Presidência
da República |
MENSAGEM Nº 1.990, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1999.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1o do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente o Projeto de Lei no 81, de 1999 (no 934/99 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre anistia de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral em 1996 e 1998".
Ouvido, o Ministério da Justiça assim se manifestou:
"A concessão de anistia de débitos eleitorais dos eleitores que deixaram de votar em pleitos determinados, em decorrência do art. 7o do Código Eleitoral, e de membros das mesas receptoras que deixaram de atender à convocação da Justiça Eleitoral, por aplicação do art. 124 desse mesmo Código, assim como os alcançados pelo art. 344 desse ordenamento codificado, provenientes da recusa ou abandono do serviço eleitoral sem justa causa, encontra precedentes no ordenamento legal pátrio, como demonstram as Leis nos 7.444, de 20 de dezembro de 1985 (§ 3o do art. 3o), 8.744, de 9 de dezembro de 1993 (art. 1o), 9.274, de 7 de maio de 1996 (art. 1o).
Não obstante, o projeto de lei em questão é muito mais amplo do que as leis que lhe serviram de inspiração. Pela proposta, são anistiados todos os débitos resultantes de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral, a qualquer título, em decorrência de infrações praticadas nos anos eleitorais de 1996 e 1998, o que importa dizer que todas as penas de multa cominadas pela prática de crime eleitorais também serão anistiadas, sejam elas aplicadas alternativamente à pena privativa de liberdade ou cumulativamente com aquela. Tal afirmação é possível em virtude da generalidade do termo infração, que abrange tanto infrações administrativas como infrações penais, vocábulo esse inclusive utilizado no art. 355 do Código Eleitoral.
Não é despiciendo alertar para o fato de os débitos anistiados pelas normas legais anteriores terem a natureza de penalidade administrativa, caso dos arts. 7o e 124 do Código Eleitoral, citados anteriomente, ou serem pena pecuniária de natureza criminal, cominada em substituição à pena privativa de liberdade (art. 344 do Código Eleitoral). O mesmo não ocorre com a disposição do art. 2o da norma projetada, uma vez que muitos crimes eleitorais são punidos com pena privativa de liberdade e pena pecuniária, concomitantemente (v. art. 348 do Código Eleitoral, entre outros). Nesses casos, o infrator tem o benefício da anistia apenas em relação ao débito, persistindo a pena de privação da liberdade, ou seja, o fato continua merecendo repúdio, com a conseqüente privação deste do convívio social, sem, contudo, que o Estado persista em seu interesse de punir monetariamente.
Muito embora o poder concedente da anistia possa estabelecer os termos em que ela se dará, parece-nos que a anistia de parte da condenação, apenas a relativa aos débitos, nos crimes em que há pena cominada de privação de liberdade, afasta-se do conceito tradicional de anistia, o esquecimento do passado, como era chamado entre os gregos, ou o esquecimento de determinadas infrações criminais - a lex oblivionis dos romanos constituindo-se em nova modalidade do instituto, uma vez que o esquecimento do Estado não apaga o fato, mas apenas parte de sua conseqüência. Ora, ou a pena de multa não deve ser imputada ao fato ou ela é devida. Se ela não deve ser imputada, cabe alteração legal nesse sentido; se ela é devida mas o Poder Público resolve não aplicá-la, em virtude da anistia, é necessária motivação política e social para isso, sem o que o benefício será em prol do indivíduo e não da coletividade, ou seja, não será propriamente anistia.
A motivação política ou social que respaldaria a anistia pretendida no art. 2o, nos termos amplos em que está projetada, não foi suficientemente esclarecida, como se depreende das justificativas apresentadas por ocasião das emendas da Câmara dos Deputados, juntadas aos autos, o que poderá ensejar o veto ao art. 2o, por contrariedade ao interesse público. Igualmente, o art. 1o da proposta, a par de encontrar precedente na legislação pátria, poderá gerar, pela reiteração de normas legais de anistia com o mesmo fundamento, falsa idéia de impunidade, desestimulando o cidadão a cumprir seu dever constitucional de votar e de, se convocado, atender ao chamado do Poder Judiciário. Assim, a concessão de anistia de tamanha amplitude poderá ser um estímulo a atos lesivos ao processo eleitoral e aos padrões igualitários que o norteiam, decorrente da presunção de impunidade que adviria de, em parte, reiterado e, na totalidade, perigoso precedente legal concessivo do benefício."
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar totalmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 21 de dezembro de 1999.
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 22.12.1999