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Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 92.692, DE 19 DE MAIO DE 1986.

Revogado pelo Decreto de 5.9.1991

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Declara a área rural do Estado do Rio Grande do Sul como zona prioritária para efeito de execução e administração da reforma agrária, e dá outras providências.

O   PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os artigos 81, item III, e 161, da Constituição, e tendo em vista o disposto na lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964,

DECRETA:

Art. 1º Fica declarada como zona prioritária, pelo prazo de cinco anos, para efeito de execução e administração da reforma agrária, a área rural do Estado do Rio Grande do Sul.

Art. 2º As desapropriações somente poderão recair sobre latifúndios, como tal conceituados em lei, ou imóveis rurais cuja forma de exploração contrarie o interesse social.

Art. 3º A quantidade de áreas a serem desapropriadas não ultrapassará a prevista no Plano Regional de Reforma Agrária, anexo a este Decreto.

Parágrafo único. Para os fins do artigo 161 da Constituição, somente por Decreto do Poder Executivo será declarado de interesse social o imóvel rural que se encontrar na zona prioritária.

Art. 4º Fica instituída a Comissão Agrária no Estado do Rio Grande do Sul, integrada pelos seguintes membros a serem designados pelo Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário:

I - um servidor do INCRA, que a presidirá;

II - três representantes dos trabalhadores rurais;

III - três representantes dos proprietários rurais;

IV - um representante de entidade pública vinculada à agricultura; e

V - um representante de estabelecimento de ensino agrícola.

Parágrafo único. Os membros a que se referem os itens I, IV e V serão indicados pelo Presidente do INCRA; os demais serão indicados, respectivamente, pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura e pela Federação da Agricultura, com base territorial no Estado.

Art. 5º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 19 de maio de 1986; 165º da Independência e 98º da República.

JOSÉ SARNEY
Nelson Ribeiro

Este texto não substitui o publicado no DOU 21.5.1986

PLANO REGIONAL DE REFORMA AGRÁRIA (PRRA) DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

I. JUSTIFICATIVA

A necessidade de promover mudanças profundas na estrutura agrária do Rio Grande do Sul é identificada, desde o final da década de 50, pelos fortes movimentos sociais que congregam lideranças políticas, organizações de trabalhadores rurais e setores urbanos.

A luta pela reforma agrária decorria, já naquela época, do grande contingente de agricultores sem terra, existente no Estado, ao lado de concentração elevada da propriedade da terra, que teve origem na forma como foi a sua posse transferida para o domínio privado. O regime das sesmarias que vigeu até 1820, e a distribuição de lotes coloniais com a chegada dos imigrantes alemães em 1824 definiram uma estrutura agrária muito rígida.

Apesar de todas as transformações econômicas ocorridas nos quase dois séculos e meio do início da ocupação do território riograndense, permanece, no fundamental, sem grandes alterações a distribuição da terra estabelecida pela ação do governo imperial. Isto pode ser comprovado pelos dados do Cadastro do INCRA de 1984, os quais revelam a alta concentração da propriedade da terra. Enquanto os imóveis de menos de 25ha, que representam 69,11% do universo, ocupam somente 16,97% da área total do Estado, os grandes imóveis, de mais de 500ha, que somam apenas 1,44% do total, ocupam 33,44% das terras apropriadas.

Naquele período em que crescia a luta pela reforma agrária, algumas ações concretas foram realizadas pelo governo estadual, destacando-se a desapropriação da Fazenda Sarandi e do Banhado do Colégio, onde foram assentadas cerca de 750 famílias de agricultores sem terra.

O Estatuto da Terra e a legislação complementar significaram importante avanço para a realização da reforma agrária, pela possibilidade de se efetuar o pagamento das terras desapropriadas em títulos especiais, os títulos da dívida agrária. Bastava, a partir desse momento, a decisão política, pois os aspectos legais estavam, no fundamental, resolvidos.

A orientação governamental seguiu, no entanto, outra direção. Era buscada a modernização da agricultura, objetivando o aumento da produção agrícola, sem maior preocupação com relação aos problemas sociais que poderiam surgir na esteira do tipo de desenvolvimento proposto. A reforma agrária foi deixada de lado por longo período, implantando-se política agrícola que veio beneficiar os grandes proprietários, agravando os problemas sociais.

A modernização da agricultura promoveu aceleração na acumulação de capital no campo, ao lado de crescente exclusão de pequenos produtores rurais dos benefícios do progresso social. Intensificaram-se a utilização de insumos modernos e o emprego da motomecanização da agricultura, orientando-se a lavoura no sentido da especialização de atividades, principalmente as destinadas à exportação. A produção de alimentos simples, oriunda especialmente das pequenas explorações agrícolas foi abandonada com reflexos profundos no abastecimento interno.

Apesar de expressiva, a modernização da agricultura gaúcha não se deu de forma generalizada. Ainda permanecem grandes áreas com baixa intensidade de uso, que se traduz na existência de latifúndios por exploração, que representam 22,16% do total de imóveis e 36,43% da área utilizada, segundo os dados do Cadastro do INCRA referentes a 1984. Embora a expansão da lavoura tenha-se dado, em grande parte, pela utilização intensiva da terra anteriormente explorada com pecuária extensiva, ainda permanecem grandes áreas subutilizadas no Estado.

Este processo de crescimento agrícola trouxe como conseqüência, paralelamente ao aumento da produção nas regiões de latifúndio, degradação dos recursos naturais e aumento do êxodo rural nas regiões de minifúndios. Milhares de famílias foram forçadas a abandonar o seu meio pelo fato de terem sido afastadas da terra onde trabalhavam, fosse como pequenos proprietários, parceiros ou arrendatários, fosse na condição de assalariados agrícolas. Entre 1970 e 1980 a população rural do Rio Grande do Sul passou de 3.111.885 para 2.524.747, reduzindo-se pois em cerca de 600.000 pessoas. O fenômeno ocorreu em todo o Estado, fazendo com que o problema da marginalização no setor urbano atingisse a todos os municípios, sendo particularmente grave nos grandes centros urbanos.

Algumas regiões, de maior potencialidade agrícola, como o Planalto Médio, parte do Alto Uruguai e Missões - onde ocorreu ampliação rápida de fronteira agrícola, representada pela agricultura do trigo e da soja, com alto grau de mecanização, avançando em áreas anteriormente delicadas à exploração pecuária extensiva - apresentavam os menores índices de produtividade pecuária praticada no Estado. Esses índices permanecem até hoje, o que contrasta visivelmente com a atividade empresarial dedicada à agricultura intensiva do trigo e da soja.

Não se justifica, portanto, a existência de solos de boa potencialidade agrícola dedicados à pecuária extensiva, com baixíssimos níveis de lotação dos campos. O uso mais racional do solo, bem como o aumento da produção e da produtividade, considerando as condições peculiares da região, indicam a necessidade de intensificar o uso da terra, compatibilizando, portanto, o uso atual a sua potencialidade.

Ademais, tal preocupação está contida no Estatuto da Terra, cujo artigo 20, inciso VI, estabelece que "as desapropriações a serem realizadas pelo poder público, nas áreas prioritárias, recairão sobre as terras cujo uso atual, através de estudos levados a efeito pelo INCRA, comprovem não ser adequado à sua vocação de uso econômico".

Assim, com a realização da reforma agrária associada a uma política agrícola que efetivamente estimule a agricultura nacional, privilegiando a pequena e média produção, poderá o Rio Grande do Sul voltar a crescer e ter melhor distribuído o resultado desse crescimento.

II. OBJETIVOS E METAS

O objetivo geral do PRRA-RS é promover melhor distribuição da terra mediante modificações no regime de sua posse e uso, adequando-a às exigências de desenvolvimento do Estado, através da eliminação progressiva do latifúndio e do minifúndio, de modo a permitir o incremento da produção e da produtividade, atendendo aos princípios de justiça social e ao direito da cidadania do trabalhador rural.

São seus objetivos específicos:

a) contribuir para o aumento da oferta de alimentos e de matérias-primas, visando ao atendimento prioritário do mercado interno, pela ampliação da fronteira agrícola do Estado em áreas não utilizadas ou subutilizadas;

b) possibilitar a criação de novos empregos no setor rural de forma a ampliar o mercado interno e diminuir a subutilização da força de trabalho;

c) promover a diminuição do êxodo rural, procurando atenuar a pressão populacional sobre as áreas urbanas e os problemas dela decorrentes;

d) promover a paz e a justiça social, mediante a erradicação dos focos de tensão e das desigualdades decorrentes da elevada concentração da propriedade da terra;

e) contribuir para aumentar os benefícios sociais proporcionados pelas inversões públicas direta ou indiretamente relacionadas com o desenvolvimento do setor rural.

De acordo com o PNRA, a meta estabelecida para o período 1986-89 é assentar 35.100 famílias, das quais 3.800 em 1986.

III. ÁREA (ZONA) PRIORITÁRIA E ÁREAS DE AÇÃO

O § 2º do Artigo 161 da Constituição Federal e o inciso I do artigo 34 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra) determinam sejam delimitadas zonas ou áreas prioritárias para fins de reforma agrária.

Tendo em conta a gravidade e dimensão dos problemas gerados peIa estrutura de posse e uso da terra - os quais tenderão a assumir caráter ainda mais agudo se medidas concretas não forem adotadas pelo poder público - considera-se zona prioritária para reforma agrária toda a extensão territorial rural do Estado.

Atingirão 59.936 hectares as áreas a serem desapropriadas no Estado para atender às metas fixadas para 1986. As áreas de ação e a localização das áreas desapropriáveis são determinadas em consonância com as diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária, aprovado pelo Decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985.

IV. PROGRAMAS DE AÇÃO

A reforma agrária no Rio Grande do Sul apoiar-se-á nos princípios básicos definidos no PNRA, dentre os quais a participação da sociedade civil, organização dos beneficiários e integração com os governos estaduais e municipais.

Será estimulada a participação da sociedade civil e garantida a presença de sindicatos, cooperativas, associações, grupos e movimentos nas diferentes fases do processo, objetivando a realização da reforma de maneira democrática e assegurando o êxito do empreendimento, tanto do ponto de vista político, como dos seus resultados econômicos e sociais.

A organização dos beneficiários para a produção e comercialização, já adotada em seus locais de origem ou adquirida através das discussões em seus acampamentos e associações, deverá ser levada em conta no assentamento.

Da mesma forma deverá ser estimulada a participação da organização dos assentados na direção do projeto, assegurando, com isto, o atendimento de suas necessidades e dando oportunidade a que assumam totalmente o assentamento após sua emancipação.

É decisivo o apoio dos governos estadual e municipais. A complexidade da reforma agrária se enquadra, em diferentes níveis, nas atividades de órgãos dessas esferas de governo que integram os sistemas nacionais de planejamento, assistência técnica, educação e saúde.

Tal apoio técnico será baseado no princípio da co-participação e co-responsabilidade. Assim, as administrações estadual e municipais deverão agir, nos projetos de assentamento, de forma integrada e complementar à atuação do INCRA. Para tanto deverão ser celebrados convênios que tornem viável e ágil a realização da reforma agrária.

4.1 - Programa Básico: Assentamento de Trabalhadores Rurais

i - Características

O assentamento dos agricultores sem terra far-se-á em áreas próximas àquelas onde habitam. As terras para os assentamentos serão obtidas via desapropriação por interesse social, conforme estabelece o Plano Nacional de Reforma Agrária. Serão igualmente utilizadas terras públicas, onde houver disponibilidade e se revelarem adequadas a projetos dessa natureza.

Os projetos técnicos que orientarão a organização social dos assentamentos e o processo produtivo contarão, em todos os níveis e fases, com a participação direta dos beneficiários, bem como de órgãos públicos e privados. Entre estes órgãos caberia destacar a SUDESUL, coordenando a implantação de infra-estrutura; as prefeituras municipais e secretarias de estado, na instalação do equipamento comunitário básico; as cooperativas, na comercialização de insumos agrícolas e da produção obtida; os sindicatos de trabalhadores rurais e movimento dos agricultores sem terra, com papel preponderante na seleção dos beneficiários.

ii - Diretrizes Operacionais:

a) o acesso à terra dar-se-á imediatamente após a imissão de posse, mediante processo seletivo que contemple a participação das entidades representativas dos beneficiários e respeite as formas associativas dos futuros assentados;

b) para desestimular a venda prematura de lotes pelos assentados e assegurar que a terra será efetivamente distribuída àqueles que querem produzir, deverá ser utilizado preferencialmente o instituto dá concessão de uso como forma temporária e experimental de acesso à terra, até a definição da forma de sua apropriação; essa forma temporária terá a duração de 3 a 5 anos, período em que, espera-se, estará consolidado o assentamento;

c) nas terras já ocupadas deverão ser respeitadas, na medida do possível, as situações existentes, desde que não se caracterizem como privilégio em relação às demais situações;

d) serão instaladas no assentamento, desde que sua dimensão o comporte, estruturas administrativas do INCRA, que coordenarão todas as atividades em benefício dos assentados, promovendo sua organização, capacitação e garantindo atendimento aos serviços básicos de assistência técnica, crédito rural, infra-estrutura econômica e social; no caso de pequenos projetos, a Diretoria Regional poderá criar estruturas que assumam a direção de vários assentamentos próximos ou administrá-los diretamente através da sede;

e) gestões visando a participação de órgãos federais, estaduais e municipais na implantação e consolidação dos assentamentos deverão ser desenvolvidas;

f) o deslocamento de beneficiários de seus locais de origem será evitado ao máximo;

g) a participação efetiva dos beneficiários na direção dos projetos de assentamento é condição de seu êxito.

4.2 - Programa Complementar: Regularização Fundiária

A Diretoria Regional do INCRA já vem desenvolvendo programa de regularização de posse de terras devolutas, em convênio com a Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul. Por esse convênio, forem entregues títulos definitivos de propriedade para cerca de 30.000 posseiros, especialmente nas áreas minifundiárias, na faixa de fronteira.

Além desta atividade de regularização de posses antigas, que deverá ter continuidade, prevê-se a realização de ações discriminatórias em, diversas localidades do Estado onde existem conflitos, como é o caso da Posse Rebentona, em Candelária, onde há indícios de ocupações irregulares de grandes extensões de terras públicas, especialmente na região do litoral e onde foram realizadas obras de saneamento em áreas alagadiças.

V. INFRA-ESTRUTURA BÁSICA, AÇÕES DE APOIO E ESTIMATIVA DE CUSTOS

A infra-estrutura necessária aos assentamentos compreenderá, basicamente, estradas de acesso, habitações e obras comunitárias. Os serviços de apoio à produção e bem-estar social incluem ações nas áreas de crédito rural, assistência técnica, difusão de tecnologia, saúde e educação.

As terras obter-se-ão via desapropriação por interesse social, quando não se utilizarem áreas devolutas. No primeiro caso, por imposição constitucional, o poder público deverá indenizar o valor das terras desapropriadas com títulos da dívida agrária (TDA). A fixação do valor a ser indenizado, contudo, pode depender de laudos, avaliações e pronunciamento do Judiciário, e por isso é virtualmente impossível definir a priori o volume de recursos (em TDA) necessários.

Assim os recursos estimados para execução deste Plano em 1986 limitam-se aos indispensáveis para fazer face a dispêndios com indenizações de benfeitorias em áreas desapropriadas, ações de redistribuição de terras, (seleção de imóveis, vistorias, perícias, demarcações, assentamentos, administração), infra-estrutura básica (estradas de acesso, habitações, obras comunitárias), saúde, educação, assistência técnica, extensão rural, armazenagem, crédito rural (investimento e custeio).

Caberá ao MIRAD adotar medidas necessárias visando garantir disponibilidade de TDA para que se atinjam as metas fixadas.

As necessidades de recursos (exclusive desapropriações de terras) são apresentadas no quadro a seguir.

Com base nos dados apresentados tem-se que o custo total, excluída a indenização das terras a serem desapropriadas, para o assentamento de 3.800 famílias é da ordem de Cz$308,9 milhões. Chama-se a atenção para o volume requerido para crédito de investimento e custeio para os novos produtores rurais, da ordem de Cz$62,1 milhões.

PRRA-RS - ESTIMATIVA DOS CUSTOS (*) - (1986)

(Cz$ mil)

DISCRIMINAÇÃO   CUSTO ESTIMADO
Indenização de benfeitorias e ação de redistribuição de terras   167.184,0
Infra-estrutura básica   49.269,4
Saúde   8.063,7
Educação   4.893,8
Assistência técnica e armazenagem   17.360,5
Crédito rural:   62.079,2
- investimento 41.708,7  
- custeio 20.370,5  
Total   308.850,6

(*) Excluídos custos de obtenção de terras via desapropriação.

VI. SITUAÇÕES EMERGENCIAIS

O PRRA-RS, assim como todos os planos regionais de reforma agrária que conformam o PNRA, tem a característica de incorporar situações previsíveis, planejáveis. Os planos operativos - que traduzem o que efetivamente será realizado no campo - tomam por base essas ações e baseiam-se nas informações, dados e conhecimentos existentes. No Âmbito da reforma agrária, contudo, os eventos podem tomar cursos imprevisíveis, razão pela qual pode-se vir a necessitar de ações rápidas do poder público na busca das soluções adequadas.

É nesse contexto que as metas e os volumes de recursos estimados neste PRRA poderão sofrer alterações no curso de sua implementação. Situações emergenciais deverão ser examinadas no tempo e contexto apropriados.