Secretaria-Geral

 

PROJETO DE LEI

Dispõe sobre a representação privada de interesses realizada por pessoas naturais ou jurídicas junto a agentes públicos.

 

       O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

 

Art. 1º  Esta Lei dispõe sobre a representação privada de interesses realizada por pessoas naturais ou jurídicas junto a agentes públicos, em observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade de que trata o art. 37 da Constituição.

Art. 2º  Esta Lei se aplica:

I - aos Poderes Públicos e aos órgãos constitucionalmente autônomos dos entes federativos;

II - às autarquias e às fundações públicas;

III - aos consórcios públicos; e

IV - às empresas públicas e às sociedades de economia mista.

Parágrafo único.  Esta Lei não se aplica às interlocuções entre pessoas jurídicas de direito público, interno ou externo, ou à representação privada de interesses realizada junto:

I - às empresas públicas e às sociedades de economia mista, naquilo que estiver abrangido por seu sigilo comercial ou industrial;

II - aos serviços sociais autônomos; e

III - aos conselhos profissionais.

Art. 3º  Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I - representação privada de interesses - interação entre agente privado e agente público destinada a influenciar processo decisório da administração pública, conforme interesse privado próprio ou de terceiro, individual, coletivo ou difuso, no âmbito de:

a) formulação, implementação e avaliação de estratégia de governo ou de política pública ou de atividades a elas correlatas;

b) edição, alteração ou revogação de ato normativo;

c) planejamento de licitações e contratos; e

d) edição, alteração ou revogação de ato administrativo;

II - representante de interesses - pessoa natural ou jurídica que se dedique, de maneira habitual ou circunstancial, profissionalmente ou não, à representação privada de interesse próprio ou de terceiro, individual, coletivo ou difuso, com remuneração ou não, com ou sem vínculo trabalhista com o representado;

III - agente público - o agente político, o servidor público e todo aquele que exerça, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, por nomeação, por designação, por contratação ou por qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 2º;

IV - audiência - compromisso presencial ou telepresencial do qual participe agente público e em que haja representação privada de interesses;

V - presente - bem, serviço ou vantagem de qualquer espécie recebido de quem tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe, e que não configure brinde ou hospitalidade;

VI - brinde - item de baixo valor econômico e distribuído de forma generalizada a título de cortesia, propaganda ou divulgação habitual, conforme estabelecido em regulamento; e

VII - hospitalidade - oferta de serviço ou despesas com transporte, com alimentação, com hospedagem, com cursos, com seminários, com congressos, com eventos, com feiras, com atividades de entretenimento, custeadas por agente privado para agente público no interesse institucional do órgão ou da entidade em que atua.

Parágrafo único.  É considerado audiência o compromisso, presencial ou telepresencial, entre dois agentes públicos, quando um deles estiver representando interesse e se encontrar em licença para desempenho de mandato classista nos termos do disposto no art. 92 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Art. 4º  Para fins do disposto nesta Lei, não constituem representação privada de interesses:

I - o atendimento a usuários de serviços públicos e as manifestações e demais atos de participação desses usuários, nos termos do disposto na Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017;

II - a realização de atividades relacionadas à comercialização de produtos ou de serviços por empresa pública, por sociedade de economia mista ou por suas subsidiárias;

III - a prática de atos no âmbito de processos judiciais ou administrativos, na forma estabelecida na legislação processual;

IV - a prática de atos com a finalidade de expressar opinião técnica ou de prestar esclarecimentos solicitados por agente público, desde que a pessoa que expresse a opinião ou o esclarecimento não participe de processo de decisão em atuação estatal como representante de interesses;

V - o envio de informações ou documentos em resposta ou em cumprimento de solicitação ou de determinação de agentes públicos;

VI - a solicitação de informações nos termos do disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;

VII - o exercício do direito de petição ou de obtenção de certidões junto aos Poderes Públicos, nos termos do disposto no inciso XXXIV do caput do art. 5º da Constituição;

VIII - o comparecimento à sessão ou à reunião em órgãos ou entidades públicos, no exercício do direito de acompanhamento de atividade política; e

IX - o contato eventual entre agentes públicos e interessados em processos decisórios relacionados àqueles, ocorrido em eventos ou em situações sociais, de maneira casual ou não intencional, exceto se dos fatos e das circunstâncias apurados puder ser comprovada a representação de algum interesse.

 

CAPÍTULO II

DA REPRESENTAÇÃO PRIVADA DE INTERESSES JUNTO A AGENTES PÚBLICOS

 

Art. 5º  A atividade de representação privada de interesses tem como princípios:

I - o reconhecimento do caráter legítimo e democrático das atividades de representação privada de interesses;

II - a legalidade, a ética e a probidade;

III - a transparência e a integridade; e

IV - a isonomia de tratamento dos representantes de interesses junto ao Poder Público.

Art. 6º  Os representantes de interesses poderão ser ouvidos em audiência mediante solicitação própria ou a convite de agente público, ou como expositores em audiências públicas.

§ 1º  Aos órgãos e às entidades de quaisquer dos Poderes prezarão pela isonomia de tratamento àqueles que solicitarem audiências sobre a mesma matéria.

§ 2º  Ato dos titulares dos Poderes dos entes federativos disporá sobre a forma e sobre as condições de realização da consulta pública ou da audiência pública para os fins do disposto no § 1º.

Art. 7º  A representação privada de interesse de que trata esta Lei abrange atividades presenciais ou telepresenciais, realizadas dentro ou fora do local de trabalho, com ou sem agendamento prévio, em território nacional ou estrangeiro.

Parágrafo único.  A audiência em que ocorrer representação de interesses deverá ser atendida por, no mínimo, dois agentes públicos, ou ser realizada de modo que, nos termos do disposto nas normas do ente federativo, torne possível verificar a observância dos princípios dispostos no art. 5º.

 

CAPÍTULO III

DA TRANSPARÊNCIA E DA INTEGRIDADE NA REPRESENTAÇÃO PRIVADA DE INTERESSES

 

Art. 8º  Os órgãos e as entidades federais publicarão em transparência ativa informações sobre audiências de que participem as seguintes autoridades:

I - os Ministro de Estado;

II - os Comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica e os Oficiais-Generais;

III - os ocupantes de Cargos Comissionados Executivos - CCE de níveis 15 a 18 ou equivalentes;

IV - o presidente, o vice-presidente e o diretor, ou equivalentes, de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista federais;

V - os membros do Poder Legislativo;

VI - os membros dos Tribunais de Contas;

VII - os membros do Poder Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça; e

VIII - os membros do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público.

§ 1º  Cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios obedecidas as normas gerais estabelecidas nesta Lei, definir regras específicas sobre a divulgação por agentes públicos equivalentes aos previstos no caput das informações sobre representação privada de interesses.

§ 2º  As autoridades de que trata este artigo, ou as pessoas por eles designadas, são responsáveis pela veracidade, pela completude e pelo registro tempestivo das informações das audiências de que participem.

§ 3º  São dispensadas de divulgação as informações nas hipóteses:

I - cujo sigilo seja imprescindível à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado, incluídas as atividades de segurança e de defesa cibernética; e

II - de sigilo previsto em leis específicas.

Art. 9º  O representante de interesses deverá registrar as informações referentes à audiência solicitada no sistema do Poder Público ou fornecê-las para registro pelo agente público, previamente a cada audiência para representação privada de interesses junto a agente público de que trata o art. 8º, e incluir, no mínimo:

I - a identificação dos participantes da audiência;

II - a identificação do cliente;

III - a descrição do assunto; e

IV - o propósito do interesse a ser representado.

Art. 10.  A partir das informações previstas no art. 9º, os Poderes Públicos deverão disponibilizar na internet as agendas das autoridades de que trata o art. 8º e as informações das audiências realizadas.

§ 1º  Os registros a que se refere o caput deverão permanecer disponíveis para visualização e consulta, em transparência ativa e em formato aberto, pelo prazo mínimo de cinco anos, observados os requisitos estabelecidos no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 2011.

§ 2º  Encerrado o prazo estabelecido no § 1º, os registros deverão permanecer armazenados em banco de dados em guarda permanente.

§ 3º  As informações de audiências dos agentes públicos previstos no art. 8º deverão ser disponibilizadas no prazo de sete dias corridos, contado da ocorrência da atividade.

§ 4º  No âmbito do Poder Executivo federal, caberá à Controladoria-Geral da União criar, manter e disponibilizar sistema de registro das audiências previstas nesta Lei, e disponibilizar as informações em transparência ativa.

Art. 11.  Os Poderes Públicos deverão estabelecer mecanismos e procedimentos internos de integridade, com adoção de regras efetivas de auditoria, transparência, conflito de interesses e incentivo à denúncia de irregularidades e à aplicação efetiva de normativos de ética e de conduta.

Art. 12.  É livre o exercício da atividade de representação privada de interesses e o exercício desse direito somente poderá ser suspenso na hipótese de prática das infrações previstas no art. 16.

§ 1º  A realização de audiência para representação privada de interesses junto a agente público é condicionada ao registro ou ao fornecimento, pelo representante de interesses, das informações necessárias à publicidade do compromisso, conforme previsto no art. 9º.

§ 2º  O representante de interesses deverá declarar que se submete aos princípios e às normas estabelecidas nesta Lei e, se couber, aos normativos de ética e de conduta da empresa de que são empregados, sócios ou contratados, ou de associações a que são filiados, antes da realização da audiência de trata o § 1º.

§ 3º  Cada Poder Público constituirá um banco de dados das audiências a partir de seus registros, o qual deverá permanecer disponível para visualização e consulta na forma disciplinada nos respectivos regulamentos, e conterá, no mínimo:

I - o nome do representante de interesses;

II - o nome da eventual instituição de representação privada de interesses da qual este seja sócio, dirigente, empregado ou contratado;

III - a lista de seus clientes representados junto àquele Poder Público; e

IV - a lista das audiências realizadas, com as respectivas informações.

§ 4º  No âmbito do Poder Executivo federal, caberá à Controladoria-Geral da União criar, manter e disponibilizar em transparência ativa as informações de que trata este artigo.

Art. 13.  As hospitalidades previstas no inciso VII do caput do art. 3º poderão ser custeadas, no todo ou em parte, por agente privado, observados os interesses institucionais do órgão ou da entidade e respeitados os limites e as condições estabelecidos nos respectivos regulamentos, atentando-se sempre para possíveis riscos à integridade e à imagem do Poder Público.

§ 1º  Os itens de hospitalidade devem ser:

I - diretamente relacionados com os propósitos legítimos do órgão ou da entidade;

II - ofertados em circunstâncias apropriadas de interação profissional; e

III - de valor compatível, na hipótese de as hospitalidades serem ofertadas a outras pessoas nas mesmas condições.

§ 2º  O custeio de itens de hospitalidade será feito por meio de:

I - pagamento direto pelo agente privado ao prestador de serviços; ou

II - valores compensatórios diretamente ao agente público, sob a forma de diárias ou de ajuda de custo.

§ 3º  Na hipótese prevista no inciso II do § 2º, é necessário que o pagamento seja autorizado pela autoridade competente e sejam respeitados os limites e as condições estabelecidos nos respectivos regulamentos.

§ 4º  Os itens de hospitalidade recebidos pelos agentes públicos de que trata o art. 8º deverão ser divulgados na internet.

Art. 14.  Na hipótese de não ser viável a recusa ou a devolução imediata de presente, o agente público deverá entregá-lo ao órgão, à entidade ou ao setor responsável, ou solicitar orientação de como solucionar a situação, conforme estabelecido em regulamento de cada Poder Público.

 

CAPÍTULO IV

DO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO

Seção I

Das infrações praticadas por agentes públicos

 

Art. 15.  São infrações administrativas disciplinares as seguintes condutas de agentes públicos federais:

I - aceitar, para si ou para outrem, presentes, brindes e hospitalidades fora das condições estabelecidas nesta Lei e em regulamento do órgão ou da entidade;

II - disponibilizar, declarar ou fazer inserir as informações de que trata o art. 9º, de forma falsa, diversa ou omissa daquela que deveria ter sido registrada; e

III - obstar a inclusão das informações no registro previsto no art. 9º.

§1º  A infração estabelecida no inciso I do caput será punida com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou função comissionada, exceto na hipótese de reduzida lesividade para o serviço público, em que será aplicada a suspensão.

§2º  As infrações previstas nos incisos II e III do caput serão punidas com suspensão, exceto na hipótese de reduzida lesividade para o serviço público, em que se aplicará a advertência.

 

Seção II

Das infrações praticadas por representantes de interesses

 

Art. 16.  São infrações administrativas os seguintes atos praticados por representante de interesses:

I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada:

a) presente, em razão das atribuições do agente público, ou se houver interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe; e

b) brindes e hospitalidades fora dos limites e das condições estabelecidos em regulamento aplicável ao agente público; e

II - prestar as informações de que trata o art. 9º com:

a) ocultação de situação jurídica incompatível com o exercício da atividade de representação privada de interesses;

b) declaração em desacordo, na extensão ou no conteúdo, com a representação privada de interesses de fato realizada junto ao Poder Público, desde que comprovada a intenção de ocultar os reais interesses defendidos; e

c) ocultação ou dissimulação dos reais clientes ou interesses representados.

Art. 17.  Na esfera administrativa, será aplicada aos representantes de interesses pelo cometimento das infrações administrativas previstas no art. 16 a sanção de suspensão do direito de solicitar e de ser convidado para audiências, e de participar como expositor em audiências públicas no ente federativo onde tiver sido cometida a infração, por até cinco anos.

Art. 18.  Serão considerados na aplicação da sanção de suspensão:

I - a natureza e a gravidade da infração cometida;

II - as peculiaridades do caso concreto;

III - as circunstâncias agravantes ou atenuantes; e

IV - a implementação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme estabelecido em normas e em orientações dos órgãos de controle.

 

CAPÍTULO V

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO DO REPRESENTANTE DE INTERESSES

 

Art. 19.  A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade do representante de interesses cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

§ 1º  A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo poderá ser delegada, vedada a subdelegação.

§ 2º  No âmbito do Poder Executivo federal, compete à Controladoria-Geral da União instaurar processos administrativos de responsabilização do representante de interesses.

Art. 20.  O processo administrativo terá prazo de cento e oitenta dias, contado da data da publicação do ato que o instaurar, e poderá ser prorrogado mediante ato fundamentado da autoridade instauradora.

Art. 21.  Será concedido ao representante de interesses prazo de trinta dias para defesa, contado da data de sua intimação.

Art. 22.  Após a instrução do processo será apresentado à autoridade julgadora relatório sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade do representante de interesses, com sugestão motivada sobre a duração da sanção de suspensão a ser aplicada.

Art. 23.  Aplicam-se subsidiariamente as disposições da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, ao processo administrativo de que trata este Capítulo.

 

CAPÍTULO VI

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 24.  Os órgãos e as entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dos entes federativos deverão, no prazo de quinze dias úteis, contado da data de aplicação da sanção de suspensão, informar e manter atualizados os dados relativos à sanção por eles aplicada, para fins de publicidade no Cadastro Nacional de Representante de Interesses Suspensos - CRIS.

Art. 25.  Prescrevem no prazo de cinco anos as infrações previstas nesta Lei, contado da data da ciência da infração ou, na hipótese de infração permanente ou continuada, da data em que tiver cessada, e a prescrição será:

I - interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração; ou

II - suspensa por decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa.

Art. 26.  A aplicação das sanções previstas nesta Lei não exclui a instauração de processos de responsabilização e a aplicação de penalidades decorrentes de atos lesivos previstos na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.

§ 1º  Brindes e hospitalidades ofertados segundo as condições estabelecidas nesta Lei não serão considerados vantagens indevidas a agentes públicos, para fins de tipificação penal, de improbidade ou do disposto na Lei nº 12.846, de 2013.

§ 2º  O disposto no § 1º aplica-se a presentes e hospitalidades ofertados fora das condições estabelecidas nesta Lei, na hipótese de o interessado comprovar que os itens:

I - tinham valor razoável;

II - não visavam influenciar indevidamente a atuação do agente público ou o ofertante não tinha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe;

III - tinham sido ofertados ou entregues publicamente, e não em segredo; e

IV - tinham sido registrados e classificados de maneira detalhada e completa na escrituração contábil da pessoa jurídica ofertante.

Art. 27.  Os Códigos de Conduta e Integridade de que trata o § 1º do art. 9º da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, estabelecerão normas relativas à representação privada de interesses.

Art. 28.  Esta Lei entra em vigor um ano após a data de sua publicação.

Brasília,