Presidência da República
Casa Civil
Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos

PROJETO DE LEI Nº 2.762, DE 2024

Mensagem nº 484

Exposição de Motivos

Institui a Política Nacional de Cuidados.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I

DA POLÍTICA NACIONAL DE CUIDADOS

Art. 1º  Fica instituída a Política Nacional de Cuidados, destinada a garantir o direito ao cuidado, por meio da promoção da corresponsabilização social e de gênero pela provisão de cuidados, consideradas as desigualdades interseccionais.

§ 1º  Todas as pessoas têm direito ao cuidado.

§ 2º  O direito ao cuidado de que trata o caput compreende o direito a ser cuidado, a cuidar e ao autocuidado.

Art. 2º  A Política Nacional de Cuidados é dever do Estado, compreendidos a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios, no âmbito de suas competências e atribuições, em corresponsabilidade com as famílias, o setor privado e a sociedade civil.

Parágrafo único.  Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir as suas próprias políticas, em conformidade com o disposto nesta Lei.

Art. 3º  A Política Nacional de Cuidados será implementada, de forma transversal e intersetorial, por meio do Plano Nacional de Cuidados.

CAPÍTULO II

DOS OBJETIVOS

Art. 4º  São objetivos da Política Nacional de Cuidados:

I - garantir o direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, sob a perspectiva integral e integrada de políticas públicas que reconheçam a interdependência da relação entre quem cuida e quem é cuidado;

II - promover políticas públicas que garantam o acesso ao cuidado com qualidade para quem cuida e para quem é cuidado;

III - promover a implementação de ações pelo setor público que possibilitem a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares relacionadas ao cuidado;

IV - incentivar a implementação de ações do setor privado e da sociedade civil, de forma a possibilitar a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares de cuidado;

V - promover o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores remunerados do cuidado, de maneira a enfrentar a precarização e a exploração do trabalho;

VI - promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres;

VII - promover o enfrentamento das desigualdades estruturais e interseccionais no acesso ao direito ao cuidado, de modo a reconhecer a diversidade de quem cuida e de quem é cuidado; e

VIII - promover a mudança cultural relacionada à divisão sexual, racial e social do trabalho de cuidado.

CAPÍTULO III

DAS DEFINIÇÕES

Art. 5º  Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I - cuidado - trabalho cotidiano de produção de bens e serviços necessários à sustentação e à reprodução diária da vida humana, da força de trabalho, da sociedade e da economia, e à garantia do bem-estar de todas as pessoas;

II - organização social do cuidado - forma como o Estado, as famílias, o setor privado e a sociedade civil se inter-relacionam para prover cuidado, e a forma que os domicílios e os seus membros dele se beneficiam;

III - corresponsabilidade social pelos cuidados - compartilhamento de responsabilidades pelos atores sociais que possuem o dever ou a capacidade de prover cuidado, incluídos o Estado, as famílias, o setor privado e a sociedade civil;

IV - corresponsabilidade de gênero pelos cuidados - compartilhamento de responsabilidades pelo cuidado, de forma equitativa, entre mulheres e homens;

V - desigualdades interseccionais - intersecção de diversas dimensões de exclusão e subordinação com base em critérios de classe, gênero, raça, etnia, orientação sexual, idade, território e deficiência que operam na estruturação e na reprodução das desigualdades sociais e da experiência de vida das pessoas e dos grupos sociais;

VI - universalismo progressivo e sensível às diferenças - efetivação da garantia do direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, consideradas as desigualdades estruturais; e

VII - trabalhadoras e trabalhadores não remunerados do cuidado - pessoas que exerçam o trabalho de cuidado nos domicílios, sem vínculo empregatício e sem obtenção de remuneração.

CAPÍTULO IV

DOS PRINCÍPIOS

Art. 6º  São princípios da Política Nacional de Cuidados:

I - respeito à dignidade e aos direitos humanos de quem recebe cuidado e de quem cuida;

II - universalismo progressivo e sensível às diferenças;

III - equidade e não discriminação;

IV - promoção da autonomia, da independência e da autodeterminação das pessoas;

V - corresponsabilidade social e de gênero;

VI - antirracismo;

VII - anticapacitismo;

VIII - anti-idadismo;

IX - interdependência entre as pessoas e entre quem cuida e quem é cuidado;

X - direito à convivência familiar e comunitária; e

XI - valorização e respeito à vida, à cidadania, às habilidades e aos interesses das pessoas.

CAPÍTULO V

DAS DIRETRIZES

Art. 7º  São diretrizes da Política Nacional de Cuidados:

I - a integralidade do cuidado;

II - a transversalidade, a intersetorialidade, a interseccionalidade e a interculturalidade das políticas públicas de cuidados;

III - a garantia da participação e do controle social das políticas públicas de cuidados na formulação, na implementação e no acompanhamento de suas ações, programas e projetos;

IV - a atuação permanente, integrada e articulada das políticas públicas de saúde, assistência social, direitos humanos, educação, trabalho e renda, esporte, lazer, cultura, mobilidade, previdência social e demais políticas públicas que possibilitem o acesso ao cuidado ao longo da vida;

V - a simultaneidade na oferta dos serviços para quem cuida e para quem é cuidado, reconhecida a relação de interdependência entre ambos;

VI - a acessibilidade em todas as dimensões, em conformidade com o disposto na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015;

VII - a territorialização e a descentralização dos serviços públicos ofertados, considerados os interesses de quem cuida e de quem é cuidado;

VIII - a articulação interfederativa;

IX - a formação continuada e permanente nos temas de cuidados para:

a) servidoras e servidores federais, estaduais, distritais e municipais que atuem na gestão e na implementação de políticas públicas;

b) prestadores de serviços que atuem na rede de serviços públicos ou privados; e

c) trabalhadoras e trabalhadores do cuidado remunerados e não remunerados, incluídos os familiares e comunitários; e

X - o reconhecimento e a valorização do trabalho de quem cuida e do cuidado como direito, com a promoção da corresponsabilização social e de gênero, respeitada a diversidade cultural dos povos.

Parágrafo único.  Para fins do disposto no inciso I do caput, a integralidade do cuidado compreende o atendimento das demandas e das necessidades de cuidado das pessoas em todas as dimensões, como receptoras e provedoras do cuidado, considerados os contextos social, econômico, familiar, territorial e cultural em que estão inseridas.

CAPÍTULO VI

DO PÚBLICO PRIORITÁRIO

Art. 8º  A Política Nacional de Cuidados terá como público prioritário:

I - crianças e adolescentes, com atenção especial à primeira infância;

II - pessoas idosas que necessitem de assistência, apoio ou auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária;

III - pessoas com deficiência que necessitem de assistência, apoio ou auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária;

IV - trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado; e

V - trabalhadoras e trabalhadores não remunerados do cuidado.

§ 1º  As desigualdades interseccionais serão consideradas para definir o público prioritário da Política Nacional de Cuidados.

§ 2º  A ampliação do público prioritário poderá ser realizada de forma progressiva, consideradas as necessidades de apoio e de auxílio, as demandas das trabalhadoras e dos trabalhadores remunerados e não remunerados do cuidado e as novas demandas relativas ao cuidado.

CAPÍTULO VII

DO PLANO NACIONAL DE CUIDADOS

Art. 9º  O Poder Executivo federal elaborará o Plano Nacional de Cuidados, na forma prevista em regulamento, no qual serão estabelecidos ações, metas, indicadores, instrumentos, período de vigência e de revisão, órgãos e entidades responsáveis.

§ 1º  O Plano Nacional de Cuidados buscará a consecução de seus objetivos por meio de ações intersetoriais nas áreas de assistência social, saúde, educação, trabalho e renda, cultura, esportes, mobilidade, previdência social, direitos humanos, políticas para as mulheres, políticas para a igualdade racial, políticas para os povos indígenas e para as comunidades tradicionais, desenvolvimento agrário e agricultura familiar, dentre outras.

§ 2º  O Plano Nacional de Cuidados disporá, no mínimo, sobre:

I - garantia de direitos e promoção de políticas públicas para a pessoa que necessita de cuidados e para a trabalhadora e o trabalhador não remunerado do cuidado, incluídos a criação, a ampliação, a qualificação e a integração de serviços de cuidado, os benefícios, a regulamentação e a fiscalização de serviços públicos e privados;

II - estruturação de iniciativas de formação e de qualificação para a trabalhadora e o trabalhador não remunerado do cuidado;

III - fomento à adoção, pelos setores público e privado, de medidas que promovam a compatibilização entre o trabalho remunerado e as necessidades pessoais e familiares de cuidados;

IV - promoção do trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores remunerados do cuidado, incluída a garantia de direitos trabalhistas e de proteção social, o enfrentamento da precarização do trabalho e a estruturação de programas de formação e de qualificação profissional para essas trabalhadoras e esses trabalhadores;

V - estruturação de medidas para redução da sobrecarga de trabalho não remunerado que recai sobre as famílias, em especial sobre as mulheres, com a promoção da corresponsabilidade social e de gênero;

VI - políticas públicas para a transformação cultural, relativas à divisão sexual, racial e social do cuidado, para o reconhecimento e a valorização de quem cuida e do cuidado como trabalho e direito, com a promoção da corresponsabilização social e de gênero;

VII - estruturação de iniciativas de formação destinadas a servidores públicos, prestadores de serviços de cuidados e sociedade; e

VIII - aprimoramento contínuo de dados provenientes de estatísticas e de registros administrativos sobre o tema para subsidiar a gestão da Política Nacional de Cuidados e para reconhecer e mensurar o valor econômico e social do trabalho de cuidado não remunerado.

§ 3º  O Plano Nacional de Cuidados será implementado por meio da atuação intersetorial e da articulação interfederativa, e da integração entre a rede pública e privada de serviços, programas, projetos, ações, benefícios e equipamentos destinados à garantia do direito ao cuidado.

CAPÍTULO VIII

DA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA

Art. 10.  O Poder Executivo federal disporá sobre a estrutura de governança do Plano Nacional de Cuidados, suas competências, seu funcionamento e sua composição, por meio de regulamento, observada a intersetorialidade, a articulação interfederativa, a participação e o controle social.  

Parágrafo único.  O Plano Nacional de Cuidados deverá ser implementado de forma descentralizada e articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

CAPÍTULO IX

DO FINANCIAMENTO

Art. 11.  A Política Nacional de Cuidados será custeada por:

I - dotações orçamentárias do Orçamento Geral União consignadas aos órgãos e às entidades da administração pública federal participantes do Plano Nacional de Cuidados, observada a disponibilidade financeira e orçamentária;

II - fontes de recursos destinadas por órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, observada a disponibilidade financeira e orçamentária;

III - recursos provenientes de doações, de qualquer natureza, feitas por pessoas físicas ou jurídicas, do País ou do exterior; e

IV - outras fontes de recursos nacionais ou internacionais, compatíveis com o disposto na legislação.

CAPÍTULO X

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 12.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,