevada fragilidade, onde a base de recursos naturais é limitada e as fragilidades naturais elevadas em função de aspectos como: substrato rochoso friável, com elevado potencial à erosão concentrada; solos com elevada suscetibilidade à erosão, decorrente do grau de desagregabilidade, da estrutura, da profundidade e da baixa relação entre infiltração e escoamento de águas pluviais; escarpas e modelado do relevo marcado pela elevada dissecação da rede de drenagem e declividades muito elevadas das vertentes; cobertura vegetal de floresta e de contato de formações florestais e savânicas ainda com potencial biótico considerável, porém muito alteradas pelo uso e manejo inadequados; tipos de cobertura vegetal, como áreas de culturas anuais e de pecuária extensiva, com limitada capacidade de proteção do solo.
Por fim, nesta região, dados de 2005 da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer) contabilizam a existência de 563 comunidades tradicionais, com 17.830 famílias, 222 assentamentos de reforma agrária, sendo 165 do Incra, com 18.806 famílias, e 57 do estado, com 3.867 famílias. Assentados ou não, os produtores familiares enfrentam grandes dificuldades para se manterem em atividade, sendo levados, muitas vezes, a venderem suas propriedades e deixarem o campo. Diante deste quadro, é claro que as possibilidades de inserção econômica num mercado mais ampliado demandam adequações aos condicionantes de natureza ambiental, social e logística.
Diante deste quadro, é claro que as possibilidades de inserção econômica num mercado mais ampliado demandam adequações aos condicionantes de natureza ambiental, social e logística.
Estratégias propostas
Voltada essencialmente para a exportação, a atividade agropecuária desenvolvida na região exige a regulação e a inovação de seus processos, produtos e da distribuição de riqueza que promove. O termo regulação se refere, aqui, a sujeitar-se a certas regras, em conformidade com as normas já estabelecidas, tendo em vista o dinamismo e a sustentabilidade das atividades econômicas.
Com a atual crise financeira mundial, que afetou a exportação das commodities, a região vem apresentando uma ligeira redução na produção de determinados produtos agrícolas, tornando ainda mais importante a necessidade de se avançar rumo à formação de um complexo agroindustrial que intensifique e agregue valor à produção e que envolva, também, a diversificação de sua base produtiva.
Domínio da produção de grãos, particularmente da soja mediante uma agricultura mecanizada, graças à revolução tecnológica no setor de pesquisas agropecuárias e à extensão de grandes eixos de transporte, a agropecuária capitalizada do Estado de Mato Grosso tem, no entanto, como ponto frágil, a infraestrutura viária.
A Ferronorte, uma das poucas iniciativas para solucionar o problema, não o conseguiu, tendo a questão se amenizado, em parte, pela hidrovia do rio Madeira, ainda que a carência de meios eficientes para o escoamento da produção não se resuma aos grandes corredores de exportação, referindo-se também à escassez de uma malha viária efetiva que conecte internamente o território.
Para a solução das carências locais - que se não resolvidas podem comprometer a consolidação do complexo agropecuário mato-grossense - deve-se dar ênfase à articulação dos grandes projetos de infraestrutura logística do Governo Federal às políticas de desenvolvimento do estado. Além disso, é patente a necessidade de diversificar a produção frente às oscilações do mercado internacional, sendo a primeira e básica ação nesse sentido a implantação de indústrias em locais estratégicos, realizando no Estado o que é feito hoje em São Paulo e/ou no exterior. A estruturação de um polo de produção de insumos, rações e fertilizantes, próximo às regiões produtoras, e o estabelecimento de uma política para a implantação de indústrias de base que forneçam o maquinário e as peças necessários às atividades da região, por exemplo, devem ser estimulados.
O uso de técnicas modernas, como o plantio direto na palha e o controle integrado de pragas, tem contribuído para promover o uso racional de agrotóxicos e reverter a compactação de solos agricultáveis e a perda de seus nutrientes; a ocorrência de erosão e o aumento da carga de sedimentos, que provocam o assoreamento das drenagens; o rebaixamento do lençol freático; e o ressecamento de nascentes, com alterações no regime hídrico que têm levado, inclusive, a processos de arenização, muito semelhantes aos que ocorrem no sul do Brasil. No que pese os avanços das inovações, ainda persistem áreas que apresentam baixo nível de adoção tecnológica e, portanto, incorrem nos problema relatados, como nas áreas com predomínio de pastagens, onde o desmatamento normalmente alcança as margens dos cursos d’água, o que afeta a qualidade da água e interfere fortemente na biota aquática, seja pela redução de nutrientes retidos pela mata ciliar, seja pelo pisoteio do gado e pela introdução direta de dejetos de animais no corpo hídrico.
Para a pecuária, sugere-se o melhoramento e a intensificação da criação, inclusive para o abastecimento do mercado de consumo regional, com a industrialização avançada da carne e do couro, priorizando o financiamento para sistemas pecuários intensivos.
Aproveitando-se do quadro de mercados locais dinâmicos e de polos de processamento conjugados a canais de escoamento da produção, a indicação de instalação de cadeias produtivas da aquicultura sustentável parece ser também recomendável nesta unidade. Afinal, assentados, indígenas e pequenos produtores rurais têm demandado cada vez mais o desenvolvimento desta atividade como alternativa de produção, garantia de segurança alimentar e promoção da inclusão social.
Não há como esquecer, também, os potenciais turísticos representados pela beleza da Chapada dos Guimarães, dos lagos cristalinos de Nobres e do potencial de águas termais da serra de São Vicente.
Os maiores problemas nessa Unidade, contudo, são de ordem social e ambiental, decorrentes da rápida expansão da agropecuária, onde se pode observar o avanço sobre as áreas de preservação permanente e reserva legal exigidas em cada propriedade, afetando as reservas de água. Há ainda a pecuária ilegal que avança sobre as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação da região.
Severa legislação e fiscalização e um amplo pacto social terão que ser feitos para coibir o desmatamento ilegal e para recuperar os mananciais, recompor as matas ciliares, sustar as invasões a Terras Indígenas e Unidades de Conservação e promover os mecanismos de controle da ANA para o uso da água na irrigação agrícola, cada vez mais adotada nos sistemas produtivos da região.
Situações que demandam, em suma, políticas especiais quanto aos recursos de solos e água, orientando as formas de ocupação e dos sistemas de manejo para que a exploração dos recursos seja adequada à capacidade de suporte do ambiente.
No caso dos recursos hídricos, por exemplo, a importância estratégica dos arcos de nascentes das bacias Amazônica, Platina e do Tocantins-Araguaia presentes nesta Unidade Territorial, onde também se concentram importantes áreas de recarga de aquíferos e de manutenção das águas superficiais de tais bacias, levou o Estado de Mato Grosso a definir uma Política Estadual de Recursos Hídricos, expressa no Plano Estadual de Recursos Hídricos, que prioriza estratégias, diretrizes, programas e projetos estruturados em três eixos de ações: desenvolvimento e implementação de instrumentos de gestão de recursos hídricos; desenvolvimento tecnológico e capacitação; e articulação institucional de interesse à gestão de recursos hídricos, conforme já descrito na Unidade Territorial anterior.
Também nesse contexto, as áreas de elevada fragilidade em relação a solos e relevo requerem estratégias de ocupação, exploração dos recursos e aplicação de sistemas de manejo compatíveis às suas limitações e fragilidades, tendo em vista a sustentabilidade das atividades nelas realizadas, tendo como principais estratégias o desenvolvimento de programas de recuperação de áreas degradadas, de controle de erosões, de alocação e adequação de rodovias e estradas rurais em posições corretas na paisagem, principalmente não cortando cabeceiras, e de recomposição de áreas de preservação permanente. É fundamental que em qualquer obra viária neste planalto se estabeleça procedimentos de contenção das águas pluviais, altamente desencadeadoras de processos erosivos.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Regular e inovar os processos, os produtos e a distribuição da riqueza promovida pela atividade agropecuária (voltada essencialmente para a exportação), tendo em vista o dinamismo e a sustentabilidade das atividades econômicas, formando um complexo agroindustrial que intensifique e agregue valor à produção e que envolva, também, a diversificação de sua base produtiva. · Diversificar a produção agropecuária frente às oscilações do mercado internacional, com a implantação de indústrias em locais estratégicos. · Estimular a estruturação de um polo de produção de insumos, rações e fertilizantes próximo às regiões produtoras e o estabelecimento de uma política para a implantação de indústrias de base que forneçam o maquinário e as peças necessárias às atividades da região. · Melhorar e intensificar a pecuária, inclusive para o abastecimento do mercado de consumo regional, com a industrialização avançada da carne e do couro e priorizando o financiamento para sistemas pecuários intensivos. · Articular os grandes projetos de infraestrutura logística do Governo Federal com as políticas de desenvolvimento do Estado do Mato Grosso. · Promover a instalação de cadeias produtivas sustentáveis da aquicultura, aproveitando-se o quadro de mercados locais dinâmicos e de polos de processamento conjugados a canais de escoamento da produção. · Estimular a exploração turística sustentável da Chapada dos Guimarães, dos lagos cristalinos de Nobres e do potencial de águas termais da serra de São Vicente. · Elaborar severa legislação e fiscalização e um amplo pacto social para coibir o desmatamento ilegal e para recuperar os mananciais, recompor as matas ciliares, sustar as invasões a Terras Indígenas e UCs e promover os mecanismos de controle da Agência Nacional de Águas (ANA) para o uso da água na irrigação agrícola. · Desenvolver estratégias de ocupação, exploração dos recursos e aplicação de sistemas de manejo compatíveis com as limitações das áreas de elevada fragilidade em relação a solos e relevo, tendo em vista a sustentabilidade das atividades nelas realizadas, tendo como principais estratégias o desenvolvimento de programas de recuperação de áreas degradadas, de controle de erosões, de alocação e adequação de rodovias e estradas rurais em posições corretas na paisagem, principalmente não cortando cabeceiras, e de recomposição de áreas de preservação permanente. É fundamental que em qualquer obra viária neste planalto se estabeleça procedimentos de contenção das águas pluviais, altamente desencadeadoras de processos erosivos. |
□ Ordenamento e consolidação do polo logístico de integração com o Pacífico
Caracterização da unidade
Essa Unidade Territorial (Figura 8) tem em comum a forte presença de pequenos agricultores familiares e de produtores agroextrativistas - herança da malha criada pela colonização do Incra –, de povos e comunidades tradicionais e de povos indígenas, fortemente afetados por outro elemento comum, a expansão da exploração madeireira e da pecuária que, no Estado do Acre, restringe-se ao eixo da rodovia BR-317, no leste do estado. Tal expansão é continua à que se dá no norte do Estado do Mato Grosso e sul do Amazonas, com a associação entre a exploração madeireira e a pecuária indicando que a expansão da fronteira agropecuária está se dando em toda a extensão da floresta ombrófila aberta, e não mais apenas no cerrado, formando um cinturão madeira-boi em torno da floresta ombrófila densa.
Diferenças, contudo, são grandes entre os dois estados. No Estado do Acre, excetuado o leste pecuário, que se especializa como área de criação extensiva tanto para consumo interno quanto para outros mercados, o Estado busca consolidar a floresta como base da vida e da economia, expresso no modelo do “Governo da Floresta”. Vem-se fortalecendo a exploração do látex e da castanha do Brasil, ao lado do fomento ao manejo florestal madeiro e não madeireiro, e nele surgiu um fato novo: a organização comunitária para o manejo florestal madeireiro, inclusive com certificação. A separação entre a economia de base florestal e a agropecuária, ao contrário do que ocorre em outras áreas da Amazônia, onde as duas atividades se associam, tem garantindo a presença do ecossistema florestal neste estado.
Em Rondônia, pelo contrário, associam-se a exploração madeireira e a pecuária com intenso desflorestamento, configurando uma fronteira em expansão, à semelhança do norte do Estado de Mato Grosso, com intensa pressão sobre as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas locais. O Estado alcançou recentemente o maior percentual de área desmatada em relação ao seu território na Amazônia Legal (cerca de 28,50%), ocupou o terceiro lugar no crescimento do rebanho de bovinos e o segundo lugar na proporção cabeças de gado/habitante (7,66) e no número de frigoríficos presentes em seu território, dezoito. A maior intensidade da atividade reside na fronteira com o Amazonas, extravasando para o sul daquele estado. Porto Velho é o principal destino dos fluxos de bovinos dessa área, mas as cidades dispostas ao longo da BR-364 também são centros de destino, principalmente Ji-Paraná, que articula outra rede de curtos, porém densos fluxos.
Ao lado da pecuária para produção de carne, desenvolve-se produção leiteira expressiva pelos agricultores familiares (que respondem, de fato, por aproximadamente 80% da produção leiteira do estado), estimulados pelo crédito do Governo Federal e pela chegada no Estado da indústria leiteira do Sul do País. Localizada no centro do Estado e na sua fronteira com o Estado do Mato Grosso, a pecuária leiteira de Rondônia estende um amplo arco leiteiro que se prolonga pelo sudoeste e sudeste do Estado do Mato Grosso e que segue, ainda que de forma tímida, pelo sudeste do Estado do Pará, onde predomina a pecuária de corte. A bacia leiteira tem como centro de destino Ji-Paraná, mas dois longos fluxos de leite articulados à bacia são estranhos à região: um destina-se ao Estado de São Paulo e o outro é proveniente de Palmas.
A colonização também assegurou a presença marcante da agricultura no Estado de Rondônia, pouco representativa no Estado do Acre.
Mas a grande diferença entre os dois estados decorre do impacto da logística no Estado de Rondônia, que já conta com o grande eixo rodoviário implantado nos anos setenta e que se configura hoje como importante polo logístico, com redes de vários tipos.
Dado seu potencial florestal e energético e sua posição estratégica na fronteira com a Bolívia, e o Estado de Rondônia vem sendo objeto de novas políticas públicas que atraem grandes investimentos e, também, fortes impactos sociais e ambientais. Embora não explicitados, os projetos estão articulados à Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana, em termos de produção de energia e de abertura de vias de circulação.
É o caso da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira, da intensificação da circulação fluvial neste rio, já transformado em hidrovia, da construção do gasoduto Urucu-Porto Velho e da recuperação de rodovia BR-319 (Porto Velho–Manaus). Prevê-se também um projeto de construção da usina binacional de Ribeirão, em Nova Mamoré.
Porto Velho - transbordo dos produtos provenientes do Polo Industrial de Manaus (por via fluvial) e destinados ao mercado interno brasileiro, e dos carregamentos de soja provenientes de Mato Grosso (via rodovia) e embarcados por via fluvial para o porto de Itacoatiara, no rio Amazonas, com destino ao mercado internacional - constitui-se, assim, em centro do novo polo logístico no extremo oeste do País, irradiando efeitos por toda a Amazônia brasileira e sulamericana.
Ademais, a logística de transporte planejada para integrar a Amazônia sul-americana também prevê grandes investimentos em território acreano, sobretudo graças à rodovia para o Pacífico, a ser inaugurada em 2010, que acessará os portos de Ilo e Matarani, no Peru, e de Arica, no Chile. Ainda no Estado do Acre, o asfaltamento da rodovia BR-364 e o reequipamento de Cruzeiro do Sul sinalizam para a articulação com a IIRSA, uma vez que representará uma integração rodoviária com o Peru pela parte oeste do estado.
As oportunidades geradas por esta nova logística promoveram uma forte migração para o Estado de Rondônia - sobretudo para Porto Velho - e já se verificam impactos colaterais negativos, como a disputa pela terra e o desflorestamento, provocado pela abertura de uma nova frente de expansão que parte de Madre de Dios e de Pucallpa, no Peru.
No que tange à dinâmica fronteiriça, merece destaque também o crescimento dos fluxos de brasileiros que trabalham ou migram para o lado boliviano (legal ou ilegalmente) em decorrência do preço mais barato da terra, da abertura de frentes de trabalho vinculadas à exploração da madeira e da baixa restrição à extração madeireira no país vizinho.
A contextualização da problemática ambiental dessa extensa faixa ocidental da Amazônia Legal está intrinsecamente relacionada, portanto, ao processo de ocupação promovido pelo projeto oficial de colonização em torno da BR-364 e seu extravasamento por áreas contíguas, com sério risco de potencialização em decorrência dos empreendimentos previstos.
Em decorrência das transformações deste espaço, a natureza vem respondendo por meio da retomada dos processos de degradação da paisagem, que vão desde escoamentos laminares até voçorocamentos. Testemunha-se, também, o acelerado assoreamento dos fundos de vales e dos canais de drenagem, como, por exemplo, no rio Javari (que alimenta a represa Samuel), no rio Ji-Paraná, no rio Cautário, no rio Comemoração e no próprio rio Madeira. Os solos, por sua vez, naturalmente frágeis por sua história de formação, passam a apresentar alto percentual de erosão, ao ficarem expostos diretamente à ação das águas pluviais, em decorrência do desmatamento.
O aumento de espaços abertos tende a provocar também a diminuição progressiva das taxas de infiltração de água nos solos e, com isso, tem-se a diminuição das taxas de recarga dos aquíferos. Ademais, a degradação ecológica provoca o desencadeamento de uma série de doenças, que passam a ter caráter epidêmico recorrente, seja nas zonas rurais ou nas urbanas, como a malária.
Estratégias propostas
Conforme descrito anteriormente, não só a exploração madeireira e a pecuária caracterizam essa região. Considerando a grande diversidade de atores presentes, há necessidade de ampliar e complementar as políticas de fomento à agricultura familiar em bases agroecológicas, incentivando-se os pequenos produtores a desenvolverem cultivos perenes com espécies nativas (seringueira, castanha-do-brasil, pupunha, guaraná, cacau) e exóticas (banana, café, laranja, mamão, maracujá, manga e pimenta-do-reino).
Para tanto, torna-se essencial (2) formular políticas e mecanismos visando criar e adequar linhas de crédito às espeficificidades dos sistemas agroflorestais, (2) implementar políticas de fomento à agroindustrialização de produtos, visando o mercado regional, nacional e internacional, (3) criar mecanismos específicos de proteção à produção familiar, com o fomento do cooperativismo, e (4) realizar campanhas voltadas ao manejo florestal de produtos madeireiros e não madeireiros, inclusive de produtos medicinais, assim como a valorização da floresta para fins de manutenção dos serviços ambientais que prestam.
As políticas de recuperação ambiental e de incentivo aos sistemas agrícolas e agroflorestais sustentáveis devem ter como foco prioritário as grandes áreas desmatadas e degradadas existentes na região, inclusive com o estímulo à conversão dos sistemas de pecuária extensiva em sistemas sustentáveis de pecuária, incluindo tecnologias como pastagens consorciadas com leguminosas, sistemas silvopastoris e melhoramento genético do rebanho. Os grandes laticínios devem ser parceiros na implantação destas políticas, responsabilizando-se por ações de apoio aos produtores, como distribuição de sêmen e assistência para a formação de capineiras, dentre outras.
Além disso, vigorosas políticas públicas estão criando um verdadeiro polo logístico. Implantam-se ou propõem-se novas redes de circulação e de energia no Estado de Rondônia (hidrelétricas no rio Madeira, que já constitui uma hidrovia; estrada Porto Velho-Manaus; gasodutos Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus) e Acre (rodovia Transoceânica), articulando o Programa de Aceleração do Crescimento com os projetos da IIRSA, sobretudo os eixos Amazonas e Peru-Brasil-Bolívia.
Se a logística é necessária ao desenvolvimento da região, deve, por outro lado, ser adequada à sua especificidade. Se intervenções não forem realizadas de forma articulada, inclusive entre diferentes esferas de Governo, é muito provável a ocorrência de impactos, tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista ambiental, além do risco de descolamento da realidade local. É necessário avançar em um planejamento integrado dos grandes empreendimentos previstos para a região, que contemple a consideração plena da sustentabilidade ambiental do conjunto de empreendimentos. Vale citar iniciativa do Ministério dos Transportes, que iniciou a estruturação da metodologia necessária para aplicar a avaliação ambiental estratégica em seu planejamento e pretende que todos os futuros empreendimentos no setor de transportes sejam apreciados sob uma ótica mais ampla de impactos sinérgicos e globais, o que certamente contribuirá para a diminuição dos problemas ambientais causados com a intervenção estatal apenas na fase de implementação das ações.
Os projetos da IIRSA devem ser compatibilizados às diretrizes do PAS, prevendo as necessárias medidas mitigadoras dos impactos a eles associados, de forma a evitar a aceleração da degradação ambiental não só da Amazônia, mas também dos Andes e do Cerrado frente à forte atração de migrantes e aos impactos diretos e indiretos em áreas que detêm espécies únicas e vulneráveis, além da possibilidade de aumento das emissões de dióxido de carbono, via desmatamento. Portanto, é preciso (1) melhorar o processo de avaliação dos projetos; (2) antecipar a criação de áreas protegidas a partir da identificação de áreas estratégicas e vulneráveis; (3) promover a geração de renda a partir dos serviços ambientais prestados pelas comunidades locais, pautados na promoção de uma economia com base florestal sustentável; e (4) fomentar a implantação de parcerias público-privadas de caráter comunitário.
Além destes procedimentos, é necessário (1) reforçar a intermodalidade, ampliando as possibilidades de escoamento dos fluxos produtivos a custos competitivos; (2) fortalecer instâncias trinacionais (Brasil, Peru e Bolívia) para discutir estratégias de avaliação, planejamento e monitoramento dos processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais que advirão dessa integração regional; e (3) adequar o modo de implantação das hidrelétricas e da logística, condicionando sua implantação ao planejamento integrado de toda a área em que serão construídas, compondo mesorregiões integradas.
Uma alternativa para essa unidade é o turismo, como no Vale do Apertado, dotado de grande beleza cênica. O fortalecimento das cidades do Estado de Rondônia, que formam, também, um conjunto policêntrico na Amazônia, é essencial para apoiar os agricultores familiares e para o fornecimento dos serviços necessários aos empreendimentos que serão instalados na região.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Adequar o modo de implantação dos empreendimentos logísticos, condicionando sua implantação ao planejamento integrado de toda a área em que serão construídos, compondo mesorregiões integradas. · Reforçar a intermodalidade, ampliando as possibilidades de escoamento dos fluxos produtivos a custos competitivos. · Compatibilizar os projetos da IIRSA às diretrizes do PAS, prevendo as necessárias medidas mitigadoras dos impactos a eles associados, melhorando o processo de avaliação dos projetos, antecipando a criação de áreas protegidas a partir da identificação de áreas estratégicas e vulneráveis, promovendo a geração de renda a partir dos serviços ambientais prestados pelas comunidades locais, pautados na promoção de uma economia com base florestal sustentável, e fomentando a implantação de parcerias público-privadas de caráter comunitário (PPCs). · Fortalecer instâncias trinacionais (Brasil, Peru e Bolívia) para discutir estratégias de avaliação, planejamento e monitoramento dos processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais que advirão da integração regional. · Ampliar e complementar as políticas de fomento à agricultura familiar em bases agroecológicas, incentivando-se os pequenos produtores a desenvolverem cultivos perenes com espécies nativas (seringueira, castanha-do-brasil, pupunha, guaraná, cacau) e exóticas (banana, café, laranja, mamão, maracujá, manga e pimenta-do-reino). · Formular políticas e mecanismos visando criar e adequar linhas de crédito às especificidades dos sistemas agroflorestais. · Implementar políticas de fomento à agroindustrialização de produtos, visando o mercado regional, nacional e internacional. · Criar mecanismos específicos de proteção à produção familiar, com o fomento do cooperativismo. · Realizar campanhas voltadas ao manejo florestal de produtos madeireiros e não madeireiros, inclusive de produtos medicinais, assim como a valorização da floresta para fins de manutenção dos serviços ambientais que prestam. · Estimular a conversão dos sistemas de pecuária extensiva em sistemas sustentáveis de pecuária, incluindo tecnologias como pastagens consorciadas com leguminosas, sistemas silvopastoris e melhoramento genético do rebanho. · Responsabilizar os grandes laticínios por ações de apoio aos produtores, como distribuição de sêmen e assistência para a formação de capineiras (área formada para obtenção de capim de corte destinado à alimentação animal), dentre outras. · Fortalecer o turismo, como no Vale do Apertado, dotado de grande beleza cênica. · Fortalecer as cidades dos Estados de Rondônia e Acre, essenciais para apoiar os agricultores familiares e para o fornecimento dos serviços necessários aos empreendimentos que serão instalados na região. |
1.20.Territórios-fronteira
Os dados analisados revelam grande extensão territorial da pecuária bovina e da exploração madeireira em áreas florestais. Confirmam, assim, as frentes de expansão assinaladas no mapa elaborado para a primeira versão do PAS, em 2003, que muito avançaram em suas respectivas direções.
Mas há fatos novos nessa expansão. Com base, sobretudo, na intensidade da produção e fluxos de bovinos e de madeira, complementada pelo milho, arroz e leite, distinguem-se gradações no avanço da fronteira. A ausência de fluxos revela fraca ou inexistente organização da atividade, com a exploração madeireira e o cultivo de arroz como indicadores de desbravamento e o milho indicando uma produção relativamente mais estabelecida. A combinação desses elementos permite identificar, em nível macro, duas gradações da fronteira:
□ Diversificação da fronteira agroflorestal e pecuária
Caracterização da unidade
A Unidade Territorial Diversificação da Fronteira Agroflorestal e Pecuária (Figura 9) abrange, basicamente, a porção norte do Estado de Mato Grosso e parte do eixo da rodovia BR-163 no Pará (município de Novo Progresso), sendo seu limite meridional determinado pela dinâmica de ocupação diferenciada da agropecuária capitalizada sobre as áreas do Planalto dos Parecis e ao norte pela barreira institucional representada pelo mosaico de Unidades de Conservação e Terras Indígenas criadas entre o Estado do Mato Grosso, sul do Estado do Amazonas e do Estado do Pará, visando conter o avanço da fronteira sobre os ambientes mais íntegros da floresta amazônica, com uma passagem através do eixo da BR-163 rumo às frentes de expansão desta fronteira.
A região de abrangência desta Unidade Territorial distribui-se sobre a superfície rebaixada da Amazônia e prolonga-se para sul e leste sobre a porção norte do Planalto dos Parecis. A superfície rebaixada da Amazônica caracteriza-se como um extenso compartimento de embasamento rochoso, com altitudes entre 150 e 300 metros, emoldurado por blocos planálticos, no domínio florestal, sob influência do clima equatorial continental úmido. As florestas ombrófilas aberta e densa, adaptadas às condições climáticas, predominam na área, que apresenta considerável estoque madeireiro.
Essa depressão relativa é resultante de sucessivos processos erosivos, constituindo um modelado de colinas amplas, com declividades moderadas, pontilhadas por elevações residuais e pontões rochosos, recobertas por solos pouco desenvolvidos que, em termos gerais, possuem baixa fertilidade, alta saturação com alumínio tóxico e limitações à ocupação devido à declividade e à forte predisposição à erosão. Esse modelado de colinas, com vales pouco aprofundados, é a característica dominante desta Unidade, com destacada ocorrência de relevos residuais. Essas bacias contêm importantes jazimentos minerais de zinco, cobre, níquel, chumbo e ouro, dentre outros, onde se destaca a Província Aurífera de Alta Floresta-Peixoto Azevedo.
Essa Unidade Territorial prolonga-se ainda para sul e leste sobre a porção norte do Planalto dos Parecis, na faixa de transição floresta-savana e dos climas equatorial continental-tropical continental, que constitui uma extensa superfície aplanada, com altitudes entre 300 e 500 metros, situada na porção central do Estado do Mato Grosso. Em seu limite sul, atinge os arcos das nascentes de grandes rios da bacia Amazônica, dentre estes os formadores do rio Arinos, afluente do Juruena, e, a sudeste , os rios da margem esquerda do Alto Xingu, instalados em largos vales de fundos planos, preenchidos de aluviões e convergentes para o curso principal, configurando o famoso “leque do Xingu”.
Os extensos chapadões caracterizam-se pelos topos tabulares uniformemente recobertos por sedimentos detrito-lateríticos do Cenozóico e solos remanejados, compreendendo areias quartzosas e latossolos vermelho-amarelos com concreções ferruginosas. Cortam essa superfície plana as extensas planícies fluviais que caracterizam o “leque do Xingu”, periodicamente sujeitas à inundações, sendo comum a ocorrência de meandros e lagoas, predominando em seu entorno solos hidromórficos de baixa fertilidade, recobertos por vegetação herbácea.
A cobertura vegetal apresenta uma distribuição mais abrangente, ultrapassando os limites da depressão e atingindo também o planalto, onde reflete uma nítida correspondência com os solos, com expressiva distribuição da vegetação do contato floresta ombrófila-floresta estacional sobre áreas de predomínio de latossolos, e vegetação do contato savana-floresta ombrófila influenciadas por condições climáticas de transição e de instabilidade potencial, sobre as areias, com um excelente potencial florestal e rico estoque madeireiro, contornando o Parque do Xingu e estendendo-se até o sul da unidade.
Nesta porção leste que contorna o Parque do Xingu, entretanto, as fisionomias florestais já se encontram muito alteradas e estão sobre forte pressão do desmatamento, com avanço de fronteira em sua direção, principalmente nos municípios de Claúdia, Marcelândia, Vera, União do Sul, Feliz Natal, Nova Ubiratan e Santa Rita do Trivelato. Essa pressão do desmatamento também é forte no sudeste da Unidade, limite sul do Parque Indígena, nos municípios de Gaúcha do Norte e parte de Canarana e Querência, concentrando-se sobre as cabeceiras dos formadores do Xingu. Tal situação indica a possibilidade de interferência na qualidade das águas superficiais e subterrâneas, devido ao avanço do plantio da soja, ao uso de fertilizantes em larga escala e pela drenagem de áreas de nascentes e planícies fluviais com rebaixamento do lençol freático.
Além disso, a substituição da floresta por cultivos extensivos e homogêneos, principalmente onde são mais graves os problemas de fertilidade, desencadeia diversos efeitos negativos, entre eles processos de degradação dos solos e contaminação dos recursos hídricos. Esta situação deriva-se da falta de entendimento sobre a heterogeneidade interna destas paisagens e suas vulnerabilidades.
Os municípios da região têm sua origem nas décadas de 70 e 90, a partir de projetos de colonização privados ou projetos de assentamentos para a reforma agrária, estimulados por programas governamentais, dando início a esse processo de abertura de fronteira agrícola, estimulado na região pela abertura da rodovia BR-163, que abriu as portas para a colonização da maioria dos municípios da região norte do Estado do Mato Grosso e do sudoeste do Estado do Pará.
A formação destes assentamentos se deu em sua grande maioria por colonos provenientes do sul do País e os projetos iniciais de desenvolvimento baseados na produção agropecuária procuravam replicar um modelo próximo ao modelo sulista de propriedades. Entretanto, vários motivos levaram à ineficácia deste modelo, como práticas agrícolas não adaptadas ao clima da região e dificuldades de comercialização da produção, além da falência de colonizadoras.
A fase mais marcante no processo de ocupação regional foi o “boom do garimpo” nas décadas de 80 e 90, com uma intensa migração populacional oriunda da Região Nordeste, provocando explosão demográfica e gerando problemas de violência, habitação e saúde, que interferiram de maneira decisiva para o desenvolvimento da região. Com o fim do garimpo em grande parte do território, os nordestinos se estabeleceram como agricultores ou como mão de obra barata para as indústrias de madeira, mantendo hábitos e costumes diferenciados dos habitantes sulistas.
O processo de ocupação do eixo sul paraense da rodovia BR-163 é uma frente de expansão da ocupação do norte do Estado do Mato Grosso, marcada pela grilagem de terras públicas e pela atividade madeireira ilegal e predatória. Atividades garimpeiras de produção de ouro, com alto índice de informalidade e com consequências negativas, ambientais e sociais, persistem na região, em especial no Tapajós. A criação das Unidades de Conservação no entorno da BR-163, em áreas tradicionalmente garimpeiras, incluindo-se aí a chamada Reserva Garimpeira do Tapajós, criada por ato do Ministro de Minas e Energia, em 1983, trouxe uma série de conflitos. A ausência de planos de manejo dessas unidades impede, até hoje, que o processo de formalização, implementado pelo Ministério de Minas e Energia, seja finalizado. Pelas mesmas razões assinaladas anteriormente, também as atividades de pesquisa mineral para ouro no entorno da BR-163 estão paralisadas. Importante ressaltar que as empresas de pesquisa mineral absorveram um grande número de garimpeiros, até a paralisação de suas atividades. A viabilização de minas de ouro a partir de resultados positivos da pesquisa mineral vinha se configurando como um importante mecanismo de migração dos garimpeiros para uma atividade de mineração industrial. Essa foi a tendência observada e, que se espera, possa ter continuidade, a partir da liberação das áreas para a atividade mineral.
Com efeito, como resultado da decadência da atividade madeireira na região de Sinop, muitas de suas madeireiras têm se mudado para o trecho paraense da rodovia BR-163, com destaque para o município de Novo Progresso e as localidades de Castelo de Sonhos (no município de Altamira) e Moraes de Almeida (distrito de Itaituba), fazendo com que um fluxo de migrantes do norte do Estado do Mato Grosso vá transferindo parte das atividades econômicas dessa região para o sudoeste paraense. A exploração, em geral, clandestina da madeira, vai alimentando serrarias que destinam principalmente a madeira explorada ao mercado nacional, via Estado do Mato Grosso. Uma parte menor é exportada por Santarém.
Atualmente, essa região possui uma população aproximada de 500 mil habitantes, sendo constituída por municípios representativos das áreas de fronteira, isto é, com taxas de ocupação e exploração médias, porém ascendentes, com destaque para os municípios de Alta Floresta, Juína, Juara e Novo Progresso, mantendo relações de complementaridade funcional com o Estado de Rondônia e o Estado do Pará, pelos eixos viários representados pela MT-310 e pela BR-163, e com todas as regiões do Estado de Mato Grosso, através das rodovias MT-170 e MT-358.
O modelo de ocupação predominante na região é o da grande propriedade dedicada à exploração madeireira e pecuária e, secundariamente, o da pequena propriedade dedicada à agropecuária.
As restrições impostas pelo ambiente natural, associadas aos aspectos de mercado (principalmente custos de produção), condicionam ainda à utilização de sistemas de manejo rudimentares quando da realização de explorações agrícolas e a utilização de sistemas de manejo intermediários para a pecuária. Além disso, outros condicionantes dificultam a superação destes problemas, como a questão fundiária, a precariedade da infraestrutura de transporte, a falta de assistência técnica, principalmente para a agricultura familiar e distância de centros consumidores de peso, dentre outros.
Neste contexto, vale frisar uma característica predominante nesta região: o fato de que a maior parcela das terras apropriadas de modo produtivo dedica-se ao manejo da pecuária, em ambientes originalmente florestais. A situação recente aponta para um amplo desenvolvimento desta atividade. Assim, por exemplo, Juara destaca-se como o maior produtor de madeira no Estado do Mato Grosso e como o segundo maior rebanho bovino do estado. Essa atividade caracteriza-se pela produção extensiva de corte, assentada sobre pastagens plantadas, formadas em sucessão à derrubada e queima da floresta e/ou em substituição a cultivos agrícolas decadentes.
A agricultura familiar, que se situa em níveis muito baixos de modernização, comparativamente ao contexto estadual, com predomínio das lavouras tradicionais, com baixa utilização de insumos e técnicas modernas, baixos índices de produtividade e forte caráter de produção de subsistência é outro aspecto marcante da região. Ainda assim, os municípios polarizados por Alta Floresta e Juína destacam-se como os maiores produtores de alimentos advindos de agricultura familiar, sendo que a grande participação proporcional de pequenos produtores gera uma elevada intensidade do uso do solo, ainda com baixo coeficiente geral de modernização. Nesta região, dados da Empaer contabilizam a existência de 128 assentamentos de reforma agrária, sendo 106 do Incra e 24 do estado, totalizando aproximadamente 30 mil famílias assentadas.
O setor industrial tem uma importância relativa nessa região, destacando-se a indústria de alimentos, principalmente os frigoríficos e o processamento do couro bovino. A região ocupa também lugar de destaque na produção leiteira regional, impulsionada pelo grande número de pequenas propriedades rurais que, no entanto, ainda enfrentam entraves à comercialização do leite pela falta de distribuição da energia elétrica em áreas rurais.
Na atualidade, o Estado do Mato Grosso é o maior produtor de madeira nativa do Brasil, com uma produção média de 3,6 milhões de m³ de toras/ano, com uma média de área explorada de 140.000 hectares/ano, sendo Juara o maior produtor de toras e Sinop um dos maiores industrializadores, sendo o segmento industrial madeireiro o terceiro maior do Estado (Mapa 6). Contudo, a exploração madeireira ainda carece de uma maior regulação e ordenamento na região, com vistas ao aproveitamento mais racional desse potencial florestal e à implantação de modelos de inovação tecnológica para exploração, beneficiamento e comercialização.
Por fim, destaca-se também que nessa região há potenciais e ocorrências minerais de diamante, ouro e sulfetos. A exploração mineral, baseada na atividade garimpeira, sofreu forte diminuição, mas ainda é, até o momento, responsável pela totalidade da produção de ouro do Estado do Pará, em especial na Província Aurífera do Tapajós. Por outro lado, mais recentemente ressurgiu o interesse de empresas de capital misto (nacional/estrangeiro) na região, que concentram suas pesquisas em ambientes geológicos mais profundos, que exigem aportes consideráveis de investimentos em pesquisa e tecnologia e que demandam um tempo maior até se viabilizar a exploração de uma mina.
Estratégias propostas
É dessa área que se originam as frentes que avançam pela floresta ombrófila densa. Corresponde, basicamente, à ocupação da faixa de floresta ombrófila aberta e a estratégia para seu desenvolvimento deve constituir um anteparo para evitar a expansão das fronteiras. Atividades lucrativas devem competir com a pecuária extensiva, promovendo a diversificação produtiva e a agregação de valor ao longo de todos os elos da cadeia produtiva. O aproveitamento das potencialidades locais pode se dar por meio do desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais que propiciarão o incremento da arrecadação tributária e ao mesmo tempo, uma melhor distribuição de renda para os atores envolvidos na cadeia produtiva, com a melhoria dos índices de desenvolvimento.
Uma estratégia para essa área é a implantação de uma indústria madeireira moderna - com base no manejo florestal sustentável, fomentada pelo poder público e que considere as populações locais –, que já há muito deveria existir. É surpreendente a ausência dessa indústria na Amazônia, com tamanha extensão florestal - o que se deve, por exemplo, à falta de políticas para implantação de infraestrutura para escoamento da produção e para a qualificação de mão de obra na região –, e também frente às experiências mundiais de obtenção do etanol de segunda geração por meio da celulose.
Com efeito, é imprescindível implementar a indústria madeireira no Extremo Norte - a partir da recuperação dos passivos ambientais com espécies arbóreas de aproveitamento econômico -, inclusive para resolver conflitos fundiários e ambientais e competir com a expansão da pecuária, da qual Sinop é um exemplo. Nesse município, verdadeira capital do Nortão, algumas indústrias reunidas em uma organização já beneficiam as toras extraídas e os campi universitários sediados na região podem exercer papel protagonista na promoção e desenvolvimento de uma política de formação de técnicos para esse fim. Assim, uma região da indústria madeireira, que opere dentro da legalidade, pode ser formada com centro em Sinop e reproduzida em outras partes, talvez em Juína e Juara, beneficiando os pequenos produtores descendentes dos antigos projetos de colonização privada e de assentamentos isolados e degradados.
A implantação dessa indústria terá como um de seus mercados o coração florestal, mediante a produção de equipamentos para a reconstrução das cidades e para a circulação fluvial; mercado também da própria extensão da faixa de floresta ombrófila aberta, produzindo, inclusive, casas de madeira que hoje são caríssimas, inacessíveis à própria classe média local. A indústria avançada da madeira deverá trazer também significativa redução da queima do grande montante de madeira desperdiçada, colaborando com a redução das emissões de dióxido de carbono, além de conter o desflorestamento e as queimadas.
Em relação ao fornecimento de energia elétrica, o Estado de Mato Grosso está interligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Entretanto, devido ao recente processo de ocupação e sua grande extensão territorial, existem regiões supridas com sistemas isolados de geração, os quais serão paulatinamente incorporados ao SIN. O Estado possui grande potencial hidráulico a ser inventariado. Na Bacia Hidrográfica do rio Teles Pires, o potencial estimado é da ordem de 3.400 MW, envolvendo UHEs e várias pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) que poderão ser implantadas após ampla discussão com a sociedade e mitigação dos impactos ambientais.
Nessa região, a produção de alimentos é uma atividade crucial, alternativa para os pequenos produtores, a serem organizados em cooperativas ou vilas agroindustriais capazes de lhes dar sustentação. Agregando no mínimo cinquenta produtores, que embora mantendo seus lotes individuais devem utilizar a terra e a reserva legal em conjunto para, respectivamente, a produção de alimentos e o extrativismo não madeireiro e fornecimento de serviços ambientais, esse sistema promoverá uma economia de escala que, por sua vez, justificará o processamento da produção. Devem ser estrategicamente localizados para ter acesso às estradas e aos mercados, próximo às cidades que comporão a rede de defesa do coração florestal.
O fortalecimento da agricultura pode contribuir, também, para conter a expansão da pecuária. Contudo, a inclusão do pequeno produtor no mercado regional, e mesmo em cadeias produtivas voltadas para o mercado externo, depende de sua capacidade em operar dentro de um sistema de comercialização que permita romper com os vínculos tradicionais de dependência e exploração que marcam a relação do pequeno produtor com o intermediário; nesse sentido, a construção de portos secos é uma estratégia a ser considerada para aumentar a eficiência do processo de despacho e comercialização, especialmente para os pequenos e médios produtores.
É necessário, no entanto, definir que tipo de agricultura é capaz de crescer sem invadir novas áreas ainda florestadas. Estudo da Embrapa, Monitoramento por Satélite, indica que apenas 7% do território do bioma amazônico pode ser utilizado para fins agrícolas; porém, devem ser contabilizados também os múltiplos usos sustentáveis das áreas de reserva legal. Considerando, também, a existência de milhões de hectares em pastagens degradadas na região, verificamos que uma política de incentivos à expansão da agricultura em áreas de pastagens degradadas, que o Brasil ainda não tem, é de suma importância. Para tanto, a explotação dos jazimentos de rochas calcárias e fosfatadas presentes na região pode contribuir para uma maior eficiência e consequente aumento da produtividade agrícola. Quanto à pecuária em si, dentre as questões para uma estratégia, destaca-se o desafio de aumentar sua produtividade atual e assegurar que essa maior produtividade resulte em uma redução líquida do desmatamento, e não no aumento da migração da pecuária para a região amazônica.
Contudo, o caminho rumo a políticas desse tipo constitui um desafio imenso, visto que as trajetórias atuais da pecuária de corte - patronal e até mesmo camponesa - possuem eficiência econômica considerável e usufruem as vantagens da apropriação de terras, favorecidas pelas trajetórias institucional e política vigentes (COSTA, 2009). No extremo oposto, adquire proporções gigantescas o desafio de fortalecer as trajetórias camponesas baseadas na diversificação agrícola e no estímulo à pecuária de leite e ao extrativismo não madeireiro, superação que seria socialmente justa e, também, uma arma para barrar a expansão da fronteira.
No entanto, especialistas acreditam que por meio de ações conjuntas é possível promover a recuperação de terras degradadas e a implementação de medidas para proteger a floresta. Uma estratégia a ser considerada é a proibição do financiamento de atividades pecuárias em áreas com cobertura vegetal nativa e a disponibilização, pelas empresas processadoras, dos nomes de seus fornecedores. Dentre as soluções existentes para a transição rumo a uma indústria pecuária sustentável, incluem-se também medidas para a melhoria do manejo de pastos. Como resultado, seria desenvolvida uma cadeia de valor da pecuária reestruturada, alinhada com políticas nacionais sobre mudança do clima e redução de desmatamento, mais aceitável pelo mercado internacional.
A expansão acelerada da fronteira agroflorestal e pecuária tem suscitado outras propostas de solução, considerando a perda de biodiversidade decorrente do desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa decorrentes da queima da vegetação. O Programa Boi Guardião, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, permite verificar a origem de rebanhos bovinos abatidos por meio de guias eletrônicas de transporte, controlando, dessa forma, desmatamentos ilegais. Também, a potencial remuneração pela redução das emissões resultantes do desmatamento e degradação florestal (REDD) tem atraído a atenção dos Estados da Amazônia Legal, apesar do mecanismo ainda carecer de maiores esclarecimentos sobre seus objetivos, formas de implementação e destinação dos recursos aos verdadeiros responsáveis pela preservação da floresta. Neste sentido é importante ressaltar que não há mercado formal de REDD reconhecido internacionalmente pela Organização das Nações Unidas, tampouco pelo Governo Federal brasileiro. Entretanto, há possibilidades de acesso a importantes recursos para projetos de REDD via meios institucionais, como é o caso do Fundo Amazônia, gerenciado pelo BNDES.
A região que circunda o Parque Indígena do Xingu é extremamente rica em nascentes dos afluentes do rio Xingu e, por isso, de grande importância para a sustentabilidade de toda a bacia hidrográfica, cuja área de drenagem não se restringe a limites fundiários definidos legalmente. A sua gestão para a conservação dos recursos hídricos deve ocorrer em uma escala compatível com suas características naturais. Assim, a manutenção e a recomposição de remanescentes de vegetação nativa, especialmente as matas ciliares e o uso adequado do solo, por meio da adoção de boas práticas agrícolas que se harmonizem com a gestão ambiental é de fundamental importância para a sustentabilidade ambiental dos recursos hídricos nessa região.
Para essa Unidade Territorial devem ser apoiadas, também, as estratégias contidas no Plano de Recursos Hídricos de Mato Grosso, integradas ao Plano Nacional e considerando a importância, para a conservação dos recursos hídricos da bacia Amazônica, das áreas de arcos de nascentes localizadas em sua porção sul/sudeste, representadas pelos formadores do rio Juruena, e da margem esquerda do rio Xingu, onde se concentram importantes áreas de recarga de aquíferos e de manutenção das águas superficiais de tais bacias.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Implantar uma indústria madeireira moderna, com base no manejo florestal sustentável, fomentada pelo poder público e que considere as populações locais, acompanhada pela devida implantação da infraestrutura necessária para o escoamento da produção e pela qualificação de mão-de-obra na região. · Promover a recuperação dos passivos ambientais com espécies arbóreas de aproveitamento econômico, destinadas à produção de equipamentos para a reconstrução das cidades e para a circulação fluvial. · Estruturar vilas agroindustriais compostas por agricultores familiares e baseadas na utilização conjunta das áreas de reserva legal, destinadas à produção de alimentos, ao extrativismo não madeireiro e ao pagamento por serviços ambientais, gerando uma economia de escala e favorecendo o processamento local da produção, em substituição aos projetos de assentamento convencionais. · Criar oportunidades para a comercialização da produção dos pequenos e médios agricultores, mediante a construção de portos secos e a localização estratégica das vilas agroindustriais nas proximidades das estradas e rodovias. · Incentivar a expansão da agricultura em áreas de pastagens degradadas, acompanhada pela exploração dos jazimentos de rochas calcárias e fosfatadas presentes na região para o aumento da produtividade agropecuária. · Proibir o financiamento de atividades pecuárias em áreas com cobertura vegetal nativa e intensificar a disponibilização, pelas empresas processadoras, dos nomes de seus fornecedores. · Expandir o Programa Boi Guardião, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em toda a região, permitindo verificar a origem dos rebanhos bovinos abatidos por meio de guias eletrônicas de transporte, o que auxiliará o controle de desmatamentos ilegais. · Promover, na região onde se localizam diversas nascentes da bacia do rio Xingu, ações de manutenção e recomposição de remanescentes de vegetação nativa, especialmente as matas ciliares, e de utilização adequada do solo, através da adoção de boas práticas agrícolas que se harmonizem com a gestão ambiental. · Aproveitar o potencial hidrelétrico da bacia do rio Teles Pires com ampla discussão com a sociedade e mitigação dos impactos ambientais. |
□ Contenção das frentes de expansão com áreas protegidas e usos alternativos
Caracterização da unidade
Esta Unidade Territorial (Figura 10) configura-se como uma larga faixa que se estende do Estado do Acre em direção ao leste, margeando o norte das áreas de ocupação consolidada e em consolidação dos estados de Rondônia e Mato Grosso, onde inicialmente se prolonga na direção sudeste, alcançando as bordas do Planalto dos Parecis, numa faixa majoritariamente constituída por Terras Indígenas e Unidades de Conservação; em seguida, retoma a direção leste, margeando o sul dos Estados do Amazonas e do Pará, contornando parte do eixo da rodovia BR-163 (município de Novo Progresso) e, em direção sul, incorporando as áreas do Parque Nacional do Xingu, no Estado do Mato Grosso; a leste, tem por limite as áreas ocupadas de São Félix do Xingu; a porção nordeste tem como limite as áreas de ocupação consolidada da Transamazônica, enquanto seu limite norte corresponde a uma linha que intercepta os médios cursos das bacias hidrográficas dos rios Madeira, Tapajós e Xingu. Constitui-se em uma extensa região, mas pouco habitada e com grande parte de seu território ainda coberto pela vegetação nativa - floresta ombrófila densa e floresta ombrófila aberta, em sua quase totalidade –, abrigando uma elevada diversidade de fauna e flora.
Tradicionalmente, as atividades econômicas desenvolvidas nesta unidade se concentraram ao longo dos principais rios e seus afluentes, associadas, de modo geral, à exploração da borracha (na porção mais ao oeste) e de outros produtos extrativistas, como a castanha-do-Brasil. A economia regional e as relações sociais foram marcadas pelo baixo valor agregado dos produtos, pela vulnerabilidade a flutuações de preços nos mercados internacionais, pela concentração da terra e renda e por relações de dependência e exploração entre empregadores e trabalhadores (indígenas, migrantes nordestinos e outros).
Nos anos sessenta e setenta, a região passou por profundas transformações socioeconômicas e ambientais. Nesse período, destacam-se a abertura das rodovias BR-319 (Porto Velho-Manaus), BR-230 (Transamazônica) e BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a criação de projetos de colonização em toda a região, iniciativas que, na ausência de sólidos esforços de planejamento, foram associadas a migrações intensas, processos de ocupação desordenada do território, desmatamento acelerado, exploração predatória dos recursos naturais e conflitos socioambientais.
Até mesmo como reflexo desse quadro, foram criadas em anos mais recentes uma série de áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) nesta Unidade Territorial, atuando como um escudo de proteção para o coração florestal, embora sob constante ameaça em decorrência da expansão do desmatamento.
Com efeito, mais recentemente, novos e rápidos desmatamentos são observados no sul do Estado do Amazonas, no eixo da Transamazônica e em direção à Terra do Meio, no Estado do Pará, configurando novas frentes de expansão e pressão sobre as áreas protegidas da região. Áreas abertas já há algum tempo a leste da rodovia Rio Branco-Boca do Estado do Acre e na parte sul do município de Lábrea são ocupadas pela pecuária. No trecho Humaitá-Lábrea, tanto nas várzeas do rio Purus, como ao longo da BR-230, grandes pecuaristas estão se instalando a partir da aquisição de pequenas propriedades. Ao sul do município de Manicoré, instalaram-se grupos ligados às cooperativas e empresas privadas dos Estados de Rondônia e Mato Grosso que estão introduzindo a cultura da soja. No sul do município de Apuí, a atividade madeireira predatória avança, criando uma rede de estradas ilegais. Outras pressões decorrem, sobretudo, da expansão desordenada da fronteira madeireira e pecuária que parte de São Félix do Xingu e, em menor grau, da Transamazônica, ao norte, como pôde ser observado em operação recente na Terra do Meio, no Estado do Pará, que apreendeu milhares de cabeças de gado no interior de Unidades de Conservação.
A atividade econômica predominante atualmente nesta Unidade Territorial é a pecuária bovina, praticada em caráter extensivo, sendo que a agricultura tem expressão reduzida (fruto da baixa fertilidade natural dos solos da região), com algum destaque para a mandioca, o arroz e o milho, sofrendo ainda influência direta e indireta da ocupação ao longo das rodovias BR-230 e BR-163 e da hidrovia do rio Madeira, eixo de escoamento da soja produzida no oeste do Estado do Mato Grosso.
De fato, a produção de soja e grãos no Estado do Amazonas concentra-se no sul do estado, tendo sido iniciada no final dos anos 90, com forte apoio do governo estadual. Os primeiros plantios mecanizados ocorreram nas áreas de campos naturais, numa faixa de 800 mil hectares dentro dos municípios de Humaitá, Lábrea, Canutama e Manicoré, sob um intenso programa de fomento e crédito. As condições naturais e a localização geográfica foram fatores determinantes para a ênfase de políticas públicas voltadas para a implementação de uma agricultura mecanizada e moderna nessa porção do estado, que intensificou a pressão sobre as áreas de campos naturais e sobre a floresta amazônica, mesmo que de forma indireta, elevando as taxas de desmatamento do estado.
Significativa territorialidade dos produtores familiares é encontrada em área de antiga colonização do Incra, ao longo da Transamazônica, no Estado do Pará, em ambiente de contato entre a floresta ombrófila densa e a floresta ombrófila aberta. Esses produtores criaram importante área agrícola, cujo centro é Altamira e por onde hoje se estende a exploração madeireira e a pecuária.
Trata-se de uma das mais importantes concentrações de produtores familiares na Amazônia Legal, que se distingue das demais não apenas por sua extensão relativamente contínua ao longo da estrada, mas pelo nível de organização política que alcançaram. Participam amplamente de redes sociopolíticas, como revela a rede da Comissão Pastoral da Terra que, organizada com sede nacional em Goiânia, sedes estaduais e equipes locais, bem expressa a importância da territorialidade camponesa. Ao longo da Transamazônica, em relativamente curto espaço, sucedem-se quatro equipes locais e os produtores criaram sua própria rede, o projeto Proambiente, cuja atuação política faz-se hoje até ao nível nacional. Contudo, segundo estudo de Costa (2009), a produção camponesa nessa área (culturas alimentares) está decrescendo.
De modo geral, a infraestrutura de transportes nesta Unidade Territorial é muito precária, sendo que o tráfego nas principais rodovias é praticamente inviável no período de chuvas. Como consequência da baixa densidade de estradas oficiais, desenvolveu-se uma expressiva malha de estradas informais. Quase sempre abertas por madeireiros, essas estradas se multiplicam em ritmo acelerado, sem qualquer controle político, constituindo-se em vetor de estímulo à grilagem, ao desmatamento e à disseminação do trabalho escravo, uma vez que permite a abertura de fazendas em lugares isolados da fiscalização pública.
Nos domínios desta Unidade Territorial tem-se, também, a Província Mineral do Tapajós, cujos levantamentos geológicos indicam um potencial para produção de ouro e outros recursos minerais, como níquel, estanho, diamante, gipsita e calcário, comparável ou maior do que Carajás. A região é alvo de grande atividade de pesquisa mineral desde a década de 50 por empresas que operam com a bolsa do Canadá, as chamadas junior companies, havendo também intensa atividade garimpeira de ouro. Segundo o Ministério de Minas e Energia, os garimpeiros desta província mineral chegaram a somar cerca de 42 mil pessoas, perfazendo atualmente um contingente de 20 mil trabalhadores.
Esta Unidade Territorial possui também grande potencial hidroenergético nas bacias hidrográficas dos rios Teles Pires, Tapajós e Jamanxim, já inventariadas, cujo aproveitamento deverá ser feito com o mínimo impacto possível, mediante, por exemplo, a construção das chamadas usinas plataforma, previstas para serem implantadas no complexo do Tapajós, no Estado do Pará, e que têm como referência as plataformas de exploração de petróleo em alto mar, sendo utilizadas, também, na exploração de petróleo em Urucu.
Em sua porção sudeste, esta Unidade Territorial abrange o Estado do Mato Grosso em três frentes: o extremo noroeste do estado, a região entre os rios Juruena e Teles Pires e, mais a leste, o Parque Indígena do Xingu, com 68,13% do território do Estado do Mato Grosso contido nesta Unidade Territorial compreendido por Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
A porção noroeste do Estado do Mato Grosso abrange a superfície rebaixada da Amazônia, um extenso compartimento de embasamento rochoso, com altitudes entre 150 e 300 metros, emoldurado por blocos planálticos, recobertos por solos pouco desenvolvidos, geralmente com baixa fertilidade, alta saturação com alumínio tóxico e limitações à ocupação devido à declividade e à forte predisposição à erosão. Por outro lado, apesar destas limitações de relevo e solos, é uma região de predomínio do domínio florestal sob influência do clima equatorial continental úmido, onde florestas ombrófilas abertas e densas, adaptadas às condições climáticas, apresentam considerável estoque madeireiro.
Assim, destaca-se por possuir grande estoque de floresta ombrófila e pelas inúmeras iniciativas de controle ambiental, conservação da biodiversidade e desenvolvimento de atividades sustentáveis, realizadas nos últimos vinte e cinco anos pelo governo estadual e pelas prefeituras locais, com a implementação de projetos financiados com recursos internacionais. Os principais projetos implantados na região são o PRODEAGRO, que dentre outras atividades desenvolveu um projeto piloto de manejo florestal de baixo impacto; o PGAI/SPRN/PPG7, que desenvolveu o Sistema de Licenciamento Ambiental de Propriedades Rurais, fortaleceu o extrativismo da castanha-do-Brasil e do látex nas Terras Indígenas da região e na Resex Guariba-Roosevelt e apoiou pilotos de sistemas agroflorestais em assentamentos rurais; já o Projeto GEF tem fortalecido e ampliado o extrativismo nas áreas protegidas e nos assentamentos rurais, além de fortalecer a agregação de valor e a comercialização dos produtos não madeireiros da floresta. Também são desenvolvidos na região projetos na área ambiental implementados pelas prefeituras locais e por entidades representativas da sociedade, destacando-se, dentre eles, o projeto Petrobrás.
Outras iniciativas de uso sustentável dos produtos da floresta estão em curso nesta região, como uma fábrica comunitária de beneficiamento de castanha-do-Brasil, com distribuição para a merenda escolar de seis municípios e que envolve 2.200 índios da etnia Rikbatsa, seringueiros e 500 famílias de agricultores do projeto de assentamento Vale do Amanhecer. Esse assentamento do Incra é o único licenciado no Estado do Mato Grosso e nele são desenvolvidos projetos-modelo de sistemas agroflorestais e de extrativismo da castanha e da seringa.
Após 2006, com a descentralização da gestão dos recursos florestais da União para o estado, houve uma ampliação significativa no número de planos de manejo florestal sustentável a serem implementados na região, fortalecendo a valorização da floresta em pé. Grandes áreas de manejo florestal empresarial estão sob este tipo de uso na região há pelo menos 20 anos e a única certificação FSC no Estado de Mato Grosso está localizada nesta Unidade Territorial.
Além disso, diversas iniciativas ligadas à mitigação da mudança do clima estão em curso nos municípios de Cotriguaçu e Juruena, como o projeto de REDD Noroeste MT (SEMA), o Poço de Carbono Juruena (Petrobrás) e o Poço de Carbono Peugeot (Peugeot).
Nessa região também foi criado pelo MDA o Território da Cidadania do Vale do Juruena, que investirá recursos significativos no desenvolvimento sustentável da região; além disso, o Incra investirá recursos em pagamentos de serviços ambientais no noroeste do Estado de Mato Grosso como região piloto do Programa Agrobiodiversidade em Assentamentos da Reforma Agrária na Amazônia, por meio do Cartão Verde, para implantação de sistemas agroflorestais.
Uma territorialidade também importante nesta Unidade é representada pelo Parque Indígena do Xingu, que conta com mais de 27 mil quilômetros quadrados (aproximadamente 2.800.000 ha, incluindo as Terras indígenas Batovi e Wawi), situado no centro leste de Mato Grosso, numa zona de transição florística entre o Planalto Central e a Floresta Amazônica, onde residem quatorze diferentes etnias. A região, onde predominam as matas altas entremeadas de cerrados e campos, é cortada pelos formadores do rio Xingu e pelos seus primeiros afluentes da margem direita e da margem esquerda.
Estratégias propostas
Em virtude do papel de escudo para proteção do coração florestal, esta Unidade Territorial deve merecer reforço das institucionalidades que abriga - Unidades de Conservação e Terras Indígenas –, conforme descrito no item das estratégias comuns.
Esta Unidade Territorial é dotada, também, de um grande potencial de desenvolvimento, a partir do aproveitamento racional de seus recursos naturais, manifestados pelos potenciais florestal, mineral e hídrico. Entretanto, de modo geral, a exploração desses recursos somente se justifica mediante uma forte política de verticalização da produção, por meio da implementação de pequenas e médias unidades industriais e agroindustriais, a serem viabilizadas por incentivos e uma política de créditos especiais, associados a ações voltadas para a melhoria da infraestrutura física (orientada segundo abrangentes critérios de sustentabilidade), da educação e da saúde pública.
Mais especificamente, estratégias fundamentais para conter a expansão do desmatamento e promover a contenção da fronteira agropecuária nesta unidade residem no fomento e viabilização de práticas florestais sustentáveis - sejam elas de natureza madeireira, não madeireira e de serviços ambientais. Nesse sentido, a implantação do Distrito Florestal Sustentável do BR-163, a partir dos planos de manejo e das concessões de Florestas Nacionais, pode catalisar a geração de emprego e renda para a região, com o beneficiamento local da produção (movelaria, insumos para a construção civil, etc.). Cenários formulados quando da instituição do Distrito apontam para a geração de até 180 mil empregos, com uma renda bruta anual de aproximadamente R$ 1,3 bilhão. De modo complementar, outra estratégia a ser implementada refere-se ao desenvolvimento e disseminação de tecnologias e práticas para um melhor aproveitamento da madeira, visto que o índice de aproveitamento atual desta matéria-prima está em torno de 40%, ficando 60% da biomassa (galhos e folhas) na floresta.
Outra estratégia para o setor florestal diz respeito ao fomento do manejo florestal empresarial e comunitário de uso múltiplo, por meio de carteira de crédito oficial, além da realização de pesquisa florestal para a ampliação do número de espécies florestais a serem exploradas e melhoria nos processos de corte, desdobramento e industrialização da madeira.
Nas proximidades dos municípios de Altamira, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu merece destaque o potencial hidrelétrico oferecido pelo rio Xingu, com suas belas cachoeiras e corredeiras representando, também, excelente oportunidade para o desenvolvimento da atividade turística. No que tange ao potencial hidrelétrico, a perspectiva de construção da hidrelétrica de Belo Monte pode se constituir em um importante aparato para o desenvolvimento da região. Contudo, a sociedade local e, especialmente, os governantes, devem se mobilizar para que a energia gerada não reproduza apenas as mazelas que esse tipo de empreendimento pode causar ao meio ambiente e ao tecido social de seu entorno, em especial os povos indígenas e as comunidades tradicionais.
Uma estratégia a ser implementada nesta Unidade Territorial refere-se ao fortalecimento dos grupos e comunidades tradicionais existentes, a partir da capacitação e do fomento de formas alternativas de produção sustentável. Na região ao sul da calha do rio Amazonas - cuja vulnerabilidade decorrente da construção das estradas Transamazônica e Cuiabá-Santarém vem sendo acentuada pelas frentes de exploração madeireira e pecuária –, prioridade deve ser dada ao fortalecimento dos produtores familiares, envolvendo o asfaltamento da Transamazônica, de acordo com rígidos padrões ambientais, e maior apoio ao projeto Proambiente, em termos de facilidades creditícias e pesquisas para que possam usufruir de pagamentos por serviços ambientais variados. Cabe considerar, assim, a possibilidade de implantação e fortalecimento de sistemas agroflorestais e a recuperação de áreas degradadas e desmatadas nas áreas indicadas pelos zoneamentos estaduais. Igualmente demandada, a medicina tradicional é uma temática de grande relevância para as comunidades tradicionais da região, dotada de potencial considerável para a geração de emprego e renda.
Outra questão relevante refere-se ao avanço do plantio de soja no sul do Estado do Amazonas e a necessidade de estabelecer o zoneamento agrícola desta cultura, tendo em vista a função de verdadeiro escudo do coração florestal desempenhada por esta Unidade Territorial.
O município de Itaituba adquire, nesse contexto, importância estratégica. Com população aproximada de 125 mil habitantes, situa-se na conexão entre a Cuiabá-Santarém e a Transamazônica, possuindo um porto fluvial que o habilita para ser um importante centro logístico da região. Ademais, a pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém e a implantação do Distrito Florestal Sustentável da BR-163 poderão estimular a implantação de indústrias no município e consolidá-lo como centro prestador de serviços para toda a região que polariza. Além disso, a condição central de Itaituba em meio a diversas áreas protegidas a credencia como local privilegiado para abrigar um centro de pesquisas voltado para o estudo da biodiversidade amazônica.
Por fim, um importante ponto a ser desenvolvido no âmbito dessa Unidade Territorial diz respeito à viabilização de um programa de bioprospecção, envolvendo a implementação das seguintes medidas:
□ realizar inventário da biodiversidade local, formando assim uma base de dados consistente e confiável para que se conheça o que se tem e assim fornecer fundamentos para se conhecer seu potencial, tendo como atores fundamentais para este processo as Universidades Federais e Estaduais situadas na região amazônica, que deverão ter seus quadros técnicos e seus orçamentos ampliados para suprir tal demanda;
□ ampliar e fortalecer o quadro técnico e orçamentário das duas instituições de referência no estudo da biodiversidade da Amazônia Brasileira: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, com sede em Manaus, e o Museu Paraense Emílio Goeldi, com sede em Belém;
□ criar uma câmara técnica federal sobre o tema, contando com a participação do poder público nas esferas federal, estaduais e municipais, das organizações não governamentais (ONGs), das universidades, das empresas químicas e farmacêuticas entre outras, das comunidades tradicionais e indígenas, além de outros setores da sociedade. Esta câmara técnica deverá definir regras e normas claras de protocolos e de responsabilidades entre as partes, não esquecendo das normas legais vigentes no País e internacionalmente, assim como os institutos de direito como o de patente, direito autoral, entre outros, dando total publicidade aos processos envolvidos ao tema;
□ criar linha de financiamento que beneficie a todas as fases do processo de bioprospecção, envolvendo as principais instituições financeiras oficiais como BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, entre outras;
□ conscientizar a população da importância da biodiversidade para a sobrevivência dos ecossistemas e das próprias espécies em geral, por meio da educação ambiental e de novas alternativas econômicas pautadas no uso da floresta em pé;
□ rever a legislação, adequando-a às necessidades de preservação e exploração econômica dos bens naturais em questão e disciplinando a sua alienação, utilização, sigilo, patente, entre outro;
□ estruturar e colocar em prática uma política de prospecção, tendo entre seus parâmetros a preservação da soberania nacional e o cuidado para que o povo não seja prejudicado pela má distribuição dos benefícios advindos desta forma de exploração; e
□ garantir a partição dos benefícios às comunidades envolvidas, respeitando o direito de propriedade da medicina natural, tanto coletiva quanto individual, incentivando o desenvolvimento das relações formais e informais entre a comunidade científica, as ONGs, os grupos indígenas e demais atores envolvidos.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Verticalizar a produção, por meio da implementação de pequenas e médias unidades industriais e agroindustriais, a serem viabilizadas por uma política especial de crédito, associada a ações de melhoria da infraestrutura física de apoio à produção (segundo abrangentes critérios de sustentabilidade), da educação e da saúde pública. · Promover práticas florestais sustentáveis, com geração de emprego e renda para a região, a partir, por exemplo, do beneficiamento da madeira na região (indústria moveleira, construção civil, etc.), do desenvolvimento e disseminação de tecnologias e práticas para um melhor aproveitamento da madeira, do apoio à implementação do Distrito Florestal da BR-163 e do estímulo ao manejo florestal empresarial e comunitário de uso múltiplo (madeireiro e não madeireiro). · Implantar e fortalecer sistemas agroflorestais para a recuperação de áreas degradadas e desmatadas, com a adoção de linhas de crédito e de pesquisa voltadas aos agricultores familiares e aos povos e comunidades tradicionais, possibilitando, também, que sejam beneficiados pelos projetos de pagamento por serviços ambientais. · Viabilizar uma política de bioprospecção, com a estruturação, na região, de um centro de pesquisa voltado para o estudo da biodiversidade amazônica, o fortalecimento das instituições de pesquisa já existentes, a criação de linhas de financiamento às atividades de bioprospecção e a garantia da repartição dos benefícios gerados às comunidades envolvidas. · Aproveitar os potenciais hidrelétricos das bacias da região, com a utilização da energia gerada na dinamização do desenvolvimento local. · Fomentar a atividade turística, através da implantação e incremento da infraestrutura e dos serviços de apoio necessários, voltados ao aproveitamento dos atrativos naturais (como as corredeiras e cachoeiras do rio Xingu) e culturais existentes. · Elaborar o zoneamento agrícola para disciplinar o avanço da cultura da soja, sobretudo na região sul do Estado do Amazonas. |
1.21.Territórios-zona
□ Defesa do coração florestal com base em atividades produtivas
Caracterização da unidade
O coração florestal corresponde à área com presença de grandes porções de floresta ombrófila densa, ora em blocos contínuos, ora entremeados por porções de floresta ombrófila aberta, cerrados e campinaranas, cujas características principais são a baixa densidade demográfica, baixo grau de antropismo e, consequentemente, elevado grau de preservação (Figura 11). Na calha norte, no sentido leste-oeste, esta zona se estende desde o norte do Estado do Amapá, cujos maciços florestais em elevado estado de preservação o diferenciam dos demais estados Brasileiros, até os limites com a Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela e Colômbia e Peru; na calha sul ocupa os largos interflúvios dos médios e baixos cursos dos rios Madeira e Juruá e tem sua porção extrema no Estado do Acre, fronteira com o Peru.
As feições que permitem caracterizar o coração florestal como um território-zona são, portanto, a baixa densidade demográfica, ausência de escala de produção, pouca organização política, decorrentes em grande parte do seu isolamento e, consequentemente, a sua não incorporação às fronteiras de ocupação. No Estado do Amazonas, a ocupação do coração florestal é caracterizada predominantemente pela presença de pequenos agricultores familiares, criadores, extrativistas, pescadores e povos indígenas, que praticam, além do extrativismo, a produção agrícola de subsistência com pequenos excedentes, reconhecidamente de baixo impacto.
Uma extensa zona contínua permanece no cerne do coração florestal, onde não ocorre sequer a extração madeireira. A análise dos fluxos de produção de madeira indica fraca exploração madeireira em ambas as margens do Solimões circundando Manaus, correspondente a Tefé e Novo Airão, assim como também é fraca a exploração na Cabeça do Cachorro e em toda faixa de fronteira norte. Este território-zona apresenta especificidades ecológicas, culturais e econômicas relevantes, tais como:
a) Territorialidades Indígenas do Alto Rio Negro, Alto Solimões e oeste do Estado de Roraima
Apesar de toda a faixa de fronteira norte estar incluída no extenso território-zona do coração florestal, esta área apresenta em seu domínio a territorialidade de grupos indígenas, a ser devidamente considerada a partir de estratégias para esta zona.
b) Manaus e cidades da calha
Eixo histórico da ocupação e do povoamento regional, os rios Solimões e Amazonas permanecem como a principal via de circulação no coração florestal. No cerne desta zona tem-se a cidade de Manaus, com 1.646.602 habitantes (IBGE), na categoria de metrópole regional. Embora a circulação fluvial, complementada pela aérea, não cause grandes impactos ambientais, constata-se que a integração de Manaus com a área que polariza é restrita; as distâncias e a morosidade dos transportes limitam as conexões com o restante do estado.
Paradoxalmente, em pleno coração da floresta, registra-se uma economia fortemente concentrada no Polo Industrial de Manaus (PIM), dinamizada pela presença de um empresariado moderno e arrojado, que abriga mais de 450 empresas - entre elas muitas companhias multinacionais, tais como a Honda, Phillips, Sony, LG, Nokia, entre outras - que em 2008 teve um faturamento histórico recorde de US$ 30,1 bilhões.
Novos horizontes para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Ocidental são vislumbrados com as reservas de óleo e gás da Bacia Solimões - apontadas como promissoras e de grande relevância, à semelhança da Bacia de Campos - e o Gasoduto Urucu-Coari-Manaus. Inaugurado em novembro de 2009, este se configura no primeiro grande projeto na Amazônia que reverterá seus benefícios integralmente para a região: a mudança da matriz energética de óleo diesel para gás natural aumentará a competitividade no PIM a partir do uso do gás natural, fornecido a preços competitivos, como insumo ao processo industrial e possibilitará a montagem de um polo gás-químico e de fertilizantes.
Acresce-se a ocorrência, em escala significativa, tanto de minerais metálicos contidos em rochas de escudo cristalino - sobretudo nas serranias de Roraima e do Amazonas –, como de minerais não metálicos encontrados nos depósitos sedimentares, como é o caso do caulim, calcário e gipsita entre Manaus e Presidente Figueiredo, e minérios de potássio, como a silvinita, no baixo Madeira. Além de fundamentais para a recuperação de áreas degradadas, tais minérios são considerados estratégicos para a agricultura, visto que atualmente importa-se mais de 90% da demanda nacional por fósforo, nitrogênio e potássio, utilizados como fertilizantes.
Na direção do aproveitamento dos recursos minerais do estado, na Região Metropolitana de Manaus tem-se importante Polo Industrial Cerâmico Vermelho e Branco (caulim e argilas), com cerca de 30 indústrias instaladas na região de Iranduba e Manacapuru, que atende às demandas da construção civil no Estado do Amazonas. Os excedentes são exportados para a Venezuela, pela rodovia BR-174. Com a disponibilização de gás natural, a consolidação deste segmento passará pela substituição do processo industrial de queima da lenha, que embora renovável pode provocar avanço sobre matas nativas, o que permitirá atender a padrões internacionais de qualidade. Haverá também o aproveitamento do rejeito da argila (areia) como material para a construção civil e a indústria óptica.
Há também o Projeto Pitinga, localizado a 280 km da cidade de Manaus, no município de Presidente Figueiredo, cuja produção atende a mais de 60% da demanda brasileira pelo minério de estanho. A partir do comando do projeto pelo Grupo Minsur, de capital peruano, estudam-se duas grandes ações: a exploração dos demais bens minerais ali existentes, já que se trata de província polimetálica (estanho, nióbio/tântalo, zircão, ítrio, tório e alumínio) e a instalação de uma planta de beneficiamento do estanho no Polo Industrial de Manaus, que hoje é feito no Estado de São Paulo.
Estas ações remetem à consideração de que há um esforço na direção da construção de cadeias produtivas no âmbito local, visto que são inúmeras as possibilidades de desenvolvimento do setor mineral no contexto do coração da floresta: há energia disponível para o beneficiamento, há recursos minerais e há uma população considerada como de boa qualificação para atendimento das demandas do mercado de trabalho.
A montante e a jusante de Manaus registram-se situações muito diversas. A montante, a atividade econômica em geral é incipiente, mas algumas cidades estão sendo palco de iniciativas dinamizadoras da economia local: (1) Tefé, cuja produção pesqueira abastece o mercado colombiano, a montante, e o mercado de Manaus, a jusante; está previsto o plantio de 20 mil hectares de dendê, o que poderá constituir uma fonte de renda complementar para a agricultura familiar e, tendo em vista que a produção precisa ser processada em no máximo 24 horas após a colheita, exigirá a localização das unidades de beneficiamento próximas ao local de plantio; (2) Codajás, onde a organização de uma cooperativa com ajuda da Suframa vem tendo um surto de exportação de açaí e frutas para a região e para o exterior; (3) Coari, que se dinamiza com as atividades da Petrobrás; (4) Manicoré, no médio vale do Madeira, concentra 22 associações e uma cooperativa com miniusina para beneficiamento da castanha; (5) Carauari, no Vale Médio do Juruá, em plena mata, possui várias comunidades concentradas no entorno da Resex Juruá, dentre elas destaca-se a Comunidade Roque, que extrai óleo bruto de andiroba para cosmético e combustível para as empresas Cognis e Natura, que abastece, via Manaus, o mercado paulista e europeu; (6) em Lábrea, a Associação dos Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha, no vale do rio Purus, organiza-se como cooperativa produtora de óleos de castanha; (7) Tabatinga, localizada no vale do Alto Solimões, na tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru, possui no seu entorno a cooperativa Santa Rosa que produz óleo de castanha do Brasil.
A jusante, descendo o rio, dentre outras cidades, tem-se (1) Parintins, que se destaca como cidade turística e como polo comercial pecuarista; (2) Maués, município que detém 55,6% da produção regional de guaraná (PAM, 2007) e que polariza um conjunto aproximado de 20 municípios produtores desta espécie nativa da Amazônia, a partir de forte participação da Ambev nesta agroindútria; (3) Silves, onde as comunidades extraem óleo de copaíba e da castanha para fabricação local de sabonetes e xampu, como também há iniciativa de replantio de pau-rosa para retirada de óleo essencial utilizado no perfume Chanel no 5; esta cidade destaca-se ainda pela inovação constituída pelo turismo caboclo, em que os turistas são alojados nas próprias residências da população local, iniciativa que conta com apoio da ONG Avive na produção de cosméticos enquanto o turismo é organizado por uma empresa italiana; e (4) Manaquiri e Barreirinha, onde são utilizadas plantas medicinais e uma miniusina para extração de óleos para fitoterápicos visa à implantação de uma indústria de qualidade, a Biofarma.
Estratégias propostas
O coração florestal é dotado de recursos naturais que interessam ao mercado mundial e sua posição é estratégica em relação à integração sul-americana e à soberania nacional. Nele é possível estabelecer estratégias que visem minorar a dependência da economia extrativista exportadora de matérias-primas, mediante incorporação do conhecimento à produção.
Um novo padrão de desenvolvimento para a organização da base produtiva terá efeitos positivos no processo de integração sul-americana e global, a partir de formas inovadoras de lidar com questões comuns como a gestão da água, a exploração de minérios e madeira, o uso da biodiversidade, a produção de alimentos e os modais de integração física condizentes com a natureza da região.
A estratégia de desenvolvimento do coração florestal - e ao desenvolvê-lo, será defendido - não será, portanto, alcançada por seu isolamento produtivo, mas, sim, pela utilização de seus recursos a partir de técnicas e práticas do século XXI que não destruam a natureza e incorporem e atualizem o saber milenar da população local. Trata-se de inovar em múltiplas dimensões, o que requer políticas públicas novas, capazes de promover mudanças.
Os elementos centrais para que esta nova condição ganhe escala e se consolide devem ser os seguintes: (1) articulação das cidades com a floresta, como centros de cadeias produtivas, de pesquisas e de indústrias; e (2) adoção de técnicas modernas nas atividades extrativistas, tendo por base de sua organização a oferta de serviços ambientais[27].
Manaus como portal tecnológico da Amazônia e cidade mundial tropical
Para que Manaus ganhe status de portal tecnológico e se constitua em cidade mundial tropical, isto é, em um território capaz de articular a expansão de uma economia contemporânea pautada no desenvolvimento sustentável e na tecnologia de ponta, há que se contar com uma rede de cidades, cujo perfil de serviços torna-se um fator crucial para o desenvolvimento da Amazônia no século XXI: essas deverão ofertar serviços ambientais, serviços convencionais para atender às necessidades básicas da população bem como serem capacitadas em serviços especializados avançados - financeiros, jurídicos, consultorias de gestão, marketing, entre outros.
Nesse contexto, Manaus poderia ser planejada como uma cidade mundial da marca “Amazônia” com base na prestação de serviços ambientais, inclusive com uma bolsa de valores, graças à sua posição ímpar frente às florestas sul-americanas.
Deverá também liderar uma rede de cidades, constituída pelas cidades situadas, sobretudo, no médio e baixo curso dos afluentes da margem direita do rio Amazonas, que, a partir da produção e estrutura territorial inovadoras, poderão constituir um cordão de “blindagem flexível” contra a destruição da cobertura florestal e demais usos predatórios dos recursos naturais.
Redes de cidades e infraestrutura urbana
O cordão de “blindagem flexível” seria constituído por uma rede liderada por cidades dos Estados do Amazonas e do Amapá assim definida:
(1) Maués, na calha do Amazonas, polarizando a rede de cidades constituída por Manaquiri, Barreirinha, Abonari e Urucará;
(2) Manicoré, no vale do Madeira, liderando a rede composta pelas cidades de Apuí, Novo Aripuanã, Nova Olinda do Norte e Humaitá;
(3) Lábrea, no vale do rio Purus, liderando as cidades de Camutamã e Humaitá;
(4) Carauari, onde seria instalado um Laboratório da Floresta;
(5) Tabatinga, no alto Solimões, polarizaria uma rede composta pelas cidades de Santa Rosa e Benjamim Constant, que se conectaria com as cidades de Letícia e Islândia, na Colômbia e Peru, respectivamente; e
(6) Cruzeiro do Sul, no oeste do Estado do Acre, próximo à fronteira do Brasil com o Peru.
Apesar dos municípios polarizados por Tabatinga não apresentarem significativa produção de insumos para a bioindústria florestal, há um imenso potencial pesqueiro e registro de iniciativa para constituição de cadeia produtiva do pescado; há produção madeireira em Benjamim Constant e, sobretudo, as cidades transfronteiriças constituem um núcleo policêntrico estratégico para controle da fronteira, de onde poder-se-á comandar o monitoramento de grandes extensões florestais. Deve-se considerar a inclusão futura de Eirunepê nesta rede de cidades.
No Estado do Amapá, Laranjal do Jari lideraria a rede composta pela cidade de Vitória do Jari e Soure/Pará.
A instalação de equipamentos e serviços - educação, habitação, saneamento, comércio e indústria - é de fundamental importância para a convergência de novas redes. Será necessária a oferta de cursos de capacitação e a instalação de laboratórios de pesquisa, fundamentais para a sustentabilidade da população e da produção.
Extrativismo com ciência, tecnologia e inovação
À margem dos grandes projetos e das estradas que marcaram a ocupação da Amazônia nas décadas de 70 e 80 - exceto a Zona Franca de Manaus e Urucu, que impactaram pouco a floresta - o coração florestal persiste como extensa zona que adquire novo valor no contexto mundial impulsionado pela CT&I. Sua organização pode e deve ser efetuada a partir da inovação e da criatividade, constituindo-se como uma fronteira de novo tipo de organização do capital natural e do conhecimento.
O acesso ao patrimônio genético da biodiversidade amazônica ocorre hoje de forma descontrolada, pondo em risco a desejada repartição de benefícios. A organização da coleta pelas populações locais, tanto para fins de produção industrial, quanto para fins da pesquisa científica, traz poucos benefícios a essas populações, já que a agregação de valor ocorre em outros locais, muitas vezes em outros países, nos quais a relação com aquela biodiversidade se perde devido a produtos sintetizados a partir dela.
Tanto no caso dos produtos farmacêuticos como no caso dos cosméticos, a competição hoje em dia se dá em escala mundial, o que leva a que a produção local somente se torne viável com investimentos em pesquisa para viabilizar a produção e comercialização em larga escala. É preciso priorizar cidades para receber investimentos públicos, em especial em energia, transportes de cargas, segurança e educação, de forma a desenvolver instituições de ensino que devem nuclear especialidades científicas, para, dessa forma, atrair pesquisadores e, como resultado, assegurar a disponibilidade de mão de obra especializada necessária ao investimento produtivo.
A indústria de biotecnologia brasileira engloba hoje cerca de 300 empresas, na maioria Micro e Pequenas Empresas (MPE) e é irrelevante o número dessas empresas na região amazônica. Para suprir este desequilíbrio, desde maio de 2008 o Governo Federal vem implementando uma Política Pública para Biotecnologia, cuja formulação e avaliação contam com a participação da sociedade por meio do Fórum de Biotecnologia.
Nesta Política, o Centro de Biotecnologia da Amazônia, localizado em Manaus e subordinado à Suframa, depois de solucionados os problemas de marco legal, terá por missão promover os negócios resultantes das pesquisas nele desenvolvidas.
Para a promoção comercial de "Produtos da Amazônia produzidos na Amazônia", há instrumentos que poderiam favorecer o desenvolvimento de uma rede de cidades biotecnológicas na Amazônia.
Em termos de desoneração para fins de exportação há os benefícios fiscais das Zonas de Processamento de Exportação (Lei no 11.508, de 2007 alterada pela Lei no 11.732, de 2008) e do Aeroporto Industrial (Instrução Normativa MF/SRF 241/2002). Em termos de estruturação das cadeias produtivas, há o programa de Arranjos Produtivos Locais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Assim, considera-se que o momento é propício para o aproveitamento do imenso potencial existente no coração florestal para produção de fármacos, tão essenciais à saúde pública do povo brasileiro, destinada ao mercado interno e com apoio de políticas públicas nacionais.
Algumas iniciativas já existem em comunidades cuja produção é comprada por empresas de Manaus que navegam até 700 km pelo rio Amazonas e seus afluentes, para utilizá-la na produção de cosméticos. A competição com os grandes laboratórios farmacêuticos mundiais pode ser enfrentada por se tratar de um mercado doméstico e por ser apoiada por políticas públicas.
Implantação de vilas agroindustriais
No entorno das cidades da rede acima delineada, deverá ser planejada a implantação de vilas agroindustriais que congreguem produtores familiares, de tal modo que seja criada uma densidade organizacional e escala de produção em sistemas que combinem bioenergia para a manutenção do empreendimento e alimentos para fornecimento às cidades próximas, condição básica para viabilização do projeto. Nas florestas públicas, há a possibilidade de implementar o manejo florestal sustentável para a exploração madeireira, não madeireira e de serviços em conformidade com as estratégias previstas na Lei no 11.284, de 2 de março de 2006, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável no âmbito dos órgãos federais, estaduais e municipais competentes.
Logística de transportes
O alcance das estratégias propostas para esta Unidade Territorial recomenda situação de forte governança para a recuperação da rodovia BR-319, que por atravessar extensa área de floresta ombrófila densa requer extremos cuidados. Deve-se optar pela implantação da rodovia nos moldes de uma “estrada-parque”, ouvido o Comitê Gestor da BR-319, criado pela Portaria Interministerial no 1, de 19 de março de 2009, cumprindo-se também com todos os requerimentos previstos para seu licenciamento e com a proteção e implementação das Unidades de Conservação na área de influencia da rodovia, segundo determinação do Grupo de Trabalho Interministerial da BR-319.
Manutenção da Zona Franca de Manaus
Estudo econométrico indica que a presença do polo industrial permitiu a redução do desmatamento em cerca de 40% (período desde 1967) no Estado do Amazonas (MACHADO et al., 2009).
Neste sentido, e diante da importância do PIM como sede da finalização das cadeias produtivas, considera-se importante a manutenção dos incentivos fiscais que fomentam a produção industrial na Zona Franca de Manaus, fato que concorre para a atração de investimento em novos clusters industriais, tais como, polos gasoquímicos, fertilizantes, de cerâmica branca, indústria ótica, biocosméticos e fármacos, a partir do aproveitando dos recursos da biodiversidade e da geodiversidade.
Oferta de serviços ambientais
Quanto aos serviços ambientais, deverão ser consideradas as funções de todos os componentes dos ecossistemas e não permanecer atrelado somente ao mercado global de carbono. As cidades selecionadas como centros industriais do extrativismo avançado deverão sediar pesquisas relativas aos múltiplos serviços ambientais que os diferentes ecossistemas localizados no coração florestal dotam o Brasil e o planeta. Um didático exemplo reporta à grande quantidade de umidade acumulada num cinturão localizado a 12-16 km de altitude, formado graças ao papel que a floresta desempenha no ciclo hidrológico, os chamados “rios voadores”, responsáveis pelo mecanismo de chuvas necessárias ao agronegócio do centro-sul do País. As pesquisas deverão responder em que medida a produção de água e de alimentos tem relação direta com a manutenção da integridade dos ecossistemas e quais mecanismos compensatórios poderão ser instituídos para promover a manutenção da floresta em pé.
Outra questão a ser considerada refere-se à participação da manutenção da cobertura florestal nas metas de redução das emissões de carbono, assumidas pelo Brasil perante a comunidade internacional. A Política de Prevenção e Combate ao Desmatamento, associando medidas de comando e controle com incentivo à reconversão produtiva, fortalecem a perspectiva de consideração da floresta não somente como uma mera circunstância de oferta de madeira, de carvão, de obstáculo para a ocupação do território.
Regulação da extração de produtos da floresta
a) Certificação
Em relação à extração da madeira, seja ela oriunda da floresta nativa ou da plantada, o processo de certificação é caro, hoje está limitado ao modelo desenvolvido pelo Forest Stewardship Council (FSC) e constitui requisito obrigatório em mercados com consumidores ambientalmente conscientes. Como alternativa a este modelo, a Associação Brasileira de Normas Técnicas criou outro mecanismo de certificação, denominado Cerflor, mas que ainda não tem a mesma força do FSC. É necessário equacionar o gargalo de certificação de origem, visto que nem o IBGE detém de forma segura as estatísticas do setor madeireiro. Quando se identifica um centro urbano dotado de inúmeras unidades de processamento de madeira e sem o registro dos respectivos fluxos de insumos, depreende-se que as unidades foram abastecidas pelo comércio ilegal, e consequentemente, sem a observância dos padrões de sustentabilidade que a atividade de extração demanda.
b) Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) e Arranjos Produtivos Locais (APLs)
Assim, para superar os gargalos do mercado madeireiro, serão necessárias medidas que passam pela adoção de mecanismos de promoção de investimentos, como as Zonas de Processamento de Exportação e Arranjos Produtivos Locais do Governo Federal, que podem favorecer a atração de investimentos baseados na exploração manejada da madeira e na produção local de produtos dela derivada, inclusive móveis de design avançado. Para que tal decisão surta efeito, será preciso definir áreas prioritárias com potencial de atração de investimentos, tarefa que muito bem cabe ao Serviço Florestal Brasileiro e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em consonância com as demais diretrizes do MacroZEE.
Organização e comercialização da produção de produtos madeireiros e não madeireiros
Quanto à organização da produção, será necessário (1) desenvolver tecnologias que correspondam ao padrão que se deseja imprimir - escala com sustentabilidade e geração de renda –, (2) apoiar as comunidades locais para que possam assumir formas de produção e de gestão comunitária e se beneficiar de mecanismos de destinação não onerosa de florestas públicas e (3) organizar a comercialização dos diversos produtos oriundos da floresta - madeireiros e não madeireiros.
Registre-se que quando o mercado não faz, o Estado assume o papel de fomentador à constituição do mercado. Neste papel, o Estado pretende criar Zonas de Desenvolvimento Extrativista (ZDEs) - polos de industrialização da produção fomentados por regimes fiscais e creditícios favoráveis e por investimentos coordenados pela União e os estados –, a serem localizados, por exemplo, no Estado do Amapá, dando continuidade ao modelo acima referido (SAE, 2009).
Neste sentido, o Estado do Amazonas demanda também a criação de ZDEs nas regiões do Alto Solimões, no médio e alto Rio Negro, no alto rio Purus e no Rio Juruá, o que deverá ser alvo de análise de factibilidade.
Esta estratégia poderá ser extensiva às Terras Indígenas, cujas populações necessitam de apoio no sentido de produzirem e satisfazerem suas necessidades materiais sem destruir suas culturas e seus territórios. Exemplos de iniciativas possíveis correspondem ao fomento às cadeias produtivas da sociobiodiversidade (artesanato, castanha, óleos, cipós e fibras), à estruturação de cadeias produtivas de pesca e da mandioca e, inclusive, possibilidade de sua utilização na produção de etanol em pequenas usinas, para supri-los de combustível liberando-os do contrabando da gasolina nas fronteiras políticas, como é o caso em São Gabriel da Cachoeira.
Por sua vez, nos blocos correspondentes às UCs de uso sustentável, estas podem contemplar a organização da exploração de produtos madeireiros e não madeireiros, a partir dos seus respectivos planos de manejo, fato que não declina do apoio e reforço das entidades governantes. No Estado do Amazonas essa estratégia encontra-se em estágio avançado, resultando na implementação do desenvolvimento socioeconômico e socioambiental em dezessete UC’s estaduais.
Enfim, o coração florestal é a área privilegiada para a inovação e para abrigar tecnologias avançadas como a biomimética, a indústria do conhecimento da natureza. Indústria que procura aprender com a natureza e a copia, focalizando a aplicação de sistemas e métodos biológicos encontrados na natureza para o desenho de sistemas de engenharia e outras tecnologias (SMERALDI, 2009), a exemplo da borboleta azul, espécie endêmica da Amazônia que serviu de protótipo para estruturas utilizadas na indústria ótica.
Mineração
Esta região engloba bacias sedimentares, campos de petróleo em desenvolvimento e produção relevante para o desenvolvimento regional. O potencial para novas descobertas de reservas de petróleo e gás natural poderá motivar futuras licitações de blocos exploratórios, o que indica a possibilidade de desenvolvimento de novas atividades de petróleo e gás. Os novos empreendimentos devem considerar o conhecimento adquirido pelas experiências já instaladas na região, e contribuir com o desenvolvimento das comunidades próximas.
Explorações minerais de porte médio e pequeno têm, também, o seu lugar no coração florestal.
A mineração em Terras Indígenas pode vir a ser uma atividade geradora de trabalho e renda para os grupos indígenas, desde que seja uma decisão autônoma dos povos envolvidos e realizada mediante critérios e condições pactuadas coletivamente, observada a legislação em vigor. No momento em que se discute a possibilidade de abertura da exploração mineral por grandes empresas, inclusive estrangeiras, é urgente estabelecer as condições necessárias para que os grupos indígenas não sejam excluídos dessa atividade. A regulação da mineração em estudo no Congresso deve contemplar as especificidades da floresta ombrófila densa e suas particularidades.
Fomento ao turismo
Fonte de riqueza a considerar é, também, o turismo, cuja organização já foi iniciada no Estado do Amazonas, com base em Manaus.
Cumpre lembrar, contudo, que o turismo não depende apenas do interesse visual ou da excentricidade que um sítio desperta. É uma atividade que exige investimentos maciços e capacitação para o serviço avançado que ele demanda.
A exemplo do turismo caboclo, de Silves, será necessário criar uma política de turismo adequada aos pequenos circuitos próprios da realidade amazônica, o que requer ainda esforço do Estado no sentido de consolidar esta modalidade.
Fortalecimento do corredor ecológico da Amazônia Central
Importante registrar que, em termos das políticas ambientais vigentes no Brasil, a simples implementação de Unidades de Conservação não tem garantido a sustentabilidade dos sistemas naturais, seja pela descontinuidade na manutenção de sua infraestrutura e de seu pessoal, seja por sua concepção em ilhas ou, ainda, pelo pequeno envolvimento dos atores residentes no seu interior e entorno.
Atento a estas questões, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, iniciou em 1997 as tratativas para a implantação do Projeto Corredores Ecológicos que, iniciado em 2002, atua em duas áreas: o Corredor Central da Mata Atlântica (CCMA) e o Corredor Central da Amazônia (CCA).
Conceitualmente, corredores ecológicos constituem áreas que possuem ecossistemas florestais biologicamente prioritários e viáveis para a conservação da biodiversidade - compostos por conjuntos de Unidades de Conservação, Terras Indígenas e áreas de interstício –, e seu estabelecimento tem a função de reduzir ou prevenir a fragmentação das florestas existentes, por meio da conexão entre diferentes modalidades de áreas protegidas e outros espaços com diferentes usos do solo.
Abrangendo uma área de 523.056,744 km², com 93% da floresta conservada, o CCA corta as bacias hidrográficas dos rios Negro e Solimões e diversos outros rios de primeira grandeza, estendendo-se desde a fronteira com a Colômbia e o Peru até o limite do Estado do Amazonas com o Estado do Pará. Em seu perímetro está localizada a Reserva da Biosfera da Amazônia Central e mais quatro sítios do patrimônio mundial natural - Parque Nacional do Jaú, Estação Ecológica de Anavilhanas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá e Amanã -, que reforçam a relevância mundial desta área e a urgência de ações concretas de conservação e desenvolvimento. Além destas, o CCA abrange 17 Unidades de Conservação Federais, 14 Estaduais, 15 Municipais e 13 Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Acrescem-se 65 Terras Indígenas, sendo 37 demarcadas e 28 homologadas, e um Corredor Ecológico Urbano.
Sua implementação tem por objetivo (1) reduzir a fragmentação florestal, mantendo ou restaurando a conectividade da paisagem, e facilitar o fluxo genético entre as populações; (2) planejar a paisagem, buscando conectar as Unidades de Conservação existentes; (3) demonstrar a efetiva viabilidade dos corredores ecológicos como uma ferramenta para a conservação da biodiversidade na Amazônia; (4) promover a mudança de comportamento dos atores envolvidos, a partir do fomento às oportunidades de negócios, incentivos às ações promotoras da conservação ambiental e do uso sustentável, incorporando a vertente ambiental aos projetos de desenvolvimento.
Em sua implementação, o CCA desenvolve uma abordagem abrangente, descentralizada e participativa, permitindo que governo e sociedade civil compartilhem a responsabilidade pela conservação da biodiversidade. Juntos, planejam a utilização dos recursos naturais e do solo e envolvem e sensibilizam instituições e pessoas, criando parcerias nos níveis federal, estadual, municipal, com o setor privado, sociedade civil organizada e moradores de entorno das áreas protegidas.
Ao associar planejamento com conservação e desenvolvimento econômico, o CCA configura-se em um tipo de ordenamento territorial diferenciado: em sua concepção e prática foram incorporados os conceitos de gestão territorial, ecologia da paisagem, educação ambiental, ecoturismo, práticas agroflorestais, restauração de áreas de preservação permanente e reservas legais.
Assim, o CCA constitui uma política pública que deve ter caráter permanente no Coração Florestal. Neste contexto, ressalte-se a efetiva parceria do Governo do Estado do Amazonas neste projeto, visto sua incorporação ao ZEE estadual, o que garante a sua continuidade e, por conseguinte, sua sustentabilidade.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Estruturar uma rede de cidades (Manaus e cidades do médio e baixo curso dos afluentes da margem direita do rio Amazonas) que constituirá um cordão de “blindagem flexível” contra a destruição da cobertura florestal, utilizando o capital natural com base em CT&I como alternativa à expansão da fronteira agropecuária. · Impulsionar o desenvolvimento de Manaus como cidade mundial da marca Amazônia, com base na prestação de serviços ambientais (inclusive com uma bolsa de valores para este fim) e como polo para a difusão de técnicas modernas à produção local. · Incentivar a remuneração dos serviços ambientais, através da manutenção das formações vegetais primárias e da promoção de pesquisas sobre as múltiplas possibilidades de pagamento dos serviços ambientais, para além do carbono. · Fomentar investimentos em pesquisa para viabilizar a produção local e a comercialização em larga escala de produtos farmacêuticos e cosméticos que se valham da rica biodiversidade amazônica, com justa repartição de benefícios. · Adotar mecanismos para a promoção de investimentos (como as Zonas de Processamento de Exportação e os Arranjos Produtivos Locais) que possam favorecer a exploração manejada da madeira e a produção local de produtos dela derivada, inclusive móveis de design avançado. · Promover a certificação dos produtos florestais e fiscalizar a extração, o transporte e o comércio irregular da madeira e de outros produtos florestais. · Implantar, em detrimento dos projetos de assentamento convencionais, vilas agroindustriais que congreguem agricultores familiares, criando densidade organizacional e escala de produção em sistemas com gestão comunitária que combinem a produção de bioenergia para a manutenção do empreendimento e de alimentos para fornecimento às cidades próximas. · Garantir que os empreendimentos minerários e as explorações de petróleo e gás contribuam para a geração de emprego e renda para a região, contemplando as particularidades da floresta ombrófila densa e pactuando a inserção dos povos indígenas nas atividades desenvolvidas em suas terras. · Promover a atividade turística a partir de uma política adequada aos pequenos circuitos próprios da realizada amazônica, a exemplo do turismo Caboclo de Silves. · Manter os incentivos fiscais que fomentam a produção industrial na Zona Franca de Manaus, promovendo o aproveitamento dos recursos da biodiversidade e da geodiversidade amazônicas. · Recuperar a rodovia BR-319 (Porto Velho-Manaus) em um quadro de forte governança e nos moldes de uma estrada-parque. · Fortalecer o corredor ecológico da Amazônia Central, associando as ações de conservação e gestão territorial a iniciativas de desenvolvimento econômico, mediante uma abordagem descentralizada e participativa. · Implantar um processo de concessão de terras a ser renovado em função dos resultados socioambientais obtidos, resguardando a titularidade em nome da União, impedindo o fracionamento da área em lotes e evitando a consequente especulação imobiliária e expulsão das comunidades. · Permitir a implantação de projetos de assentamento diferenciados (Projeto de Desenvolvimento Sustentável - PDS, Projeto de Assentamento Agroextrativista - PAE e Projeto de Assentamento Florestal - PAF) somente para contemplar comunidades extrativistas preexistentes, evitando-se, ao máximo, a atração de pessoas de outras áreas. |
□ Defesa do Pantanal com a valorização da cultura local, das atividades tradicionais e do turismo
Caracterização da unidade
Essa unidade (Figura 12) compreende o Pantanal Mato-Grossense, ou Pantanal do Paraguai, e o Pantanal do Guaporé, no sudoeste do Estado de Mato Grosso, limite com o chaco boliviano.
Caracteriza-se como um território-zona no âmbito do MacroZEE por tratar-se de uma das maiores extensões de áreas alagadas do planeta, bastante conservadas em função das limitações de uso estabelecidas pelas características dos ambientes naturais, em especial o pulso de inundação, que determina a variação de paisagens nos pantanais, alternando períodos de cheia e seca, associada à abundância de fauna e flora e às formas de ocupação, que lhe conferem destaque nacional e internacional.
Em função destes aspectos, o Pantanal Mato-Grossense foi declarado patrimônio nacional pela Constituição de 1988 e, por isso, todas as atividades ali desenvolvidas são condicionadas à prioritária conservação dos recursos naturais, importância esta também reconhecida pela Unesco em 2000, que o considerou reserva da biosfera.
Essas duas grandes áreas úmidas, com aproximadamente 71 mil km2, interligam-se pela semelhança de aspectos físico-bióticos, condicionados pelas declividades quase nulas, o modelado plano e as características de solos que dificultam o escoamento dos rios Paraguai e Guaporé, provocando um barramento natural dos seus afluentes, o que as torna áreas sujeitas a inundações periódicas ou permanentes. São constituídas por (1) planícies fluviais - faixas que margeiam os cursos d’água e onde comumente ocorrem lagos de meandros e meandros abandonados, diques marginais e ilhas; e (2) pantanais - conjunto de planos altimetricamente baixos e declividades inexpressivas, contendo áreas abaciadas, sujeitas à inundações periódicas e permanentes, onde ocorrem feições variadas, destacando-se os leques aluviais, “baías”, “cordilheiras” e “corixos”.
Tais áreas são originadas pela acumulação de sedimentos cenozóicos, compostos por aluviões recentes, conformando planos nivelados entre 80 e 150m e coberturas pedológicas típicas de áreas alagadas, com predomínio de solos hidromórficos, com aproveitamento agrícola restrito devido à sua saturação hídrica, sendo utilizados para pastoreio extensivo.
Os dois pantanais apresentam vegetação de savana, com fisionomia predominante de savana gramíneo-lenhosa, manchas de savana arbórea, savana parque e contatos savana parque/floresta estacional/savana, com elevado grau de conservação, variando sua composição em função das condições de umidade, regime de inundação e propriedades dos solos.
Em especial as áreas inundáveis das nascentes do rio Guaporé possuem alta diversidade biológica, onde se alternam formações florestais aluviais e estacionais, contatos de savana/floresta estacional e dada sua proximidade com outros biomas, um ecótono de extrema importância biológica de savana (savana estépica, savana parque, savana arbórea aberta), bem conservadas, onde ocorrem habitats específicos, associados ao regime de inundação.
As manchas de floresta estacional permeiam esses pantanais, em especial aquelas florestas secas de rica diversidade biológica, que constituem o bosque seco chiquitano, que possuem grande similaridade florística com a flora do Pantanal e do Cerrado e que se estendem desde a Província de Chiquitos, na Bolívia, até aquelas áreas incluídas no bioma Amazônia, na região do Alto Guaporé.
Essa variedade de tipos de vegetação e o mecanismo natural do fluxo sazonal da água entre o planalto e o pantanal são os grandes responsáveis pelas condições tão peculiares de vida na região pantaneira, que condicionam a ocorrência de habitats específicos.
É a produtividade anual da planície que propicia a abundância sazonal de fauna, isso porque o ciclo anual de seca e enchente favorece o aparecimento de nichos alimentares e reprodutivos e constitui uma passagem para vertebrados terrestres, aquáticos e semiaquáticos, caracterizando a região como rota de migração e área de reprodução de muitas espécies animais, com excelente potencial para o ecoturismo e o turismo contemplativo.
Neste MacroZEE, o planalto que circunda a planície pantaneira não integra a área de abrangência desta Unidade Territorial. Porém, influencia fortemente suas condições, uma vez que é no planalto que os rios afluentes da margem esquerda do alto curso do rio Paraguai nascem, onde a atividade agropecuária ganha expressão e onde o relevo predominantemente plano determina uma redução na velocidade do fluxo e acumulação de sedimentos.
Na planície, a principal atividade econômica é a pecuária, praticada há dois séculos. O tipo de criação é extensivo em sua grande maioria (1 animal para cada 3 hectares), utilizando o pasto nativo. Estudos recentes da Embrapa Pantanal reportam cerca de 3.500 fazendeiros no Pantanal cujas propriedades devem ter área mínima de 10.000 hectares para serem consideradas economicamente viáveis. A pecuária na planície também sofre limitações de produtividade relacionadas às condições ambientais de inundação. Os modelos de pecuária extensiva no planalto são considerados mais produtivos e modernos atualmente, resultando na maior competitividade nos mercados de carne interno e externo. No Pantanal nascem, por ano, em média, 40 bezerros por 100 vacas, enquanto que no planalto, imune às inundações, a média chega a 90 por 100. Os grandes latifúndios ocupados para a pecuária nas novas fronteiras de colonização passaram a concorrer com as fazendas tradicionais do Pantanal, as quais, em sua maioria, entraram em processo de decadência. Algumas adotaram a criação da raça Zebu, da variedade Nelore, usando metodologias mais modernas para a sua reprodução, com os bezerros machos sendo vendidos depois da desmama, para fazendas fora do Pantanal que fazem recria e engordam para a venda.
O parcelamento das fazendas para a divisão de heranças (VALVERDE,1972) e ocorrência de maiores extensões e número de cercas, a adoção de novas medidas diferentes das tradicionais na pecuária, tais como: controle sanitário, melhoramento da raça, desmatamento das cordilheiras (áreas não alagáveis) para a introdução de forrageiras, queimadas para a manutenção das pastagens, também formam o rol nas mudanças efetuadas na atual fase da pecuária no Pantanal. A introdução do gado na região trouxe, posteriormente, a entrada de outro mamífero, o cavalo pantaneiro. Sua introdução fortaleceu a lida com o gado, contribuindo para estabelecer a pecuária no Pantanal.
Considerando-se os municípios de Cáceres, Santo Antônio do Leverger, Barão de Melgaço, Curvelândia e Poconé, o rebanho bovino nestas cidades pantaneiras somava, em 2006, 1,95 milhão de cabeças, que juntamente com o rebanho de Vila Bela da Santíssima Trindade, no Pantanal do Guaporé, de 890 mil cabeças, representam 10,6% do rebanho mato-grossense, que naquele ano era de 26 milhões de cabeças, cerca de 1% do rebanho nacional.
Mesmo sendo a pecuária a principal atividade econômica da região, seu impacto é moderado sobre o ecossistema, uma vez que ela forçosamente se adapta aos ciclos de cheia e vazante e trabalha com escalas moderadas e técnicas tradicionais; mesmo assim, existem problemas graves, particularmente decorrentes da ampliação da área ocupada com pastagens e da utilização de ervas exóticas e não nativas, pondo em risco o equilíbrio ecológico regional.
A dinâmica econômica da região foi fortemente influenciada na década de 80 e no início dos anos 90 pelo elevado potencial aurífero, principalmente em Poconé e em Nossa Senhora do Livramento, explorado por meio de uma atividade garimpeira que causou impactos negativos no ecossistema, principalmente pela forma da extração do minério.
A presença de pequenos estabelecimentos agropecuários também constitui característica importante nessa região, estando concentrados no entorno e interior das áreas alagadas, particularmente no município de Cáceres. Bastante articuladas e atuantes nas questões políticas, econômicas, sociais e ambientais do Estado e da região, estão presentes na região cerca de 150 comunidades tradicionais, com mais de 6 mil famílias, e 74 assentamentos da reforma agrária, nos quais residem aproximadamente 5,5 mil famílias.
A atividade turística no Pantanal apresenta alto potencial, tendo Cáceres como cidade polo conhecida como “Princesinha do rio Paraguai”, destacando-se a pesca esportiva e o famoso “Festival Internacional de Pesca”, considerado o maior do gênero em água doce no mundo. Poconé, município tido como ponto de partida para o acesso ao Pantanal por via terrestre, através da rodovia Transpantaneira, também é conhecido pelas suas tradicionais festas e por suas comidas típicas. Santo Antônio do Leverger e Barão de Melgaço, o mais pantaneiro dos municípios, com apenas 2,5% de seu território em terra firme, dão acesso às baías de Chacororé e Siá Mariana, dotadas de beleza cênica deslumbrante.
Outra particularidade desta região é a cultura pantaneira, um potencial a ser valorizado, destacando-se, além da relação homem-ambiente natural, as inter-relações entre os elementos sociais típicos deste universo, representados pelos pantaneiros, fazendeiros, peões, ribeirinhos, pescadores, quilombolas, chiquitanos e agricultores familiares, todos interligados e chegando mesmo a confundirem-se nos costumes, hábitos e crenças.
Até o início do século XX, a área ocupada no Estado de Mato Grosso era o Pantanal, com suas cidades de apoio, Cuiabá, Poconé, Nossa Senhora do Livramento, Santo Antonio do Leverger, Diamantino e Rosário Oeste. Esta região mantinha contato com o restante do País e com o exterior por meio da navegação Cuiabá-Paraguai-Paraná e, assim, desenvolveu costumes e atitudes que facilitavam a coexistência do homem com o meio físico-biótico.
A cultura do pantaneiro apresenta dois tipos humanos que habitam o Pantanal: o fazendeiro, com uma base no Pantanal e outra na cidade, onde estabelece relações com a cidade, e o peão pantaneiro, vivendo em comunidades rurais ou nas fazendas de gado, que estabelecem relações com a cidade por meio do fazendeiro ou da liderança local.
A coesão nas comunidades acontece a partir de compadrio e de pertinência a um grupo comunitário restrito. As irmandades em torno de uma santidade de devoção, para cuja festa cada membro da comunidade contribui com algum bem ou trabalho, funcionam como um elemento identificador e diferenciador de grupos humanos. Outras vezes, essa coesão é construída a partir de histórias das façanhas de seus antepassados, quer seja pela valentia ou de alguma habilidade nem sempre ainda existente.
A liderança comunitária é quase sempre exercida pelo elemento de ligação entre a comunidade e a cidade, muitas vezes o único capaz de traduzir uma linguagem em outra. Outras vezes, é o cidadão de memória privilegiada, contador de “causos” verídicos e fantasiosos, capaz de construir a linha do tempo, dando unidade ao passado e o presente da comunidade, ou a liderança é exercida pelo “conhecedor do local”, que coordena o trabalho coletivo da pequena criação ou da extração de madeira porque conhece “cada palmo daquelas terras”. A “bendição” e as curas com plantas e animais estão sempre presentes na vida da comunidade e foram catalogadas cerca de 60 espécies de plantas medicinais e nove tipos de produtos animais usados em cura.
A habilidade no trabalho com o gado, na doma de equinos e na preparação dos equipamentos de montaria são fatores de destaque entre os pantaneiros. Laçar o gado é mais um prazer do que um trabalho. Enfeitar o cavalo para visitar a “currutela” vizinha ou o compadre, ou ir à festa, é uma necessidade a qual nenhum pantaneiro que se preze deixa desatendida.
A base alimentar do pantaneiro é a carne bovina. Para acompanhar a carne usa-se um pouco de arroz, mandioca, feijão e trigo para fazer bolo. A paçoca de carne seca, a carne com arroz, a carne frita, a carne ensopada e a carne assada formam a base da alimentação. O guaraná de ralar, para despertar, para dar apetite no final da manhã e para refrescar, no meio da tarde, é outra presença cotidiana.
A relação do homem com a natureza é respeitosa e até mesmo anímica. Existem os dias ou épocas certas para a colheita de ervas medicinais ou para abate de animais. A não observância das datas pode implicar perda do efeito esperado ou, até mesmo, castigos. Os animais domésticos e selvagens não são vistos apenas como um recurso a ser utilizado, mas como entidades que carregam alguma finalidade própria.
Nas cidades antigas, ficaram congeladas, na rigidez das manifestações folclóricas de eventos, algumas manifestações culturais que faziam parte do conjunto de instrumentos de sobrevivência da população tradicional. As festas de cururu e siriri, a dança de São Gonçalo, a dança dos mascarados, que tinham função de agregação da comunidade, de cura de pequenas cicatrizes sociais, ou de religação espiritual, são hoje praticadas nas cidades como espetáculo turístico. No meio rural, principalmente nos municípios de Barão de Melgaço, Santo Antonio do Leverger e Nossa Senhora do Livramento, essas festas ainda guardam muito do cunho comunitário.
Além das similaridades físico-bióticas, o Pantanal do Guaporé e Pantanal do Paraguai abrigam povos e comunidades tradicionais que possuem uma relação histórica de proximidade, migração e trocas entre si. Um exemplo disso são as diversas comunidades indígenas (Chiquitano) que ocupam as duas áreas. Além de todas estas características, é necessário dizer que os quilombolas e indígenas que ocupam a região mantêm um regime de propriedade comum das pastagens nativas e da biodiversidade como um todo, de maneira que a propriedade coletiva (comunal) garante a integridade do ecossistema utilizado, fato que enseja uma análise da conexão cultural existente entre o Pantanal do Paraguai e o Pantanal do Guaporé. Assim, as características físico-biológicas (semelhanças florísticas, geológicas e outras) e as culturais (regimes de propriedade comunal e grupos culturalmente associados) justificam a integração dos dois pantanais na mesma Unidade Territorial do MacroZEE.
Atualmente as populações tradicionais do Pantanal do Paraguai sofrem um processo de adaptação de seus saberes para conviver com a modernidade, com intensas interações e substituições de aspectos antigos e novos, nos papéis desempenhados pelas identidades sociais pantaneiras no contexto da estrutura produtiva, interferindo nas relações de trabalho, nas alterações dos hábitos e comportamentos, ou seja, nos aspectos da cultura imaterial e material. Embora haja uma significativa distância entre o mundo das ideias, representado pelo discurso do desenvolvimento sustentável, e a realidade concreta, baseada na lógica de maior produtividade econômica, certos aspectos culturais tradicionais que resistem às inovações podem representar uma alternativa para a construção do meio ambiente equilibrado, patrimônio das gerações vindouras.
Nesse sentido, segundo Rosseto (2009) atualmente as transformações observadas nos aspectos da cultura material e imaterial estão atreladas a processos macroeconômicos tais como os diversos programas/políticas públicas direcionados ao Pantanal e ao seu entorno que, de forma geral, apresentam resultados negativos para o ambiente natural, desconsideram os aspectos culturais presentes no modo de vida pantaneiro e excluem os habitantes locais dos processos decisórios.
Para romper esse ciclo, é essencial o apoio do Estado, por meio de intervenções no sentido de estimular a cultura pantaneira tradicional e o aumento do rendimento econômico. A segunda geração destas populações representaria um elo de resistência entre as práticas tradicionais e as transformações resultantes da modernização, minimizando os impactos no ambiente natural.
Por outro lado, a cultura do Pantanal do Guaporé e das áreas mais altas do entorno, envolvendo a área urbana do município de Vila Bela da Santíssima Trindade apresentam características diferenciadas, em função da história de ocupação do município. Vila Bela da Santíssima Trindade foi a primeira capital do Estado de Mato Grosso, fundada em 1752 para a exploração das riquezas minerais encontradas no rio Guaporé, riquezas que fizeram com que Portugal se apressasse em povoá-la, temendo que os vizinhos espanhóis fizessem o mesmo.
Enquanto foi capital, a cidade obteve um progresso muito grande devido aos investimentos em infraestrutura e incentivos fiscais para os novos moradores. No entanto, as dificuldades de povoar a região (distância, doenças, falta de rotas comerciais) e o estabelecimento de um importante centro comercial em Cuiabá acabaram forçando a transferência da capital, em 1835. Como uma cidade qualquer, Vila Bela não resistiria. Os moradores abandonaram a região, deixando casas, estabelecimentos comerciais e escravos para trás. Num dos episódios mais fascinantes de toda essa história, são estes escravos abandonados que garantiram a sobrevivência da cidade, constituindo no local uma comunidade negra forte, unida e fiel às suas tradições.
O fato de Vila Bela da Santíssima Trindade ter sido administrada por negros desde o século passado criou por lá gerações sem complexos de inferioridade e orgulhosas de sua cor. Neste município sempre existiu um ciclo de festas denominado Festanças, que em sua origem celebravam o início do calendário agrícola onde a terra era preparada para a semeadura. As Festanças eram sempre realizadas entre setembro e outubro, com o final do período seco e início do período chuvoso, e tinham por objetivo agradecer aos santos pela proteção dada a colheita. Aproveitando este momento, eram realizadas também as festas de São Benedito, onde se realizavam refeições comunitárias. Além dessas festas, também são realizadas outras que fazem parte do calendário católico, como a do Divino Espírito Santo, Santíssima Trindade, Nossa Senhora do Rosário e Mãe de Deus. A cultura africana e o período da escravatura influenciaram em outras características culturais do local, que são a Dança do Congo e a do Chorado, respectivamanente. As festanças de Vila Bela da Santíssima Trindade constituem um grande potencial para o desenvolvimento do turismo cultural no município.
Estratégias propostas
Apesar de bem conservado, o Pantanal é um ecossistema frágil, que sofre constantes ameaças e, por isso, tem atraído há algum tempo a atenção de diversas entidades interessadas em sua conservação. Com efeito, nas últimas três décadas, o Pantanal vem sofrendo agressões decorrentes principalmente de atividades produtivas humanas nos planaltos adjacentes. A expansão rápida da agropecuária no planalto tem provocado profundas transformações regionais. Dentro da planície, os impactos mais severos são causados pela atividade garimpeira de exploração do ouro, com utilização intensiva do mercúrio.
Como se pode inferir, qualquer abordagem para esses problemas - como o controle do uso de agrotóxicos e a fiscalização da atividade garimpeira - deve considerar as diversas dinâmicas que se dão no planalto, sendo também a cooperação com o Estado de Mato Grosso do Sul, onde está localizado 65% do bioma, fundamental para o desenvolvimento de estratégias integradas para a região, como ações mais rigorosas de fiscalização sanitária na fronteira com a Bolívia e o Paraguai, a elaboração de planos de gestão das microbacias da região e o desenvolvimento de uma política de pesquisa para sistematizar o potencial ecológico pantaneiro.
Dada a importância e singularidade da cultura pantaneira - traduzida em formas de expressão como as celebrações, festas, danças populares, lendas e músicas –, deve-se valorizar esse imenso patrimônio imaterial, inclusive por meio de sua proteção intelectual, como tem ocorrido em outras regiões, a exemplo do frevo e do maracatu no Estado de Pernambuco.
O maior número das estratégias propostas para esta unidade territorial constitui o resultado de consultas públicas realizadas nos municípios de Cuiabá e Cáceres, com o objetivo de elaborar uma Avaliação Ambiental Estratégica da Bacia do Alto Paraguai (BAP), envolvendo representantes locais de diferentes segmentos da sociedade: comunidades indígenas; comunidades tradicionais (pantaneiros, ribeirinhos, pescadores e morroquianos); órgãos ambientais; órgãos públicos da área de saúde, produção, turismo, militares; representantes do Poder Legislativo; ONGs ambientalistas e sociais; entidades de pesquisa e universidades; representantes dos setores produtivos; representantes de classe e clubes de serviços.
Fortalecimento do turismo
O Pantanal vem assumindo importância como espaço para o turismo desde os fins da década de 70, particularmente pela aptidão pesqueira de seus rios. Ao longo da década de 80, diversos investimentos em infraestrutura foram realizados e a atividade foi se estruturando quase que completamente voltada para o turismo de pesca. Atualmente, a atividade turística no Pantanal vem se desenvolvendo com ênfase em outros segmentos do turismo de natureza, como o ecoturismo, o turismo rural e o turismo de aventura, além da pesca esportiva.
O turismo foi impulsionado por diversos fatores, mas seu desenvolvimento ocorreu de forma desorganizada e sem qualquer planejamento e preocupação com os possíveis problemas sociais e ambientais que poderia vir a causar. Dessa forma, urge o fortalecimento da coordenação entre os planos turísticos nacionais, regionais e locais, o estímulo ao planejamento integrado entre o Governo e o setor privado visando à conservação dos atrativos turísticos, a melhoria da infraestrutura turística (inclusive do saneamento ambiental e das condições aeroportuárias de Cuiabá) e o desenvolvimento de estratégias que minimizem os impactos do turismo nos ecossistemas regionais e nas comunidades locais, priorizando seu envolvimento na implementação de novos empreendimentos turísticos.
O turismo histórico e cultural também deve ser objeto de fortalecimento, tanto para o Pantanal do Paraguai, quanto para o Pantanal do Guaporé, pois apesar de serem regiões distintas, são igualmente ricas e constituem um grande potencial para o desenvolvimento da cadeia do turismo.
O turismo é uma das principais opções estratégicas para o desenvolvimento econômico da Região. É apontado pela comunidade local como uma alternativa para a criação de grande número de empregos e aproveitamento das potencialidades representadas pela beleza cênica do Pantanal, bem como seu rico patrimônio cultural. A polêmica restringe-se à questão da pesca, que já foi o grande atrativo para o turismo regional e, atualmente, sofre com a percepção coletiva de que o estoque pesqueiro diminuiu. Ainda assim, acredita-se que esse tipo de turismo possa subsistir com práticas como o pesque-e-solte e restrições a apetrechos considerados de alto impacto negativo para a ictiofauna.
Fortalecimento da pecuária extensiva pantaneira - Boi Verde
Como grande parte das fazendas do Pantanal encontra-se atualmente com baixa competitividade econômica em relação a produtividade pecuária, uma alternativa recente tem sido o chamado boi verde ou orgânico, cujo mercado vem crescendo progressivamente, em especial na Europa e no Japão. Seguindo os padrões do mercado orgânico mundial, os bois são engordados em pastos naturais, sem rações ou aditivos químicos e sem o uso de hormônios de crescimento, apresentando melhor qualidade da carne. Como a produção orgânica é mais lenta e menos produtiva, seus produtos são mais caros para compensar a baixa produtividade. Esse fato agregaria valor à carne produzida no Pantanal, resultando no resgate da produtividade da pecuária. Na planície pantaneira, a qualidade da carne proveniente de animais alimentados com pastagens nativas é colocada como um atributo diferencial de mercado.
Mais especificamente, destaca-se a importância da conservação da raça de gado crioula Tucura ou Pantaneiro, que se adaptou às condições do ambiente durante o século XX e que com a introdução do gado Zebu (de origem indiana) passou a sofrer sérios riscos de extinção, sendo que somente a raça Caracu, de origem europeia, tem suas características mais bem preservadas, sendo utilizada em cruzamentos para a melhoria da produção de leite com raças zebuínas.
Registro do patrimônio material e imaterial e resgate da cultura local
A cultura do Pantanal do Paraguai e do Guaporé demonstra uma relação positiva entre o homem e o meio ambiente, permitindo que o uso dos recursos naturais seja realizado respeitando os limites e restrições impostas pelo meio natural. Tal relação produz um grande número de bens que constituem o patrimônio imaterial ou material dessa região, expresso pelas danças, músicas, culinária, crenças, lendas, festas, artes, arquitetura, literatura, religiosidade, linguajar, formas de uso dos recursos naturais, produtos fitoterápicos, dentre outros. Muito do conhecimento sobre este patrimônio é repassado para novas gerações apenas de forma oral, por esta razão é necessário que se realize um levantamento e registro do patrimônio imaterial e material, permitindo assim seu resgate e fortalecimento do turismo cultural.
Bacia do Alto Paraguai (planalto e planície) integrada ambiental e culturalmente
A despeito das manifestações que apontam para a necessidade de tratar com justiça as diferenças entre o planalto e a planície, os atores reclamam a necessidade de integração de aspectos que a considerem como uma grande região pantaneira. As informações, políticas e legislações devem atender a suas peculiaridades e das populações envolvidas. Indica-se, também, a necessidade de integração das políticas dos diversos níveis governamentais.
Fomento à pesquisa e ao desenvolvimento, organização e democratização da informação
Os investimentos em pesquisas têm sido muito escassos, com tendência de maior escassez e a percepção é de que existe um número muito pequeno de pesquisadores locais e de que estes são subutilizados. A expectativa recai sobre investimentos mais significativos em instituições de educação, ONGs, pesquisas básicas e priorização de projetos de pesquisa e extensão que tenham como objetivo a solução de problemas surgidos em empreendimentos de inclusão social e geração de renda, que são os caminhos para a solução de muitos problemas.
O aprofundamento das pesquisas sobre o pulso de inundação do Pantanal, considerando as peculiaridades da região, também pode ser fundamental para as comunidades locais, assim como o fortalecimento de pesquisas sobre, por exemplo, mexilhão dourado e caramujo africano.
Implementação e capilarização das políticas sociais
Uma das principais preocupações de futuro dos atores locais reflete a questão da ausência do Estado em todos os rincões do Pantanal. A sensação de abandono da infraestrutura de comunicação e serviços faz com que os atores defendam uma maior capilarização das políticas sociais, para que alcancem, com equidade, a população da planície. As principais carências sociais são nas áreas de educação, saúde e comunicação.
Aumento do rigor da fiscalização e melhoria da gestão ambiental
O anseio pelo aumento da fiscalização refere-se tanto à capacidade institucional para coibir práticas proibidas de extrativismo, caça e pesca ilegais quanto para melhoria do monitoramento ambiental dos lançamentos industriais e urbanos na planície e, também, no planalto. Os atores apontam para a necessidade de aprimoramento dos sistemas de informações e gestão ambiental, que, hoje, encontram-se com déficit de pessoal e estrutura, além de evidente desarticulação dos diversos níveis governamentais que atuam na Bacia do Alto Paraguai (BAP).
Ampliação das preocupações com a conservação e preservação ambiental
Diante do estágio de conservação e preservação e dos usos e ações praticadas na BAP, identificou-se a necessidade de ampliar intervenções que visem à preservação do Pantanal. No âmbito institucional, há necessidade de fortalecimento dos órgãos ambientais que atuam na fiscalização e na liberação de atividades na região; implementação de gestão participativa com fomento a parcerias institucionais internacionais (Bolívia e Paraguai); revisão das legislações aplicáveis à Bacia do Alto Paraguai; planejamento estratégico visando o desenvolvimento sustentável nos aspectos econômicos, sociais e ambientais, além de efetiva descentralização da política ambiental do Estado para os municípios.
No âmbito social, há necessidade de uma maior sensibilização do pantaneiro para a questão ambiental e para a preservação de suas tradições, assim como de maior divulgação e valorização do patrimônio do Pantanal. Entre as ações necessárias para a preservação do Pantanal no âmbito ambiental, que também têm um viés no aspecto institucional, estão a implementação da Lei de Recursos Hídricos; a criação e implementação de Unidades de Conservação e corredores ecológicos e a priorização da política de Educação Ambiental, estendendo-a para o sistema educacional formal e para as comunidades na promoção de programas de capacitação que enfoquem o assunto.
Desenvolvimento de alternativas de manejo adequado das potencialidades pantaneiras
A expectativa é de que o turismo se solidificará como atividade econômica sustentável e geradora de emprego e renda. Nessa agregação, a cultura local será resgatada e valorizada como produto, juntamente com o artesanato e alimentos típicos regionais, promovendo a inclusão social.
O manejo sustentável de animais silvestres (jacaré e capivara) e peixes ornamentais e a pesquisa sobre a possibilidade de uso do potencial biotecnológico das plantas na produção de medicamentos, cosméticos e outros fins aparecem como indicativos da vontade da comunidade em conciliar interesses desenvolvimentistas do homem com a natureza.
Conservação e recuperação de áreas degradadas
A conservação de Áreas de Preservação Permanente como matas ciliares, nascentes e áreas úmidas, além da preservação do solo para contenção de erosão, evidenciaram-se como ações de extrema importância para o cenário sustentável no Pantanal. Foram apontadas as seguintes necessidades: (1) intensificar a prevenção e controle de queimadas; (2) desenvolver ações que contemplem a conservação da biodiversidade, como a criação e implantação de Unidades de Conservação e de formação de corredores ecológicos que possibilitem a conectividade gênica, que, além de manter a biodiversidade local, contribui para evitar processos erosivos; (3) fomentar o plantio de espécies florestais nativas em todas as áreas já exauridas pela agropecuária; (4) recompor as APP por meio da desapropriação dessas áreas; (5) implantar incentivos financeiros para reflorestamento com espécies nativas; (6) criar e implantar um centro de monitoramento da cobertura vegetal da BAP; (7) implementar restrições legais ao desmatamento na BAP, principalmente na planície; (8) implementar programas de restauração da cobertura vegetal nativa (reservas legais); e (9) implementar programa de manejo e conservação do solo e da água com a recuperação e conservação das microbacias e a difusão de práticas de conservação do solo comprovadas operacionalmente.
Melhoria das condições de infraestrutura no Pantanal
O processo de construção da AAE indicou o anseio por uma consciência coletiva e capacitação política, que redundarão no reconhecimento dos potenciais da BAP e na adoção de infraestrutura integrada na região. Acreditam em um sistema gerencial eficiente que permita a universalização dos meios de acesso à informação e a um programa de atendimento que lhes forneça subsídios para implantar os avanços tecnológicos, considerando-se as características do Pantanal.
Nas expectativas do pantaneiro, deve haver uma expansão das redes de distribuição rural de energia elétrica ou patrocínio tecnológico e financeiro para métodos alternativos (eólico, solar, gás, etc.), bem como a implantação de uma rede de cobertura mais eficiente de telecomunicações.
Para a malha viária, desejam e esperam um padrão mínimo de estradas que permita o acesso continuado às propriedades rurais, aos equipamentos sociais de saúde, educação e segurança e o escoamento da produção agropecuária, bem como o acesso aos atrativos turísticos da região.
Fortalecimento da pesca artesanal
A pesca artesanal desenvolvida, em especial no Pantanal do Paraguai, deve inicialmente passar por um ordenamento, mediante a realização de estudos que levantem o real número de pescadores profissionais que desenvolvem tal atividade, quais são as espécies mais demandadas, qual o mercado consumidor, formas de comercialização do pescado, dentre outras. Partindo do ordenamento, deve ser estimulada a cadeia produtiva do pescado, melhorando o transporte, armazenamento e formação de indústrias para o processamento, e melhor aproveitamento da matéria-prima, sendo importante a ampliação do número de espécies a serem pescadas, diminuindo assim o esforço de pesca centrado em poucas espécies como pacu, pintado e piraputanga. Bem como, o acesso a programas de financiamento para investimentos nas associações e colônias de pescadores profissionais. Outra importante medida, diz respeito ao desenvolvimento de ações para a valorização do conhecimento tradicional envolvidos na pesca artesanal.
Síntese das Estratégias para a Unidade Territorial
· Fomentar a atividade turística, a partir do fortalecimento da coordenação entre os planos turísticos nacionais, regionais e locais, do estímulo ao planejamento integrado entre o Governo e o setor privado, da melhoria da infraestrutura turística e do desenvolvimento de estratégias que minimizem os impactos do turismo nos ecossistemas regionais e nas comunidades locais, priorizando seu envolvimento na implementação de novos empreendimentos turísticos. · Controlar as atividades do turismo de pesca, com ênfase na aplicação de medidas de prevenção à pesca irregular. · Ordenar a pesca artesanal desenvolvida na região, mediante a realização de estudos sobre o número de pescadores profissionais envolvidos, as espécies mais demandadas, o mercado consumidor e as formas de comercialização do pescado. · Fortalecer a cadeia produtiva da pesca artesanal, melhorando o transporte, o armazenamento e o processamento da produção, facilitando o acesso a programas de financiamento por parte dos pescadores e valorizando o conhecimento tradicional das comunidades envolvidas na atividade. · Fortalecer a pecuária extensiva pantaneira com o chamado boi verde ou orgânico, criado nos pastos naturais sem o uso de hormônios de crescimento, com melhor qualidade da carne e maior valor de mercado. · Promover ações mais rigorosas de fiscalização sanitária na fronteira com a Bolívia e o Paraguai. · Registrar o patrimônio material e imaterial e resgatar a cultura pantaneira (danças, músicas, culinária, crenças, festas), grande responsável para que o uso dos recursos naturais locais seja realizado respeitando-se os limites impostos pelo meio natural. · Integrar as informações, políticas e legislações referentes à Bacia do Alto Paraguai, em seus diversos níveis governamentais, dada a ligação econômica, social, ambiental e cultural entre a planície e o planalto. · Estimular a pesquisa e o desenvolvimento, organização e democratização de informações sobre a região, de modo a sistematizar o potencial econômico, social, ecológico e cultural pantaneiro e desenvolver alternativas de manejo adequadas às potencialidades pantaneiras. · Implementar e capilarizar as políticas sociais, sobretudo nas áreas de educação, saúde e comunicação. · Aumentar o rigor da fiscalização e melhorar a gestão ambiental para coibir práticas proibidas de extrativismo, caça e pesca ilegais e para um melhor monitoramento ambiental dos lançamentos industriais e urbanos na planície e, também, no planalto. · Ampliar as preocupações com a conservação e a preservação ambiental, com a promoção de programas de educação ambiental que enfoquem o assunto, o fortalecimento dos órgãos ambientais que atuam na fiscalização e na liberação de atividades na região e a implementação da gestão participativa, com fomento a parcerias institucionais. · Estimular a conservação e recuperação de áreas degradadas. · Melhorar as condições de infraestrutura da região, com redes de distribuição de energia elétrica no meio rural e patrocínio tecnológico e financeiro para métodos alternativos (eólico, solar, gás), rede de cobertura mais eficiente de telecomunicações e malha viária que permita o acesso permanente às propriedades, equipamentos sociais e pontos turísticos. |
5.CONCLUSÕES
A Amazônia Legal é ainda pouco povoada. O mapa que registra os estabelecimentos agropecuários existentes na região em 2006 revela que são poucas as áreas densamente povoadas, localizadas, sobretudo, no litoral dos Estados do Pará e Maranhão, na área de influência da rodovia Belém-Brasília e no Estado de Rondônia. No mais, são áreas descontínuas por entre as florestas, inclusive no Estado do Mato Grosso, ou cidades.
É grande, assim, a desproporção entre o relativamente pequeno número de estabelecimentos e a imensa extensão em que suas florestas são derrubadas, correspondendo hoje a 13%, 15% ou 17% da cobertura florestal original, conforme a fonte de informação. É igualmente grande a desproporção entre as baixas densidades rurais e o forte crescimento das cidades.
A noção de território-rede deve, portanto, ser relativizada na Amazônia Legal. Fracas e incompletas cadeias produtivas, cujas redes de comando estão situadas no espaço global, não conseguiram conectar-se entre si para formar uma malha integradora. Em outras palavras, a extensa região permanece sem integração interna e com fraca integração em escala nacional.
Sob o comando das forças da globalização, duas tendências desiguais verificam-se na Amazônia Legal: (1) a ampliação da escala e da velocidade de expansão da fronteira e (2) a maior produtividade em alguns setores e agentes econômicos.
Frente à pressão dada pela demanda global por produtos madeireiros e pecuários, são necessárias medidas de governo no sentido de desestimular o avanço da fronteira agrícola sobre o coração florestal, a floresta ombrófila densa.
A viabilização econômica dos pequenos produtores e dos extrativistas da Amazônia, com promoção de sistemas produtivos em bases sustentáveis, agregação de valor, acesso direto a mercados consumidores e ampliação de programas governamentais, se constitui numa estratégia fundamental para a contenção do desmatamento, com a consequente permanência desses segmentos no campo.
Enquanto a soja tem sua expansão limitada por condições físicas, a pecuária e a extração da madeira são limitadas apenas pela presença de atividades mais rentáveis; em conjunto, formou-se um cinturão madeira-boi que circunda e ameaça a floresta ombrófila densa.
Tal situação está em grande parte associada à transição ainda incompleta de uma matriz econômica baseada em cadeias produtivas incompletas, na medida em que a maior agregação de valor dos produtos e o maior lucro, a etapa final da cadeia, dão-se fora da região. Para os produtores familiares e populações tradicionais, o monopólio de acesso ao mercado é, justamente, um dos maiores impedimentos à sua inclusão social.
O desafio estratégico para um desenvolvimento com menor impacto ambiental tem sido até agora enfrentado pela política de áreas protegidas, que tem cumprido o seu papel de barrar a expansão da fronteira tanto em nível simbólico como concreto. Mas elas não geram emprego e renda na escala necessária, o que exige outras estratégias.
A mineração, a produção e distribuição de petróleo e gás natural, a produção e distribuição de energia elétrica, a agricultura “amazônica”, a pecuária intensiva e os serviços ambientais, aliados às ações de preservação ambiental e de planejamento estratégico para o presente e o futuro, podem ser vistos como importantes pilares do desenvolvimento sustentável se tratados nos moldes aqui apresentados. E somente atribuindo valor econômico à floresta em pé poderá ela competir com as commodities e não ser derrubada.
Outra condição para o desenvolvimento regional é a articulação das políticas públicas, por todos reivindicada. O Zoneamento Ecológico-Econômico, ao tratar do território, oferece a melhor alternativa para que as mesmas se integrem.
Tais medidas deverão resultar na condição sine qua non do desenvolvimento regional, isto é, na organização da produção mediante cadeias produtivas completas - até a industrialização - dos produtos da natureza, com padrões do século XXI apoiados na ciência, tecnologia e inovação, aliada à mudança do quadro institucional para assegurar que essa organização seja capaz de gerar emprego e renda sem destruir, e mesmo recompor, a natureza.
Ademais, a implementação de uma efetiva rede urbana é essencial para as cadeias produtivas, de modo a prover serviços à população e à produção e para uma administração e planejamento territoriais adequados. É o que se almeja com o MacroZEE, cuja diretriz não ignora o zoneamento da natureza.
Essa perspectiva orientou a elaboração do Macrozoneamento e de suas estratégias. Sua implementação, no entanto, depende da adesão e da legitimação social, sem as quais não passará de boas intenções. Mais do que isso, o Macrozoneamento, para ser efeitvo, depende, como tantas vezes frisamos neste documento, de sua internalização no planejamento e nas decisões dos agentes públicos e privados.
O desafio está lançado. A implementação do Macrozoneamento da Amazônia Legal e suas estratégias de transição para a sustentabilidade é uma tarefa de todos.
referências bibliogrÁficas
BOULDING, Kenneth. The economics of the comming spaceship earth. In: JARRED, H. E. (ed.). Environment quality in a growing economic. Baltimore: John Hopkins, 1966.
BECKER, Bertha K.. A Geografia e o Resgate da Geopolítica. Revista Brasileira de Geografia, Ano 50, vol. 2, 1988, Edição Especial, RJ: IBGE.
______. Amazonian frontiers at the beginning of the 21 century. In: HOGAN, J. and Tolmasquim (ed.). Human dimensions of global environmental change: Brazilian perspectives. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2001.
______. Proposta de política de ciência e tecnologia. Brasília: SEPED/MCT, 2004.
______. Estudo Envolvendo Proposta de Política de C&T para Amazônia. Brasília: SEPED/MCT, 2005.
______. O Governo do Território em Questão - Uma perspectiva a partir do Brasil (submetido à publicação), 2009.
______. Articulando o complexo urbano e o complexo verde na Amazônia. In: Um Projeto para a Amazônia: desafios e contribuições. Brasília: CGEE, 2008, p.39-84.
______. Problematizando os serviços ambientais para o desenvolvimento da Amazônia - uma interpretação geográfica. In: Um Projeto para a Amazônia: desafios e contribuições. Brasília: CGEE, 2009b, p.86-119.
BECKER, Bertha K. e STENNER Cláudio. Mapa Povoamento e Macrorregiões. In: Plano Amazônia Sustentável - 1a versão. Brasília: 2003.
BRASIL. Comunicação Nacional Inicial do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. 2004.
BRASIL. Ministério da Integração Nacional, Ministério do Meio Ambiente. Plano Amazônia Sustentável - 1a versão. Brasília: 2004.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Plano nacional de promoção das cadeias de produtos da sociobiodiversidade. Brasília: 2009. Disponível em: <http://portal.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/sociobiodiversidade/PLANO_NACIONAL_DA_SOCIOBIODIVERSIDADE-_julho-2009.pdf>. Acesso em 18.01.2010.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Experiência em implementação de corredores ecológicos. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Departamento de Áreas Protegidas. Programa Piloto para a Protreção das Florestas Tropicais do Brasil. Brasília: 2008.
BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Plano Decenal de Expansão de Energia 2008/2017. Rio de Janeiro: EPE, 2009.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Planejamento Territorial. Brasília: MPOG, 2008. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=156&sub=181&sec=10>.
BRASIL. Presidência da República. Seminário Faixa de Fronteira: Novos Paradigmas. Brasília: Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2004. 108 p. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/gsi/saei/paginas/faixa%20de%20fronteira.pdf>. Acesso em 21.01.2010.
BRENNER, N. New State Spaces - Urban Government and the Rescaling of Statehood. New York: Oxford University Press, 2004.
CARMO, RENATO MIGUEL. Da escala ao território: para uma reflexão crítica do policentrismo. Análise Social, vol. XLIII (4.o), 2008, p.775-793. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n189/n189a05.pdf>. Acesso em 17.01.2010.
CARRIÈRE, JEAN P. Uma Reflexão Sobre a Construção do Policentrismo na Europa: Aportes e Limites do Relatório Potencial de Desenvolvimento Policêntrico na Europa. In: Textos de Referência em Planejamento e Gestão Territorial. Brasília: MPOG e Comissão Europeia, 2006.
CENTRO DE REFERÊNCIA PARA ENERGIA SOLAR E EÓLICA SÉRGIO DE SALVO BRITO. Manual de engenharia para sistemas fotovoltaicos. Rio de Janeiro: Grupo de Trabalho de Energia Solar/CRESESB, 1999. Disponível em: <http://www.cresesb.cepel.br/index.php?link=/publicacoes/Manual_Livro.htm>. Acesso em 15.01.2010.
CNS. Conselho Nacional das Populações Extrativistas. Disponível em: <http://www.extrativismo.org.br/>.
COELHO, Maria Célia N. Corredores/fronteira da Vale do Rio Doce. Entrevista pessoal concedida à Profa Bertha K. Becker, 2008.
COLLARES, JOSÉ E. R.. A realidade, espacialmente considerada, compreendida sob três níveis de apreensão: o universal, o particular e o singular. Geomática, UFSM, Santa Maria/ RS, vol.1, n. 1, 2006. Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/rgeomatica/page1/05.pdf>. Acesso em 26.11.2009.
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Debate sobre políticas públicas e o futuro da Amazônia. Documento Guia. Comissão Episcopal Pastoral para a Amazônia. Brasília: 2008.
CONTI Sérgio. Políticas Espaciais Europeias. In: DINIZ, Clélio. C. (org.). Políticas de Desenvolvimento Regional: Desafios e Perspectivas à Luz das Experiências da União Europeia e do Brasil. Brasília: UnB, 2007.
COSTA, Francisco A.. Polaridades e desenvolvimento endógeno no sudeste paraense. Rev. Interações, Campo Grande/MS, vol.6, n.10, p.29-54, 2005.
______. Desenvolvimento Agrário Sustentável na Amazônia: Trajetórias Tecnológicas, Estrutura Fundiária e Institucionalidade. In: Um Projeto para a Amazônia no século 21: Desafios e Contribuições. Brasília: CGEE, 2009.
FIGUEIREDO. Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal. Proposta de Trabalho Preliminar, 2009.
GTA. Grupo de Trabalho Amazônico. Disponível em: <http://www.gta.org.br/>.
GRUPO DE TRABALHO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DA CBI. Mudança Climática: um assunto de todos. Disponível em: <http://homologa.ambiente.sp.gov.br/proclima/publicacoes/publicacoes_portugues/climatereport2007full_portuguese.pdf>. Acesso em 11.11.2009.
HAESBAERT, Rogério. Região, Diversidade Territorial e Globalização. Disponível em: <http://www.uff.br/geografia/ver01/Rogerio%Haesbaert.pdf>, 2005.
HARVEY, David. The Limits to Capital. Chicago: University of Chicago Press, 1982.
IBGE. Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente. 2ª Edição, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/vocabulario.pdf>. Acesso em 18.01.2010.
______. Manual técnico da vegetação Brasileira. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/ManuaisdeGeociencias/Manual%20Tecnico%20da%20Vegetacao%20Brasileira %20n.1.pdf>. Acesso em 18.01.2010.
IPEA. Glossário de Siglas. In: Políticas sociais - acompanhamento e análise. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/bpsociais/bps_16/15_glossario_de_siglas.pdf>. Acesso em 18.01.2010.
JESSOP, Bob. The Future of the Capitalist State. London: Polity, 2002.
LIMA, I. Escalas insurgentes na Amazônia Brasileira. In: LIMONAD, E.; HAESBAERT, R.; MOREIRA, R. (org.). Brasil, Século XXI - por uma nova regionalização. São Paulo: Max Limonad, 2004.
LITTLE, Paul. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Brasília: UnB - Departamento de Antropologia, 2002. 32 p. (Série Antropologia, n. 322).
MATTOS, Luciano et al. Extractiveness of the clean development mechanism within the context of forest activities in Brazil: a critical analysis. Otawa: International Institute for Sustainable Development, 2008.
MORAES P. FERNANDA; COLLA M. LUCIANE. Alimentos funcionais e nutracêuticos: definições, legislação e benefícios à saúde. Revista Eletrônica de Farmácia, vol 3(2), p.109-122, 2006. Acesso em 18.01.2010. Disponível em: <http://www.farmacia.ufg.br/revista/_pdf/vol3_2/artigos/ref_v3_2-2006_p109-122.pdf>.
NORTH, Douglass. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. London and New York: Cambridge University Press, 1990.
PAIVA, ROBERTA FERNANDA P. S.. A agricultura e seus impactos sobre o provimento dos serviços ecossistêmicos. 47o Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009. Disponível em: <http://www.sober.org.br/palestra/13/363.pdf>. Acesso em 17.01.2010.
PNUD. Choques climáticos: risco e vulnerabilidade num mundo desigual. Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/HDR_20072008_PT_chapter2.pdf>. Acesso em 17.01.2010.
POLANYI, Karl. The great transformation: the political and economic origins of our time. New York: Rinehart, 1944.
RAFFESTIN, Claude. Pour une Géographie du Pouvoir, Paris: Litec, 1980.
RIBEIRO, NATASHA et al. Manual de Silvicultura Tropical. Disponível em: <http://www.ufra.edu.br/pet_florestal/downloads/manual%20de%20silvicultura.pdf>. Acesso em 17.01.2010.
SACK, Robert D.. Human Territoriality: Its Theory and History. London: Cambridge University Press, 1986.
SMITH, Neil. Scale bending and the fate of the national. In: SHEPPARD, E.; McMASTER, R. Scale and Geographic Inquiry. Oxford: Blackwell, 2004.
SWYNGEDOUWN Erik. Neither global nor local: globalization and the politics of scale. In: COX, Kevin. (org.). Spaces of Globalization: reasserting the power of the local. New York: Guilford, 1997.
GLOSSÁRIO
Agenda 21 |
Documento aprovado pela comunidade internacional, durante a Rio-92, que contém compromissos para mudança do padrão de desenvolvimento no século XXI. |
Agricultura familiar |
Sistema familiar de produção que não emprega trabalhadores permanentes, podendo, porém, contar com até cinco empregados temporários. |
Agrossilvicultura |
Associação de plantios ou povoamentos florestais com culturas agrícolas anuais ou perenes, pastagens, plantas para cobertura e melhoramento do solo, e mesmo, espécies arbóreas ou arbustivas com produtos afins aos das culturas agrícolas; equivalente a sistema agroflorestal. |
Amazônia Legal |
Abrange a região compreendida pela totalidade dos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e, ainda, pelas áreas do Estado Maranhão a oeste do meridiano de 44. |
Apropriação especulativa |
Apropriação efetuada a baixo custo com vistas à obtenção de ganhos exorbitantes futuros, advindos da agregação de valor ao bem independente da ação do apropriador. |
Aquicultura |
Cultivo ou a criação de organismos que tem na água o seu normal ou mais frequente meio de vida (Portaria IBAMA 119/97); cultivo ou criação de organismos cujo ciclo de vida se dá inteiramente em meio aquático (Portaria IBAMA 145-N/98); cultivo de organismos aquáticos - algas, moluscos, crustáceos, peixes e outros - em água doce ou salgada, para alimentação humana e finalidades industriais ou experimentais. |
Aquífero |
Toda formação geológica em que a água pode ser armazenada, dotada de permeabilidade suficiente para permitir que a água se movimente através de seus poros. |
Área antropizada |
Área transformada pela ação humana. |
Arenitização |
Processo de eliminação do cimento que unem os grãos minerais das rochas sedimentares, principalmente arenitos, promovendo a desagregação da rocha e facilitando a instalação de processos erosivos superficiais e subterrâneos. |
Ativo ambiental |
Bens ambientais, tais como, mananciais de água, encostas, reservas, áreas de proteção ambiental, etc. |
Biodiversidade |
Variabilidade entre os organismos vivos, incluindo, entre outros, ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, além de todos os processos ecológicos dos quais tais organismos fazem parte. |
Bioma |
Amplo conjunto de ecossistemas terrestres, caracterizados por tipos fisionômicos semelhantes de vegetação sob controle de diferentes tipos de clima, compreendendo várias comunidades bióticas em diferentes estágios de evolução, em vasta extensão geográfica, constituindo uma unidade ecológica imediatamente superior ao ecossistema. |
Bioma amazônico |
Ocupa uma superfície de 3,6 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e pequena parte dos estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, corresponde a 1/3 das reservas de florestas tropicais úmidas, possui o maior banco genético da Terra e contém 1/5 da disponibilidade mundial de água doce. |
Cadeias tecnoprodutivas de biodiversidade |
Conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam e vão sendo transformados e transferidos os diversos insumos - resultante da crescente divisão do trabalho e maior interdependência entre os agentes econômicos - relativos aos produtos da biodiversidade, esta última entendida como a “diversidade de comunidades vegetais e animais que se inter-relacionam e convivem num espaço comum que pode ser um ecossistema ou um bioma” (Glossário Ibama, 2003). |
Campinarana |
Vegetação típica da bacia do rio Negro, região que mais chove no Brasil (4.000 mm anuais), apresentando três subgrupos de formação: arbórea densa ou florestada, arbórea aberta ou arborizada e gramíneo-lenhosa; tem por sinônimo o termo campina e significa "falso campo". |
Concessão florestal |
Delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração de produtos e serviços numa unidade de manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou não, que atenda às exigências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado (ver artigo 3o da Lei no 11.284/2006). |
Convenção sobre a Diversidade Biológica |
Convenção firmada durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, com objetivo de fazer cumprir os princípios da conservação da diversidade biológica, da utilização sustentável dos seus componentes e da partilha justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. Em seus termos, estão presentes a necessidade de conciliar a preocupação do desenvolvimento com a conservação e de estabelecer igualdade e partilha de responsabilidades entre os países detentores de grande diversidade biológica e os países ricos, usuários dessa diversidade, a partir da cooperação científica e técnica, acesso aos recursos financeiros e genéticos e as transferências de tecnologias limpas. |
Convenção sobre Mudança do Clima |
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC), aprovada em 9 de maio de 1992 e firmada na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, por 154 países e a Comunidade Econômica Europeia, tem por objetivo principal estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferênia antrópica perigosa no sistema climático. Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável. |
Corixos |
Canais naturais que recebem água durante as cheias e ligam as baías entre si, também chamados de corixas, corixinhas ou corixões, de acordo com o seu tamanho; na estação menos chuvosa, ajudam a escoar as águas das lagoas em direção aos rios, e na época das grandes chuvas este fluxo se inverte, indo dos rios para as lagoas (Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). |
Corporação transnacional |
Empresas que possuem matriz em seu país de origem e atuam em outros países por meio da instalação de filiais. |
Corredores ecológicos |
Porções de ecossistemas naturais ou seminaturais que ligam Unidades de Conservação, possibilitando o fluxo de genes e o movimento da biota entre elas, facilitando a dispersão de espécies, a recolonização de áreas degradadas e a manutenção de populações que precisam, para sua sobrevivência, de áreas maiores do que as disponíveis nas Unidades de Conservação. |
Desflorestamento |
Remoção da cobertura vegetal para conversão da terra a outros usos; equivalente a desmatamento. |
Dobramentos proterozóicos |
Dobramentos da crosta terrestre ocorridos no intervalo de tempo entre 2.500 e 540 milhões de anos atrás. |
Ecossistema |
Toda e qualquer unidade (área) que abrigue complexas, dinâmicas e contínuas interações entre os organismos vivos (bióticos) e o ambiente físico (abiótico), resultando um fluxo de materiais entre as partes vivas e não vivas e estruturas bióticas bem definidas. |
Ecótonos |
Zona de transição entre dois ecossistemas diferentes ou entre duas comunidades. |
Etnoturismo |
Tipo de turismo cultural que utiliza como atrativo a identidade, ou seja, a cultura de um determinado grupo étnico. |
Etnozoneamento |
Instrumento utilizado no processo de gestão territorial em TIs. |
Exploração madeireira predatória |
Exploração madeireira convencional sem utilização de técnicas de manejo florestal incluindo as de exploração de impacto reduzido, normalmente conduzida de forma ilegal. |
Extrativismo |
Sistema de exploração baseado na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis (ver artigo 2o da Lei no 9.985/2000). |
Extrativismo madeireiro |
Utilização da madeira por comunidades tradicionais com o emprego de métodos tradicionais. |
Faixa de fronteira |
Faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, considerada como bem da União (artigo 20, § 2o da Constituição Federal de 1988) |
Floresta ombrófila aberta |
Tipo de transição da floresta ombrófila densa, caracteriza-se por gradientes climáticos com mais de 60 dias secos, classificando-se em quatro subfisionomias típicas: com cipó, com palmeiras, com bambu e com sororoca. |
Floresta ombrófila densa |
Tipo de vegetação também conhecida por floresta pluvial tropical (Floresta Amazônica e Floresta Atlântica), condicionada à ocorrência de temperaturas elevadas e altas precipitações bem distribuídas durante o ano, período seco variando de 0 a 60 dias, com abundância de fanerófitas, lianas e epífitas e diferenciações fisionômicas de acordo com a altitude. |
Florestas energéticas |
Florestas que oferecem insumos para a geração de energia, como por exemplo a produção de carvão vegetal. |
Florestas públicas |
Florestas, naturais ou plantadas, localizadas nos diversos biomas brasileiros, em bens sob o domínio da União, dos estados, dos municípios, do Distrito Federal ou das entidades da administração indireta (ver artigo 3o da Lei no 11.284/2006). |
Fluxos gênicos |
Troca da informação genética entre indivíduos, populações ou espécies. |
Funções ecossistêmicas |
Capacidade dos processos e componentes naturais de fornecer bens e serviços que satisfazem as necessidades humanas, diretamente ou indiretamente. Podem ser agrupadas em quatro categorias primárias: (i) Funções de regulação - capacidade dos ecossistemas naturais e seminaturais em regular processos ecológicos essenciais e sistemas de apoio à vida por meio de ciclos bioquímicos outros processos biosféricos; (ii) Funções de habitat - os ecossistemas naturais fornecem refúgio e habitat de reprodução para plantas e animais selvagens, contribuindo para a manutenção da diversidade; (iii) Função de Produção - a fotossíntese e a retenção de nutriente pelos autótrofos convertem energia, dióxido de carbono, água e nutrientes em uma ampla variedade de estruturas de carboidratos que são, então, usadas pelos produtores secundários para criar uma variedade mesmo mais ampla de biomassa viva; (iv) Função de informação - provisão de oportunidades para reflexão, enriquecimento espiritual, desenvolvimento cognitivo, recreação e experiência estética. |
Gases de efeito estufa |
Constituintes gasosos da atmosfera, naturais e antrópicos, que absorvem e reemitem radiação infravermelha. |
Hinterlândia |
(i) Área subordinada economicamente a um centro urbano; (ii) Região do País servida por meio ou vias de transportes terrestre, fluviais ou lacustres para qual se encaminham de forma direta as mercadorias desembarcadas no porto ou da qual procedem mercadorias para o embarque no mesmo porto |
Incentivos fiscais |
Espécie de renúncia das receitas públicas para o administrador público e benefícios aos administrados (contribuintes) objetivando, dentre outros, o desenvolvimento econômico regional, o aumento do saldo da balança comercial, o desenvolvimento do parque industrial nacional, a geração de empregos, a colocação de produtos de fabricação nacional no mercado externo. |
In loco |
No local. |
Manejo |
Todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas (ver artigo 2o da Lei no 9.985/2000). |
Manejo Florestal Comunitário |
A execução de planos de manejo realizada pelos agricultores familiares, assentados da reforma agrária e pelos povos e comunidades tradicionais para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema (Decreto no 6.874/2009). |
Manejo Florestal Sustentável |
Administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal (Lei de Gestão de Florestas Públicas, no 11.284/2006). |
Manejo florestal sustentável |
Artigo 3o da Lei no 11.284/2006 - administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal. |
Manejo florestal sustentável de Usos Múltiplos |
Entende-se por manejo florestal sustentável de uso múltiplo a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo, e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal (Decreto no 1.284 de 19 de outubro de 1994, § 2o). |
Mosaico de Unidades de Conservação |
Conjunto de Unidades de Conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas e outras áreas protegidas públicas ou privadas, cuja gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional. |
Mudança do clima |
Significa uma mudança de clima que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade humana, que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis. |
Nanotecnologia |
Capacidade potencial de criar coisas a partir do mais pequeno, usando as técnicas e ferramentas para colocar cada átomo e cada molécula no lugar desejado. |
Nutracêutico |
Termo relativo a uma ampla variedade de produtos e componentes alimentícios com apelos médico ou de saúde, que vão desde suprimento minerais e vitaminas essenciais até a proteção contra várias doenças infecciosas; tais produtos podem abranger nutrientes isolados, suplementos dietéticos e dietas para alimentos geneticamente planejados, alimentos funcionais, produtos herbais e alimentos processados tais como cereais, sopas e bebidas. |
Paradigma |
Modelo. |
Passivos ambientais |
Acúmulo de danos infligidos ao meio natural por uma determinada atividade ou pelo conjunto das ações humanas, que produzem riscos para o bem estar da coletividade e que devem ser reparados a fim de que seja mantida a qualidade ambiental de um determinado local. |
Pelotização |
Processo de aglomeração de partículas ultrafinas de minério de ferro por meio de tratamento térmico. |
Pintura rupestre |
Pintura gravada ou traçada na rocha. |
Plano de manejo |
Documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (ver artigo 2o da Lei no 9.985/2000). |
Porto offshore |
Localizado a alguma distância da costa. |
Povos e comunidades tradicionais |
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; incluem, dentre outros, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, pescadores artesanais, ribeirinhos, jangadeiros e pantaneiros (art. 3o, inciso I, PNPCT). |
Risco climático |
Conjunto específico de riscos relativos aos eventos de secas, inundações, tempestades e outros fenômenos, com potencial para destruir a vida das pessoas, conduzindo à perda de rendimentos, bens e oportunidades; são de distribuição não uniforme e de custos bastante elevados. |
Silvicultura |
É a arte ou a ciência de manipular um sistema dominado por árvores e seus produtos, com base no conhecimento das características ecológicas do sítio, com vista a alcançar o estado desejado de forma economicamente rentável. |
Sistema climático |
Significa a totalidade da atmosfera, hidrosfera, biosfera, geosfera e suas interações. |
Sistema fotovoltáico |
Sistema que obtém energia por meio da conversão direta de luz solar em eletricidade. |
Sistemas silvipastoris |
Combinação intencional de árvores, pastagem e gado numa mesma área ao mesmo tempo e manejados de forma integrada, com o objetivo de incrementar a produtividade por unidade de área, com ocorrência de interações em todos os sentidos e em diferentes magnitudes. |
Sociobiodiversidade |
Bens e serviços (produtos finais, matérias primas ou benefícios) gerados a partir de recursos da biodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares, que promovam a manutenção e valorização de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, gerando renda e promovendo a melhoria de sua qualidade de vida e do ambiente em que vivem. |
Solos hidromórficos |
Denominação geral utilizada para solos formados sob condições de drenagem deficiente, em pântanos, brejos, áreas de surgência ou planícies, podendo ser orgânicos ou minerais. |
Subirrigação
|
Método de irrigação, comum em várzeas, pelo qual a água é aplicada diretamente sob a superfície do solo, geralmente por meio da criação, manutenção e controle do lençol freático a uma profundidade preestabelecida. |
Terras públicas |
Todas as terras pertencentes ao poder público, ou seja, são bens públicos determinados (terras públicas stricto sensu) ou determináveis - incluindo-se aí as terras devolutas (terras públicas lato sensu) - que integram o patrimônio público. |
ANEXO a - O Desafio Fundiário para o MACROZEE da Amazônia Legal
A.1 - A estrutura fundiária como obstáculo ao MacroZEE
Um dos principais desafios para as estratégias de desenvolvimento e ordenamento territorial da Amazônia associadas ao MacroZEE se identifica no anacronismo da estrutura fundiária. Por suposto, as deformações das relações de posse e uso da terra na região, guardam relação estreita com as origens do quadro fundiário brasileiro. Todavia, amplificadas pelos efeitos do longo processo histórico de ocupação desordenada, induzido por ação ou inação do Estado. As profundas desigualdades sociais e econômicas e a destruição em grande escala do capital natural observadas atualmente na Amazônia se devem, em grande parte, a esta herança de desordem fundiária.
O fato é que, dos efeitos da “colônia de (super) exploração”, passando pelos primeiros ensaios de integração ainda sob o capital mercantil, até a fase da integração nacional deflagrada na década de 60 sob a inspiração geopolítica do regime militar, resta estabelecida, ainda em nossos dias, uma estrutura fundiária na Amazônia cujas principais marcas, no meio físico, são: o elevado nível de concentração da ‘posse’ da terra, combinado com o forte grau de ociosidade e irracionalidade no uso das grandes ‘propriedades’. Perpassando esses fenômenos, há os conflitos sociais naquela região.
Determinando e alimentando estas anomalias no meio físico, sobressaem, na esfera institucional, a desorganização e a frouxidão dos controles sobre as terras públicas e da regulação sobre as privadas. Este tem sido o caldo de cultura para a proliferação de formas de desvios legais, éticos e morais na apropriação das terras da região encarnadas, em especial, na figura da grilagem consentida pelos poderes públicos que ampliam o descontrole, os conflitos, a violência e a devastação ambiental.
O saneamento desse ambiente institucional e a reparação em escala razoável das desigualdades e outras deformações no meio físico são pressupostos para novos padrões de gestão fundiária e ambiental e de desenvolvimento da Amazônia para os quais MacroZEE se propõe instrumental.
Afinal, conforme síntese posterior, as categorias predominantes de posse da terra na Amazônia, regra geral, em todos os municípios, são os minifúndios, em número, e as grandes propriedades, em área. Daí deriva situação de iniquidade social e desequilíbrio político que se opõe à cidadania, ao desenvolvimento das forças produtivas e à preservação do meio ambiente. De outra parte, fora do controle e da legitimação pública da posse da terra, os investimentos produtivos privados se retraem pela falta de segurança jurídica. Ao mesmo tempo, as políticas públicas direcionadas para as estratégias do desenvolvimento sustentável perdem capacidade da imposição de cláusulas vinculantes de planejamento territorial, e de indução do uso seletivo e inteligente do capital natural e para políticas inclusivas de vastos segmentos sociais da região que interagem de forma mais harmoniosas com a natureza. Tem-se, configurado, pois, na estrutura fundiária da Amazônia, e no seu entorno institucional, um efetivo e nada trivial desafio a ser superado para a viabilização do MacroZEE. Principalmente no caso da hipótese mais virtuosa deste instrumento que o vincula à transição para um novo padrão de ocupação e integração da Amazônia que concilie a necessária alavancagem do seu desenvolvimento econômico baseado na exploração qualificada do vasto capital natural da região, em parâmetros efetivos de sustentabilidade e de garantida da sua funcionalidade aos desafios globais do clima e da segurança alimentar.
A.2 - Concentração e destinação da terra
□ Segundo o IBGE, a superfície territorial da Amazônia Legal é de 521.742.300 de hectares, o equivalente a 61,3% do território nacional;
□ os imóveis rurais cadastrados no Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra ocupavam área de 178.169.518 hectares (34% da área total da região), da qual, 46 milhões de hectares não titulados;
□ o Incra estima que as terras devolutas na Amazônia alcançam área em torno de 96 milhões de hectares, ou 18.4% da superfície territorial da região;
□ fruto de direitos consagrados, em especial na Constituição de 1988, as destinações de terras, pelo Estado, na Amazônia, para finalidades sociais e públicas apresentam o seguinte quadro aproximado:
Destinação |
Área (em milhões de hectares) |
Terras Indígenas |
109,3 |
Unidades de Conservação |
108,0 |
Terras Quilombolas |
0,6 |
Terras Militares/outras destinações governamentais |
7,0 |
□ por unidade federada, o quadro aproximado das destinações sociais e públicas de terras é o seguinte:
UF |
Unidades de Conservação |
Terras Indígenas |
Comunidades Quilombolas |
AC |
5.262 |
3.259 |
- |
AM |
39.128 |
52.608 |
- |
AP |
9.301 |
4.196 |
14 |
RR |
4.342 |
3.353 |
- |
RO |
7.275 |
3.893 |
- |
PA |
33.067 |
16.239 |
566 |
MT |
4.196 |
20.827 |
12 |
TO |
1.594 |
2.553 |
- |
MA |
1.825 |
2.341 |
24 |
□ a elevada concentração da posse da terra pode ser resumida quando se observa que existem na Amazônia, cadastrados no Incra, 548 imóveis com áreas de 10.000 hectares e mais. Estes imóveis representam 0.1% do número total de imóveis da região, detendo área de 19.342.868 hectares, o equivalente a 10% da área total dos imóveis. No outro extremo, os imóveis com áreas até menos de 100 hectares totalizam 345.482 com área acumulada de 15.351.909 hectares, i.e, correspondem a 63% do número e 8.6% da área cadastradas na Amazônia. Em suma: os 548 imóveis com áreas de 10.000 hectares e mais detêm, cerca de 4 milhões de hectares a mais que o conjunto dos 345.482 imóveis com áreas inferiores a 100 hectares;
□ corroborando o perfil anterior, os minifúndios representam mais da metade do número de imóveis rurais na Amazônia. Contabilizam 291.800 unidades (53.2% do total), com área agregada de 10.969.90 hectares (6.2% da área total);
□ no outro extremo, as grandes propriedades somam 32.329 nas estatísticas do Incra, equivalendo a 5.9% do total dos imóveis rurais da Amazônia. Ocupam, todavia, área de 111.341.762 hectares (62.5% da área total), da qual 78% mantida com baixo índice de utilização agrícola.
A.3 - O uso produtivo e participação da agricultura familiar
Pelos registros do Censo Agropecuário de 2006, o setor produtivo rural na Amazônia mobiliza cerca de 794 mil estabelecimentos agropecuários envolvendo área de 112.7 milhões de hectares;
□ ainda segundo o IBGE, 86% do número desses estabelecimentos são de agricultores familiares que acumulam o correspondente a 22% da área total dos estabelecimentos agropecuários na Amazônia;
□ das áreas dos estabelecimentos agropecuários com lavouras permanentes na Amazônia (2.461.385 hectares), a agricultura familiar responde por 49% (1.212.310 hectares). No caso das lavouras temporárias, a agricultura familiar participa com 18% (1.569.665 hectares), da área total de 8.809.665 hectares. A Tabela abaixo detalha essas informações por unidade federada da Amazônia Legal:
UNIDADE DA FEDERAÇÃO |
Área com Lavouras Permanentes - Ha |
Área com Lavouras Temporárias - Ha |
||
Total |
Agricultura familiar |
Total |
Agricultura familiar |
|
RO Total |
254.071 |
201.912 |
166.135 |
80.204 |
AC Total |
63.315 |
37.155 |
77.994 |
51.615 |
AM Total |
335.983 |
139.700 |
482.681 |
218.516 |
RR Total |
50.667 |
33.531 |
58.322 |
20.227 |
PA Total |
1.021.452 |
571.984 |
730.742 |
436.515 |
AP Total |
34.616 |
20.055 |
20.549 |
15.265 |
TO Total |
93.593 |
26.370 |
440.970 |
78.623 |
MA Total |
216.325 |
86.632 |
1.290.397 |
470.905 |
MT Total |
391.363 |
94.971 |
5.541.875 |
197.296 |
Total geral |
2.461.385 |
1.212.310 |
8.809.665 |
1.569.166 |
Fonte: Censo Agropecuário 2006
□ tomando-se o conjunto dos municípios da Amazônia Legal, por unidade federada, nos quais as áreas com lavouras permanentes e lavouras temporárias nos estabelecimentos familiares participam com 50% ou mais das respectivas áreas totais com essas lavouras, obtém-se o seguinte quadro, por unidade federada:
UF |
AGRIC. FAMILIAR/LAV. PERMANENTE |
AGRIC. FAMILIAR/LAV. TEMPORÁRIA |
RO |
47 MUNICÍPIOS |
42 MUNICÍPIOS |
ACRE |
19 MUNICÍPIOS |
19 MUNICÍPIOS |
AMAZONAS |
39 MUNICÍPIOS |
45 MUNICÍPIOS |
RORAIMA |
14 MUNICÍPIOS |
09 MUNICÍPIOS |
PARÁ |
86 MUNICÍPIOS |
105 MUNICÍPIOS |
AMAPÁ |
12 MUNICÍPIOS |
13 MUNICÍPIOS |
TOCANTINS |
70 MUNICÍPIS |
52 MUNICÍPIOS |
MARANHÃO |
98 MUNICÍPIOS |
115 MUNICÍPIOS |
MATO GROSSO |
40 MUNICÍPIOS |
28 MUNICÍPIOS |
□ na Amazônia Legal, a área total com pastagens nos estabelecimentos agropecuários, é de 53.429.222 hectares, dos quais os estabelecimentos familiares participam com 12.015.681 hectares (22.5%);
□ as áreas com pastagens naturais somam 11.718.850 hectares, com participação de 18% dos estabelecimentos familiares. As áreas com pastagens degradadas alcançam 4.211.455 hectares, com participação de 37% da agricultura familiar. As com pastagens plantadas, em bom estado, somam 37.498.917 hectares, com participação de 24% dos estabelecimentos familiares.
A Tabela abaixo detalha essas informações por unidade federada da Amazônia Legal:
UF |
Pastagem natural |
pastagem degradada |
Pastagem Plantada |
|||
Total |
Agric. Familiar |
Total |
Agric. Familiar |
Total |
Agric. Familiar |
|
RO Total |
275.038 |
90.585 |
242.726 |
112.937 |
4.291.708 |
1.855.085 |
AC Total |
157.946 |
78.161 |
93.928 |
37.129 |
786.849 |
278.345 |
AM Total |
230.521 |
86.927 |
50.501 |
20.100 |
525.053 |
175.625 |
RR Total |
401.971 |
34.583 |
49.752 |
17.155 |
267.669 |
114.734 |
PA Total |
1.780.567 |
392.375 |
1.067.086 |
345.611 |
7.975.595 |
1.904.410 |
AP Total |
222.809 |
15.417 |
13.941 |
1.127 |
29.810 |
5.112 |
TO Total |
2.834.301 |
579.615 |
648.984 |
161.083 |
4.574.037 |
876.664 |
MA Total |
1.458.576 |
487.603 |
453.784 |
190.464 |
3.297.183 |
1.127.803 |
MT Total |
4.357.121 |
312.679 |
1.590.753 |
236.212 |
15.751.013 |
2.478.140 |
Total geral |
11.718.850 |
2.077.945 |
4.211.455 |
1.121.818 |
37.498.917 |
8.815.918 |
□ tomando-se o conjunto dos municípios da Amazônia Legal, por unidade federada, nos quais as áreas com pastagens nos estabelecimentos familiares participam com 50% ou mais das áreas totais de pastagens nos respectivos municípios, obtém-se o seguinte quadro, por unidade federada:
RO |
22 dos 52 municípios pesquisados |
AC |
14 dos 22 municípios |
AM |
30 dos 62 municípios |
RR |
4 dos 15 municípios |
PA |
29 dos 143 municípios |
AP |
2 de 16 municípios |
TO |
15 de 139 municípios |
MA |
56 de 170 municípios |
MT |
4 de 139 municípios |
□ as matas e/ou florestas naturais destinadas à APP e RL apresentam área de 25.932.281 hectares, sendo de 16% a participação da agricultura familiar; b) as matas e/ou florestas naturais, exclusive APP e ASA (áreas de sist. agroflorestais), somam 15.377.335 hectares, com 27% de participação da agricultura familiar; c) as matas e/ou florestas plantadas acumulam área de 339.615 hectares com a agricultura familiar participando de 13%; d) no total, estas áreas somam 2.332.265 hectares com a agricultura familiar participando com 39%.
A Tabela abaixo detalha essas informações por unidade federada da Amazônia Legal:
UF |
Matas e/ou flor. Nat. dest. à APP ou RL |
Matas e/ou florestas - naturais (exclusive APP e ASA) |
Matas e/ou florestas - florestas plantadas |
Sistemas agroflorestais |
||||
Total |
Agricultura familiar |
Total |
Agricultura familiar |
Total |
Agricultura familiar |
Total |
Agricultura familiar |
|
RO Total |
1.852.554 |
526.893 |
946.175 |
320.742 |
18.667 |
6.143 |
48.937 |
21.149 |
AC Total |
1.173.449 |
471.342 |
950.833 |
436.102 |
7.684 |
2.165 |
79.003 |
47.454 |
AM Total |
711.721 |
261.127 |
1.048.336 |
480.241 |
16.225 |
2.561 |
61.350 |
27.938 |
RR Total |
456.334 |
296.421 |
302.191 |
99.841 |
2.565 |
278 |
40.480 |
9.415 |
PA Total |
4.170.583 |
1.056.859 |
4.201.198 |
1.604.918 |
61.939 |
15.575 |
571.519 |
273.697 |
AP Total |
243.579 |
30.331 |
141.309 |
34.434 |
96.245 |
136 |
18.355 |
1.767 |
TO Total |
2.867.156 |
404.096 |
1.698.619 |
317.156 |
41.828 |
8.894 |
424.295 |
94.100 |
MA Total |
1.142.043 |
314.999 |
1.423.049 |
535.603 |
36.786 |
3.974 |
743.596 |
388.624 |
MT Total |
13.314.962 |
860.878 |
4.665.625 |
393.278 |
57.676 |
4.258 |
344.730 |
46.800 |
Total geral |
25.932.381 |
4.222.946 |
15.377.335 |
4.222.315 |
339.615 |
43.984 |
2.332.265 |
910.944 |
Fonte: IBGE
A.4 - O uso da terra e o nexo ambiental
□ Considerando os dados anteriores, uma leitura geral do uso da terra com o correspondente nexo ambiental pode ser obtida com a estimativa das áreas convertidas e não convertidas em estabelecimentos agropecuários, pois permitem quantificar os ativos ambientais, representados por fragmentos de ecossistemas naturais conservados e expressos em Área Não Convertida e os passivos ambientais representados pela Área Convertida;
□ a taxa de conversão em estabelecimentos agropecuários da Amazônia Legal, em 2006, gira em torno dos 51% ou 58 milhões de hectares;
□ a Área Não Convertida corresponde a mais de 56 milhões de hectares, de grande importância econômica e ainda de importância ecológica. Esta área não convertida supostamente corresponderia às Áreas de Proteção Permanente e às Reservas Legais;
□ do ponto de vista dos ativos ambientais, isto é da Taxa de Não Conversão, o Estado do Amapá lidera com 71,70%, seguido por Roraima com 70,97% e Amazonas com 56,52% - estados situados na Amazonas Ocidental, dentro do Bioma Amazônia e com forte presença de floresta ombrófila densa. A exceção, nesta sub-região amazônica, é o Estado de Rondônia, com baixa taxa de não conversão, 37,50%;
□ do ponto de vista dos passivos ambientais, o ranking entre estados é liderado por Rondônia com a maior taxa de conversão, 62,50% seguido pelos Estados do Maranhão, 59,33%; e Mato Grosso, 52,54% - com taxas acima da média da região. Registre-se que nestes três estados há presença do bioma Cerrado (em Mato Grosso também o bioma Pantanal), com restrições legais diferenciadas para conversão;
□ do lado das áreas convertidas destacam-se as pastagens plantadas que participam com 37,18% da área total dos estabelecimentos agropecuários da região, contra apenas 11,04% das lavouras;
□ do lado das áreas não convertidas destacam-se, conforme resumo acima: (i) as Matas Naturais com 37% da área total dos estabelecimentos agropecuários da Amazônia Legal, correspondentes a 41.3 milhões de hectares; (ii) são relevantes também os 10,49% das Pastagens Naturais, correspondentes a 11,8 milhões de hectares porque suportam uma parte da pecuária bovina e evitam ou retardam o avanço da conversão de cobertura vegetal natural.
A.5– A correlação entre posse e uso da terra
É relevante, para as finalidades do MacroZEE, apreender a correlação entre a posse (imóveis) e o uso da terra, neste caso, com base nos estabelecimentos por grupos de municípios de cada unidade federada da Amazônia Legal. A síntese é a seguinte:
□ em 72 municípios da região há a concentração extrema (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, acima de 0.8). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 61; as de lavouras permanentes em 5; e as áreas com lavouras temporárias, em 6 municípios;
□ em 121 municípios da região há alta concentração da terra (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, de 0.65 < 0.8). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 101; as de lavouras permanentes em 5; e as áreas com lavouras temporárias, em 15 municípios;
□ em 123 municípios da região há forte concentração da terra (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, de 0.5 a < 0.65). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 107; as de lavouras permanentes em 4; e as áreas com lavouras temporárias, em 22 municípios;
□ em 88 municípios da região há média concentração da terra (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, de 0.4 < 0.5). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 77; as de lavouras permanentes em 2; e as áreas com lavouras temporárias, em 8 municípios;
□ em 69 municípios predominam as áreas dos minifúndios. Nestes, as áreas com pastagens dominam em 47 municípios; lavouras permanentes em 2 municípios; e lavouras temporárias, em 8 municípios.
A superação dos problemas fundiários (e agrários) da Amazônia constitui iniciativa política sem a qual será difícil, senão impossível, a resolução dos temas sociais e ambientais nas áreas rurais da região. As circunstâncias de incertezas e desorganização na estrutura fundiária na Amazônia tendem, ainda, a impor ineficácia aos instrumentos de planejamento que visem estimular as decisões de investimentos compatíveis com as potencialidades econômicas da região, ora amplificadas nos âmbitos interno e externo. Consciente desse desafio, o Governo Federal deflagrou o Programa Terra Legal, uma ação estratégica de regularização fundiária na Amazônia com metas ao redor de 67 milhões de hectares. Contudo, a dimensão e as complexidades desse tema na Amazônia ultrapassam o alcance deste programa, exigindo a vinculação da regularização fundiária com uma política agrícola diferenciada para a região, compatível com as características e estratégias propostas para cada Unidade Territorial.
As estratégias do MacroZEE avançam nessa direção, indicando as formas de apropriação, uso da terra e dos recursos naturais mais adequadas para cada Unidade Territorial. O reconhecimento das territorialidades dos povos e comunidades tradicionais, o fortalecimento das políticas de apoio a agricultura familiar, as restrições a conversão de novas áreas e a modernização das atividades agropecuárias em termos de ganhos de produtividade e sustentabilidade ambiental, são algumas das soluções indicadas.